sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Moana 2

Pais, tios e avós, não cometam o ato de negligência estética de levar suas crianças pra ver Moana 2, uma série de segunda linha para streaming transformada em filme só pra ajudar o Bob Iger a pagar as contas da Disney, após uma série de fracassos — todos frutos da mesma mentalidade de usar personagens populares pra empurrar produtos medíocres e ganhar um dinheiro fácil, enquanto a reputação da empresa escorre pelo ralo.

Moana 2 / 2024 / David G. Derrick Jr., Jason Hand, Dana Ledoux Miller

Satisfação: 2

Categoria: Idealismo Corrompido

Filmes Parecidos: Wish: O Poder dos Desejos (2023) / A Caminho da Lua (2020)

quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Aqui

Mais um daqueles experimentos frustrantes do Robert Zemeckis, em que ele coloca um gimmick ou uma inovação técnica acima do entretenimento. A ideia de um filme inteiro onde a câmera não se mexe até me pareceu uma restrição interessante a princípio, que poderia resultar em um exercício criativo de direção. Mas eu imaginava que haveria uma tentativa de contar uma história com começo, meio e fim — que os saltos temporais mais bizarros se limitariam à introdução e que, depois, conheceríamos o casal central (Tom Hanks e Robin Wright) e seguiríamos com um drama mais ou menos linear. Mas não é o que acontece. Os saltos temporais (que incluem até a era jurássica) persistem ao longo do filme, de forma que você vê apenas fragmentos da vida do casal. A história nunca começa, porque o filme nunca escolhe um tema central para desenvolver.

A tagline do filme diz: "Alegria, esperança, perda, amor, a vida acontece...". Essa frase poderia servir para um filme como Laços de Ternura também. Mas, em Laços de Ternura, o filme foca na jornada de uma mãe superprotetora que precisa aprender a deixar a filha sair do "ninho". Há um conflito humano específico sendo discutido, e é esse tema que nos prende à história. Aqui, não há um tema equivalente. Há apenas uma colagem de momentos aleatórios de alegria, esperança, perda e amor, mas os personagens de Hanks e Wright permanecem o "casal central genérico" — uma representação Naturalista de uma típica família americana, como se o observador estivesse a milhas de distância (o "vale da estranheza" também não ajuda a tornar os personagens mais relacionáveis). 

Zemeckis parece estar vivendo um real conflito em relação às Categorias do cinema. Ele é um Idealista por natureza, mas que, por algum motivo, tem dificuldade de se limitar a essa categoria, ao mesmo tempo em que não consegue abandoná-la completamente. Aqui, temos essencialmente um filme Naturalista com toques de Experimentalismo. Porém, ele não irá agradar ao público alternativo, que acharia interessante experimentos como o de Arca Russa (um filme feito em apenas um take), porque o mise-en-scène de Aqui é totalmente Idealista, "comercial". Há um paradoxo na tela. Parte do filme (cenário, música, atuações, luz, diálogos) é romantizada, escapista, mas a câmera catatônica, que nunca se mexe e nunca responde ao conteúdo (um artifício típico do Experimentalismo), comunica algo oposto.

O mise-en-scène sugere um artista que molda o universo para expressar certas ideias, para projetar seus valores, mas a câmera fixa é uma negação desse poder. Ela reflete a não seletividade, o não "moldar o universo". O resultado é que esse olhar indiferente, que atravessa os séculos sem responder a nada, passa a sensação de que a vida é efêmera, sem sentido, enquanto outros aspectos do filme estão lutando para dar sentido à vida. Quem ganha a disputa? A falta de sentido. Pois o Idealismo requer que todos os elementos da obra trabalhem em conjunto para criar a magia. O problema é que, como filme sobre vazio existencial, Aqui é água-com-açúcar demais para satisfazer aqueles que se divertiriam com uma reflexão mais sombria sobre a passagem do tempo.

