sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Roda Gigante

NOTAS DA SESSÃO:

- A ambientação em Coney Island nos anos 50 é bem interessante, mas a história em si começa um pouco morna, com personagens pouco atraentes, uma situação não especialmente empolgante (a chegada da filha não transforma a vida do casal pra algo mais interessante; não é criado um verdadeiro suspense em cima dos gângsters, a relação entre a filha e o casal é meio desagradável, etc).

- A fotografia do Vittorio Storaro é bem chamativa e tem momentos lindos, mas é de novo o que falei em Café Society: a história não parece pedir um visual tão exuberante assim (não há nada de tão glamouroso a respeito desses personagens e dessa situação pra justificar o estilo, então o visual às vezes parece não casar direito com o conteúdo).

- Me incomoda um pouco ver a Kate Winslet nesse papel. Não acho que ela fica bem interpretando essa mulher comum, imperfeita, mal humorada. É como se o papel a reduzisse, em vez de fazê-la brilhar. Ela pra mim é tipo uma Julie Andrews, uma Julia Roberts... Sua aparência transmite uma nobreza, uma pureza de espírito tão grande que se torna frustrante vê-la menor que isso. Curiosamente, acho que esse é o primeiro filme do Woody Allen em mais de 40 anos sem a participação de sua diretora de casting "oficial", Juliet Taylor, o que talvez explique essa escolha duvidosa.

- O caso entre ela e o Justin Timberlake também não convence direito, os 2 não têm química alguma. E não há uma mensagem interessante a respeito de fidelidade, casamento, etc. É apenas Woody expondo sua visão trágica de relacionamentos mais uma vez. Depois pra piorar há a reviravolta chata do Justin se interessar pela enteada da Kate. É a velha ideia de que não adianta ter qualquer tipo de virtude, pois no fim os homens sempre serão dominados por seus instintos primitivos e irão escolher ficar com a novinha fútil e sexy.

- O monólogo da Kate Winslet embaixo do píer na primeira cena de sexo tem uns momentos bonitos.

- Mais Pessimismo: em vez da Kate perceber que essa aventura com o Justin foi um erro desde o início e tomar responsabilidade pela situação, ela vai ficando cada vez mais desequilibrada e ciumenta, e sua vida vai virando cada vez mais um inferno (em cima disso ainda tem o filho colocando fogo nas coisas - algo que não tem muito propósito na história exceto criar uma espécie de simbolismo pra destruição). Não é como em Blue Jasmine, onde podíamos rir da neurose da Cate Blanchett e encarar a decadência dela de maneira não-séria.

- Essa visão pessimista da natureza humana às vezes me soa como uma tentativa de justificar as escolhas erradas das pessoas: afinal, se você se convence que a condição humana é mentir pra si mesmo pra poder sobreviver, que razão e emoção estão sempre em conflito (você admira uma pessoa, mas sente atração por outra) então se você trai seu marido, por exemplo, isso é apenas "natureza humana", não é sua responsabilidade totalmente.

- Achei difícil de acreditar que a Kate Winslet roubaria o dinheiro do marido pra comprar um relógio de ouro pro Justin. Toda essa transformação dela de uma mulher normal pra uma maluca completa não convence direito. Se ela fosse desequilibrada desde o começo, uma figura caricata, menos humanizada, daí seria mais fácil de aceitar.

- SPOILER: A ideia pro assassinato da Carolina é boa. Os filmes mais modernos do Woody Allen quase sempre têm essas reviravoltas inteligentes onde 2 ou 3 elementos da história se unem de maneira engenhosa e irônica.

- SPOILER: O final é apenas mais uma afirmação de que a vida é trágica. A Kate continua no casamento infeliz, trabalhando como garçonete, e a confusão toda não serviu pra nada. A imagem final do filho observando a fogueira é só pra dizer que há algo de niilista na natureza humana - que temos certo fascínio pela destruição em si, etc.

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CONCLUSÃO: Inteligente e bem realizado como se espera de um filme do Woody Allen, mas a história e os personagens dessa vez não são dos mais envolventes.

Wonder Wheel / EUA / 2017 / Woody Allen

FILMES PARECIDOS: Café Society (2016) / Magia ao Luar (2014)

NOTA: 6.0

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O Rei do Show


Mais um desastre pra coleção de desastres cinematográficos de 2017 (como falei de O Livro de Henry, Boneco de Neve, etc). Musical é o gênero mais difícil de se fazer na minha opinião, ainda mais quando se trata de um musical original como O Rei do Show, onde não existem versões anteriores pra darem uma referência de como o material pode funcionar. Então não me perguntem por que jogaram esse projeto nas mãos de um diretor que não só nunca tinha dirigido um musical antes, como não tinha dirigido NENHUM filme antes. Foi pedir pra fracassar (se o filme for mal nas bilheterias, depois o estúdio irá se lamentar dizendo que "musical é um gênero arriscado").


Em termos de produção o filme é incrivelmente bem feito (a fotografia lindíssima é do Seamus McGarvey que fez Anna Karenina, Desejo e Reparação). Há várias pessoas talentosas na equipe - talvez o único amador mesmo seja o principal que é o diretor. 

Mas o material criativo também já era fraco. As músicas são ruins, surgem de forma errada na história, a coreografia é de um mau gosto indescritível, a história é mal contada, os personagens não têm um pingo de carisma (o casting é tão equivocado que colocaram o Zac Efron pra representar uma espécie produtor sofisticado que apela pros gostos da elite!). O filme já teria sido mal sucedido o bastante se fosse apenas uma história genérica e inautêntica sobre sucesso, busca de sonhos, etc. Mas quando ele começa a fazer "justiça social", levantar a bandeira da diversidade "empoderando" mulheres barbadas, pessoas com problemas genéticos, daí eu perco a boa vontade que teria se o problema aqui fosse apenas falta de talento ou experiência com o gênero.

The Greatest Showman / EUA / 2017 / Michael Gracey

FILMES PARECIDOS: Burlesque (2010) / Across the Universe (2007)

NOTA: 2.0

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Star Wars: Os Últimos Jedi

É o que falei na minha última postagem sobre Idealismo - aquilo que descrevi como uma das atitudes mais perversas de todas: quando os anti-idealistas se infiltram num gênero idealista pra destruí-lo de dentro.

Minha reação vendo o filme me lembrou daquela personagem de Vampiros de Almas que está convencida de que seu tio não é mais seu tio, mas um impostor que se apoderou de seu corpo. "Ele tem a mesma aparência que o tio Ira, a mesma voz, o mesmo comportamento, e lembra das mesmas coisas que ele. Mas ele não é o tio Ira, há algo faltando!".

E o problema com os anti-idealistas é que, como eles não são motivados por um verdadeiro senso de paixão pela arte, pelo entretenimento, pelo desejo de encantar o público, eles nunca são tão empenhados e talentosos quanto os idealistas. Então além deles destruirem a obra espiritualmente, eles a destroem esteticamente, entregando um trabalho comum, esquisito, inferior (exceto claro na parte mais concreta da produção, nos efeitos especiais, etc, que são sempre incríveis no caso de Star Wars).

Entre os diversos absurdos que vi no filme (como Luke Skywalker fazendo piadas nonsense como se estivesse num show de stand-up, ou quando ele joga fora o sabre de luz feito uma casca de banana, ou o Yoda niilista que taca fogo num templo milenar dos Jedi), vou destacar 1 que chegou a ser cômico de tão ruim: a cena em que a Rose Tico (a primeira "heroína" esquerdista/justiceira-social da saga pelo que me lembro) comete um ato de auto-sacrifício pra salvar o Finn - que por sua vez estava no meio de um ato de auto-sacrifício próprio (SIM, ela se sacrifica para impedi-lo de se sacrificar, gerando um final com sacrifício duplo, pague-1-e-leve-2).

É triste ver John Williams, Mark Hamill, Carrie Fisher se submetendo a isso, dando um ar de oficialidade pra um filme que de Star Wars só tem a embalagem.

