Gladiador II já começa em desvantagem por ser uma sequência artificial, que ninguém pediu, e todas as tentativas do roteiro de conectar a jornada de Lucius (Paul Mescal) com a de Maximus (Russell Crowe) só nos relembram dessa artificialidade. A história é uma trama básica de vingança, mas com aquela mentalidade Classicista que parece achar que, se o filme apresentar certos eventos em certos pontos da história (uma morte trágica, uma revelação de parentesco), o espectador ficará automaticamente envolvido, independentemente dele gostar do personagem, entender os valores envolvidos no conflito, etc.
Um problema aqui é o mau estabelecimento do vilão. Na cena que dá início à jornada de vingança, Pedro Pascal é estabelecido como o culpado. Mas logo depois, descobrimos que ele é do bem, e os irmãos imperadores começam a se definir como vilões maiores (são herdeiros e afeminados, claro). Mas os atores são fracos, não têm o mesmo peso do Joaquin Phoenix no Gladiador original, além de serem caricaturas irritantes, que fazem as irmãs da Cinderela parecerem caracterizações sutis de vilões. Acaba que Macrinus se torna o principal antagonista da história, mas Denzel Washington é simpático demais pro público querer realmente vê-lo em conflito com o herói.
Paul Mescal pra mim é um grande erro de casting. A essência do personagem é a fúria, a sede de vingança. Em um dos péssimos diálogos do filme, Denzel diz para ele: "a raiva jorra de você como leite das tetas de uma meretriz". Não sei que prostitutas eram essas da Roma antiga que trabalhavam em fase de lactação, mas uma coisa posso dizer: várias qualidades jorram naturalmente do rosto de Paul Mescal — educação, leveza, bom humor, humildade — raiva não é uma delas.
Então temos um roteiro fraco, pra uma sequência desnecessária, com um elenco piorado, e dirigida por um Ridley Scott que parece ter perdido até a noção de bom gosto. Não vi ainda a crítica da Isabela Boscov, mas no título do vídeo ela chama Gladiador II de "cafona". Achei curioso, pois a palavra "brega" apareceu duas vezes nas minhas anotações. Há vários detalhes que passam uma falta de refinamento na direção, e até de seriedade. Desde os diálogos tolos em tom bíblico, passando pelo cabelo/maquiagem da Connie Nielsen, que parece uma perua em um casamento de classe média, até os flertes do filme com produções B escapistas, dessas que achariam "Gladiadores vs. Tubarões" ou "Gladiadores vs. Lobisomens" ótimas ideias para sequências (o filme "histórico" inclui uma cena onde uma personagem aperta uma pedra na parede e ativa uma porta automática para um esconderijo).
Dramaticamente, nada convence. Quando Paul Mescal grita com sua mãe por tê-lo abandonado, a reação dele parece imatura, sem sentido. Depois, quando ele resolve perdoá-la (e perdoa também o Pedro Pascal) as relações da história continuam não transmitindo nenhuma verdade.
As próprias cenas de luta não empolgam. Parecem enfiadas por obrigação na história, não por necessidade narrativa. O Coliseu é introduzido de maneira mais casual que no primeiro, sem os ângulos e trilhas grandiosas que criavam um senso de importância, então apesar do investimento em efeitos especiais, as batalhas acabam parecendo eventos triviais, episódicos — até porque Paul Mescal se porta como um líder preparado e imbatível desde o início da história. Você nunca teme por sua vida.
Assim como Alien: Romulus, Gladiador II talvez pareça um filme acima da média pro público jovem que nunca viu o primeiro (do qual eu nem sou um super fã) e acha que cinema é isso que Hollywood produziu nos últimos 10/15 anos. Mas pro resto, será a experiência triste de ver que nem um dos maiores realizadores de seu tempo, com todo o dinheiro à sua disposição (Gladiador II é um dos filmes mais caros de todos os tempos) consegue resgatar o padrão de qualidade que há 24 anos era visto como normal.
Gladiator II / 2024 / Ridley Scott
Satisfação: 4
Categoria: Idealismo Imperfeito
Filmes Parecidos: Ben-Hur (2016) / Napoleão (2023) / Êxodo: Deuses e Reis (2014) / Robin Hood (2010) / Gladiador (2000)
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