Here / 2024 / Robert Zemeckis

Satisfação: 4

Categoria: Idealismo Corrompido (via Naturalismo / Experimentalismo)

Filmes Parecidos: Bem-vindos a Marwen (2018) / A Árvore da Vida (2011) / Boyhood: Da Infância à Juventude (2014) / Belfast (2021) / O Curioso Caso de Benjamin Button (2008) / Os Fabelmans (2022)

terça-feira, 26 de novembro de 2024

Redes Sociais e Tecnologias de Rejeição

O impacto das redes sociais na cultura é um tema que parece nunca se esgotar. Nesse texto, queria discutir como algumas experiências pessoais — desde conflitos ideológicos na internet até episódios de cyberbullying — ilustram um padrão maior: como as redes sociais modificaram o comportamento humano, nossa percepção dos outros e alimentaram o mal-estar que definiu a última década.

Inicialmente, acho que as redes sociais estimularam a autenticidade mais do que a reprimiram. Pelo menos no meu caso. Antes do surgimento do Orkut, inconscientemente, eu tinha uma tendência de me ajustar aos ambientes em que estava — no colégio, eu tinha um tipo de atitude; com meus amigos de infância, uma ligeiramente diferente; com a família do meu pai, outra; com a da minha mãe, outra ainda. Não chegava a ser um Zelig nem a mudar de caráter, mas, com a chegada do Orkut, foi a primeira vez que me vi forçado a ter uma identidade social integrada — a ser apenas um único Caio no meio de todas essas bolhas incompatíveis. E foi um bom exercício. Em vez de me esconder, comecei a me esforçar para me expor de um jeito que me parecesse internamente coerente, sem me preocupar tanto com o ambiente externo.

Isso funcionou bem por um tempo. Mas, em algum momento no início dos anos 2010, as coisas começaram a ficar meio tóxicas (cada vez mais começo a achar que as profecias estavam certas e que houve, de fato, um "fim de mundo" por volta de 2012). Vou discutir abaixo dois incidentes que mudaram minha percepção das pessoas e minha maneira de me portar em contextos sociais.

O primeiro, muitas pessoas devem se lembrar. Foi em junho de 2013, durante os protestos por causa do aumento de 20 centavos na passagem de ônibus. Protestos grandes impulsionados por redes sociais eram inéditos até então, e até esse evento — dia 13 de junho de 2013, pra ser exato — eu não sabia que praticamente metade do meu Facebook estava do lado oposto ao meu no espectro político. Foi um completo choque para mim. Claro, eu sabia que as pessoas tinham visões diferentes sobre política, mas não que tanta gente levava a sério certas ideias que, pra mim, passavam longe do consenso. Quando analiso minhas postagens do Facebook dessa época pra trás, fico sempre surpreso com a tranquilidade com que eu expressava ideias e opiniões, como se não houvesse controvérsia a respeito de nada. Eu me portava como quem acredita que as pessoas são basicamente compatíveis, que aquilo que chamamos de "bom senso" é amplamente compartilhado, e que divergências raramente passam certos limites. Mas, depois de junho de 2013, eu nunca mais senti aquele mesmo nível de despreocupação e, ao longo dos anos, fui ficando cada vez mais cauteloso e autoconsciente ao me expressar (os conflitos online durante as eleições de 2014 e o impeachment da Dilma só reforçaram as divergências que os protestos dos 20 centavos já tinham evidenciado).