**** Depois dessa postagem cheguei a rever o filme e publiquei minhas anotações habituais comentando as cenas em detalhes: Star Wars: Os Últimos Jedi (anotações)

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Star Wars: Episode VIII - The Last Jedi / EUA / 2017 / Rian Johnson

NOTA: 3.5

Idealismo, Não Idealismo e Anti-Idealismo

(Capítulo 15 do livro Idealismo: Os Princípios Esquecidos do Cinema Americano)

Até agora, estávamos focados mais nos positivos: em explicar o que é o Idealismo e quais seus elementos fundamentais. No entanto, tão importante quanto definir o que é o Idealismo, é entender o que ele não é e quem são seus opositores.

Existem muitas formas de agrupar e classificar filmes com base em valores, mas uma que acho bastante útil é agrupá-los de acordo com seus posicionamentos em relação ao Idealismo: se são a favor, indiferentes, ou contrários a ele.

IDEALISMO

Como já defini antes, essas são as obras e artistas com uma atitude pró-felicidade, pró-autoestima, pró-prazer, que colocam a experiência do espectador em 1º lugar, que apresentam para o público eventos e personagens atraentes, uma narrativa estimulante, que desejam inspirar o espectador mostrando virtude, uma realidade melhorada, moldada de acordo com a visão e os interesses do artista.

Vale observar que uso o termo Idealismo não no sentido platônico de ser algo que se passa apenas na imaginação, de ser uma fantasia, e sim no sentido de refletir uma busca pelo ideal, pelo melhor possível. Um filme de fantasia pode ser Anti-Idealista se ele for hostil a valores como a Benevolência e a Autoestima, e um documentário pode ser Idealista se ele for favorável a estes mesmos valores. Ser Idealista nada tem a ver com “realidade vs. fantasia”, e sim com a atitude de se estar buscando prazer, virtude, felicidade etc. 

NÃO IDEALISMO

Não Idealistas são aqueles artistas que se mostram indiferentes aos valores do Idealismo. Acham (ou fingem) que essas não são questões primordiais, e tentam buscar significância mostrando um conjunto diferente de valores, mas não necessariamente atacando o Idealismo de maneira explícita. Esta categoria inclui, principalmente, obras Naturalistas, Experimentais e Subjetivistas, as quais discutirei melhor nos próximos capítulos. As Experimentais/Subjetivistas são as obras que estão mais preocupadas com a expressão do estilo e do universo pessoal do autor, e não com o prazer do espectador ou com a transmissão de uma mensagem específica (arte moderna, filmes de arte etc.). Já as obras Naturalistas estão mais preocupadas com a função social do cinema: costumam retratar personagens não virtuosos, eventos cotidianos, problemas sociais, querem conscientizar ou educar o espectador a respeito de alguma questão política, dar visibilidade às classes mais baixas etc.

ANTI-IDEALISMO

Anti-Idealismo é quando a obra é hostil aos valores do Idealismo: é anti-heróis, antivirtude, antiotimismo, e tem a intenção de destruir a visão romantizada de mundo promovida pelo Idealismo. Uso o termo “Anti-Idealismo”, já que esses artistas não são “pró-algo”, não estão primeiramente tentando projetar algo positivo que consideram superior ao Idealismo, até por isso eles nunca conseguem ignorar o Idealismo totalmente e simplesmente promoverem seus tipos de valores — eles precisam estar sempre por perto do Idealismo, como um vírus, para poderem atacá-lo; o foco está em destruir, negar, corromper, zombar, manchar, e não em construir, apresentar algo diferente e superior.


Listas de filmes alinhados com o Idealismo, o Não Idealismo e o Anti-Idealismo:
https://profissaocinefilo.blogspot.com/2024/02/as-listas.html


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(complemento — não faz parte do livro)

CATEGORIAS

Considerando isso, às vezes uso siglas para separar os filmes em 5 categorias diferentes, dependendo da forma como eles se relacionam com o Idealismo:

I (Idealismo): Filmes consistentes com os princípios Idealistas.

I- (Idealismo imperfeito): Filmes Idealistas de modo geral, mas com algumas imperfeições (ou por serem ruins esteticamente, ou por terem alguns toques negativos em termos de valores/mensagem).

IC (Idealismo Corrompido): Filmes parcialmente na premissa Idealista, mas misturados com problemas graves, elementos autodestrutivos: sinais de Anti-Idealismo, Senso de Vida malevolente, etc.

NI (Não Idealismo): Naturalismo, filmes de "autor", filmes didáticos/jornalísticos, etc.

AI (Anti-Idealismo): Ataque ao Idealismo como parte central da intenção/mensagem da obra.



terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Melhores de 2017


Como fiz ano passado, vou deixar uma lista aberta aqui dos meus filmes favoritos de 2017, e ir acrescentando novos títulos até os filmes deste ano terminarem de estrear em 2018.

Melhores Filmes (ordem alfabética)

O Artista do Desastre - 9.0
A Bela e a Fera - 8.5
Bingo - O Rei das Manhãs - 8.5
Corpo e Alma - 8.0
David Lynch: A Vida de um Artista - 8.0
O Destino de uma Nação - 7.5
Detroit em Rebelião - 8.0
O Estado das Coisas - 7.5
Eu, Tonya - 8.0
Extraordinário - 8.0
Lady Bird: A Hora de Voar - 8.0
Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississippi - 8.0
Mulher-Maravilha - 8.5
The Post: A Guerra Secreta - 7.5
Spielberg - 8.5
Todo o Dinheiro do Mundo - 7.5
O Touro Ferdinando - 7.5

TV
Big Little Lies
Black Mirror - 4ª Temporada
Twin Peaks: The Return

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Extraordinário / Logan Lucky / Saving Capitalism

Extraordinário (Wonder / EUA, Hong Kong / 2017 / Stephen Chbosky)

É o "feel-good movie" do ano até agora. Pensei que pudesse cair na categoria "herói envergonhado", mas o personagem de Jacob Tremblay (em mais uma performance fantástica) é altamente carismático, admirável, e a intenção do filme é simplesmente mostrar que caráter e competência no fim das contas falam mais alto que aparências (assim como Estrelas Além do Tempo fez ano passado). Julia Roberts está em um de seus melhores momentos dos últimos 15 anos.

NOTA: 8.0


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Logan Lucky: Roubo em Família (Logan Lucky / EUA / 2017 / Steven Soderbergh)

Filme de assalto onde devemos torcer pelos bandidos sem que o filme dê nenhuma justificativa pra isso (exceto o fato dos atores serem simpáticos e as vítimas terem "dinheiro demais"). Não é bem uma comédia, e sim um "thriller cínico", do tipo que tenta nos envolver usando os recursos clássicos dos heist movies (celebrar a engenhosidade dos "heróis", criar suspense), ao mesmo tempo em que diz que nada deve ser levado a sério, pois os protagonistas são ridículos, imorais, etc. É um exemplo de Idealismo Corrompido, e o tipo de filme que fica sempre vários passos à nossa frente, jogando surpresa após surpresa pra tentar parecer mais esperto que o espectador.

NOTA: 4.5

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Pessimismo e Senso de Vida Malevolente

(Capítulo 23 do livro Idealismo: Os Princípios Esquecidos do Cinema Americano)

Um artista pessimista ou com um Senso de Vida Malevolente é aquele que transmite em suas obras as crenças de que o universo é hostil à vida humana, de que somos impotentes, não temos como conquistar nossos objetivos, que a felicidade é inatingível, que o homem é mau por natureza, que ele é determinado por forças externas e não tem livre-arbítrio, que a essência da vida é sofrimento, tragédia, conflito, desentendimento, frustração, autossacrifício etc.

O espectador com um Senso de Vida parecido irá sentir algo profundo quando se deparar com esse tipo de obra. Mesmo que a obra não seja exatamente prazerosa, o espectador terá um grande respeito pelo artista, por achar que ele está em contato com a verdadeira essência da vida. Arte que reflete felicidade, ou otimismo, parecerá distante, desconectada da realidade para ele — apenas uma fantasia, um escapismo fútil. Já para o espectador com um Senso de Vida benevolente, o contrário irá ocorrer: diante de uma boa obra que expresse felicidade, otimismo, ele sentirá que algo de profundo e verdadeiro foi dito a respeito da vida. Já obras trágicas parecerão equivocadas, imaturas, desconectadas dos fatos.

Já deve ter ficado claro neste ponto que eu prefiro artistas com um Senso de Vida benevolente, mas ainda não tentei argumentar por que eu acho que a ideia de “universo malevolente” está de fato errada e deve ser rejeitada na arte.

