domingo, 21 de janeiro de 2018

A Forma da Água

Uma das coisas mais tolas e mal intencionadas que eu vi no cinema nos últimos anos. Se o filme fosse de fato uma fantasia do tipo E.T. ("protagonista cria amizade com criatura mágica e precisa salvá-la de homens maus") onde o propósito do filme fosse nos proporcionar escapismo, diversão, fazer a gente embarcar na história, ele já seria ruim o bastante, pois a criatura não é nada gostável, a trama é um insulto à inteligência da plateia (quando algum desses críticos que estão aclamando o filme zombarem de blockbusters hollywoodianos por terem furos de roteiro, ações forçadas, pergunte a ele: por que então A Forma da Água tem permissão pra ter isso tudo?).

(Só pra dar alguns exemplos, como a Sally Hawkins planejava soltar a criatura das correntes, caso o russo não lhe desse as chaves no último minuto? E como ela sabia que iria chover em tais datas? E por que ela precisaria soltar a criatura nas docas, pra daí ela nadar pro mar - não era mais fácil soltar direto no mar ali do lado?)

Claro, a resposta é que A Forma da Água não está querendo fazer a gente acreditar na história, torcer pelo romance, acreditar que uma faxineira conseguiria de fato resgatar essa criatura de um laboratório ultra-secreto, etc. Tudo vale, pois é pra ser "simbólico", o filme no fundo é apenas um discurso político, um ataque à América e a tudo o que ela representa (é fascinante que hoje em dia um cineasta estrangeiro como Guillermo del Toro possa ir para os EUA, insultar o país, e receber dos próprios americanos as maiores honras por isso).

É como se a mensagem política liberasse o filme da necessidade de ter qualquer lógica ou qualidade narrativa real, pois ele está sendo "culturalmente relevante".

Desde o início fica claro que o homem anfíbio representa as minorias, os "oprimidos", e que o vilão interpretado por Michael Shannon representa os EUA, o American Way of Life, que logicamente é branco, racista, machista, estuprador, assassino, etc. Parte do que torna o vilão detestável, curiosamente, é o fato dele ler livros motivacionais (o filme pelo menos é "genial" o bastante pra entender que o que ele odeia no fundo não é a América, e sim os ideais que ela representa — ou costumava representar).

Todo o filme é motivado por ódio, pelo desejo de demonizar o inimigo, e não o de retratar o que seria o correto, o ideal, inspirar mudanças, construir algo positivo. Há uma série de cenas aleatórias totalmente desconectadas da trama principal, que deixam bem evidente essa estratégia. Por exemplo, qual a importância de mostrar o vilão saindo pra comprar um Cadillac novo? O que o carro novo do vilão tem a ver com a história de uma faxineira se envolvendo com um homem anfíbio? Absolutamente nada. É apenas pra passar a noção que dinheiro e carros luxuosos são coisas que pessoas más valorizam (e dar o "prazer" pro espectador mais tarde de ver esse Cadillac sendo destruído). Ou então a cena no bar, onde o Richard Jenkins dá em cima do barman, que logo depois tem uma atitude homofóbica, e também racista ao expulsar um casal de negros do bar? Qual a relevância da vida pessoal do vizinho da protagonista pra história? Ou do caráter do barman que atende o vizinho da protagonista? Absolutamente nenhuma. Mas a cena é inserida de qualquer forma, pois dá ao filme a oportunidade de fazer mais um pequeno discurso político. O filme é apenas uma série de discursos como esses, disfarçados de fantasia escapista.

Toda a arte do roteiro e da narrativa é jogada no lixo, pois o cineasta percebeu que é muito mais simples apelar pro "nós vs. eles", fisgar o espectador através de instintos primitivos.

Já falei muito aqui sobre o que penso de Simbolismo, de Anti-Idealismo, de filmes que colocam a mensagem ideológica acima da narrativa, que atacam valores positivos sem o contexto apropriado, então acho que não preciso me alongar mais pra justificar minha nota.

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The Shape of Water / EUA, Canadá, 2017 / Guillermo del Toro

FILMES PARECIDOS: Mãe! (2017) / Okja (2017) / Expresso do Amanhã (2013) / Distrito 9 (2009) / O Nevoeiro (2007)

NOTA: 0.0

18 comentários:

Dood disse...

Pior que o entretenimento está cheio dessas coisas hoje em dia. Até mesmo as premiações ficaram engessadas em discurso político social. Isso só faz aumentar minha admiração aos EUA: a liberdade lá concedida é tão grande que permite que exista um anti americanismo dentro de sua cultura. Algo que não poderia ser feito se fosse em uma outra cultura como a islâmica. Acho legal a crítica, mas quando a gente vê que é mal fundamentada e gratuita onde não vemos um outro lado vira um comportamento militante chato, pois muitos dos que reclamam vivem de conquistas desta mesma civilização.

Caio Amaral disse...

Oi Dood.. que bom que consegue ver um lado positivo nisso tudo, hehe, eu só vejo decadência mesmo.. rs.

Dood disse...