O segundo incidente foi mais pessoal, mas mostra como certas "evoluções" nas redes sociais ao longo da década de 2010 abriram as portas para tensões que antes não existiam. Em 2014, criaram uma rede social chamada Secret, onde amigos podiam fazer postagens anônimas em uma timeline comum. A plataforma não durou muito, pois ela parecia promover o pior nas pessoas, e uma série de polêmicas levou ao seu fim. Dia 14 de junho de 2014, eu acabei sendo "alvo" de uma postagem anônima ridicularizando trabalhos musicais que eu estava lançando na época. Não dava para saber quem fez o comentário, mas o sistema permitia identificar se o autor era seu amigo no Facebook. No caso, era. Esse foi outro evento onde as redes sociais mudaram significativamente minha percepção da sociedade e do meu lugar nela. Assim como, até o incidente dos 20 centavos, eu achava que, intelectualmente, as pessoas eram mais parecidas comigo do que eram de fato, até esse incidente do Secret, eu acreditava que meus conhecidos eram mais confiáveis e benevolentes do que eram. Nunca me passava pela cabeça que, pelas minhas costas, pessoas próximas poderiam estar me julgando daquela forma, menos ainda que se sentiriam à vontade pra fazer isso em público. Eu tinha consciência de que, como artista iniciante, "produtor de conteúdo" amador, eu estava correndo o risco de cometer erros, criar coisas de má qualidade. Mas eu me sentia relativamente livre para experimentar, me expor, pois achava que eventuais deslizes seriam vistos com olhos mais generosos por aqueles que entendessem meu contexto. Mas a verdade é que, em alguns casos, não havia esse "desconto".

A partir desse incidente no Secret, espontaneidade artística se tornou um esforço consciente para mim. Autoexpressão e criatividade nesse novo ambiente social passaram a ter um risco emocional impossível de ignorar. (O Secret acabou, mas a facilidade de usar as redes pra atacar os outros, não). Com o tempo, fui me acostumando com essa nova realidade e ajustando minhas expectativas, meu comportamento, tentando preservar o máximo da minha autenticidade inicial. Mas já não era algo tão automático quanto antes — mesmo integridade artística e intelectual sendo valores de primeira importância pra mim. Imagine o que deve ter acontecido ao longo desses anos com pessoas que não tinham esses valores tão altos em suas hierarquias.

Ou seja, acho que a primeira fase das redes sociais foi de bastante liberdade criativa, experimentação e transparência. Mas isso rapidamente nos levou à era dos haters, do cyberbullying, dos memes involuntários, da polarização política, que colocaram um sinal de "perigo" no território. Lembram de fenômenos como Rebecca Black, Edineia Macedo e Nissim Ourfali? Eles só poderiam ter ocorrido nessa época, quando "tudo era mato" ainda nas redes sociais, e as pessoas ainda eram inocentes em relação ao julgamento, ao hate. Depois disso, todos foram vacinados, e as pessoas passaram a pensar dez vezes antes de se expor, e a manipular cada vez mais suas imagens por medo da ridicularização, da condenação moral, e de outros riscos sociais que antes pareciam improváveis.

Além da perda da espontaneidade, uma tendência que ocorre quando você está sob risco de humilhação e ataques pessoais, é você se tornar menos transparente, e também menos positivo — adquirir uma imagem mais misteriosa, dark, agressiva, cínica (apresentar uma imagem cool e "respeitável" se torna uma prioridade muito maior do que conteúdo, talento, proporcionar prazer, etc.) o que pode explicar certas tendências estéticas da última década. (Pra quem acompanhou minha fase musical e lembra do período em que comecei a esconder o rosto com uma balaclava, ou de quando lancei a música "Tudo" — aquela mudança de tom certamente não teria acontecido se não fosse por tecnologias como seções de comentários, perfis anônimos, que tornaram desagradáveis as experiências anteriores com trabalhos mais genuínos).

Não estou dizendo que as redes sociais são um fenômeno completamente indesejável, anti-natural. Se formos pensar, as pessoas nunca foram 100% espontâneas em público — elas já moldavam suas aparências antes, não expunham certas intimidades, adotavam certas convenções culturais com base no que achavam que seria aprovado ou condenado socialmente. O que mudou agora é que passamos a ter muito mais insight sobre o que se passa na cabeça dos outros. Sabemos em mais detalhes o que é aceitável ou condenável socialmente. A invenção de outros meios de comunicação em massa no passado deve também ter causado uma expansão nessa percepção da sociedade, e levado a ajustes de comportamento — a um certo amadurecimento em relação ao período anterior.

