segunda-feira, 21 de abril de 2025

Abril - outros filmes vistos

Tempo de Guerra (Warfare / 2025 / Alex Garland, Ray Mendoza) — Só assisti a 40 minutos e fui embora do cinema. É daqueles filmes desconstruídos que te jogam no meio de uma situação sem introduzir os personagens, sem nunca estabelecer motivações pessoais, propósitos, obstáculos — e esperam que você continue assistindo só por respeito à tragédia real que ele retrata, não por um real envolvimento narrativo. 

Pecadores (Sinners / 2025 / Ryan Coogler) — O tipo de subversão de gênero misturada com comentário social que eu esperaria de um cineasta como Jordan Peele, não de Ryan Coogler. Vem nessa onda de filmes autorais desajeitados que, na tentativa de se provarem "não-formulaicos" e de atender à atual demanda por obras originais, jogam fora todos os princípios narrativos — inclusive os que não deviam.

G20 (2025 / Patricia Riggen) — Leva o troféu "tão ruim que é bom" de 2025. A única explicação que consigo dar para esse filme é a seguinte: era um roteiro dos anos 90, estilo Força Aérea Um, que foi engavetado na época por ser absurdo demais, e que agora decidiram reescrever, inverter os gêneros dos protagonistas e transformar em uma paródia de filmes woke. O problema é que, no fim, o roteiro foi entregue a alguém sem um pingo de senso de humor, que dirigiu tudo de maneira séria.

Como Ganhar Milhões Antes que a Avó Morra (2024 / Pat Boonnitipat) — Dramédia tailandesa semi-naturalista que, por um lado, me desagrada por ser baseada em uma visão malevolente de mundo e em uma ética de culpa e dever, mas, por outro, tem minha simpatia por tentar contar a história mais agradável possível dentro dessas premissas, focando em personagens gostáveis e em uma versão "higienizada" do horror existencial que normalmente acompanha esse tipo de enredo.

Black Mirror (2011—) T7.E1 "Common People" — Nem todos os episódios da 7ª temporada me agradaram, mas este primeiro é um excelente exemplo do que Black Mirror faz de melhor: pegar conceitos inovadores de ficção científica para gerar reflexão, alertar o espectador e fazer comentários culturais ácidos (é aquela rara crítica ao "capitalismo" no entretenimento que consegue trazer pontos válidos sem distorcer totalmente a realidade).

Reagan (2024 / Sean McNamara) — Outro dia vi um vídeo do Andrew Klavan onde ele disse algo pertinente: não é possível substituir os atuais artistas de Hollywood por conservadores, apenas por outros artistas (que talvez até acreditem no conservadorismo, mas essa seria uma questão à parte). Reagan é um filme que parece feito por conservadores, não por cineastas. O resultado é sofrível, e se depender do "dream team" que Trump escolheu para liderar Hollywood (Mel Gibson, Jon Voight, Stallone), veremos cada vez mais dessa estética.

Um Filme Minecraft
(A Minecraft Movie / 2025 / Jared Hess) — Chama atenção por não ser cínico nem ter os toques Corrompidos que costumam definir esse tipo de filme. Em vez de uma aventura irônica, Minecraft funciona como uma comédia de fato, sustentada por um fluxo constante de piadas e por personagens abertamente cômicos (o filme em nenhum momento os confunde com heróis). Não dá para dizer que é um bom roteiro, mas o elenco e o humor orgulhosamente juvenil podem render uma sessão divertida.

Desconhecidos (Strange Darling / 2024 / JT Mollner) — Tenta, através do estilo e de desconstruções narrativas, tornar interessante um conteúdo que, por si só, não renderia um filme satisfatório. Imagine a mesma história contada de forma linear e pergunte-se: algum dos personagens se tornaria gostável? Os eventos da trama e a conclusão gerariam algum prazer ou significado?

Vitória (2025 / Andrucha Waddington) Se O Outro Lado da Rua (2004) foi uma espécie de versão Naturalista de Janela Indiscreta, Vitória seria um "remake" ainda mais simplificado de O Outro Lado da Rua. E o problema não é o filme não ter uma trama ágil, suspense, etc. Se fosse como Ainda Estou Aqui, que compensa a narrativa mais esparsa/Naturalista com ótimas atuações, questões políticas/históricas interessantes, não haveria problema. Mas Vitória não oferece essas qualidades que sustentam os melhores filmes Naturalistas. Ele tenta prender o espectador pelo aspecto "thriller", mas tem a energia que se espera de um filme brasileiro estrelado por uma senhora de quase 95 anos. Quem foi assistir no embalo do Oscar, esperando outro grande destaque nacional, provavelmente saiu decepcionado — mas com pena de admitir, por respeito a Fernanda Montenegro.

sábado, 19 de abril de 2025

Vídeos: Dinâmica Espiral

Trouxe aqui recentemente o tema da Dinâmica Espiral, que vem se mostrando uma das "chaves mestras" que eu procurava para solucionar alguns "mistérios" sobre a natureza humana e a sociedade que as teorias que eu já conhecia ainda não explicavam. Pelo que pude ver até agora, a teoria se integra muito bem ao Idealismo e me ajuda a entender melhor o propósito dos princípios que venho estabelecendo aqui — que não é condenar a natureza humana ou ignorar estágios necessários de desenvolvimento, mas tentar promover versões mais saudáveis de cada um desses estágios e mostrar o que pode haver de universal e não conflituoso entre eles (assim como na Teoria dos Arquétipos, não existem estágios de desenvolvimento intrinsecamente maus — mas cada estágio tem sombras que precisam ser evitadas). 

Vou deixar abaixo quatro vídeos de pessoas diferentes dando um resumo da teoria, para quem quiser se aprofundar um pouco mais no tema.

Clare W. Graves é o criador original da emergent cyclical theory.


Don Edward Beck utilizou os estudos de Graves para escrever o livro Spiral Dynamics, que deu mais corpo e alcance à teoria.


Ken Wilber incorporou a Dinâmica da Espiral à sua Teoria Integral (que, eventualmente, passou a usar um esquema diferente de cores para descrever os estágios).


Este é um resumo do canal Actualized.org, para quem quiser uma linguagem mais moderna e com legendas em português.

sábado, 5 de abril de 2025

Cultura - Abril 2025

5/4 - Vi dois vídeos esta semana que me fizeram sentir um pouco menos desalinhado com as discussões no mundo mainstream.

The Era Of Slop Entertainment — Este vídeo (citado inclusive pelo Critical Drinker) traz o ponto que discuti em fevereiro: apesar de a era woke do cinema estar em declínio, o problema da falta de talento e criatividade continua sendo uma grande questão. Até agora, alguns falavam como se acabar com a cultura woke resolveria a maioria dos problemas, mas muita gente já está começando a perceber que esse não será o caso. Me preocupam um pouco as referências que esses analistas mais populares têm de cinema ideal (voltar para os "tempos áureos" de Homem de Ferro, pra mim, ainda não seria o bastante), mas pelo menos há uma insatisfação apontada pro lugar certo.

How Capitalism Killed the Movie Star — Este vídeo discute a questão da "morte dos astros", que descrevi como um problema-chave no texto Como Salvar o Cinema. Há vários pontos interessantes no vídeo, mas ele atribui o declínio dos astros ao "capitalismo" — ao fato de que, hoje, os estúdios estão mais focados em IPs e personagens do que em atores. Mas vejo furos nessa explicação. Julia Roberts e Schwarzenegger não foram exatamente frutos do comunismo. E por que os astros da música hoje também seriam menores em estatura e impacto global? Apesar de uma coisa interferir na outra, atribuo a morte dos astros mais ao lado cultural do problema do que ao lado financeiro. Ainda assim, é bom ver mais e mais gente apontando o dedo para essa questão.

segunda-feira, 31 de março de 2025

Março 2025 - outros filmes vistos

Novocaine - À Prova de Dor (Novocaine / 2025 / Dan Berk, Robert Olsen) — Estava esperando uma mistura irritante de ironia com violência extrema, então a primeira parte até me surpreendeu com personagens bem estabelecidos e um enredo mais agradável do que eu imaginava. Ainda assim, quando a ação finalmente deslancha, o filme abandona um pouco a lógica e começa a machucar o protagonista (que não sente dor) mais pra causar aflição e justificar a premissa do que por necessidade narrativa (a graça desta sinopse, na minha visão, estaria mais na reação de espanto das testemunhas que não sabem da condição do personagem do que nos ferimentos em si, mas o filme não faz um bom uso deste potencial).