Primeiro, é preciso entender que o universo não é um ser vivo e não tem uma intenção própria; ele não é nem malevolente e nem benevolente, e sim indiferente, apenas é. A pergunta a ser feita na verdade é: o homem é um ser equipado para viver na Terra e ser feliz? E aqui podemos iniciar a discussão.

Meu primeiro argumento contra os pessimistas é a constatação de que, se o universo fosse de fato hostil à vida, ela simplesmente não existiria. Se a vida surgiu na Terra há bilhões de anos e persiste até hoje, isso já é uma indicação de que o planeta é favorável a esse tipo de fenômeno. Podemos imaginar que, nos primeiros estágios, a vida na Terra não deveria ser tão “fácil” se comparada aos tempos atuais, pois os organismos ainda não tinham tido tempo para evoluir e se adaptar perfeitamente às condições do planeta. Por outro lado, eles também não tinham uma consciência desenvolvida e nem a capacidade de sofrer além daquilo que podiam suportar, então, mesmo nesse estágio a vida não deveria ser “trágica”.

Mas depois de bilhões de anos vivendo nesse planeta e nos moldando a ele, hoje em dia, podemos dizer que já somos altamente compatíveis com o mundo ao nosso redor. Basta começar a refletir sobre coisas triviais: por que, por exemplo, o Sol não é cinco vezes mais brilhante, a ponto de nos deixar cegos se saíssemos de casa durante o dia? Bem, porque nossa visão se desenvolveu levando em conta a existência do Sol, portanto, se ele fosse cinco vezes mais brilhante, nós teríamos hoje em dia um órgão diferente, que toleraria a luz do dia sem dificuldades. Isso pode ser aplicado a todos os aspectos da vida. Claro, você pode se perguntar: por que parir um filho é tão doloroso? Por que existem doenças? Seriam essas dificuldades necessárias? A resposta é que sim, existem dificuldades e aspectos em que a vida poderia ser melhor para nós, mas apenas dentro de um certo limite. Todos esses incômodos precisam ser relativamente pequenos — os aspectos positivos da vida precisam necessariamente compensar os negativos na maioria dos casos, para explicar o fato de que, apesar de tudo, ainda estamos aqui prosperando.

Há também o argumento do livre-arbítrio: a partir do momento que o homem desenvolveu uma faculdade racional, passou a ter um controle consciente sobre seus atos, procriar deixou de ser um instinto incontrolável, e sim uma decisão baseada em seus desejos, convicções, planos de vida. Portanto, se a felicidade fosse de fato inatingível, se tudo o que víssemos ao nosso redor fosse miséria e dor, seria lógico concluir que colocar uma nova vida no mundo seria visto como um ato de crueldade. O simples fato de estarmos aqui até hoje é uma prova de que, ao longo dos milênios, a vida foi positiva o bastante para que nossos ancestrais achassem que gerar filhos fosse um ato bonito, que traz esperança e felicidade.

Claro, apesar de tudo, ainda existem inúmeros indivíduos infelizes, casos trágicos, pessoas para as quais a vida parece não valer a pena. A questão a ser levantada aqui é: o que essas pessoas desejam ao produzir arte? E o que os espectadores desejam exatamente ao consumir esse tipo de arte?

Como disse no capítulo “O Que Nos Atrai ao Idealismo?”, a arte é importante para o homem porque ela nos oferece um “escape” momentâneo para um universo melhorado, adaptado para o nosso bem-estar e para a nossa felicidade. Sim, a vida é feita de positivos e negativos, e existe sempre a possibilidade de dor, perda, morte etc. Na verdade, o lado negativo da vida é indispensável: se não existisse a possibilidade de perda e sofrimento, um conceito como “felicidade” perderia totalmente o sentido. Isso não significa que a vida é trágica, e nem que nós devemos vivenciar uma dose equivalente de positivos e negativos no nosso dia a dia para podermos valorizar o positivo. Basta o conhecimento inevitável de que o negativo é uma possibilidade para que possamos desejar e aproveitar o positivo. Naturalmente, o ser humano deseja ficar no lado positivo da vida o máximo que ele puder — e a arte é uma das ferramentas mais poderosas para nos manter desse lado e preservar a visão de um universo benevolente.

Todo artista que realiza uma obra de arte e a expõe para o público está, admitindo ele ou não, querendo expressar seu próprio valor de alguma forma, e ao mesmo tempo querendo a aprovação do espectador; agradar algum público. Tanto ao criar arte quanto ao consumi-la, nós já estamos automaticamente rejeitando a premissa de um universo totalmente malevolente. O artista, por estar exercitando suas virtudes, produzindo, desejando se expressar, se comunicar com o público, ser reconhecido e valorizado, obter sucesso, o que é uma confissão de que ele tem esperança de extrair algo de positivo desse mundo. E o espectador por estar admitindo que ele deseja fugir da monotonia de sua rotina, vivenciar algo estimulante, novo, ver sua visão de mundo reafirmada numa obra — o que também indica que ele espera extrair algo positivo da experiência.

Se alguém estivesse 100% comprometido com a ideia de um universo malevolente, ele cometeria suicídio muito antes de realizar uma obra de arte. E mesmo que realizasse, sua completa falta de desejo de se comunicar, de exercitar suas virtudes, de ser reconhecido, de criar beleza, produziria algo tão repulsivo e sem valor que nem os espectadores mais pessimistas iriam querer consumir. Os pessimistas autênticos do mundo são aqueles que já pararam de buscar valores na vida, de criar qualquer coisa, e estão muito longe dos sets de filmagem e dos tapetes vermelhos.

Portanto, obras pessimistas, com uma visão de mundo malevolente, só costumam existir na medida em que são contraditórias, inconsistentes. Pois, por um lado, o artista está te dizendo que a vida não vale a pena, que o ser humano é imoral, medíocre, impotente etc. Por outro, ele está perseguindo seu sucesso pessoal ao criar a obra, espera que o espectador o admire, seja tocado e inspirado pelo que ele criou. E o espectador que diz gostar desse tipo de obra, só a consome porque ele extrai algum tipo de prazer distorcido dela. Enquanto a mensagem da obra pode ser que a vida é uma tragédia, tem que haver algo na obra que na prática esteja provocando sentimentos positivos no espectador — no fundo, ele está apenas fingindo aceitar a noção de que o universo é maligno, enquanto na realidade está tendo seu tipo particular de otimismo reafirmado: a ideia de que a vida é trágica pode trazer para ele um senso momentâneo de conforto, alívio, por exemplo, por sugerir que ele não tem culpa por suas frustrações pessoais, ou que não está sozinho em sua miséria.

Se uma pessoa tem uma visão genuinamente trágica de mundo, está deprimida, eu não a condeno por querer buscar um senso de conforto nesse tipo de arte. Talvez seja sua única opção no momento. Alguns artistas são tão melancólicos e quebrados emocionalmente que é quase um ato de heroísmo continuar produzindo qualquer coisa. E se esse artista se sentir forçado a produzir algo Idealista, ele provavelmente não será muito bem-sucedido. Não há nada de imoral estar num estado emocional triste, pessimista. Mas isso não quer dizer que eu considere essa a melhor forma de arte e nem a função mais elevada da arte na vida das pessoas.

Outra motivação que às vezes faz as pessoas buscarem o pessimismo na arte (e para essas eu tenho bem menos paciência) é quando a pessoa associa pessimismo a virtude, status, e busca numa visão trágica de existência um falso senso de autoestima, por achar pessimismo sinônimo de sofisticação, maturidade, bravura, masculinidade — afinal, a maioria dos intelectuais que ela conheceu ao longo da vida são pessimistas.

E há também os pessimistas que estão apenas querendo chamar atenção, como a criança que força o choro e se coloca bem à vista dos pais na tentativa de conseguir algum consolo.

Quer a pessoa seja realmente pessimista ou seja apenas um farsante buscando prestígio, atenção, tentando parecer cool, o fato é que uma obra de arte pessimista é quase sempre inconsistente e está no fundo querendo inspirar algo de positivo no espectador (um senso de alívio, de orgulho, um otimismo distorcido). Quando não é esse o caso, quer dizer que ela é de fato incompatível com a felicidade humana, nociva, e que, portanto, não há grandes benefícios em consumi-la.