Mas há uma diferença crucial das redes sociais para a televisão ou até mesmo pra internet pré-redes-sociais: elas aumentam significativamente as experiências de rejeição pessoal no dia a dia da população. E não só porque agora podemos saber muito facilmente o que se passa na cabeça dos outros, mas também porque as redes sociais alteram nosso comportamento — tornam as pessoas mais hostis do que seriam naturalmente, em interações presenciais. Pense no seu comportamento no trânsito. Se alguém te dá uma fechada, sua hostilidade em relação ao outro motorista é muito maior pelo fato de você não estar diante de uma pessoa de carne e osso. O carro reduz o motorista a uma ideia, a um estereótipo. Da mesma forma, quando você está interagindo com alguém pela internet, até mesmo com um amigo, você está reagindo a uma versão reduzida dele — a um nome, uma foto de perfil, uma memória, não à pessoa inteira. E quem representa melhor quem você é? A pessoa que reage quando está no trânsito, em seções de comentários? Ou a pessoa que reage presencialmente? Se, além da buzina, seu carro "facilitasse" a comunicação e te permitisse enviar mensagens personalizadas para os outros motoristas, isso revelaria melhor quem você é? As consequências dessa tecnologia seriam saudáveis para o trânsito?

Por isso, a "transparência" criada pelas redes sociais não é totalmente racional. As redes sociais são como um telescópio, mas com uma lente quebrada: ao mesmo tempo em que revelam coisas que antes eram invisíveis (algo bom, se você valoriza a verdade, não acha que "ignorância é uma bênção"), elas apresentam a realidade de maneira distorcida.

A percepção de desarmonia social e as experiências de rejeição fomentadas pelas redes sociais estão por trás de vários problemas culturais que se intensificaram a partir dos anos 2010. Inúmeros estudos comportamentais apresentam gráficos que "disparam" por volta de 2011, 2012, 2013 e 2014. Palavras como "racismo", "sexismo" e "homofobia" começaram a aparecer com muito mais frequência em jornais. Problemas psiquiátricos entre jovens aumentaram. E não foi a política ou a natureza humana que mudaram drasticamente nesse período — foi a introdução dessas novas tecnologias de rejeição nos bolsos das pessoas.

Se as redes sociais revelassem apenas a verdade sobre os outros, talvez elas deixassem de ser uma fonte de mal-estar após uma ou duas gerações. Seriam como descobertas científicas desafiadoras, mas que eventualmente passam a fazer parte do senso comum. Mas, se for verdade que elas criam o mal-estar, estimulam uma desarmonia que vai além do natural, então elas continuarão sendo problemáticas no futuro e, eventualmente, terão que ser reformadas — se quisermos acabar com a polarização, com o clima de pessimismo cultural, teremos que trazer as experiências de desentendimento e de rejeição para níveis que eram normais no passado. E, pra isso, certos recursos que são padrão hoje nas redes sociais terão que seguir o mesmo caminho do Secret.

domingo, 24 de novembro de 2024

Cultura - Novembro 2024

24/11 - Fotografia de Wicked

Nessa matéria da Variety, o diretor Jon M. Chu tenta explicar a correção de cor de Wicked — e não se sai bem. As cores dessaturadas do filme ele defende com base em argumentos Naturalistas, dizendo que um ambiente muito colorido pareceria falso, e que o foco da história era pra ser a relação "real" entre as duas protagonistas. Ao citar que "o sol é a principal fonte de luz", ele faz alusão ao conceito de "luz motivada", mais alinhada com o Naturalismo, que menciono na postagem Idealismo e Naturalismo na Direção de Fotografia. O mais estranho é que ele parece achar que o filme ficou com um visual super realista, onde se vê toda a "sujeira" dos cenários, nada parece de plástico — quando minha impressão foi a oposta; que aquela névoa esbranquiçada deixou tudo com uma cara plastificada, de sonho (um sonho meio desbotado, mas ainda um sonho). A matéria termina com ele explicando que as primeiras fotos promocionais de Wicked saíram escuras porque ele as editou em seu iPhone (!) com o brilho da tela no máximo, e esqueceu que a maioria das pessoas não iria ver as fotos com o brilho no máximo — um desleixo que qualquer artista minimamente cuidadoso evitaria usando Waveforms, False Color, ferramentas que uso até pra postar um vídeo de 100 visualizações no YouTube.