O Estúdio (The Studio / 2025) T1.E1 e T1.E2 — Streaming surpreendendo de novo este mês com uma série muito acima da média, que estabelece um padrão tão elevado nos dois primeiros episódios que é difícil imaginar como poderia sustentá-lo nos próximos. Imperdível para cinéfilos.

Sem Chão (No Other Land / 2024)
— Documentário tedioso que só ganhou o Oscar pelo ativismo político, não por ser bem feito, interessante, ter imagens/entrevistas valiosas ou esclarecer qualquer fato.

Adolescência (Adolescence / 2025 / 
Philip Barantini)
— Primeiro lançamento de 2025 que deve entrar nas minhas listas de melhores do ano. O uso do plano-sequência às vezes parece um exibicionismo desnecessário, mas nos momentos mais dramáticos, ajuda a acumular uma tensão que torna os episódios hipnóticos. A série prende a atenção gerando curiosidade sobre os motivos por trás do crime, o que pode tornar um pouco frustrante a guinada Naturalista mais pro final, de optar por focar menos nos porquês e mais no impacto da tragédia nos envolvidos. Ainda assim, é um estudo de personagens fascinante que revela algumas das questões psicológicas/culturais mais urgentes das gerações mais jovens. A performance do Owen Cooper é tão impressionante no 3º episódio que me lembrou do jovem Leonardo DiCaprio quando começou a se destacar no cinema. 

The Electric State (2025 / Anthony Russo, Joe Russo) — Isso só revela o quanto o sucesso de bilheteria de Vingadores: Guerra Infinita e Ultimato não foi mérito da direção dos irmãos Russo. O filme segue um formato familiar de narrativa de aventura, mas os cineastas parecem ter uma espécie de cegueira para os elementos que tornam um filme interessante para o espectador, então se limitam a cuidar dos efeitos especiais e da aparência externa da produção, torcendo pra que o conteúdo se conecte magicamente com o público — o que, infelizmente, não acontece.

Branca de Neve (Snow White / 2025 / Marc Webb) — Melhor do que eu esperava (se bem que as expectativas eram tão baixas que isso nem diz muito). Está mais pra um entretenimento decente enfraquecido por alguns problemas típicos do cinema atual (mensagens woke pontuais, anões no vale da estranheza, um elenco quase bom) do que pra um projeto desastroso como Pinóquio (2022). O filme tem uma direção competente (inclusive na parte musical), cenários/figurinos bonitos, novidades o bastante pra não parecer um remake enlatado, e o tom, de modo geral, não é subversivo ou hostil ao clássico — exceto quando querem transformar a Branca de Neve em uma líder revolucionária, aí realmente fica difícil defender.

Código Preto (Black Bag / 2025 / Steven Soderbergh) — Não me sintonizo bem com o cinema de Steven Soderbergh e, apesar do bom elenco, achei a trama de Código Preto extremamente desinteressante. É o tipo de história mais preocupada em parecer bem escrita e engenhosa (a abordagem dos "relojoeiros") do que em dar um motivo para o espectador se importar por qualquer coisa.

Better Man: A História de Robbie Williams (Better Man / 2024 / Michael Gracey) — Por que o macaco? Para mim, é um toque autodepreciativo estratégico para amenizar a qualidade potencialmente egocêntrica da produção (assim como a ênfase nos problemas emocionais e na suposta inferioridade de Robbie). Descontando esses aspectos "corrompidos" (ou esta aplicação duvidosa do conceito de Complementaridade), achei o filme eficaz e dirigido de maneira bem estimulante.

O Macaco (The Monkey / 2025 / Osgood Perkins) — Mais um caso em que o cineasta teve bastante liberdade criativa pra realizar o filme, mas isso se provou uma péssima ideia. Assim como Mickey 17 faz com a ficção científica, O Macaco apenas pega a premissa do conto de horror de Stephen King (que imagino ser sério) para subverter o gênero e transformá-lo em uma comédia excêntrica guiada pelas afetações do diretor. O resultado não é nem assustador, nem cômico.

Mickey 17 (2025 / Bong Joon Ho) — Reclamamos com tanta frequência da falta de originalidade nos filmes que é fácil cair na armadilha de achar que originalidade, por si só, torna um filme bom. O novo longa do diretor de Parasita (2019) prova que isso não é verdade. Excentricidade é o prato principal aqui, mas em vez do caos organizado de filmes como A Substância ou Pobres Criaturas, Mickey 17 parece mais o trabalho de um esquizofrênico pretensioso. Convencido de que os frutos de sua imaginação serão sempre brilhantes, o filme se entrega a devaneios aleatórios sem a disciplina necessária para produzir uma boa história.

domingo, 30 de março de 2025

Dinâmica Espiral

Li recentemente o livro A Theory of Everything, de Ken Wilber, e fui exposto à teoria da Dinâmica Espiral — que eu desconhecia — e que me pareceu ainda mais útil do que a teoria do Dabrowski para explicar os diferentes níveis de desenvolvimento humano. Achei interessante porque ela pode ser aplicada a questões artísticas e culturais de maneira mais concreta e provavelmente se tornará uma ferramenta valiosa nas minhas análises.

A teoria não é de Wilber e já parece bastante difundida, então não vou reintroduzi-la aqui (Wilber popularizou a teoria, mas inseriu elementos místicos duvidosos no meio; o estudo mais sério e acadêmico está em trabalhos anteriores de Clare W. Graves e Don Edward Beck). Quem se interessar poderá encontrar diversos resumos na internet. Mas vou dar uma breve descrição de cada nível, aproveitando pra indicar que tipo de cinema ou entretenimento associo a cada um deles em um primeiro momento (devo ler mais sobre o tema no futuro, o que pode levar a correções).

Basicamente, a Dinâmica Espiral descreve 8 níveis de desenvolvimento da consciência humana, indo do mais elementar (Bege) ao mais complexo (Turquesa). Todos nós nascemos no nível Bege e, normalmente, evoluímos para estágios superiores. Civilizações como um todo também tendem a avançar ao longo dos séculos, conforme a população adquire mais conhecimento. No entanto, nem todos os adultos chegam ao nível mais elevado da espiral, e cada cultura e período da história tem um “centro de gravidade” em torno de um nível específico.

Primeiro Nível

1. Bege – Nível arcaico/instintivo, preocupado em satisfazer necessidades básicas de sobrevivência, como alimentação, segurança física e sexo.
Arte: Percussões tribais; pornografia e obras focadas no apelo sexual.

2. Púrpura – Nível mágico/animista; enxerga significados misteriosos em fenômenos naturais e explica tudo através de superstições, misticismo, espíritos bons ou maus, etc.
Arte: Fantasia desconectada de propósitos mundanos; mitologia; folclore; lendas religiosas.

3. Vermelho – Nível do poder, caracterizado pelo instinto de dominação através da força bruta e do conflito.
Arte: Ação desconectada de valores morais; obras focadas em violência, batalhas e heróis cuja principal qualidade é a brutalidade e a força física.

4. Azul – Nível da ordem mítica, onde a vida ganha significado através da disciplina e da submissão a grupos, leis e códigos absolutos.
Arte: Filmes sobre heróis que se sacrificam em nome de ideais externos; Jornada do Herói; filmes de esporte; filmes religiosos; obras feitas para empoderar nichos ou subculturas específicas.

5. Laranja – Nível da ciência, que busca a racionalidade, a manipulação da natureza, respeita os direitos individuais e valoriza abundância material, sucesso e independência.
Arte: Fórmulas narrativas; estrutura em três atos; cinema mainstream de Hollywood; arte comercial.

