quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Por Sua Mais Grave Culpa


Um dos textos mais surpreendentes da Ayn Rand, publicado pouco depois da morte de Marilyn Monroe. Sempre lembro dele quando vejo fenômenos parecidos na cultura atual, envolvendo figuras que reunem algumas dessas qualidades que Rand aponta em Marilyn, que tendem a despertar reações calorosas nas pessoas.



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Por Sua Mais Grave Culpa (Ayn Rand, 1962)

A morte de Marilyn Monroe chocou as pessoas com um impacto diferente de suas reações à morte de qualquer outra estrela do cinema ou figura pública. No mundo inteiro, as pessoas tiveram um senso peculiar de envolvimento pessoal e de protesto, como um grito universal de "Ah, não!".

Elas sentiram que sua morte tinha um significado especial, quase como um alerta para algo que elas não conseguiam decifrar - e elas sentiram uma apreensão sem nome, o senso de que algo terrivelmente errado estava envolvido.

Elas estavam certas em sentir isso.


Marilyn Monroe na tela era a imagem de uma pura e inocente alegria de viver. Ela projetava o senso de uma pessoa nascida e criada numa utopia radiante, intocada por sofrimento, incapaz de conceber feiúra e maldade, encarando a vida com a confiança, a benevolência e a ostentação alegre de uma criança ou de um animal de estimação que fica feliz em exibir sua própria atratividade como se fosse o melhor presente que pudesse oferecer ao mundo - e que espera ser admirado por isso, não atacado.

Na vida real, o provável suicídio de Marilyn Monroe (ou pior: uma morte que pode ter sido acidental, o que sugere que pra ela a diferença não importava) foi uma declaração de que nós vivemos em um mundo que tornou impossível que o tipo de espírito dela, e o tipo de coisa que ela representava, possa sobreviver.

Se já houve uma vítima da sociedade, Marilyn Monroe foi essa vítima - de uma sociedade que se diz dedicada a ajudar aqueles que sofrem, mas que mata os que são alegres. Nenhum dos delinquentes juvenis que costumam receber a atenção de humanitários poderia ter tido uma infância tão sórdida e aterrorizante quanto a de Marilyn Monroe.

Sobreviver a essa infância preservando o tipo de espírito que ela projetava nas telas - o senso de vida radiante e benevolente que não pode ser fingido - foi uma conquista psicológica quase inimaginável que exigiu o tipo mais elevado de heroísmo. Quaisquer cicatrizes que o passado tivesse lhe deixado eram insignificantes em comparação.

Ela preservou sua visão de mundo através de uma luta terrível, batalhando seu caminho até o topo. O que a destruiu foi a descoberta, lá no topo, de uma maldade tão sórdida quanto aquela que ela tinha deixado para trás - pior, talvez, por ser incompreensível. Ela esperava encontrar a luz do sol; e ela encontrou, no lugar, um pântano infinito de malícia.

Era uma malícia de um tipo muito especial. Se você quiser ver as tentativas dela de tentar compreendê-la, leia o artigo magnífico na edição de 17 de Agosto de 1962 da revista Life. Não é de fato um artigo, mas uma transcrição das palavras dela - e o documento mais tragicamente revelador publicado em muitos anos. Era um grito por socorro, que veio tarde demais para ser atendido.

"Quando você é famoso, você se depara com a natureza humana de uma maneira meio crua," ela disse. "Ela provoca inveja, a fama. As pessoas te encontram e sentem: quem ela pensa que é, Marilyn Monroe? Elas acham que a fama te dá algum tipo de permissão de chegar até você e lhe dizer qualquer coisa, sabe, de qualquer natureza - e que isso não vai ferir seus sentimentos - como se tivesse atingindo só sua roupa... Eu não entendo porque as pessoas não são um pouco mais generosas umas com as outras. Eu não gosto de dizer isso, mas eu temo que exista muita inveja nessa indústria."

"Inveja" foi o único nome que ela pôde dar pra coisa monstruosa que ela encarava, mas era algo muito pior que inveja: era um profundo ódio da vida, do sucesso e de todos os valores humanos, sentido por um tipo de ser medíocre, do tipo que sente prazer em ouvir sobre o fracasso de um estranho. Era o "ódio do bom por ser bom" - ódio da habilidade, da beleza, da honestidade, da seriedade, do sucesso e, acima de tudo, da alegria humana.

Leia o artigo da Life pra entender como esse ódio funcionava e o que ele fez com ela:

Uma criança cheia de desejo, e que foi repreendida por isso - "Às vezes as famílias adotivas ficavam preocupadas pois eu ria muito alto e de forma entusiasmada; acho que elas pensavam que eu era histérica."

Uma estrela de um sucesso espetacular, cujos empregadores viviam repetindo: "Lembre-se, você não é uma estrela," num esforço determinado, aparentemente, de não deixá-la descobrir sua própria importância.

Uma atriz brilhantemente talentosa, que ouvia de supostas autoridades, de Hollywood, e da imprensa, que ela não sabia atuar.

Uma atriz dedicada à sua arte com seriedade e paixão - "Quando eu tinha 5 anos - acho que foi aí que eu comecei a querer ser atriz - eu adorava brincar. Eu não gostava do mundo ao meu redor pois ele era meio sombrio - mas eu adorava brincar de casinha, e era como se você pudesse criar seus próprios limites" - e que caminhou pelo inferno para criar seus próprios limites, para oferecer às pessoas o universo luminoso que ela enxergava - "É quase como ter alguns segredos que você só divide com o resto do mundo por uns instantes, enquanto você está atuando" - mas que foi ridicularizada por sua vontade de interpretar papéis sérios.

Uma mulher - a única - que conseguia projetar a sensualidade inocente e incandescente de um ser de algum outro planeta não corrompido por culpa - que se viu rotulada e criticada como um símbolo vulgar de obscenidade - e que apesar disso ainda teve a coragem de declarar: "Nós todos nascemos criaturas sexuais, graças a Deus, mas é uma pena que tantas pessoas desprezam e destroem esse dom natural."

Uma criança feliz que estava oferecendo suas conquistas para o mundo, com o orgulho de uma grandeza autêntica, ou como um gatinho colocando aos seus pés algo que ele caçou - e que teve como resposta tentativas empenhadas em negar, degradar, ridicularizar, insultar, destruir suas conquistas - que não conseguia entender que ela estava sendo punida pelo que ela tinha de melhor, não de pior - que só conseguia sentir, em puro terror, que ela estava diante de um mal indescritível.

Por quanto tempo você acha que um ser humano aguentaria isso?

O ódio por valores sempre existiu em algumas pessoas, em qualquer época ou cultura. Mas há 100 anos atrás, esperava-se que você escondesse isso. Hoje em dia, ele está por todos os lados; é o estilo e a moda do nosso século.

Onde um espírito submergindo poderia achar um alívio disso?

A maldade de uma atmosfera cultural é criada por todos aqueles que compartilham dela. Qualquer um que já tenha sentido ressentimento contra o bom por ser bom - e dado voz a esse ressentimento - é o assassino de Marilyn Monroe.

2 comentários:

Leonardo disse...

Olá, Caio.

Em que publicação está este texto na versão original?

Obrigado por traduzir e compartilhar.

Caio Amaral disse...

Leonardo, esse texto tem no livro The Voice of Reason.. mas se quiser apenas ler em inglês tem ele no site do Ayn Rand Institute:

https://ari.aynrand.org/issues/culture-and-society/culture-and-society-more/through-your-most-grievous-fault/

Abs!!