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Emilia Pérez

Sempre me dão preguiça essas desconstruções gratuitas de gênero, mas a ideia aqui de misturar musical com drama de narcotráfico é até interessante do ponto de vista temático, considerando que a protagonista é um desafio ao conceito de gênero. O problema é que o filme acaba ganhando relevância mais pela combinação exótica de elementos do que pela qualidade dos elementos em si: pela parte musical ou pelo drama de narcotráfico isoladamente, Emilia Pérez não seria um filme muito memorável.

O destaque fica mesmo para a performance da Karla Sofía Gascón, que encarna tão bem a personagem-título que você quase acredita que sua esposa e filhos não conseguiriam reconhecê-la depois da transição. Mas pensando em Oscar de Filme Internacional, por enquanto ainda prefiro o candidato brasileiro.

Emilia Pérez / 2024 / Jacques Audiard

Satisfação: 5

Categoria: Idealismo Corrompido / Experimentalismo

Filmes Parecidos: Cassandro (2023) / Hamilton (2020) / Romeu + Julieta (1996) / Sicario: Terra de Ninguém (2015) / Evita (1996)

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Wicked

Apesar de não gostar muito das músicas e de certos subtextos da história, acho que o musical Wicked tem uma narrativa forte, atemporal, e se o filme funciona, é por causa dos méritos originais da peça. Mas esta é uma versão menos acertada, com certos problemas de tom e ritmo que eu não lembro dos palcos (já vi 2 montagens, uma no Brasil e uma na Broadway). Pra começar, não há sentido algum dividir essa história em 2 filmes, sendo que tudo que há de mais icônico e memorável no musical acontece na Parte 1. Imagine dividir A Noviça Rebelde em 2 filmes: no primeiro, temos Maria girando nas colinas, "My Favorite Things", "Do-Re-Mi", "Climb Ev'ry Mountain", o casamento, daí no segundo filme, ficamos com a chegada dos nazistas e a fuga. Essa primeira parte de Wicked tem 2h40min — praticamente a mesma duração da história inteira no teatro. Isso quer dizer que muita coisa foi inflada, e essas gorduras ficam perceptíveis, às vezes prejudicando cenas que no palco eram redondas. Enquanto algumas sub-tramas continuam mal desenvolvidas (o romance com o príncipe Fiyero, a perseguição contra os animais falantes, a promessa de transformar Elphaba em uma garota popular), outras parecem desnecessariamente esticadas. O número showstopper "Defying Gravity", por exemplo, ficou cheio de intervalos no meio da canção (sendo que as composições de Wicked já são meio dispersas), como se o cineasta soubesse da importância do momento e não quisesse que a cena acabasse rápido demais. O problema é que tempo e ritmo são elementos fundamentais na música. Ao esticar uma boa cena cuja base é uma canção, você não termina com uma cena mais prazerosa necessariamente, pois pode estar comprometendo o que fazia a cena funcionar em primeiro lugar.

O melhor do filme pra mim é a performance da Cynthia Erivo como Elphaba, que traz uma delicadeza nas expressões que é impossível de se criar nos palcos. Já Ariana Grande se sai bem mais por causa da eficácia do texto do que por sua interpretação particular de Glinda, que não é tão magnética quanto poderia ser (a maquiagem dá uma qualidade meio anêmica pra personagem que também não ajuda). Falando em anemia, eu realmente detesto a névoa esbranquiçada jogada sobre a fotografia do filme. É quase um pecado desbotar um universo tão marcado pela cor quanto o de O Mágico de Oz, sem falar que o tratamento de imagem faz os cenários (vários deles reais) parecerem tão falsos quanto os desses filmes da Marvel criados inteiros no computador.

