É o tipo de fenômeno pop que mostra o quanto eu estou "velho" ou desconectado do zeitgeist — quando vi o filme na Netflix (antes de estourar), para mim pareceu apenas uma adição rotineira de catálogo, com uma premissa meio kitsch, que seria esquecida em algumas semanas. Quando o filme se tornou a produção Netflix mais vista da história e várias faixas da trilha chegaram à Billboard, me senti tão perdido quanto na época dos sucessos de Frozen e O Rei do Show — dois musicais que eu também poderia ter jurado que não dariam em nada ao sair da sessão, mas que no fim conquistaram legiões de fãs. O que Guerreiras do K-Pop tem em comum com esses dois filmes? Primeiro, músicas que não são muito meu estilo (embora eu reconheça que sejam pegajosas). Mas além disso, há um tema parecido: tramas sobre pessoas imperfeitas buscando a aceitação de suas imperfeições — um tipo de narrativa que nunca me atraiu e que, do ponto de vista do Idealismo, não sustenta um bom entretenimento.
Se esse filme tivesse sido feito há algumas décadas, ele provavelmente começaria apresentando Rumi como uma garota com grande potencial vocal, que sonha em se tornar uma Huntr/x, mas sente que não tem chances por ser mestiça. Então, a história mostraria seu talento rompendo barreiras pouco a pouco, até ela conquistar seu sonho. Essa seria uma versão da história que me atrairia mais. Mas, pra se conectar com os tempos atuais, a narrativa precisou ser meio que invertida. Em vez de irmos do ordinário em direção ao extraordinário, ocorre o contrário: o filme começa com as três protagonistas já sendo grandes guerreiras, estrelas do k-pop, vivendo a vida dos sonhos — o sucesso pleno é a realidade estabelecida como normal, rotineira, nosso ponto de partida. Daí, a grande surpresa é a revelação de que essa realidade não é tão perfeita assim: Rumi esconde de todos sua verdadeira identidade; as manchas de pele que revelam que ela é metade demônio. Este é o gancho que o filme espera que fisgue a plateia. Não é uma história sobre força, sobre realizar seu potencial — as inseguranças de Rumi e a aceitação de sua identidade são o verdadeiro assunto do filme (as manchas na pele funcionando como metáfora para etnia, orientação sexual, puberdade ou qualquer questão íntima que possa fazer um adolescente se sentir um "demônio" socialmente).
A canção Golden (um Let it Go à coreana) tem uma melodia bem marcante até, cujo refrão culmina em um dos agudos mais impossíveis que já ouvi no pop. Em um filme focado nas virtudes de Rumi, certamente haveria um destaque para o momento em que ela consegue alcançar o agudo na apresentação final ("like I'm born to be!") — seria o equivalente ao salto de Jennifer Grey no clímax de Dirty Dancing. Aqui, como o foco não é esse, o grito passa quase despercebido — em todos os momentos em que ela vai dar o agudo, a câmera se afasta ou corta para outra coisa. É um detalhe, mas que reflete bem as prioridades e interesses da história. Praticamente todos os desejos estabelecidos no início do filme não são satisfeitos no final — o desejo de Rumi de se livrar das manchas, a criação do Honmoon dourado, a atração romântica das meninas pelos Saja Boys: todos esses objetivos se revelam equivocados, valores de uma cultura ultrapassada que perseguia ideais inatingíveis de perfeição, condenava falhas e defeitos. A lição do filme é que devemos transcender essas motivações e abraçar o imperfeito — uma mensagem que até poderia ser válida, mas que é transmitida de forma tão vaga que abre portas para todo tipo de interpretação duvidosa.
KPop Demon Hunters / 2025 / Chris Appelhans, Maggie Kang
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