Caio quando se abre uma liberdade de pensamento dentro de uma sociedade, o pensamento ruim, contraditório e de anti auto estima não vai deixar de existir. A sociedade que vivemos ainda bem nos permite essas expressões de pensamento e crítica a elas. Ideias ruins se combate com melhores ideias sempre e pra se ter melhores ideias são necessárias as ruins existirem e até serem defendidas por gente "bem intencionada".

Acho que no final as boas ideias sempre ganham, porque a realidade nos mostra assim mesmo que exista um grupo que insiste em reprimir.

Abraços.

Marcus Aurelius disse...

Olá Caio. Nossa! mas nem superficialmente o filme não tem nada a oferecer? A julgar pelo gráfico parece que não. Mas eu achei pelo menos decente, funcional, o visual do filme e a maquiagem do personagem no trailer. Nem isso prestou?

Caio Amaral disse...

Diogo, não espero que ideologias ruins deixem de existir, só me espanta o fato dela ser o pensamento DOMINANTE.. pelo menos nesse mundo do cinema, etc.. A Forma da Água é provavelmente a maior aposta para o Oscar esse ano.. não é simplesmente "um filme" no meio de tantos outros.. Então acho difícil olhar pelo lado positivo... se for pra olhar o lado positivo, teremos que ver o lado positivo de tudo que acontece sob a liberdade.. o lado positivo de uma passeata do PSOL na Paulista, da reeleição do Lula, etc, hehe.. Liberdade é ótimo, mas ela não faz com que eu tenha mais tolerância ou simpatia por ideias opostas às minhas..

Marcus, nesses casos eu sempre dou esse exemplo: se fôssemos dar uma nota pro Nazismo de 0 a 10 (assumindo que o Nazismo era aquilo mesmo que as pessoas acham), você daria uns pontos a mais pro movimento por causa da beleza dos uniformes, o design da suástica, a precisão dos discursos de Hitler? "Ah, este homem estuprou minha filha, mas ele demonstrou tanta habilidade física no ato, que eu vou dar pelo menos uma nota 3.5 pra ele como pessoa..", rs. Pra mim existe um limite que, abaixo dele, eu simplesmente deixo de considerar méritos técnicos como efeitos especiais, maquiagem (mesmo em bons filmes não dou crédito demais pra isso).. Se vc olhar minhas postagens Filmes Bem vs. Mal Intencionados, ou Virtudes e Tipos de Filmes, vai ver que dentro dos meus critérios, VIRTUDE e PRAZER são 2 coisas que precisam andar juntas pra terem valor.. apenas na medida em que as virtudes do artista estão sendo usadas pra proporcionar algo positivo pro espectador é que elas devem ser consideradas... Virtudes que servem apenas como exibicionismo, mas não resultam numa experiência cinematográfica melhor, ou virtudes que são usadas em favor de uma mensagem destrutiva (como nesse caso) são irrelevantes ou até tiram pontos do filme na minha visão.. abs!

Dood disse...

Caio eu também acho absurdo que ideias ruins dominem o cenário, mas nesse momento desfavorável é que faz mister o conflito contra elas e a exposição das boas idéias, sei que não é fácil: a sociedade está meio corrompida filosoficamente, muito do que vemos está deturpado, coisas que era para ser vistas como virtuosas estão sendo atacadas etc...

Eu vejo isso como uma omissão de muitos (eu incluso) a defesa das ideias que se tem e acredita acabou abrindo uma brecha pra a instalação de uma corrente ruim de pensamento na sociedade, talvez por uma benevolência e uma tolerância inocente perante a certas questões. Não há como ter simpatia por ideias ruins, não tenho também. Eu não disse que as ideias são importantes afim de valorizá-las como conhecimento prático e sim como não fazer. Colocar em cheque posicionamentos e não aceitar por aceitar.

Desculpe se não ficou bem claro minha colocação.

Caio Amaral disse...

Pois é.. as pessoas com as "ideias ruins" hoje em dia por algum motivo são muito mais confiantes e explícitas ao expressarem suas ideias.. e a resistência, quando existe, é bem mais tímida nesse campo da arte.. Às vezes parece até que eu sou um louco aqui reclamando de coisas nos filmes que não estão incomodando mais ninguém, heheh. abs!

Anônimo disse...

Diferente de A Forma da Água, E.T. não se preocupou em demonizar cientistas ou agentes do governo, mesmo a cena das experiências tenha sido assustadora. E nem Splash, onde o cientista que perseguia a sereia era uma piada, não um monstro.
A Forma da Água soa um pouco parecido com O Gigante de Ferro, só que acrescido de uma grande dose de discurso SJW. Mas o muito amado filme de Brad Bird já carregava nas tintas em sua condenação da paranóia da guerra fria, pintando o agente do governo que persegue o robô gigante como quase tudo o post aqui disse do personagem do Michael Shannon. Aliás os dois até são meio parecidos:
https://nerdist.com/wp-content/uploads/2017/12/ShapeOfWaterINT2-nerdist.jpg
http://www.animationforadults.com/2016/04/the-iron-giant-1999.html
Pedro.