Dito isso, Wicked tem uma base narrativa sólida que continua rendendo um bom entretenimento. Vimos incontáveis histórias de origem nas últimas décadas, mas Wicked acho que ainda é a que melhor constrói uma narrativa original a partir de uma história familiar. As conexões com O Mágico de Oz são criativas, bem integradas à trama, e a produção não se limita ao fan-service: o que torna o musical popular é a relação carismática entre as protagonistas, a discussão universal sobre preconceito, sobre introversão vs. extroversão — elementos que não dependem de O Mágico de Oz para tocar o público.

Wicked / 2024 / Jon M. Chu

Satisfação: 7

Categoria: Idealismo Imperfeito

Filmes Parecidos: Wonka (2023) / Malévola (2014) / Oz: Mágico e Poderoso (2013) / Frozen: Uma Aventura Congelante (2013) / A Bela e a Fera (2017)

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Gladiador II

Este é um filme do Ridley Scott que fez Cruzada, Robin Hood, Êxodo: Deuses e Reis e Napoleão — nem tanto do Ridley Scott que fez Gladiador (2000). Minha intuição inicial vendo o trailer se provou mais confiável que o buzz positivo das semanas que antecederam a estreia, que me parece ter sido uma fabricação do estúdio (os marketeiros de Hollywood acho que entenderam nesse último ano o quanto o boca a boca negativo pode prejudicar a bilheteria de um filme, e agora estão manipulando cada vez mais essa etapa da divulgação).

Gladiador II já começa em desvantagem por ser uma sequência artificial, que ninguém pediu, e todas as tentativas do roteiro de conectar a jornada de Lucius (Paul Mescal) com a de Maximus (Russell Crowe) só nos relembram dessa artificialidade. A história é uma trama básica de vingança, mas com aquela mentalidade Classicista que parece achar que, se o filme apresentar certos eventos em certos pontos da história (uma morte trágica, uma revelação de parentesco), o espectador ficará automaticamente envolvido, independentemente dele gostar do personagem, entender os valores envolvidos no conflito, etc.

Um problema aqui é o mau estabelecimento do vilão. Na cena que dá início à jornada de vingança, Pedro Pascal é estabelecido como o culpado. Mas logo depois, descobrimos que ele é do bem, e os irmãos imperadores começam a se definir como vilões maiores (são herdeiros e afeminados, claro). Mas os atores são fracos, não têm o mesmo peso do Joaquin Phoenix no Gladiador original, além de serem caricaturas irritantes, que fazem as irmãs da Cinderela parecerem caracterizações sutis. Acaba que Macrinus se torna o principal antagonista da história, mas Denzel Washington é simpático demais pro público querer ver o herói lutando contra ele.

Paul Mescal pra mim é um grande erro de casting. A essência do personagem é a fúria, a sede de vingança. Em um dos péssimos diálogos do filme, Denzel diz para ele: "a raiva jorra de você como leite das tetas de uma meretriz". Não sei que prostitutas eram essas da Roma antiga que trabalhavam em fase de lactação, mas uma coisa posso dizer: várias qualidades jorram naturalmente do rosto de Paul Mescal — educação, leveza, bom humor, humildade — raiva não é uma delas.

Então temos um roteiro fraco, pra uma sequência desnecessária, com um elenco piorado, e dirigida por um Ridley Scott que parece ter perdido até a noção de bom gosto. Não vi ainda a crítica da Isabela Boscov, mas no título do vídeo ela chama Gladiador II de "cafona". Achei curioso, pois a palavra "brega" apareceu duas vezes nas minhas anotações. Há vários detalhes que passam uma falta de refinamento na direção, e até de seriedade. Desde os diálogos tolos em tom bíblico, passando pelo cabelo/maquiagem da Connie Nielsen, que parece uma perua em um casamento de classe média, até os flertes do filme com produções B escapistas, dessas que achariam "Gladiadores vs. Tubarões" ou "Gladiadores vs. Lobisomens" ótimas ideias para sequências (o filme "histórico" inclui uma cena onde uma personagem aperta uma pedra na parede e ativa uma porta automática para um esconderijo).

