quarta-feira, 22 de junho de 2022

Crimes of the Future | Crítica

Crimes of the Future crítica poster(Os comentários a seguir foram baseados nas notas feitas durante a sessão.)

- O filme começa apresentando uma série de coisas bizarras (o garotinho comendo o cesto de lixo, a cama "viva"), o que no mínimo fisga a atenção.

- É interessante a ideia da humanidade ter eliminado a dor e isso ter virado um problema (já que a dor serve como um sinalizador importante).

- Cronenberg parece mais interessado em exercitar seu estilo excêntrico do que em contar uma história interessante pro público (Experimentalismo e Subjetivismo). Há uns toques "trash de propósito" que lembram filmes do Paul Verhoeven; o tipo de coisa que só faz sentido pro cinéfilo que se conformou demais com a lógica do "guilty pleasure", mas que parece ridícula pro espectador comum. (Idealismo Corrompido)

- De modo geral o filme é bem realizado — Cronenberg tem domínio do tom, o visual é bem cuidado, Viggo Mortensen e Léa Seydoux estão bem.

- É difícil de se identificar com qualquer personagem. Entramos num universo onde as pessoas sentem prazer em se mutilar, em assistir cirurgias, tratam tumores como obras de arte — e os protagonistas agem como se fosse tudo normal, o que cria um senso de artificialidade e desconexão com o público. Não há um outsider normal chegando nesse mundo e reagindo a tudo com espanto, tentando fazer algo a respeito (como em Veludo Azul, por exemplo). O filme acaba sendo apenas uma apresentação de um universo esquisito, do "conceito" do cineasta, mas não há um gancho narrativo ou um propósito pra história a partir disso.

- Cronenberg é puro Senso de Vida Malevolente, "culto à dor". Criou toda sua identidade artística em cima de temas como deformidades físicas, violência, horror corporal, uma visão pessimista do futuro etc.

- Ainda não dá pra saber exatamente qual a mensagem do filme. Ele parece querer dizer algo sobre cultura e violência, sobre os valores deturpados da arte moderna, sobre cirurgias plásticas, sobre o papel da dor no processo criativo, sobre arte autêntica vs. arte comercial, sobre os perigos da tecnologia — mas não se aprofunda em nada.

- As "regras" da distopia também não são bem estabelecidas. Se alguém morre, por exemplo, por que eles ficam tristes? Não deviam celebrar, já que cultuam a dor? Ou a dor só é prazerosa no contexto cirúrgico, e a partir de certo ponto se torna indesejável? E os prazeres à moda antiga, deixaram de existir? Por que alguns personagens ainda desejam sexo e outros não? Tudo é meio vago.

- A única linha narrativa mais sólida é a do pai que perde o filho e quer fazer a autópsia com Saul (além dos mistérios envolvendo a digestão de plástico). Mas com tantas coisas bizarras acontecendo, fica difícil se interessar por essa subtrama.

- SPOILER: É o tipo de filme que coloca a mensagem intelectual (e o estilo do autor) acima da experiência do espectador (Não Idealismo / A Primazia do Espectador). E a grande ideia é noção anti-progresso, anti-tecnologia, de que a interferência do homem na natureza é má, destrutiva, que a industrialização produz coisas grotescas etc.

- Mais pro final, começa a surgir uma espécie de rivalidade entre os protagonistas e os personagens que digerem plástico, como se os comedores de plástico fossem maléficos por estarem se transformando em criaturas sintéticas. Mas e os protagonistas que sentem prazer com cirurgias, cultivam tumores? São mais "naturais" e humanos que eles?! Se o filme fosse sobre seres humanos normais e daí surgisse um homem capaz de digerir plástico, isso passaria um alerta claro contra a tecnologia, contra o artificial. Mas os protagonistas não são nada normais — ver cirurgia como "o novo sexo" me parece mais doentio até do que digerir plástico. O roteiro acaba misturando várias discussões (a obsessão pelo artificial vs. a obsessão pela violência) e não consegue unir tudo num discurso coeso. Parece que o diretor não sabe direito o que quer dizer com a história, então joga várias simbologias e conceitos polêmicos na tela pra ver se algo cola (tipo a Julia Ducournau em Titane). (Simbolismo e Filmes Interpretativos / Pseudo-Sofisticação / O Princípio do Contraste)

- SPOILER: Não é um grande choque o Saul comer a barra roxa na última cena. Até porque fica difícil de entender o que isso significa. Ele termina sorrindo, como se tivesse se livrado de suas dores finalmente, mas há algo de irônico na cena, como se no fundo ele tivesse sido vencido pelo "mal" — o que não tem impacto algum, pois como disse, Saul já era uma figura totalmente decadente e desumana desde o começo. Não é um homem normal que teve sua humanidade perdida agora.

- O final é abrupto, frustrante, não conclui nada, até porque o filme falhou em iniciar uma discussão clara.

Crimes of the Future / 2022 / David Cronenberg

Satisfação: 3

Categoria: D/C

Filmes Parecidos: Titane (2021) / Raw (2016) / O Teorema Zero (2013) / Existenz (1999) / Crash: Estranhos Prazeres (1996)

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