6. Verde – Nível da pluralidade, que valoriza a comunidade, o vínculo humano, a sensibilidade, o bem-estar interior e a quebra de antigos dogmas, rejeitando ganância e hierarquias. (Wilber aponta uma instabilidade especial neste nível, que pode cair em contradições internas e também servir de máscara para pessoas em estágios como Vermelho e Azul.)
Arte: Nova Hollywood; filmes que levam em conta a expressão pessoal do artista; filmes críticos em relação à cultura, que questionam o status quo e as convenções; filmes sensíveis a questões sociais e psicológicas.

Segundo Nível

(Há uma divisão entre os primeiros seis níveis e os dois últimos, pois Amarelo é o primeiro estágio que compreende o papel da espiral como um todo)

7. Amarelo – Nível integrativo, que entende a função de todos os estágios da consciência para a humanidade e busca harmonia e coordenação entre diferentes níveis de realidade.
Arte: União entre Arte e Entretenimento — obras que integram as sensibilidades do nível Verde com as necessidades dos níveis anteriores, buscando tocar todos os estágios de desenvolvimento e promover crescimento.

8. Turquesa – Nível holístico — plena integração entre razão e emoção; a união entre o “eu” e todos os elementos do cosmos.
Arte: Arte total — estágio no qual a integração do nível Amarelo é incorporada pelo próprio artista, tornando sua obra uma manifestação indivisível de sua pessoa e sua experiência única de vida.

Wilber estima que a população mundial esteja distribuída aproximadamente desta forma entre os diferentes níveis (o livro é do ano 2000 — imagino que, de lá pra cá, o Verde tenha crescido em poder):

Em alguns textos aqui no blog, já tentei categorizar filmes em termos de diferentes níveis de talento, maturidade, intelecto (como no texto O Fator G do filme), mas até agora não tinha encontrado um conceito que trouxesse tanta clareza para a qualidade que eu estava tentando nomear.

A teoria também ajuda a explicar minha noção de que os melhores filmes operam em diversos níveis — estimulam o intelecto, elevam o espírito, mas sem ignorar as necessidades básicas do espectador comum.

Pretendo explorar mais a Dinâmica Espiral e suas aplicações no futuro. Nesta postagem, quis apenas introduzir o tema para quem tiver interesse.

terça-feira, 25 de março de 2025

Temperamento Ativo e Passivo

Muitos conflitos psicológicos, sociais e políticos derivam de uma relação problemática da cultura com dois tipos de temperamento humano: o ativo e o passivo. Quando não se reconhece o valor de ambos — o fato de que são produtivos, necessários e complementares — e se passa a condenar um deles, os conflitos inevitavelmente surgem.

Tradicionalmente, o temperamento passivo era respeitado em mulheres, e o ativo, em homens. Atualmente, o temperamento passivo parece ser menosprezado pela cultura em geral, inclusive em mulheres. Mas a verdade é que esses temperamentos não discriminam entre sexos. Tanto homens quanto mulheres são naturalmente divididos entre aqueles com um temperamento mais ativo e aqueles com um temperamento mais passivo.

A pessoa com temperamento ativo se sente realizada ao exercer seu comando sobre a natureza e os outros, deixando sua marca no mundo externo.

A pessoa com temperamento passivo se sente realizada ao embarcar na iniciativa da figura ativa, contribuindo e tornando-se uma influência fundamental sobre suas ações e conquistas.

O temperamento ativo tende a ser mais ingênuo, mas cheio de vontade e propósito. O temperamento passivo tende a ser mais sábio, sensível, mas mais cético e menos inclinado a tomar a iniciativa. A pessoa de temperamento ativo tem forças que a de temperamento passivo não tem, mas tem faltas que só esta pode preencher — e vice-versa. Ambas poderiam sobreviver sozinhas, mas são mais fortes unindo suas forças. (A frase "Por trás de um grande homem, há sempre uma grande mulher" poderia ser aperfeiçoada para descrever a relação simbiótica entre os dois temperamentos.)

Recentemente, recomendei o livro sobre a parceria entre Louis B. Mayer e Irving Thalberg em Hollywood, que ilustra bem como os dois temperamentos são complementares. Mayer (de temperamento mais ativo) teria deixado de produzir filmes sem a parceria de Thalberg? Provavelmente não. Mas seus filmes teriam sido mais comuns, menos refinados artisticamente, e a MGM provavelmente não teria se tornado tão prestigiada. Thalberg (de temperamento mais passivo), por outro lado, sem a liderança e iniciativa de Mayer, não teria exercitado seus dons de forma tão plena e em uma escala tão grandiosa.

Um temperamento não é necessariamente incapaz de fazer o que o outro faz. Às vezes, pode até ser capaz, mas não sente o mesmo preenchimento emocional ao fazê-lo, o que cria limitações. O temperamento ativo e o passivo são como traços introvertidos e extrovertidos: todos temos um pouco dos dois, mas um geralmente predomina. A chave é não reprimir nenhum deles, e reconhecer qual melhor define sua essência. 

Parte da doença da sociedade atual vem não só das velhas associações entre temperamentos ativos/passivos e gêneros específicos ou práticas sexuais, mas também do fato de que, atualmente, apenas o temperamento ativo é exaltado pela cultura. A consequência da repressão do temperamento passivo é uma parcela enorme da população com a identidade pessoal fragmentada, agindo contra sua natureza para tentar se encaixar em papéis que não foram feitos para ela. (E o problema não é só as pessoas de temperamento passivo se sentirem pressionadas a agir como as de temperamento ativo, mas também as pessoas de temperamento ativo ignorarem o papel do temperamento passivo e se acharem autossuficientes em todas as funções.)

Sem autoconhecimento, autoaceitação e o entendimento de que um temperamento, sem o outro, é muitas vezes incompleto, as parcerias mais produtivas e satisfatórias não se formam — e, quando isso ocorre, todos saem perdendo.

segunda-feira, 10 de março de 2025

Cultura - Março 2025

10/3 - Livro: Louis B. Mayer and Irving Thalberg: The Whole Equation

Ótimo livro do crítico Kenneth Turan (Los Angeles Times) que fala sobre uma das parcerias mais significativas da história do cinema. Louis B. Mayer e Irving Thalberg foram responsáveis por transformar a MGM no estúdio mais bem-sucedido e prestigiado da era de ouro de Hollywood. Em grande parte, foi graças ao zelo de ambos por qualidade (especialmente de Thalberg) que o cinema, que antes era visto como um entretenimento vulgar, passou a ser aceito como uma forma de arte séria.

Quando digo que o que falta em Hollywood hoje são produtores que não sejam apenas homens de negócios, é em alguém como Thalberg que estou pensando. Louis B. Mayer era visto como o produtor bom em negócios, enquanto Irving Thalberg era o produtor com sensibilidade artística. Mas a verdade é que até Mayer, que não tinha a mesma cultura e o olhar refinado de Thalberg para decisões criativas, estava longe de ser apenas um homem de negócios: ele era um apaixonado por cinema, profundamente comprometido com a qualidade, com o conteúdo moral de seus filmes, e que acreditava que todo seu sucesso dependia dos grandes talentos que ele mantinha ao seu redor.

segunda-feira, 3 de março de 2025

Oscar 2025

Como eu pressentia, o Oscar 2025 não trouxe nenhuma mudança para melhor e seguiu o mesmo padrão dos anos anteriores (em termos de vencedores — a cerimônia é outra discussão).