Isso quer dizer que só há lugar para unicórnios e arco-íris na arte? Óbvio que não. Muitos artistas abordam temas negativos de maneira honesta, bem-intencionada, extraindo algo positivo do material, sem negar suas reais intenções nem serem mal-intencionados em relação ao espectador. Você pode mostrar indivíduos maus sem glamourizar o mal em si, nem sugerir que o homem é perverso por natureza. Pode mostrar tragédias específicas sem sugerir que a vida como um todo é uma tragédia, que a felicidade é inalcançável. Pode criticar um aspecto da cultura, uma parcela da população, mostrar uma sociedade decadente, mas sem sugerir que não há nada que se possa fazer a respeito disso — retratar o negativo, mas sugerir uma saída, uma alternativa, proporcionando uma experiência inspiradora para o público.

Finais tristes também não são necessariamente Anti-Idealistas. Muitos filmes que classifico como Idealistas têm finais “tristes”, como Titanic ou E.T. — tudo depende da atitude da obra em relação à morte e à perda. Nestes dois filmes, apesar de haver uma perda grande no final, há também o senso de que os protagonistas conquistaram algo de enorme valor — aquilo que eles realmente precisavam como pessoas: se tornaram maiores, mais fortes, mais independentes e corajosos através dessa figura positiva que passou por suas vidas. No fim, eles solucionaram os principais problemas que tinham no início da história. No Idealismo, a morte é retratada de maneira épica, nobre, algo que reflete uma visão elevada da vida e do ser humano. Num filme Não Idealista, a morte aparece geralmente como um reflexo da falta de sentido da vida, da banalidade da existência, prova de que o universo é hostil, que o ser humano é indefeso, impotente. A morte é um fato da existência, a arte não precisa negar este fato para ser inspiradora: é a maneira como ela lida com ele que importa e que indicará se é uma obra Idealista ou não.

Um artista pode até dizer coisas pessimistas de forma explícita e mesmo assim “se safar”, na minha visão, desde que em sua atitude ele esteja comunicando o oposto do pessimismo. Cineastas como Woody Allen e Lars von Trier às vezes caem nessa categoria — o pessimismo declarado deles acaba sendo anulado muitas vezes pelo fato deles proporcionarem um enorme entretenimento para o público, criarem obras de grande valor estético, cheias de energia, imaginação, racionalidade, escapismo, humor — entre o que uma pessoa diz verbalmente e o que ela de fato faz, sempre dê mais atenção ao que ela faz.

Você pode estar se perguntando: se eu não acho que nem o Lars von Trier transmite uma visão de mundo totalmente malevolente, quem então poderá transmitir?! Descobrir as verdadeiras intenções por trás de uma obra nem sempre é tão simples e óbvio. Todo o contexto tem que ser levado em conta. Um toque malevolente num filme da Disney, por exemplo, pode ser muito mais perverso e destrutivo do que duas horas do Woody Allen tendo crises existenciais.

De um alfinete a um transatlântico, todo produto humano tem (ou deveria ter) a função de tornar a vida melhor, mais fácil, mais próspera, e a arte não é diferente. Não há nada cool, inteligente ou maduro em demonstrar um pessimismo autêntico na arte. Em geral, isso prova apenas a imaturidade do artista, falta de conhecimento sobre suas reais intenções, ou então revela um espírito machucado, deprimido, que deveria ser remediado em vez de emoldurado e aplaudido pelo público.

domingo, 3 de dezembro de 2017

Assassinato no Expresso do Oriente

NOTAS DA SESSÃO

- A melhor coisa do filme é a introdução do personagem do Poirot, antes da viagem de trem - a maneira como sua personalidade vai sendo revelada, seus valores (a noção de que ele desvenda os crimes melhor que qualquer pessoa por ser extremamente idealista, portanto imperfeições e incoerências aparecem pra ele de forma mais gritante do que pros outros, etc).

- Os diálogos têm um brilho e uma inteligência que não se vê em textos modernos - o que provavelmente é um mérito da Agatha Christie (eu nunca li o livro).

- Toda a produção é de ótimo nível: a trilha sonora, a fotografia, o elenco, etc.

- Excelente o diálogo quando o Poirot se recusa a trabalhar para o Johnny Depp. Demonstra a integridade do protagonista de maneira inesperada e divertida.

- O ambiente em que o filme se passa é bastante agradável e o "set up" da história é muito bom (todo o conceito de um mistério de assassinato num trem luxuoso, etc).

- O grande problema do filme é o problema da maioria dos "whodunits" - algo que Hitchcock apontou: todo o interesse do filme se concentra no final. Depois da introdução, a única coisa que nos interessa é descobrir quem é o assassino (e se você já sabe o final por conhecer a história, o filme se torna um tanto chato). O filme não é sobre a jornada, sobre o processo, mas sobre a revelação final. A investigação em si não é prazerosa. Os melhores filmes, mesmo que você já saiba o final, ainda são um prazer de ver e rever. Esse aqui é apenas um quebra-cabeça, mas um não muito envolvente, pois nós não conseguimos acompanhar a lógica do Poirot, afinal ele tem uma inteligência sobrenatural que não está ao nosso alcance. Ele vai desvendando o crime através de associações absurdas que a plateia tem que aceitar passivamente. Então nós não temos o prazer de ir ligando os pontos, antecipando os eventos, confirmando os fatos, entendendo tudo com clareza, etc.

- Há outros problemas também relacionados ao Poirot. Além dele ter virtudes muito inacreditáveis, há o fato dele ser apresentado como uma figura caricata, quase cômica, o que o impede se se tornar um herói realmente admirável pro público. Além disso, há o detalhe de que, nessa história em particular (SPOILER) ele está sendo feito de bobo pelos passageiros, o que também diminui sua estatura (tornando os criminosos os mais espertos).

- SPOILER: Mesmo pra quem não conhece a história da Agatha Christie, em certo momento já começa a ficar óbvio que todos os passageiros estão por trás do assassinato. É até falso o Poirot não perceber isso antes (considerando a inteligência dele)... Afinal, seria uma coincidência absurda TODAS as pessoas ali terem algum motivo pra matar o Johnny Depp (ou sequer saber quem ele é). Uma coisa é uma história como O Caso dos 10 Negrinhos, onde são vários conhecidos numa casa e 1 pessoa morre. Aí faz sentido todo mundo ter algum tipo de relação com a vítima. Agora num trem, onde deveriam ser todos estranhos... O simples fato de todo mundo ter algum motivo pra matar o Johnny Depp já deveria fazer o Poirot matar a charada.

- SPOILER: A cena em que o Poirot soluciona o mistério é chatíssima. Ele apenas para em frente a todos e fala qual a explicação. Não é algo revelado de maneira dramática, visual, que surpreende o público. E a única graça é a "curiosidade" de que não era 1 assassino, e sim 12. Mas o conteúdo em si do crime não é dramático... Não há uma revelação surpreendente sobre a motivação por trás do crime, etc. Me parece até compreensível eles terem se vingado de um cara que cometeu um crime tão horrendo. Nem o Poirot nem nós ficamos espantados com a atitude dos envolvidos.

- Depois que o mistério é solucionado o filme demora demais pra acabar, começa a criar um tom épico de despedida, o problema é que a história não tinha esse tipo de carga dramática, então fica soando pretensioso (a própria canção dos créditos finais é extremamente inadequada).

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CONCLUSÃO: Muito bem produzido, com um ótimo começo, mas a história perde a força depois que começa a investigação.