Dramaticamente, nada convence. Quando Paul Mescal grita com sua mãe por tê-lo abandonado, a reação dele parece infantil, sem sentido. Depois, quando ele resolve perdoá-la (e perdoar também o Pedro Pascal) as relações da história continuam não transmitindo nenhuma verdade.

As próprias cenas de luta não empolgam. Parecem enfiadas por obrigação na história, não por necessidade narrativa. O Coliseu é introduzido de maneira mais casual que no primeiro, sem os ângulos e trilhas grandiosas que criavam um senso de importância, então apesar do investimento em efeitos especiais, as batalhas acabam parecendo eventos triviais, episódicos — até porque Paul Mescal se porta como um líder preparado e imbatível desde o início da história. Você nunca teme por sua vida.

Assim como Alien: Romulus, Gladiador II talvez pareça um filme acima da média pro público jovem que nunca viu o primeiro (do qual eu nem sou um super fã) e acha que cinema se resume a isso que Hollywood vem produzindo nos últimos 10/15 anos. Mas pro resto, será a experiência triste de ver que nem um dos maiores realizadores de seu tempo, com todo o dinheiro à disposição (Gladiador II é um dos filmes mais caros de todos os tempos) consegue resgatar o padrão de qualidade que há 24 anos era normal.

Gladiator II / 2024 / Ridley Scott

Satisfação: 4

Categoria: Idealismo Imperfeito

Filmes Parecidos: Ben-Hur (2016) / Napoleão (2023) / Êxodo: Deuses e Reis (2014) / Robin Hood (2010) / Gladiador (2000)

sábado, 16 de novembro de 2024

Aviso

16/11 - Comecei a postar minhas avaliações no Instagram @caiocinefilo num formato diferente. A ideia é ter um lugar prático onde minhas notas e recomendações fiquem concentradas de maneira fácil de entender visualmente. Me digam se acham interessante e siga lá quem tiver Instagram. Ainda não estou postando textos, mas se o formato vingar, posso começar a deixar comentários nas legendas também. Depende um pouco da interação e do interesse dos outros. 


----------------------------------------------------

Pretendo dar um tempo nas postagens aqui. Se surgir algum filme muito interessante ou polêmico que mereça maiores comentários, pode ser que eu escreva algo. Mas pelas próximas semanas pelo menos, vou tentar saciar meus impulsos de criticar os filmes deixando apenas as avaliações no Letterboxd e quem sabe fazendo comentários breves no Instagram. 


P.S.: Coringa 2 eu vi agora e achei bem ruim. É menos revoltante que o primeiro (tem menos violência, menos críticas tolas ao "sistema"), mas esteticamente, tem muito mais defeitos óbvios. Além do roteiro pobre, sem trama, e dos problemas do filme original que se repetem, a ideia de transformar essa história em um musical realmente não deu certo (o trailer me enganou que eles tinham dado um jeito de fazer funcionar — devia ter confiado na minha intuição inicial), e Joaquin Phoenix tem mais uma daquelas performances desajeitadas, irregulares, tipo a de Napoleão.