Sean Baker, com Anora, igualou o recorde de Walt Disney de 4 Oscars em um único ano, e já conquistou mais Oscars do que Steven Spielberg em toda a sua carreira. Isso só reforça minha convicção de que já passou da hora de mudarmos o apelido do Oscar para outra coisa, já que a Academia passou a celebrar um tipo de cinema que pouco tem a ver com o que o nome "Oscar" significa no imaginário popular. Quando multidões de brasileiros comemoram nas ruas a vitória de Ainda Estou Aqui, você acha que o orgulho que elas sentem vem da admiração por filmes como Birdman, Moonlight, A Forma da Água, Nomadland, Coda e Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo

Se eu tivesse controle sobre o evento, os indicados e o vencedor de Melhor Filme seriam algo na linha dessa seleção abaixo. Repare que todos esses filmes estavam indicados a algum prêmio. Ou seja, o problema do Oscar às vezes não é nem tanto a falta de filmes adequados, mas a inclusão e a predominância de filmes que subvertem sua identidade. Com a safra deste ano, teria sido possível criar um Oscar parecido com os do passado. Mas, no fim, tudo fica nas mãos de uma elite cultural que decide o que irá destacar e o que é digno de honra.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Fevereiro 2025 - outros filmes vistos

Um Completo Desconhecido (A Complete Unknown / 2024 / James Mangold) — Dirigido com a competência clássica e eficiente de James Mangold, o filme conta com uma performance igualmente habilidosa de Timothée Chalamet, mas o roteiro joga no seguro e segue a fórmula padrão dos biopics modernos. Apesar da profundidade de algumas frases soltas de Bob Dylan, o enredo fica na superfície de tudo que retrata. Dylan já começa a história pronto — nunca descobrimos como ele se desenvolveu como artista — e alcança o sucesso com relativa facilidade e rapidez na narrativa. A partir daí, os conflitos pessoais e profissionais que surgem não têm grande peso dramático, e o filme passa a depender mais do setlist e da curiosidade histórica pra manter o interesse.

Saturday Night: A Noite que Mudou a Comédia (Saturday Night / 2024 / Jason Reitman) — Retrato muito bem-feito e imersivo de um ambiente fascinante, explodindo em energia criativa. O elenco é um dos melhores ensembles do ano e, apesar da estrutura meio experimental (o filme é apenas o meio de uma história, sem começo nem fim), cada minuto é recheado de incidentes interessantes, falas divertidas e curiosidades históricas para aqueles familiarizados com o SNL (o filme não se esforça para contextualizar os eventos para os leigos). Talvez não tenha sido a melhor forma de contar essa história, mas, ainda assim, achei o filme magnético e cheio de talento.

Hard Truths (2024 / Mike Leigh)
— Estudo de personagem focado em uma mãe de família mentalmente doente e extremamente desagradável. Além da performance marcante de Marianne Jean-Baptiste, a única coisa que torna a experiência interessante é que, às vezes, a neurose dela passa tanto do normal que começa a flertar com a personagem da Mink Stole em Desperate Living, tornando o filme cômico. Infelizmente, Hard Truths é mesmo um drama e, como drama, acaba sendo um daqueles "testes de empatia" para ver o quanto você aguenta o peso de uma pessoa destrutiva em nome de sua dor.

Capitão América: Admirável Mundo Novo (Captain America: Brave New World / 2025 / Julius Onah) — O maior mérito do filme é não ter as coisas toscas que vêm caracterizando os filmes recentes da Marvel. Mas isso não é o mesmo que ter algo memorável a mostrar. O filme preenche as 2 horas com um enredo funcional e cenas de ação enérgicas, mas que não têm personalidade nem geram qualquer emoção. Tudo parece cuidadosamente pensado pra não ofender ninguém, evitar qualquer risco ou ideia que chame atenção — exatamente o que se espera desse tipo de entretenimento feito por comitê.

Entre Montanhas (The Gorge / 2025 / Scott Derrickson) — A prova de que não adianta ter um diretor competente, um bom elenco e um conceito interessante — um roteiro bem desenvolvido é sempre necessário pra gerar um bom filme. O deste filme seria suficiente como backstory para um videogame, mas é desmiolado demais pra um longa que chama a Sigourney Weaver para fazer uma ponta e quer traçar paralelos com grandes clássicos da ficção científica.

Memórias de um Caracol (Memoir of a Snail / 2024 / Adam Elliot) — Uma coisa positiva da animação stop-motion é que cada minuto de filme exige tanto esforço para ser feito que toda cena acaba sendo muito bem planejada, coisas descartáveis do roteiro tendem a ficar de fora — há um tipo de rigor que o cinema foi perdendo nas últimas décadas, quando as câmeras digitais tornaram o ato de gravar "gratuito". Ainda assim, tive que me esforçar para terminar o filme porque ele é uma ode à fragilidade, à feiura, à desilusão e a todos os valores negativos do meu Mapa. O curioso é que há uma consistência incrível nos elementos e símbolos que ele usa pra representar esses valores, como se o cineasta tivesse consciência da conexão entre coisas como lesmas, Fidel Castro e queimar livros de autoajuda. Os ataques à igreja na história também são bem interessantes — me fizeram pensar se os Anti-Idealistas no fim são apenas ex-religiosos desiludidos que acharam que tinham que jogar fora todos os ideais positivos junto com a fé. Só não achei o filme totalmente inassistível por causa da ironia que ridiculariza tudo e todos — um efeito meio Parasita, em que o filme só mostra coisas decadentes, mas pelo menos não insiste que você tenha afeto por elas.

Sing Sing (2024 / Greg Kwedar) — Oscar-bait com uma boa performance de Colman Domingo, mas é daqueles roteiros que começam já no meio e se recusam a desenvolver completamente os arcos narrativos que introduzem, preferindo manter uma narrativa mais solta, semi-Naturalista. Outro problema é que o filme se esforça pouco pra estabelecer a inocência dos presidiários, fazendo você questionar se tudo pode realmente ser tão lúdico e positivo em uma prisão de segurança máxima (os personagens parecem tão honrados que você não entende por que eles estão presos, e a rotina em Sing Sing é tão agradável que você não entende por que eles ficam felizes quando são soltos).

Acompanhante Perfeita (Companion / 2025 / Drew Hancock) — Do popular gênero "fim de semana com os super-ricos termina em assassinato e revelações sinistras", o filme é mais bem dirigido do que eu esperava e apresenta uma premissa até instigante no começo, mas vai perdendo força com reviravoltas forçadas e com a mistura de thriller e comédia que nem sempre acerta o tom e tomba pro Idealismo Corrompido.

O Conde de Monte Cristo (Le Comte de Monte-Cristo / 2024 / Alexandre de La Patellière, Matthieu Delaporte) — Ainda tenho uma memória mais positiva da adaptação de 2002, que não vejo há décadas, mas, apesar de alguns toques "Missão: Impossível" questionáveis, esta nova versão é uma produção impressionante para os padrões franceses, e a base literária continua proporcionando uma narrativa envolvente.

Setembro 5 (September 5 / 2024 / Tim Fehlbaum) — Tem um certo clima de docudrama, já que o foco está todo nos acontecimentos históricos e nos desafios profissionais da equipe de jornalistas que cobriu o evento, sem muito espaço para inventividade cinematográfica ou desenvolvimento de personagens. Mas o que aconteceu nas Olimpíadas de Munique é tão dramático e urgente que o filme se sustenta como um bom thriller de jornalismo.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Cultura - Fevereiro 2025

25/2 - No meu texto recente Como Salvar o Cinema, apontei dois problemas centrais na indústria: os valores Anti-Idealistas na cultura (DEI, woke, etc.) e a mercantilização do cinema. À medida que a cultura woke entra em declínio, algumas franquias vêm se "descorrompendo" e tentando adotar um tom mais positivo e nostálgico pra agradar os fãs (e evitar prejuízos). Eu deveria estar aliviado com isso, mas ainda não estou — e o motivo é que o segundo problema ainda não deu qualquer sinal de declínio.

A venda dos direitos criativos da franquia 007 para a Amazon foi o lembrete mais recente de que o cinema popular de Hollywood é raramente resultado de impulsos criativos autênticos. E sem autenticidade, inteligência e qualidade, o "Idealismo" de um filme não tem grande efeito. Em comparação com The Acolyte, Skeleton Crew foi um grande avanço em termos de tom, mas continua sendo uma série enlatada, que não tive interesse em continuar vendo após o segundo episódio. Filmes como Twisters e Alien: Romulus também tentaram se reaproximar do tom dos originais, mas, criativamente e dramaticamente, não trouxeram nada realmente especial. Pelo trailer, prevejo que Jurassic World: Rebirth seguirá a mesma tendência do fan service sem personalidade.