Murder on the Orient Express / EUA, Malta / 2017 / Kenneth Branagh

FILMES PARECIDOS: Aliados (2016) / Ponte dos Espiões (2015)

NOTA: 6.0

domingo, 26 de novembro de 2017

Boneco de Neve / O Livro de Henry

Sempre que um filme que tem tudo pra ser um sucesso subitamente recebe péssimas críticas e é mal recebido pelo público, eu fico ainda mais interessado em assistí-lo pra entender o que é que deu errado. Nesses casos, se o filme vai bem até a primeira meia hora, eu já sei que o problema estará em eventos específicos na história: um final frustrante, uma morte indesejada, uma reviravolta não convincente, etc. Será um problema de conteúdo. Mas no caso de Boneco de Neve, em 2 minutos de filme você já consegue perceber o que há de errado. Não é nada relativo à história, a algum acontecimento - e sim à maneira como a história é contada, à estética do filme como um todo - é um problema de estilo. Não estou dizendo que a história em si é excelente, e só foi arruinada pela direção... Se o filme tivesse sido dirigido de uma maneira mais convencional, ainda seria uma história de serial-killer tola, cheia de psicologia barata, reviravoltas forçadas, uma narrativa confusa, etc. Mas ainda estaria dentro de algo aceitável e familiar pro público (Garota Exemplar também tinha coisas forçadas, mas funcionava como entretenimento e foi um sucesso mesmo assim). Mas aqui, o cineasta estava tão preocupado em provar o quanto ele é autoral, o quanto estilo próprio ele tem, que ele acabou destruindo o filme... Tudo é forçado pra parecer bizarro, subversivo, onírico: todos os personagens agem de maneira estranha, irracional, a edição é imprevisível, a trilha sonora é inadequada - e isso dentro de uma história e um gênero de filme que não pedem bizarrices... Pelo contrário... O elenco estelar, a fotografia bonita, a trama policial, tudo sugere um suspense tradicional, elegante, uma narrativa clara... Mas eles entregaram o filme nas mãos de alguém que aparentemente odeia esse tipo de história, e aceitou o trabalho apenas como uma oportunidade pra subverter o material, inserindo seus toques niilistas na produção (é um daqueles casos onde eles deram uma produção Hollywoodiana pra um estrangeiro alternativo dirigir, na expectativa de tornar o filme mais "artístico"). O espectador compra o ingresso esperando um tipo de experiência, mas quando começa o filme, ele percebe que foi enganado pelos pôsteres, trailers, etc. Eu gosto de cineastas diferentes, com estilo próprio, mas apenas quando isso não arruina os pilares que sustentam história: quando ainda é possível simpatizar e se identificar com os protagonistas, quando há uma trama envolvente, compreensível, etc. No caso de Boneco de Neve, o cineasta coloca o estilo acima disso tudo, não se importando se a plateia irá conseguir se importar por alguém na tela, se o universo do filme será convincente, atraente, etc.

O Livro de Henry já é um caso diferente. Não foi o diretor que arruinou o filme, e sim o material original que já era bizarro (quando o filme saiu, muitos ficaram preocupados com o fato do diretor Colin Trevorrow ter sido o escolhido pra dirigir o próximo Star Wars, e não duvido nada que o fato dele ter sido demitido tenha a ver com o fracasso de O Livro de Henry). Mas não acho que Trevorrow seja um mau diretor - se fosse uma história minimamente sensata, ele teria feito um ótimo trabalho: o elenco é muito bem dirigido, a produção é bem feita, caprichada em diversos aspectos, a narrativa é clara - superficialmente parece um filme digno de prêmios. O problema é que, após um começo promissor, a história começa a apresentar uma série de reviravoltas insanas - a pior delas sendo a morte de um personagem central no meio do filme, deixando o espectador simplesmente estarrecido, sem saber mais o que desejar daí pra frente. O artista pretensioso nesse caso foi o roteirista, não o diretor. Me parece um erro mais inocente que o de Boneco de Neve, onde havia uma atitude destrutiva, uma intenção de corromper o gênero... Aqui, parece mais uma combinação de ambição exagerada com imaturidade e falta de experiência (o roteirista é estreante e escreveu o filme há 20 anos - então tem cara de ser um daqueles "passion projects" fadados ao fracasso). Ele quis inserir tanto no filme, ser tão impactante, misturar tantos conceitos, ser tão diferente de tudo já feito, que acabou criando uma aberração.

O elemento em comum nos 2 casos é uma falta de respeito pelos fundamentos do cinema... Um desejo tão grande de inovar, de fugir do convencional, que o artista acaba jogando fora não só os clichês e as regras superficiais do gênero, como também os ingredientes básicos que fazem um filme funcionar.

Ainda assim, acho preferível ver desastres cinematográficos como esses, causados por excesso de ambição e energia criativa, do que coisas como continuações de Transformers, onde o problema é apenas convencionalidade, falta de talento, etc.

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Boneco de Neve (The Snowman / Reino Unido, EUA, Suécia / 2017 / Tomas Alfredson)
NOTA: 2.0

O Livro de Henry (The Book of Henry / EUA / 2017 / Colin Trevorrow)
NOTA: 3.5

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Liga da Justiça

NOTAS DA SESSÃO:

- Embora não seja tão estiloso quanto outros filmes do Zack Snyder, há algumas imagens chamativas que tornam o filme menos chato visualmente do que de costume (o que não é equivalente a uma "boa fotografia").

- A narrativa é um pouco dispersa no começo, fica pulando de um núcleo pro outro sem parecer estar desenvolvendo uma história única, bem costurada (temos uma cena de ação individual do Batman, depois uma da Mulher Maravilha, do Aquaman, etc). A ausência de um protagonista com um objetivo pessoal também torna a história menos interessante (essa coisa anti-individualista de um trabalho em equipe em prol do bem da humanidade, etc). Vai ser a velha estrutura de um time de heróis sendo formado pra um grande duelo final contra um vilão genérico que quer destruir o mundo. Pra mim o que mais prende a atenção no filme não é nada disso, e sim a impressão de que o Superman (dado como morto) irá ressurgir em algum momento.


- A ação, como sempre, é totalmente divorciada de realismo, objetividade. São poderes indefiníveis lutando contra outros poderes indefiníveis, de forma que nunca sabemos quais são os riscos, nem o que é preciso pra derrotar o vilão... Por que 6 heróis? Por que não 85? Será que 2 não dariam conta? Se o Batman é humano, como ele pode lutar num nível parecido de seres sobre-humanos? Por que a Mulher Maravilha consegue se mover mais rápido do que balas, mas ao mesmo tempo não consegue pegar aquela espada caindo em velocidade normal, e precisa da ajuda do The Flash pra alcançá-la antes de atingir o chão?

- O vilão já tinha 2 das 3 caixas com ele. Os heróis se dão conta de que 1 ainda está perdida. Você imaginaria que um trecho importante do roteiro seria dedicado à busca por esse último artefato, mas o filme resolve o problema da maneira mais preguiçosa possível, mostrando o Victor caindo do céu já com ela na mão no segundo seguinte: "Aqui está a caixa que faltava!".

- SPOILER: A técnica pra ressuscitar o Superman é meio boba - mergulhar ele num líquido estranho e dar um super-choque, etc.

- SPOILER: O reencontro do Clark com a mãe depois é um instante bonito.

- Falta uma referência maior do mundo real no filme. Tudo o que os heróis querem é proteger a Terra, os humanos, mas o filme mostra muito pouco da cidade, das pessoas normais como o espectador, pra gente ter uma dimensão do que está em jogo. Aquela cena de ação próxima à usina, por exemplo, há tantos efeitos especiais, a imagem é tão artificial, que eles poderiam muito bem estar num outro planeta.

- SPOILER: Continuo achando que a única coisa que torna a narrativa minimamente interessante é a "carta na manga" do Superman. O filme sabe que o espectador deseja vê-lo em ação, e fica segurando isso até o último momento, quando ele aparece pra derrotar o vilão (o que é um recurso válido). O problema é que todo o resto da história é bem fraco.

- SPOILER: A vitória no fim acaba parecendo fácil, pouco triunfante (até porque o vilão é totalmente caricato, sem personalidade). O Superman congela o machado dele, assim eles conseguem estilhaçá-lo (por que não fazer isso com o próprio monstro de uma vez?), e daí ele é devorado pelos próprios "capangas" (a ideia de que eles são bichos irracionais que devoram qualquer coisa que sinta medo, inclusive o próprio chefe, não é muito bem estabelecida).

- SPOILER: No fim o filme tenta colocar a Amy Adams pra fazer uma narração épica, mas o texto não é muito bom, e termina num tom inconclusivo. No começo, o filme mostra o mundo em luto com a morte do Superman, e isso cria a expectativa pelo momento em que ele se apresentará vivo (o que seria um final satisfatório), mas isso não acontece.

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CONCLUSÃO: Mais um passatempo mediano lucrando em cima do apelo popular automático dos heróis - mas pelo menos é um filme bem intencionado, que não tenta subverter a imagem dos heróis, não usa humor de forma inapropriada como outros filmes, etc.