domingo, 10 de novembro de 2024

Ainda Estou Aqui

"Singelo", "sensível", "sutil" — meus filmes favoritos não costumam ser definidos por adjetivos como esses, mas são neles que Ainda Estou Aqui aposta. Walter Salles dirige o filme como se sua regra número 1 na vida fosse "jamais ostentar". Assim como o título em Times New Roman no pôster, tudo em Ainda Estou Aqui é simples, porém eficiente e de bom gosto. Claro que essa simplicidade muitas vezes é reflexo de um talento nada simples dos realizadores — e nos detalhes você pode ver aqui um tipo de sofisticação incomum no cinema brasileiro. Mas os virtuosismos da produção tendem a ficar nas entrelinhas, exceto no caso da Fernanda Torres, que mesmo na sutileza consegue ser excelente — ela passa boa parte do filme aguardando, mas sem se tornar uma personagem passiva; sofre, mas sem se fazer de vítima. Minha cena favorita do filme é apenas ela sentada em uma sorveteria observando as famílias "normais" ao seu redor. Sem dizer uma palavra, ela consegue fazer a ausência do marido ganhar uma dimensão nova que não existia até o instante anterior.

Não tenho muito a reclamar do filme, exceto das limitações inevitáveis da abordagem Naturalista. Mas dentro disso, o filme é um exemplo bastante respeitável desse tipo de cinema. A mini história que ele conta é dramática o bastante pra prender a atenção, o estudo de personagem foca em personalidades gostáveis, em ambientes nostálgicos, a execução é caprichada (a direção de atores e a reconstituição de época são particularmente bem feitas). E a política, que poderia ter sido um problema, não contamina demais a experiência, pois assim como em O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006), vemos a ditadura militar pelo ponto de vista de uma pessoa bastante alheia às atividades políticas dos desaparecidos. Isso também fica nas entrelinhas, mas nesse caso, para o bem do filme.

Ainda Estou Aqui / 2024 / Walter Salles

Satisfação: 7

Categoria: Naturalismo / Idealismo Moderado

Filmes Parecidos: O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006) / Aquarius (2016) / Roma (2018) / Central do Brasil (1998) / Terra Estrangeira (1995)

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Megalópolis

Simpatizei com o filme, apesar da abordagem Experimental. A falta de uma trama estruturada e a linguagem obscura impedem o Paradigma Idealista de existir, mas o filme não chega a cair no tédio, pois há sempre temas ambiciosos sendo discutidos, ideias originais surgindo na tela, e há certo valor de entretenimento nas escolhas excêntricas de Coppola. Num caso meio "Picasso", é aquele tipo menos comum de Experimentalismo que não parece apenas um disfarce para falta de talento e conteúdo. Há criatividade o bastante em Megalópolis para sentirmos que Coppola poderia ter narrado essa história de maneira mais tradicional e entregue algo interessante — ainda que o filme não tenha muita profundidade intelectual (tirando a comparação básica dos EUA com o Império Romano, o filme não traz grandes insights sobre política, cultura). É como se Coppola tivesse tentado criar seu A Revolta de Atlas, uma obra épica que pretende discutir temas atemporais, solucionar os grandes conflitos da civilização, mas sua megalomania estivesse além de sua real capacidade de cumprir a tarefa. Isso não quer dizer que Megalópolis seja uma obra vazia, charlatã (como penso de O Brutalista). Apenas que as qualidades do filme estão em outro campo, não no intelectual/filosófico. Parece mais um musical extravagante onde Coppola despejou centenas de ideias que foi acumulando ao longo de décadas. O resultado não é muito coerente, mas as ideias não são desinteressantes. Em textos como A Importância de Ideias e Inspiração ou Mentalidade Clichê eu discuto qualidades artísticas importantes que Megalópolis tem de sobra, e que faltam muito no cinema atual. São qualidades "hemisfério direito do cérebro". É uma pena que Coppola pareça achar que o artista de verdade é aquele que ignora em grande parte seu hemisfério esquerdo.

Quanto aos paralelos com A Nascente, deixei um comentário em vídeo:


Megalopolis / 2024 / Francis Ford Coppola

Satisfação: 6 

Categoria: Não Idealismo (Experimentalismo / Filme de Autor)

Filmes Parecidos: Babilônia (2022) / A Viagem (2012) / Satyricon de Fellini (1969) / Southland Tales: O Fim do Mundo (2006) / Sinédoque, Nova York (2008)