No texto Mentalidade Clichê, escrevi:

"Em certas situações, acho preferível ver um filme com valores diferentes dos meus [outro 'Senso de Vida'], mas que seja autêntico, do que um filme totalmente clichê que supostamente reflete os meus valores ('supostamente', pois fica sempre uma desconfiança). Autenticidade parece ser uma qualidade básica, sem a qual todas as outras perdem força."

Ou seja, a cultura woke certamente está em declínio, mas enquanto produtores com intenções melhores não assumirem a liderança de Hollywood, não acho que veremos uma revitalização do cinema.

15/2 - Anora vem ganhando bastante tração na temporada de prêmios, e um dos motivos que o tornam um dos filmes mais Anti-Idealistas (e aclamados) da temporada é que ele subverte de propósito narrativas estilo Cinderela / Uma Linda Mulher — o conto da jovem pobre que conhece um homem rico e os dois vivem felizes para sempre. Se o sucesso do filme soa estranho pra você (ele não tem exatamente cara de Oscar), é porque Anora só faz sentido sob o prisma de uma negação — assim como Projeto Flórida (do mesmo diretor) só faz sentido como uma negação do Walt Disney World, que fica nas redondezas de onde a história se passa. O mérito do filme está em sua "habilidade" de ir contra todos os elementos esperados em um conto de fadas e mostrar como as coisas realmente seriam para as pessoas comuns.


7/2 - Escrita e Inteligência Artificial

Dei algumas diretrizes para o ChatGPT corrigir meus textos, focando em ortografia, gramática e pontuação, mas se atendo ao texto original, sem acrescentar ou remover ideias, implicações ou alterar o estilo. Ainda assim, algumas coisas acabam sofrendo alterações, até porque existem erros que se tornaram parte do meu estilo e que o corretor acaba removendo — compreensivelmente. Queria saber se isso incomoda vocês como leitores.

Minha postura no momento é ser contra a IA generativa para fins artísticos e criativos, mas não vejo um grande problema em usá-la para funções mais práticas e técnicas — coisas que pessoas criativas já tendem a delegar a revisores, assistentes, softwares, etc. O problema é que, como a ferramenta é capaz de tudo, até de escrever um texto inteiro por você, quem lê pode sempre ficar com a dúvida: até que ponto estou lendo algo autêntico, me conectando com o autor do texto, e até que ponto estou me conectando primeiramente com uma IA? Pra mim, a IA é o Auto-Tune do cérebro — e, assim como hoje não sabemos mais o quanto um cantor é realmente afinado no mercado musical, em breve não saberemos o quanto uma pessoa é inteligente, capaz de pensar sozinha, etc. Talvez a norma no futuro seja as pessoas fazerem declarações como esta, estabelecendo o papel que a IA tem no trabalho delas. Mas muito vai depender da confiança e do que a pessoa construiu antes da chegada da IA, no caso da geração que teve uma vida anterior.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Missas e Benevolência

Acho que desde criança não entrava em uma igreja pra ver uma missa de domingo, mas outro dia acabei assistindo uma missa anglicana pra acompanhar uma pessoa e tive uma percepção diferente da que tive no passado. Quando criança, o ambiente da igreja me remetia a dever, obediência, submissão, luto... Na minha percepção infantil, parecia uma atividade extremamente chata, meio sem sentido — um lugar onde você era proibido de fazer qualquer coisa minimamente prazerosa e que estava repleto de pessoas tristes, pensando na morte... Por que as pessoas gostavam de ficar ali? Se tivesse que classificar a experiência no meu Mapa de Valores, valores negativos como Repressão, Fragilidade e Malevolência teriam sido os mais dominantes.

Já nessa última missa, ficou claro para mim que o valor principal que o evento queria oferecer era Benevolência. Numa cultura onde Benevolência é o mais negligenciado dos quatro valores positivos, foi até surpreendente ver um ambiente onde se falava em esperança, paz, harmonia, inocência, e isso era desejado e levado a sério pelo "espectador". Onde músicas com "acordes doces" e mensagens otimistas eram cantadas por homens barbados — algo bastante improvável fora daquele espaço. Embora eu continue não sendo religioso, consegui me identificar melhor com a motivação das pessoas ali.

Tive até uma percepção diferente da imagem de Jesus crucificado. Em vez de uma romantização do autossacrifício, a imagem me pareceu apenas um pano de fundo para as palavras positivas e reconfortantes do padre — o Contraste malevolente estratégico pra dar peso e respeitabilidade à mensagem benevolente (a "invasão nazista" de A Noviça Rebelde, os "1500 mortos" de Titanic, etc.).

Não sei até que ponto essa leitura se aplicaria a uma missa católica ou até a outras missas desta mesma tradição, mas a reflexão que tirei da experiência é que, apesar do Idealismo ter sido minimizado no entretenimento, outras instituições acabam sempre acabam dando um jeito de suprir as necessidades emocionais da população ligadas aos valores positivos. Assim como o esporte pode servir como uma fonte de Autoestima e Excitação pra muita gente — algo que a arte vem deixando de oferecer — a Igreja pode ter se tornado uma das únicas fontes de Benevolência.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Como Salvar o Cinema: Minhas Sugestões

Brincando de ser prefeito de Hollywood, vou listar abaixo minhas recomendações para revitalizar o cinema.

De certa forma, meu livro e este blog inteiro são minhas sugestões de como melhorar o cinema. Mas neste post, vou apresentar uma estrutura resumida pra que fique um pouco mais claro como implementar essas ideias. 

Na minha visão, pra que uma indústria saudável e próspera exista, algumas condições são fundamentais:

Ambiente político favorável: uma sociedade livre politicamente, onde as pessoas possam produzir sem grandes impedimentos do governo.

Talentos: uma indústria que priorize excelência e esteja sempre cultivando e colhendo os melhores talentos da população.

Valores culturais/estéticos positivos: um clima cultural (público, intelectuais, instituições) que aprecie e incentive habilidade, prazer, benevolência, racionalidade, beleza — valores que promovam a felicidade.

Com liberdade, talentos e uma cultura positiva, acho que o cinema naturalmente prosperaria. Quando o cinema está em crise, é porque essas condições estão sendo minadas de alguma forma.

Considerando a crise atual do cinema americano, vou listar algumas mudanças que, na minha visão, são necessárias para que ele volte a ter a força que já teve no passado.

É importante ressaltar que, assim como o surgimento da televisão impactou o tamanho do público de cinema, novas formas de conteúdo e entretenimento, como YouTube e redes sociais, também são competidores legítimos de longas-metragens (que, para muitos, são só um passatempo). Com mais opções de entretenimento, é natural que filmes sejam vistos por menos pessoas e com menos frequência do que no passado. Mas isso não significa que a qualidade do que é produzido precise diminuir. O número de filmes produzidos e de espectadores em salas de cinema caiu bastante nos anos 50, mas a qualidade dos filmes não foi piorando progressivamente. Se a qualidade decaiu tanto na última década, não acho que seja por uma redução do público.

A crise atual do cinema é consequência de vários fatores culturais e econômicos interligados. Vou listar abaixo os principais problemas que vejo destruindo as condições listadas acima, e também uma breve indicação de como solucioná-los:

FALTA DE LIBERDADE E LIVRE COMPETIÇÃO

Nos EUA, ainda há liberdade suficiente para que o cinema prospere. Embora greves e outras questões atrasem a indústria, o governo não me parece ser o principal problema de Hollywood. (Se eu estivesse dando dicas para a indústria brasileira, a discussão já começaria aqui.

CULTURA ANTI-IDEALISTA E POLÍTICAS D.E.I.

Meritocracia sufocada pela filosofia DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão)
: ao colocar inclusão e diversidade acima de excelência, o mecanismo complexo que cultiva grandes talentos na indústria entra em curto-circuito.
Solução: contratar e reconhecer profissionais com base em excelência, resultados e compatibilidade com o projeto (vale para o Oscar e outras premiações).

A morte dos astros: astros de cinema são importantes para uma indústria vibrante. Parte do declínio dos astros tem a ver com as redes sociais e a banalização da fama provocada por essas novas tecnologias. Mas uma grande parte vem de tendências como a do Casting Naturalista, que age contra a criação de astros.
Solução: escalar atores com base em uma combinação ideal de talento, carisma e "star quality" — e preservar um mistério sobre a vida pessoal das celebridades.