Justice League / EUA / 2017 / Zack Snyder

FILMES PARECIDOS: Thor: Ragnarok (2017) / Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2016)

NOTA: 5.0

domingo, 12 de novembro de 2017

Lady Macbeth

NOTAS DA SESSÃO:

- O filme não apresenta direito a protagonista. Não sabemos nada sobre ela. No começo ela serve apenas pra posar de vítima e expor a maldade dos homens, agradar o público "feminista", etc. E o retrato dos homens é caricato, exagerado. Não há um esforço pra incluir homens bons na história em contraste com os maus, ou explicar o que motiva cada personagem em particular a ser cruel. É como se eles fossem maus simplesmente por serem do sexo masculino.

- A protagonista é maliciosa, cheia de ódio e ressentimento por trás dessa aparência plácida, o que torna a situação ainda mais desagradável (pois temos que torcer por ela apesar de ser uma figura extremamente antipática).

- A narrativa tem um toque meio naturalista, não-objetivo - cenas começam pela metade, terminam antes do fim, há trechos silenciosos onde nada acontece... O cineasta não se esforça pra criar uma narrativa estruturada, lógica - fica apenas mostrando cenas aleatórias onde mulheres são vítimas de homens. A mensagem política é colocada acima de considerações cinematográficas.

- É tudo muito artificial quando a Katherine é estuprada pelo empregado. Ele tinha um desejo tão incontrolável assim por ela? Correria o risco todo de ser pego? E a reação dela também é totalmente artificial, além de torná-la mais antipática. Não entendemos por que ela gostou de ser estuprada. Não há contexto algum pra esse comportamento. Por que ser abusada sexualmente pelo marido era horrível, mas ser estuprada pelo empregado é bom? E isso bagunça o tema inicial do filme que era a opressão das mulheres... A partir de agora não vemos mais a Katherine como vítima. Qual o propósito da história então?

- Katherine se torna uma pessoa completamente imoral. Não só por estar se relacionando com um estuprador, mas também pelo caráter que ela demonstra quando, por exemplo, deixa a empregada levar a culpa pela bebida desaparecida (quando foi ela que bebeu tudo), ser humilhada pelo velho, etc.

- SPOILER: Além do conteúdo da história ser ruim, é tudo meio mal contado. Como o velho descobriu que a Katherine está tendo um caso com o empregado? Como a Katherine mata o velho depois? Ela o envenenou? Já tinha planejado tudo? Não vimos nada disso! Ela o matou simplesmente por ele ter prendido o estuprador? Ela vai correr o risco do marido descobrir que ela assassinou o pai dele (afinal a empregada viu tudo)? O diretor parece querer apenas chocar, mostrar a protagonista fazendo coisas monstruosas, como se isso em si fosse cool, sem nenhuma preocupação por coerência, clareza, realismo psicológico, etc.

- SPOILER: Os personagens são todos irreais, inconsistentes. Katherine diz que não pode mais viver sem o amante, quando não vimos os dois fazendo nada além de sexo algumas vezes. Depois quando o marido volta de viagem, não faz o menor sentido ela começar a rir, tirar o amante do armário, zombar da situação na cara dele. Ninguém age assim quando sua vida está em risco. Não faz sentido também o empregado ficar perturbado/culpado quando morre o marido... Primeiro porque foi em auto-defesa. E além disso, esse empregado desde o começo é um estuprador violento sem nenhum senso de ética. De onde surgiram esses valores agora? O filme é apenas um conflito mal elaborado entre pessoas odiosas (depois chega aquela mulher detestável também pra morar na casa com a criança, trazer mais conflito, etc).

- SPOILER: O final todo é uma bobagem. Ela assassinar o garotinho sufocado (ninguém percebe que ela já matou 3 pessoas na casa?). Ela e o amante não podiam simplesmente fugir, irem viver num outro lugar? Ela precisa tanto assim do dinheiro? Não fica claro o tamanho da ameaça, qual a motivação por trás de tudo - então essa matança parece sem sentido, forçada, só porque o cineasta gosta de glamourizar a maldade. E Katherine não é uma vilã carismática como nos filmes da Bette Davis, ou vilãs de novela, etc... Nesses casos, as vilãs eram glamourosas, inteligentes, mas tinham uma "falha trágica" bem estabelecida (ganância, etc). Tínhamos um senso de que o filme era explicitamente contra os valores da vilã (apesar dela ter elementos atraentes), e a favor dos valores dos personagens inocentes. Mas aqui, nem existem esses personagens inocentes pra termos um referencial do positivo. São todos imorais... E o fato da Katherine começar a história como mocinha, vítima, deixa meio ambíguo se devemos compreendê-la ou condená-la. A linha entre bem e mal fica borrada, algo que não acontece nos exemplos que citei.

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CONCLUSÃO: O elemento sensacionalista torna o filme ligeiramente divertido de assistir, mas no fim é uma história malevolente e mal escrita (tanto o diretor quanto a roteirista são estreantes em longa, o que é geralmente um mau presságio).

Lady Macbeth / Reino Unido / 2016 / William Oldroyd

FILMES PARECIDOS: The Handmaid's Tale (Série de TV, 2017) / Grave (2016)

NOTA: 4.0

sábado, 11 de novembro de 2017

Terra Selvagem

(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão - um método que adotei para passar minhas impressões de forma mais objetiva.)

ANOTAÇÕES:

- A história começa um pouco morna. O protagonista é respeitável (parece habilidoso, ter um bom caráter) mas nada extraordinário; e a descoberta do cadáver não gera um grande conflito pessoal pra ele - ele parte na investigação como uma espécie de favor, sem uma motivação pessoal.

- A ambientação torna o filme mais agradável de assistir... As locações bonitas na neve, o uso dos snowmobiles, etc.

- Mais pra frente quando o Jeremy Renner conversa com o pai da vítima (o índio) e descobrimos que havia uma relação mais próxima entre ele e a garota que morreu, a investigação se torna um pouco mais envolvente - passa a ser quase uma questão de honra achar o assassino.

- Surpreendente a cena onde eles vão até o trailer dos garotos drogados e são atacados. Quebra um pouco a expectativa inicial de que seria um filme mais parado, sem acontecimentos dramáticos.

- Os diálogos são um pouco cafonas - os personagens são americanos comuns, deveriam falar de maneira simples, mas o roteirista fica sempre colocando umas frases poéticas forçadas na boca deles pra tentar dar mais profundidade à história.

- Algumas questões ficam um pouco confusas... No começo não fica claro se o namorado da Natalie morreu também... Nem se a morte da Natalie tem algo a ver com a morte da filha do Jeremy Renner... Não é a narrativa mais precisa do mundo, mas não deixa de prender a atenção.

- A agente do FBI (Elizabeth Olsen) começa um pouco antipática e distante, mas depois da cena em que ela e o Jeremy Renner conversam sobre a morte da filha dele, a relação entre os dois fica mais sólida e positiva.

- SPOILER: Outra coisa confusa é essa rivalidade que começa a surgir entre a Elizabeth Olsen, os policiais amigos dela, e o outro time de policiais locais. Os policiais locais estão tentando proteger os criminosos? Eles são vilões também? Não fica claro qual o motivo da confusão. Ainda assim, a cena do tiroteiro é excelente. A chegada inesperada do Jeremy Renner também é ótima, embora não fique muito claro como ele descobriu que iria acontecer o ataque e desceu da montanha a tempo pra salvar a mocinha.

- SPOILER: A vingança do Jeremy Renner contra o último vilão no alto montanha é legal. Depois disso o filme demora tempo demais pra acabar, gerando um anticlímax. Como não acaba logo depois da morte dos bandidos, ficamos com a impressão de que uma nova reviravolta irá acontecer, afinal há várias perguntas no ar (A morte da filha do Jeremy Renner tinha algo a ver com isso tudo? A polícia local está por trás de alguma organização criminosa?). Mas daí não acontece nada e o filme acaba mesmo.

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CONCLUSÃO: O roteiro é imperfeito, mas a história tem momentos empolgantes e funciona como uma espécie de western moderno.

