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Sempre que um filme que tem tudo pra ser um sucesso subitamente recebe péssimas críticas e é mal recebido pelo público, eu fico ainda mais interessado em assistí-lo pra entender o que é que deu errado. Nesses casos, se o filme vai bem até a primeira meia hora, eu já sei que o problema estará em eventos específicos na história: um final frustrante, uma morte indesejada, uma reviravolta não convincente, etc. Será um problema de
conteúdo. Mas no caso de
Boneco de Neve, em 2 minutos de filme você já consegue perceber o que há de errado. Não é nada relativo à história, a algum acontecimento - e sim à maneira como a história é contada, à estética do filme como um todo - é um problema de
estilo. Não estou dizendo que a história em si é excelente, e só foi arruinada pela direção... Se o filme tivesse sido dirigido de uma maneira mais convencional, ainda seria uma história de serial-killer tola, cheia de psicologia barata, reviravoltas forçadas, uma narrativa confusa, etc. Mas ainda estaria dentro de algo aceitável e familiar pro público (
Garota Exemplar também tinha coisas forçadas, mas funcionava como entretenimento e foi um sucesso mesmo assim). Mas aqui, o cineasta estava tão preocupado em provar o quanto ele é autoral, o quanto estilo próprio ele tem, que ele acabou destruindo o filme... Tudo é forçado pra parecer bizarro, subversivo, onírico: todos os personagens agem de maneira estranha, irracional, a edição é imprevisível, a trilha sonora é inadequada - e isso dentro de uma história e um gênero de filme que não pedem bizarrices... Pelo contrário... O elenco estelar, a fotografia bonita, a trama policial, tudo sugere um suspense tradicional, elegante, uma narrativa clara... Mas eles entregaram o filme nas mãos de alguém que aparentemente odeia esse tipo de história, e aceitou o trabalho apenas como uma oportunidade pra subverter o material, inserindo seus toques niilistas na produção (é um daqueles casos onde eles deram uma produção Hollywoodiana pra um estrangeiro alternativo dirigir, na expectativa de tornar o filme mais "artístico"). O espectador compra o ingresso esperando um tipo de experiência, mas quando começa o filme, ele percebe que foi enganado pelos pôsteres, trailers, etc. Eu gosto de cineastas diferentes, com estilo próprio, mas apenas quando isso não arruina os pilares que sustentam história: quando ainda é possível simpatizar e se identificar com os protagonistas, quando há uma trama envolvente, compreensível, etc. No caso de
Boneco de Neve, o cineasta coloca o estilo acima disso tudo, não se importando se a plateia irá conseguir se importar por alguém na tela, se o universo do filme será convincente, atraente, etc.
O Livro de Henry já é um caso diferente. Não foi o diretor que arruinou o filme, e sim o material original que já era bizarro (quando o filme saiu, muitos ficaram preocupados com o fato do diretor Colin Trevorrow ter sido o escolhido pra dirigir o próximo
Star Wars, e não duvido nada que o fato dele ter sido demitido tenha a ver com o fracasso de
O Livro de Henry). Mas não acho que Trevorrow seja um mau diretor - se fosse uma história minimamente sensata, ele teria feito um ótimo trabalho: o elenco é muito bem dirigido, a produção é bem feita, caprichada em diversos aspectos, a narrativa é clara - superficialmente parece um filme digno de prêmios. O problema é que, após um começo promissor, a história começa a apresentar uma série de reviravoltas insanas - a pior delas sendo a morte de um personagem central no meio do filme, deixando o espectador simplesmente estarrecido, sem saber mais o que desejar daí pra frente. O artista pretensioso nesse caso foi o roteirista, não o diretor. Me parece um erro mais inocente que o de
Boneco de Neve, onde havia uma atitude destrutiva, uma intenção de corromper o gênero... Aqui, parece mais uma combinação de ambição exagerada com imaturidade e falta de experiência (o roteirista é estreante e escreveu o filme há 20 anos - então tem cara de ser um daqueles "passion projects" fadados ao fracasso). Ele quis inserir tanto no filme, ser tão impactante, misturar tantos conceitos, ser tão diferente de tudo já feito, que acabou criando uma aberração.
O elemento em comum nos 2 casos é uma falta de respeito pelos fundamentos do cinema... Um desejo tão grande de inovar, de fugir do convencional, que o artista acaba jogando fora não só os clichês e as regras superficiais do gênero, como também os ingredientes básicos que fazem um filme funcionar.
Ainda assim, acho preferível ver desastres cinematográficos como esses, causados por excesso de ambição e energia criativa, do que coisas como continuações de
Transformers, onde o problema é apenas convencionalidade, falta de talento, etc.
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Boneco de Neve (The Snowman / Reino Unido, EUA, Suécia / 2017 / Tomas Alfredson)
NOTA: 2.0
O Livro de Henry (The Book of Henry / EUA / 2017 / Colin Trevorrow)
NOTA: 3.5