Influências do Não Idealismo em produções comerciais: tanto em aspectos estéticos, que matam o escapismo e o glamour do cinema (como a fotografia naturalista), quanto em aspectos temáticos (filmes que buscam relevância por suas mensagens sociais, desconstruções estilísticas, etc.).
Solução: realinhamento com a estética Idealista e com a Primazia do Espectador (vale também para o Oscar).

Idealismo Corrompido dominando o entretenimento: Senso de Vida Malevolente e anti-heróis destruindo a leveza e o poder de inspiração dos filmes, que se tornaram mais sombrios, mais focados em sofrimento, conflitos, fragilidades humanas, etc.
Solução: realinhamento do entretenimento com princípios Idealistas.

Politicamente correto sufocando sex-appeal, humor e franqueza nos filmes.
Solução: liberar as grandes produções para que elas voltem a lidar com temas que realmente provoquem e surpreendam o público.

"CAPITALISMO PREDATÓRIO" E MERCANTILIZAÇÃO DO CINEMA

Falta de talentos e de liberdade criativa: grandes produções hoje são frequentemente comandadas por estúdios, empresários, comitês, não por artistas autênticos, o que reduz os talentos na indústria e a qualidade dos filmes.
Solução: resgatar o equilíbrio do passado que criava o "Gênio do Sistema" — a tensão produtiva entre escritores/diretores de talento excepcional, que protegiam a integridade artística do trabalho, e o produtor (alguém também educado artisticamente — não apenas um investidor), que protegia a viabilidade comercial do projeto.

Streaming: sistemas de assinatura que priorizam a atratividade da plataforma, não a de obras individuais, promovem uma "coletivização do entretenimento" que reduz a qualidade dos filmes.
Solução: tirar filmes novos de pacotes de assinatura, para que o sucesso comercial de cada filme volte a depender de transações individuais (ingressos de cinema, aluguéis e vendas digitais ou de mídias físicas).

Sequências, remakes e reboots: a fórmula de lucrar em cima de propriedades intelectuais estabelecidas, não no mérito de filmes individuais, também leva a uma deterioração da qualidade.
Solução: priorizar qualidade, originalidade, obras autocontidas, e reduzir o número de filmes que dependem de IPs.

Esta não é uma lista definitiva, e há outros problemas que poderia acrescentar no futuro, mas a maioria deles é consequência desses dois problemas mais fundamentais: o Anti-Idealismo na cultura e a mercantilização do cinema.

Não acho que seja possível algum poderoso revolucionar a indústria cinematográfica mexendo nesses fatores um a um, de forma calculada, pois há dinâmicas mais complexas por trás dos rumos que a cultura e a economia tomam. Não é possível, por exemplo, replicar em 2025 as mesmas condições que tornaram a geração Boomer ambiciosa e otimista há 50 anos. E as novas tecnologias que mudaram a relação do público com a produção audiovisual e com as celebridades também não devem desaparecer. Ainda assim, acho que algumas dessas dicas podem ser adotadas por produtores individuais que queiram fugir das práticas que vêm prejudicando o cinema atual.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Janeiro 2025 - outros filmes vistos

Não tive estímulo para escrever sobre a maioria dos filmes que vi entre dezembro e janeiro, mas vou deixar alguns comentários para quem sentiu falta das minhas dicas:

A Verdadeira Dor (A Real Pain / 2024 / Jesse Eisenberg) — Road movie divertido, sustentado pela dinâmica da dupla central (que levanta uma discussão interessante sobre diferenças de personalidade) e pela performance brilhante de Kieran Culkin. Apesar de ser uma produção simples, te dá a sensação de estar vendo um filme sólido, "de verdade" — algo reconfortante nos dias de hoje. Teria incluído entre os indicados a Melhor Filme.

Canina (Nightbitch / 2024 / Marielle Heller) — Assim como Tully (2019), parece um filme feito para esposas assistirem com seus maridos quando querem dar o recado que eles precisam colaborar mais com as tarefas domésticas. O retrato da maternidade é tão penoso que uma mensagem mais interessante seria: jamais tenha filhos se você enxerga isso apenas como um dever em nome de perpetuar a espécie! Amy Adams está bem, mas acho que o filme funcionaria melhor como um drama convencional. A metáfora da cadela soa deslocada, não só por não ter um sentido muito claro, mas porque a direção convencional não sustenta os elementos cult da produção.

Nickel Boys (2024 / RaMell Ross) — Dos indicados a Melhor Filme, este talvez seja o que mais exige paciência do público. É um filme Naturalista de black trauma, mas com uma direção mais experimental que de costume, que usa câmeras subjetivas para colocar o espectador na pele de jovens negros nos anos 60, fazendo a gente sofrer em primeira pessoa as injustiças sociais da época. A execução tem seus méritos, mas é daqueles filmes meditativos, sem trama, que se sustentam exclusivamente na mensagem social.

A Garota da Agulha (The Girl with the Needle / 2024 / Magnus von Horn) — Começa parecendo um "horror de opressão" no estilo de Parasita (2019), onde a desigualdade social é o monstro que vitimiza a protagonista. No entanto, algumas reviravoltas na trama levam o filme além da discussão social, e o aproximam do território dos thrillers. A fotografia bonita em preto e branco e a direção estilizada, com toques de David Lynch e Lars von Trier, ajudam a tornar os temas perturbadores mais palatáveis.

Wallace & Gromit: Avengança (Wallace & Gromit: Vengeance Most Fowl / 2024 /  Merlin Crossingham, Nick Park) — É o tipo de aventura semi-cômica que não te permite nem levar muito a sério o que está acontecendo, nem gargalhar com as situações. Ainda assim, é satisfatório ver algo feito com tanto zelo, atenção aos detalhes e rigor criativo.

Conclave (2024 / Edward Berger) — Melhor filme de 2024 que vi até agora (ficção). Acaba tendo um pouco cara de Oscar bait, mas não por apelar pra temas "premiáveis" batidos, e sim por ser tão bom em todos os quesitos da produção (roteiro, direção, elenco, trilha sonora, fotografia) que fica impossível não associá-lo à temporada de prêmios. Assisti ao filme já sabendo quem venceria a disputa no final (graças ao spoiler de um influencer), mas, mesmo assim, a narrativa permaneceu estimulante e surpreendente.

Queer (2024 / Luca Guadagnino) — Foi um dos filmes que me motivaram a escrever o texto Estilo Acima de Conteúdo. Tudo me pareceu um pretexto para o diretor mergulhar no universo de roupas, cenários e estereótipos que compõem a história. Mas a beleza aqui permanece na superfície — a elegância visual contrasta com personagens decadentes e um retrato nada glamouroso do amor e da natureza humana. O terceiro ato é um dos mais anticlimáticos e esquisitos que já vi. Daniel Craig se entrega totalmente ao papel, mas no sentido de estar disposto a parecer meio tolo diante das câmeras — o que, para mim, não é um grande mérito. O destaque fica mesmo para a direção de arte e alguns momentos da trilha sonora (a faixa Wouldn't You? tem uma qualidade onírica incrível que me lembrou de composições do Maurice Jarre).

Jurado Nº 2 (Juror #2 / 2024 / Clint Eastwood) — Achei o filme mais sólido do Clint Eastwood como diretor desde Sniper Americano (2014). A premissa e o conflito moral central sustentam a história — ou seja, é um dos raros filmes de hoje que são carregados pelo roteiro. O que não gostei tanto foi que, mais para o final, o filme começa a se preocupar mais em exaltar o sistema judicial americano do que em oferecer um clímax satisfatório, considerando o protagonista e as expectativas criadas no início. Apenas sob um prisma patriótico e uma ética de dever o desenvolvimento da trama é realmente satisfatório.