Wind River / Reino Unido, Canadá, EUA / 2017 / Taylor Sheridan

FILMES PARECIDOS: A Qualquer Custo (2016) / Tudo por Justiça (2013) / Os Infratores (2012) / Inverno da Alma (2010)

NOTA: 7.0

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

O Poderoso Chefinho

Acabei vendo só agora na TV essa que foi uma das animações de maior sucesso do ano. É uma animação mais leve que a média, cujo maior mérito é a maneira criativa e às vezes sensível com que ela retrata os exageros da mente de uma criança de 7 anos, um garoto que imagina uma rivalidade épica entre ele e o irmão recém-nascido que chega pra atrapalhar seu "reinado".

Mas há 1 falha central na história que acaba comprometendo o aproveitamento do filme: desde o início, fica claro que tudo o que está acontecendo não passa de um devaneio do protagonista de 7 anos, que sempre teve uma imaginação fértil. Então o próprio filme nos anuncia que não existe nenhum bebê de terno, nenhum CEO com planos malignos, e que tudo isso que estamos vendo é de mentirinha. Isso transforma a história toda numa brincadeirinha tola de criança que não deve ser levada a sério. Tira todo o peso dos eventos. Daí dentro desse contexto, o filme tenta nos mostrar uma história de heroísmo, amizade, superação... Mas como devemos nos divertir com a aventura, se o próprio filme está dizendo que nada disso está acontecendo de fato na história? É mais um exemplo daquilo que falei recentemente em Thor: Ragnarok -- o Idealismo Corrompido de filmes que tentam projetar valores positivos, ao mesmo tempo em que pedem desculpas e admitem que nada daquilo deve ser levado a sério.

O rompimento com a realidade aqui é tão grande que o filme chega ao cúmulo de incluir sequências de fantasia DENTRO da trama principal, que já é uma sequência de fantasia. Quando o vilão é derrotado (jogado dentro do tanque), por exemplo, isso acontece porque os 2 irmãos usam o poder da imaginação e se transformam subitamente em piratas. Ou seja, não bastava a história toda já ser uma fantasia assumida. Pra você projetar um ato virtuoso, Autoestima, felicidade, sentimentos realmente positivos, você precisa ir num nível extra de irrealidade, criar uma fantasia dentro da fantasia, pra deixar claro pra plateia que essas coisas não devem ser levadas a sério, são apenas devaneios imaturos da infância.

The Boss Baby / EUA / 2017 / Tom McGrath

FILMES PARECIDOS: Meu Malvado Favorito 3 (2017)

NOTA: 5.0

sábado, 4 de novembro de 2017

O Estado das Coisas

NOTAS DA SESSÃO:

- Ben Stiller é especialista em representar losers dessa forma cômica, então o personagem soa familiar e funciona desde o primeiro minuto. Não só por ele, mas também por mérito do filme, pois logo na primeira cena já fica estabelecido o conflito central do personagem (ele acordado na cama refletindo sobre a vida), dando um senso imediato de que já entendemos o personagem, sabemos o que ele busca, etc.

- A cena no aeroporto (ele tentando fazer um upgrade pra classe executiva) além de ser um bom momento cômico, é uma ótima forma de concretizar a ideia de que ele se sente um fracassado, excluído do mundo dos bem sucedidos (há vários detalhes divertidos assim no filme que reforçam essa ideia - a festa que ele não é convidado, a mesa ruim que dão pra ele no restaurante, a maneira como ele idealiza a vida dos amigos de forma exagerada, etc).

- Os pensamentos do personagem são fascinantes num nível psicológico. Por exemplo: quando ele começa a imaginar se a passividade da esposa é a razão de seu fracasso, ou o súbito otimismo quando ele percebe que o filho pode ter um futuro promissor se entrar em Harvard - ao mesmo tempo em que surge o medo do filho superá-lo e expor ainda mais o seu fracasso, etc. O roteirista tem uma habilidade incrível de observar os próprios pensamentos, registrar o processo de introspecção e colocá-lo no papel (lembra um pouco o que Rand fez em A Coisa Mais Simples do Mundo).

- A situação dele ter que pedir um favor justamente pro Craig Fisher (o cara que ele mais inveja) é ótima. É plausível e coloca o personagem na situação mais embaraçosa possível, considerando o tema do filme.

- O personagem do filho é uma graça e a relação positiva entre os dois é surpreendente. Estou sempre falando aqui da tendência atual dos filmes de forçarem relacionamentos conflituosos sem necessidade. Esse aqui foge à regra e opta por uma atitude mais benevolente. Mesmo quando os 2 se desentendem, é de maneira afetuosa e não agressiva.

- O personagem é tão patético que às vezes é doloroso de assistir (quando ele começa a dar em cima da amiga do filho, por exemplo). Mas a atitude do filme é positiva - o filme não está glamourizando / perdoando as falhas do personagem, e sim tirando sarro, mostrando como não devemos agir na vida.

- É quase um filme de terror onde o "monstro" é a baixa autoestima do protagonista. Um retrato dos efeitos destrutivos da psicologia de uma pessoa atormentada por um senso crônico de inferioridade, que iguala autoestima a status social. E o pior é que o personagem parece merecer esse senso de inferioridade - o problema aqui não é simplesmente o fato dele se comparar demais com os outros, dele estar rodeado de amigos milionários, e sim o fato dele realmente não ter muito do que se orgulhar na própria vida. Não tem grandes conquistas pessoais ou materiais onde se apoiar.

- SPOILER: O final é sutilmente arrasador, se é que isso faz sentido (superficialmente parece um final positivo, mas se você parar pra analisar, é totalmente trágico). O Ben Stiller consegue se constranger da pior forma possível no jantar com o Craig Fisher. Depois disso, achamos que ele já atingiu o fundo do poço e terá uma espécie de superação, mas não é o que acontece. Ele termina totalmente sem esperança, tendo que se contentar com a admiração - ou melhor, com o amor - do filho e tentando achar conforto no simples fato de estar vivo, de ainda poder "amar o mundo mesmo sem poder tê-lo" (!).

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CONCLUSÃO: Ótima comédia que consegue mesclar um humor mais óbvio e acessível com reflexões interessantes sobre a relação entre autoestima, carreira e vida social.

Brad's Status / EUA / 2017 / Mike White

FILMES PARECIDOS: Enquanto Somos Jovens (2014) / Mesmo Se Nada Der Certo (2013) / O Verão da Minha Vida (2013) / Maridos e Esposas (1992)

NOTA: 7.5

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Stranger Things 2

Isso não é uma crítica completa à segunda temporada, apenas uma observação que acho importante fazer. A série obviamente se apresenta como uma homenagem a filmes dos anos 80, e se inspira particularmente em produções de Steven Spielberg e James Cameron como E.T. - O Extraterrestre, Aliens - O Resgate, Poltergeist - O Fenômeno, Os Goonies, O Exterminador do Futuro, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, etc. Como já disse aqui várias vezes, Steven Spielberg e James Cameron são 2 dos meus cineastas favoritos e a maioria dos filmes citados estão no meu "top 100". E como um fã e estudante desse estilo de cinema, me sinto na obrigação de vir aqui lembrá-los que Stranger Things não tem nada a ver com esses filmes.

Stranger Things é uma "homenagem" aos filmes dos anos 80 na mesma medida em que La La Land é uma "homenagem" aos musicais clássicos. Nos 2 casos as produções soam inautênticas, pois não só não têm o mesmo compromisso com qualidade técnica, como não têm o mesmo espírito e os mesmos valores dos filmes que tentam homenagear. Elas fingem que estão resgatando o espírito do passado (um período considerado mais feliz, divertido e inocente do que o atual - e que justamente por isso provoca nostalgia nas pessoas), mas na prática fazem isso apenas no nível da superfície: através do visual, do estilo da trilha sonora, dos figurinos, de referências explícitas a outros filmes, etc. Naquilo que realmente importa, nos valores essenciais transmitidos através da história, dos personagens, são produtos totalmente "2017", que estão em plena harmonia com o espírito da atualidade - que é bem diferente do da época e em muitos aspectos é hostil ao espírito da época.

Portanto não - Stranger Things não é um bom exemplo do tipo de entretenimento que eu costumo defender aqui (eu tinha gostado até da primeira temporada, apesar de algumas ressalvas, mas agora na segunda vendo os defeitos da série de forma mais exagerada, já não fico tão entusiasmado em recomendá-la).