Caio Amaral disse...

Sim Pedro, nem todo filme está tentando demonizar um grupo inteiro ao apresentar vilões que sejam cientistas, ou empresários, ou americanos brancos, ou qq coisa do tipo (o mesmo vale pra filmes que têm vilões negros, estrangeiros, não-brancos, etc). Temos que levar em conta o contexto todo do filme.. Meu "alerta vermelho" só começa a soar na medida em que o filme ataca consistentemente algum valor.. como no caso do A Forma da Água.. O Gigante de Ferro eu assisti há alguns anos e não gostei nada, embora não lembre direito da história pra poder analisar melhor.. abs!!

Anônimo disse...

Também não gostei do Gigante de Ferro. Sem entrar em detalhes, o problema a meu ver foi que era difícil simpatizar com um robô gigante destrutivo e que nada tinha do desamparo do ET, e o expediente do roteiro de levar o espectador a torcer por ele fazendo do investigador um psicopata não funcionou comigo. O problema pra mim estava na própria história, não em generalizações de qualquer tipo. Mas as raras críticas desfavoráveis que vi desse filme -
quase todo mundo na internet parece adorar essa animação - enxergaram nele um retrato negativo dos militares e da cultura americana dos anos 50, como nesta resenha:
https://eppc.org/publications/iron-giant-the/
Procurando por "Shape of Water Iron Giant" no Google, a primeira resposta é um Twitter de alguém que escreveu que A Forma da Água é O Gigante de Ferro com sexo:
https://twitter.com/petersagal/status/948752141996437504

Caio Amaral disse...

É, eu não lembro dos detalhes, da questão política em O Gigante de Ferro, etc.. mas de certa forma é um caso parecido com o da Forma da Água sim.. embora sejam filmes bem diferentes... a história se apresenta como algo meio E.T., mas daí quando você vai ver o filme, percebe que ele tem um senso de vida bem diferente do que a história sugeria..

Dood disse...

Eu sempre achei esse Gigante de Ferro estranho. A animação fazia uma questão de deixar explicito que o robo era uma ameaça, mas a trama quer que se afeiçoe a ele.

Caio Amaral disse...

É.. queria ouvir de alguém que ama o filme igual a crítica.. pra entender o que é tão incrível.. rs.

Isabela F. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Isabela F. disse...

Não daria zero, mas concordei com tudo que o Caio disse. Quando vi o filme no cinema me surpreendi por que gostei muito de "O labirinto do Fauno" e esperava que Guilherme del Toro fosse dar um show de direção já que "A forma da Água" ganhou o Oscar. Não entendi o por que o filme ganhou Oscar de Melhor Filme.

Achei legal o que o Dood disse em relação ao anti americanismo dentro da própria cultura, mas o que isso tem a ver com premiação de filme? Pode ser até que tenha, desde que se tenha um bom roteiro estruturado. Os filmes americanos estão contemporâneos de mais pra mim, não envolvem o espectador na trama e nos deixando sair do cinema sem nenhum sentimento agregado ou construído.

Um fato que eu achei que iria ocorrer no filme e não ocorreu era o monstro ter "curado" o vilão, poderia ter sido mais explorado o poder de cura da criatura, ou talvez isso não tenha ocorrido justamente pelo vilão representar a "cultura americana" que na visão do cineasta é imutável. Isso me fez lembrar de "Avatar" e de como o filme foi surpreendentemente melhor ao explorar um fato semelhante.

Caio Amaral disse...

oi Isabela.. hoje em dia é tudo muito "nós vs. eles".. defender a própria tribo, demonizar a tribo inimiga.. acho que a ideia do vilão ser transformado no final nem deve ter passado pela cabeça do Del Toro, hehe. abs.

Leonardo disse...

Na primeira versão desta crítica havia uma pequena metáfora com um pêndulo. No caso de então, o pêndulo havia chegado ao seu máximo extremo. Haveria de retornar aos poucos e as coisas melhorariam. Pois vejo que o trecho foi removido – infelizmente removido.

Caio Amaral disse...

Não lembro disso! hehe. Mas não duvido, já que sempre modifico os textos depois que posto.. Lembro de falar de pêndulo no 1º capítulo do livro (Introdução).. não sei se é a mesma metáfora.. pois ali eu não sugiro que já chegamos no grau máximo. Mas nem é uma metáfora tão boa, se for pra ser rigoroso.. pois ela sugere que existe uma regularidade.. um movimento previsível, inevitável.. e na prática, o "pêndulo" nesse caso pode desacelerar de um lado, demorar um bom tempo pra voltar pro outro.. o que eu gosto é da ideia de 2 polos opostos exercendo uma força sobre a cultura.. e ela sendo puxada pra um lado, depois pro outro.. mas um "cabo de guerra" talvez seja uma metáfora melhor, hehe. E sim.. levando em conta o Oscar de ontem.. na época do A Forma da Água dá pra ver que ainda não estávamos no ponto de voltar pra outra direção, rs.