Lee (2023 / Ellen Kuras) — Filme biográfico decente, porém convencional. Acompanha, de maneira episódica, os momentos mais relevantes da carreira da fotógrafa Lee Miller, mas sem tentar costurá-los em uma narrativa empolgante (é o tipo de filme que coloca a função histórica acima do prazer da plateia). Kate Winslet está profissional, como sempre, mas continua lutando contra sua feminilidade, o que, pra mim, não a favorece como atriz.

Babygirl (2024 / Halina Reijn) — Lembram da cena em De Olhos Bem Fechados em que a Nicole Kidman narra seu flerte com outro homem, humilhando o Tom Cruise? É como se a diretora tivesse amado aquele momento e decidido fazer um filme inteiro sobre a experiência da personagem, pensando em maneiras ainda mais humilhantes de uma mulher desonrar seu casamento. Segue essa onda de cinema feminista que tem o sexo masculino como alvo. O confuso é que parte do empoderamento feminino aqui é expresso por meio da mulher se submetendo a humilhações — não porque o homem quer, mas porque ela quer. Imagine assistir a Ninfomaníaca, mas sem ter a autorização do filme para desprezar moralmente a protagonista.

Tudo que Imaginamos Como Luz (All We Imagine as Light / 2024 / Payal Kapadia)Naturalismo radical, daqueles sobre pessoas humildes vivendo pequenos conflitos em sociedades pobres, sem trama nem nada de muito memorável do ponto de vista técnico.

A Semente do Fruto Sagrado (The Seed of the Sacred Fig / 2024 / Mohammad Rasoulof) — Tem uma estética meio Naturalista que pode desencorajar no início, mas o filme logo se transforma em um suspense político altamente envolvente, que usa um conflito familiar pequeno para ilustrar, de forma inteligente e bem integrada, questões maiores que assombram o Irã atual. Um dos mais impactantes do ano.

Todo Tempo que Temos (We Live in Time / 2024 / John Crowley) — Junta dois dos gêneros que menos gosto em uma narrativa só: filme de doença e filme de grávida. Há uma certa ternura entre o casal que impede o filme de parecer apelativo, mas, em vez de inspirar, realçando a força dos personagens, a leveza deles diante da morte acaba tornando a situação ainda mais deprimente. Andrew Garfield e Florence Pugh estão bem, mas a história é pura romantização do sofrimento.

Maria Callas (Maria / 2024 / Pablo Larraín) — Não gostei muito de Jackie, nem de Spencer, e Maria Callas é mais um filme de Larraín que parece uma meditação visual sobre uma diva bem vestida, em vez de uma biografia real. Se tivesse uma estrutura mais convencional, seria do tipo de biografia episódica e previsível, que apenas nos expõe fatos sobre a personagem. Mas, ao selecionar um recorte tão pequeno e subjetivo da vida de Callas, o filme acaba não exercendo nem essa função histórica. Não acho que era um papel para Angelina Jolie também.

Lobisomem (Wolf Man / 2024 / Leigh Whannell) — Há alguns momentos brilhantes que me lembraram por que gostei tanto de O Homem Invisível e vi potencial em Leigh Whannell como diretor. Mas, infelizmente, o roteiro é daqueles estilo Shyamalan, que apesar de mais autêntico e ambicioso que a média, vai se tornando cada vez mais forçado e se perde em decisões frustrantes.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Cultura - Janeiro 2025

24/01 - Indicados ao Oscar 2025

Só pelas indicações, este já é um dos pontos baixos da história do Oscar. Nos últimos anos, a Academia parecia estar dando passos em uma direção mais positiva, mas as eleições, pelo visto, a colocaram de volta no modo de "resistência". Entre os principais indicados, não acho Emilia Pérez o pior (O Brutalista e Anora, pra mim, são mais problemáticos), mas o fato de Emilia Pérez ter recebido 13 indicações é um grande dedo do meio para aqueles que esperavam uma edição mais tradicional. Já não é novidade que o Oscar hoje é mais um prêmio voltado para o cinema Não-Idealista (e Anti-Idealista). O que o torna mais indigesto que os festivais europeus é a inconsistência — o fato dele ainda misturar filmes como Conclave ou Wicked no meio, como se quisesse camuflar suas reais intenções. (Imagine criar uma premiação de arte moderna e colocar o mictório de Duchamp competindo contra uma escultura de Michelangelo, para, no fim, dar o prêmio ao mictório. Se o mictório estivesse competindo apenas contra outras obras pós-modernas e ganhasse, seria perfeitamente coerente. Mas ao colocar um artista clássico no meio, você cria a ilusão de que o mictório o superou com base nos mesmos critérios, o que é simplesmente confuso.)

O Oscar nunca foi consistente em relação ao Idealismo, e filmes Naturalistas ou de arte sempre pipocaram entre os indicados. A grande diferença agora é a proporção bem maior de obras Não-Idealistas/Anti-Idealistas na disputa, além da queda na qualidade desses filmes. Uma coisa é o Oscar ser inconsistente com o Idealismo e abrir espaço para filmes como As Vinhas da Ira (1940), Os Melhores Anos de Nossas Vidas (1946), Marty (1955), Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1966), Laranja Mecânica (1971), Gritos e Sussurros (1972), Taxi Driver (1976). Mas custo a acreditar que a aclamação de filmes como Emilia Pérez seja apenas a versão moderna do mesmo fenômeno.

Quanto a Ainda Estou Aqui, as indicações a Melhor Filme e Melhor Atriz me parecem parte da diversidade tradicional da Academia. Não é diferente de quando filmes como O Beijo da Mulher-Aranha, O Piano ou O Carteiro e o Poeta competiram na categoria principal, ou de quando Fernanda Montenegro competiu como Melhor Atriz em 1999. Na minha versão ideal do Oscar, o prêmio de Melhor Filme seria voltado para o Idealismo e o Idealismo Crítico, e, em vez de Melhor Filme Internacional, haveria uma categoria secundária para reconhecer o Melhor Filme Não-Idealista do ano — filmes Naturalistas, políticos, experimentais, etc. Ainda Estou Aqui provavelmente entraria nessa categoria. Mas, considerando que a Academia sempre incluiu filmes mais inclinados ao Naturalismo entre os principais, isso não é um rompimento com sua tradição. O que é um rompimento é a qualidade subversiva de outros indicados, que refletem as diferenças entre o coletivismo "woke" moderno e o coletivismo que costumava exercer influência sobre o prêmio.


18/01 - Termômetro — Temporada de Prêmios 2025

Ainda não sabemos se o Oscar 2025 refletirá a mudança de atitude na cultura que ganhou força ano passado ou se os líderes da indústria cinematográfica serão uma frente de resistência a ela. Mas, olhando as previsões dos sites de apostas, a impressão é de que, no caso do Oscar, estamos caminhando para mais do mesmo: queridinhos de Cannes e Veneza se tornando os grandes favoritos ao prêmio principal, os filmes mais Anti-Idealistas ganhando toda a atenção, enquanto os mais Idealistas têm apenas uma participação simbólica.

A corrida ainda está aberta: O Brutalista, Anora, Emilia Pérez, Conclave e Wicked são mencionados pelos experts como possíveis favoritos.

Uma vitória de O Brutalista, Anora ou Emilia Pérez seria, pra mim, apenas "mais do mesmo" — aquele tipo de prêmio que vai contra toda a identidade tradicional da Academia, mantendo o Oscar alinhado com os festivais europeus.

Conclave ainda não assisti, mas parece ser um candidato mais tradicional, cuja vitória poderia indicar o "pêndulo" tentando voltar para uma posição mais neutra.

Wicked é um caso misto: segue muitas premissas Idealistas, mas inclui uma série de toques woke que o "modernizam". Se ele vencesse, interpretaria como um gesto da Academia para tentar fazer as pazes com o grande público, buscando prestigiar filmes populares, mas sem rejeitar a identidade progressista que adotou nas últimas décadas.