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Thor: Ragnarok

NOTAS DA SESSÃO:

- Fraca a sequência inicial onde o Thor enfrenta aquele demônio gigante (Surtur). Obviamente o filme está pesando a mão no humor pra imitar Guardiões da Galáxia, mas isso acaba diminuindo a estatura do herói (e do vilão), e deixando tudo com cara de uma brincadeira inconsequente. Não chega a ser um humor mal intencionado como o de Guardiões, feito intencionalmente pra destruir o Idealismo da história (o filme está apenas seguindo tendências) mas ainda assim passa do ponto.

- O filme tem um desprezo completo pela realidade (algo cada vez mais comum nos filmes comerciais atuais) que nos impede de acreditar em qualquer coisa que esteja acontecendo (na verdade o público atual não precisa de realidade pra sentir qualquer coisa, mas isso é assunto pra uma outra postagem). Em vez de tentar criar um universo crível, consistente, fazer a gente acreditar nesse mundo e nesses personagens, o filme parece querer enfatizar o fato de que é tudo uma ilusão. Tudo pode acontecer - portais estão constantemente abrindo e jogando os personagens de um lugar pro outro, personagens às vezes são sólidos, às vezes são hologramas, às vezes são outros personagens disfarçados (Loki pode se transformar em quem quiser a qualquer momento), os mortos podem ressuscitar, o Anthony Hopkins uma hora evapora e não sabemos imediatamente se ele morreu, se foi pra outra dimensão, sem falar na ação do filme: a força dos personagens é sempre ilimitada, aleatória, não temos a menor noção do que eles podem ou não fazer, Thor pode receber golpes inimagináveis sem sofrer 1 arranhão, mas ao mesmo tempo pode ser derrotado por um pequeno aparelho que dá choque, etc.

- Cate Blanchett está divertida de vilã, mas é um personagem extremamente caricato - até a Madrasta Má tinha uma motivação mais elaborada que essa.

- No meio da luta com a Cate Blanchett, o Thor acidentalmente cai pra fora do portal e vai parar num outro planeta, onde ele fica praticamente o resto do filme inteiro. Qual a relevância dessa reviravolta pra trama? É algo totalmente acidental, desnecessário, que só serve pra encher linguiça até o Thor conseguir escapar de lá, e se reencontrar com a Cate Blanchett no final pra mais uma batalha. Tudo que acontece aí parece desimportante: os conflitos com o Jeff Goldblum ou com o Loki, a luta de gladiador contra o Hulk, a amizade com a Valquíria, etc. Não são peças formando um quebra-cabeça maior, desenvolvendo um tema central, e sim eventos jogados pra distrair o espectador até o fim. É a velha ideia de um time de heróis sendo formado pra uma batalha final. Mas não fica claro que o Thor precisa dessas pessoas de fato pra derrotar a vilã (3 poderes incalculáveis somados são mais fortes do que 1 poder incalculável?!). No fim ele sempre tem uma carta na manga que resolve o problema. E de qualquer forma, uma "batalha final" não é algo interessante o bastante pra sustentar o interesse da plateia. O herói não está buscando nada de positivo, atraente, só quer impedir a vilã de agir.

- Como previsto, o final é apenas mais uma luta absurda sem nenhuma noção de realismo, onde a vilã é derrotada por uma "carta na manga" que não causa grande surpresa ou admiração pelo protagonista.

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CONCLUSÃO: Tem um clima divertido, Chris Hemsworth é sempre simpático, mas é extremamente fútil como cinema e entretenimento.

Thor: Ragnarok / EUA / 2017 / Taika Waititi

FILMES PARECIDOS: Valerian e a Cidade dos Mil Planetas (2017) / Vingadores: Era de Ultron (2015) / Guardiões da Galáxia (2014)

NOTA: 4.0

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A Guerra dos Sexos

NOTAS DA SESSÃO:

- O filme não se esforça pra fazer a gente simpatizar pela causa da Billie Jean. Não diz se ela está com problemas financeiros, não ilustra se ela atrai um público grande pros jogos de tênis (e por isso mereceria um salário maior), não mostra ela se esforçando pra receber mais, lutando honestamente, com humildade, e mesmo assim sendo recusada. Da maneira como é mostrado, é apenas uma feminista que de um dia pro outro exige um salário igual ao dos homens, simplesmente porque ela resolveu que sim. Não é uma boa maneira de fazer a gente se importar pela personagem.

- O romance é introduzido de maneira igualmente superficial, pouco dramática. Não sabemos nada sobre a vida pessoal/íntima da Billie... Que tipo de coisa ela valoriza, se ela deseja viver um grande romance ou não, se ela tem alguma insegurança, algum conflito pessoal... O filme parece achar que o simples fato dele ter uma agenda política "progressista" já é o bastante pra fazer o espectador se envolver pela história: como Billie Jean é feminista, lésbica, todos na plateia devem automaticamente torcer por ela, independentemente da história ser bem contada.

- Toda a premissa do filme é fraca, sem muito drama, energia. O vilão (Bill Pullman) é um cara meio idiota, mas não é tão odioso assim a ponto de gerar um conflito sério e pessoal entre os dois, que sustente o filme inteiro. Bobby Riggs (Steve Carell), que seria um segundo "vilão", também não tem um conflito significativo com a protagonista. Toda essa ideia de uma partida de tênis entre os 2 pra provar que as mulheres são equivalentes aos homens é uma tolice. Seria apenas um evento simbólico, midiático, mas que não provaria nada na prática. Não provaria nem que mulheres e homens são igualmente bons no esporte, e nem que Billie merece um salário igual ao dos homens simplesmente por ser igualmente habilidosa, independentemente das forças do mercado.

- O filme fica tentando criar um clima épico em cima da partida entre Billie e Bobby, mas simplesmente não existe esse drama todo. Billie já começou o filme como a melhor jogadora do mundo. Não é como nesses filmes de esporte onde o protagonista começa totalmente despreparado, vai crescendo ao longo do filme, até um partida final desafiadora que irá decidir sua carreira. A carreira da Billie não está em jogo aqui. E Bobby é um cara muito mais velho que ela. Ela não está jogando contra alguém que pareça de fato ameaçador. Nem mesmo o movimento feminista está em jogo nessa partida. Mesmo que ela perca, a luta das mulheres não irá parar. É apenas uma brincadeirinha boba sem grandes consequências pra vida pessoal de Billie.

- O romance lésbico entre Billie e Marilyn acaba tendo mais potencial dramático do que a partida de tênis em si. Mas é uma trama que acaba não sendo muito bem explorada (o marido aceita tudo numa boa, Billie não chega a sofrer grandes consequências por causa do romance, não tem que tomar nenhuma decisão até o fim do filme, etc).

- Um dos motivos da história ser fraca é que toda essa rivalidade entre homens e mulheres no fundo é meio boba. Os homens em geral (mesmo os machistas) não odeiam as mulheres (todos têm mães, esposas, filhas, etc). Não é como num filme sobre o racismo, por exemplo, onde realmente pode existir um clima agressivo entre os 2 lados, um conflito moral sério. Aqui, se as mulheres vencerem o jogo, nenhum homem vai ficar de fato revoltado, ofendido. Vai todo mundo se divertir e no dia seguinte continuarão todos convivendo sem problemas.

- A partida final de tênis é filmada de maneira pouco inventiva em termos de fotografia, edição - mas funciona, pois acompanhamos o jogo como se fosse uma partida real transmitida pela TV, onde podemos acompanhar cada jogada com clareza - há certo realismo, temos a impressão que os atores estão realmente ali na quadra em uma partida, etc.

- SPOILER: Como era de se esperar, o final é meio previsível, pouco emocionante. E é meio anticlimático ela vencer a partida, daí ter aquela pausa onde ela vai chorar no banheiro, depois ela voltar pra quadra, comemorar de novo, e daí sim o filme acabar sem que nada novo tenha acontecido - não é resolvido o conflito romântico, não há um encontro final de Billie com os "vilões" (a Margaret, o Bill Pullman, etc).

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CONCLUSÃO: Realizado com competência, com bons atores, mas os conflitos são fracos demais pra tornarem a história interessante.

Battle of the Sexes / Reino Unido, EUA / 2017 / Jonathan Dayton, Valerie Faris

FILMES PARECIDOS: Estrelas Além do Tempo (2016) / Carol (2015) / Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo (2014) / O Homem que Mudou o Jogo (2011)

NOTA: 6.0