Quanto aos esnobes e omissões, o pouco caso com Divertida Mente 2 — a maior bilheteria do ano e um dos filmes mais consistentes com o Idealismo de 2024 — é a tendência mais frustrante.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Livro: Pendulum

Pendulum: How Past Generations Shape Our Present and Predict Our Future (Roy H. Williams, Michael R. Drew)

Apesar de ser bastante racionalista, este livro apresenta uma teoria interessante com a qual eu flertei no meu livro Idealismo sem saberEle sugere que as tendências culturais funcionam como um pêndulo que oscila entre "eu" e "nós" — entre individualismo e coletivismo — e que leva 40 anos para o pêndulo ir de um extremo ao outro (80 anos para completar um ciclo).

Os autores tratam o pêndulo como um mecanismo altamente confiável, que segue o mesmo padrão há milhares de anos sem grandes desvios, o que acho absurdo. Mas acho válida a ideia de que uma geração mais individualista tende a levar o conceito "longe demais", dando origem a um movimento oposto, mais coletivista, que também acaba exagerando na outra direção.

Em 2012, o livro profetizou que estávamos na ascensão de uma era "nós", que chegaria ao limite em 2023. Curiosamente, o livro chama de geração "Idealista" aquela que está na ascensão de uma era "eu". A última teria ocorrido entre 1963 e 1983 (ascensão da geração boomer — ou seja, eles colocam os hippies dos anos 60 e era Reagan no mesmo saco "individualista", o que é meio duvidoso), e a próxima se iniciaria apenas em 2043. De agora até lá, vivenciaríamos uma geração "Adaptativa", que esfriará os ideais perseguidos nos últimos 20 anos antes de acelerar na direção de um novo objetivo. No mínimo, vale para refletir.

domingo, 5 de janeiro de 2025

Estilo Acima de Conteúdo

O cinema é uma mídia altamente expressiva e isso frequentemente atrai pessoas que querem usá-lo para explorar interesses e aptidões particulares, ignorando o fato de que ele é, essencialmente, uma arte narrativa. Um exemplo comum desse tipo de criador é o estilista ou designer — indivíduos que priorizam as propriedades visuais e sensoriais da arte. Esses criadores costumam se expressar por vias não-verbais e subjetivas, o que geralmente os torna inaptos como roteiristas de filmes. Ao idealizar um projeto, eles tendem a detalhar minuciosamente elementos como direção de arte, figurino, trilha sonora, fotografia e movimentos de câmera, tratando o roteiro apenas como um mal necessário para viabilizar sua visão estética. Para eles, o sentido do cinema está nos estímulos sensoriais e no universo estético que os fascina.

O problema é que estímulos sensoriais, por si só, não comunicam conceitos ou ideias e, portanto, não provocam emoções genuínas (exceto Emoções Irracionais). Quando um cineasta desse tipo tenta se expressar através da estética, ele está, na verdade, buscando um atalho. Ele escolhe uma estética porque ela o transporta para um universo que reflete seus ideais, mas não compreende a verdadeira origem de suas emoções. Por exemplo, um artista pode fazer um filme com a estética dos anos 1950 — Cadillacs, drive-ins, brilhantina, Marilyn Monroe, letreiros vintage da Coca-Cola, etc. Ao recriar esse visual, ele apenas toma emprestadas as emoções associadas a esses elementos, que foram construídas por artistas e obras anteriores. Ele espera que, ao representar fielmente esse estilo, o espectador sinta as mesmas emoções que ele associa a esse universo estético, sem precisar compreender ou expressar diretamente seus próprios valores. No caso dos anos 1950, o artista pode estar atraído por uma idealização da juventude, do capitalismo ou dos Estados Unidos. Ou então, ele pode usar a estética "perfeitinha" dos anos 50 para sugerir artificialidade e comunicar seu desprezo por esses mesmos temas. Em qualquer caso, o artista não trabalha diretamente com conceitos ou ideias, mas apenas referencia elementos concretos que no passado projetaram tais valores.

Filmes que tentam substituir conteúdo por estilo são sempre marcados por superficialidade e monotonia. Eles podem ter uma atmosfera interessante que atrai no início, mas rapidamente se tornam previsíveis e repetitivos. Isso ocorre porque suspense, surpresa e verdadeiro envolvimento dramático dependem do conteúdo.

Se um espectador do tipo "estilista" assistisse a um filme voltado para o conteúdo, e desligasse o som para focar apenas na direção de arte, nas cores dos cenários e nos figurinos, o filme pareceria totalmente incoerente. Seu apetite estético não seria "alimentado" de um plano para o outro. Os cortes e enquadramentos pareceriam aleatórios, como se seguissem uma lógica alienígena.

O mesmo acontece quando um espectador orientado pelo conteúdo assiste a um filme voltado para o estilo. Apesar dos personagens pronunciarem frases gramaticalmente corretas e suas ações terem alguma consistência, o conteúdo parece vago e desconexo. Não há uma lógica clara interligando as ações ou cenas, ou, quando há, essa lógica é secundária, com a estética ou atmosfera servindo como o principal elemento de conexão entre os planos.

O talento desses cineastas pode ser valioso em áreas como moda, design, publicidade e videoclipes, mas um longa-metragem não se sustenta apenas com esse tipo de comunicação. Por ser uma arte temporal, o cinema exige um enredo — que exige ideias, conceitos, valores e comunicação objetiva. Nenhuma pessoa racional tolera passar uma hora e meia em um transe sensorial, sem alimento para o intelecto.

Assim como o "como" depende do "o que", o estilo deve vir depois do conteúdo, servindo para dar vida e cor às ideias apresentadas no roteiro, que precisam ser envolventes e interessantes por si só.

Uma boa maneira de testar se uma música é realmente boa é tocá-la no piano — sem vocais, letra e seu arranjo original. Se ela continuar satisfatória apenas pela melodia, ritmo, harmonia e estrutura, trata-se de uma composição sólida. No cinema, o roteiro é esse conteúdo fundamental. Fotografia, direção de arte, atuações, efeitos especiais e trilha sonora vêm depois. Nos melhores casos, o estilo é tão memorável que se torna difícil imaginar a obra sem seus visuais e sons característicos, mas o roteiro é o alicerce. Sem o conteúdo, esses elementos estilísticos perdem toda a emoção associada a eles.

Exemplos:

Wes Anderson, Luca Guadagnino, Yorgos Lanthimos, Robert Eggers — Alguns cineastas fazem o que chamo de "fashion films": filmes que parecem existir quase exclusivamente pela estética e que, nos piores casos, se tornam exercícios vazios de estilo. Cenários, figurinos, estilos musicais e tudo relacionado ao design dominam a experiência. O enredo, nesses casos, parece existir apenas para viabilizar a estética, como o tema de um desfile de escola de samba, que orienta fantasias e alegorias, mas não é o foco principal do espectador.

Tim Burton, Baz Luhrmann, Guillermo del Toro, Jean-Pierre Jeunet, Sofia Coppola — Se encaixam parcialmente na categoria acima, mas seus filmes geralmente têm uma dose maior de enredo e conteúdo.

Filmes "Hitchcockianos", "Tarantinescos", "Kubrickianos" — Alguns cineastas se encantam tanto pelo estilo de diretores icônicos que seus filmes acabam se tornando exercícios de imitação, em vez de esforços genuínos para contar histórias próprias. Nesses casos, a imitação é uma tentativa de captar o talento desses artistas por meio da estética. (Tarantino, embora frequentemente imitado, é em parte um imitador também).

Filmes "Oitentistas", "Neo-Noir", etc. — O estilo de certas décadas ou gêneros pode inspirar cineastas que priorizam a estética em detrimento do conteúdo.

Brady Corbet, Jonathan Glazer, Xavier Dolan, Gaspar Noé e os "Fashion Films" de Arte — A estética rústica e obscura associada ao cinema de arte pode atrair cineastas interessados em prestígio, prêmios, levando ao fenômeno da Pseudo-Sofisticação.

Christopher Nolan, Zack Snyder, Denis Villeneuve — A imponência e as proezas técnicas dos blockbusters podem ser vistas como um "estilo" — criam uma estética atraente que frequentemente serve como um substituto para o conteúdo narrativo. Embora não façam filmes desprovidos de conteúdo, muitos dos sucessos desses cineastas se sustentam na grandiosidade e na "sensualidade" de suas produções.

Índice: Artigos e Postagens Teóricas