segunda-feira, 24 de maio de 2021

Continuo escrevendo, mas...

Algumas pessoas talvez tenham reparado que eu dividi meu canal do YouTube em dois... Coisas mais pessoais foram pra um canal zerado, e os vídeos legendados sobre filosofia ficaram no mesmo canal, mas que agora não leva mais o meu nome. O motivo é que de uns tempos pra cá eu tenho ficado um pouco cansado de política e debates ideológicos... Em vez de me motivar e me aproximar dos meus objetivos, esses conteúdos parecem fazer o oposto e acabam só me desviando dos meus verdadeiros interesses. O YouTube particularmente era uma das coisas que mais me prendiam a esse universo, deixando minha identidade sempre associada a discussões que nada têm a ver com cinema ou entretenimento. Recentemente recebi até um convite pra escrever em um site sobre cultura, mas acabei não aceitando, pois seria algo mais voltado pra esse lado político do cinema, e a essa altura eu já entendi que esse tipo de "ativismo" não é algo que me satisfaz e que eu desejo para o futuro. Aqui no blog é o último lugar onde eu ainda me vejo um pouco nesse papel... Os filmes hoje são tão imbuídos em política que é quase impossível discuti-los honestamente sem entrar em uma discussão mais alarmante sobre o assunto. Mas tenho tentado fazer o exercício de lembrar como as coisas eram no passado, quando o que me motivava primeiramente era uma paixão genuína pelos filmes, e não a necessidade de combater forças negativas da cultura... Meu sonho no fundo sempre foi um dia poder fazer cinema, contar novas histórias, não apenas escrever a respeito. Claro que a cultura mudou tanto nos últimos tempos que esse sonho começou a parecer mais e mais distante, pois o que me encantava no universo do cinema foi deixando de existir. As reflexões aqui do blog foram importantes nesse processo, até pra eu entender melhor o que estava acontecendo. Mas conforme essas questões vão ficando mais bem resolvidas na minha cabeça, eu percebo que vai diminuindo meu interesse em ficar militando a favor ou contra certas causas constantemente.

Quem é do mundo da política, pra mim é quase como quem trabalha com saúde, numa sala de emergência... É um outro mindset, de alguém que tem que lidar com questões básicas de sobrevivência, com o lado mais pesado e grave da vida — coisas que pessoas comuns, num mundo ideal, só precisariam lidar em situações de urgência, quando algo dá errado. Existem pessoas com o temperamento certo pra esse tipo de missão, mas eu no fundo sempre me atraí pelo oposto disso... Costumava dizer que eu sou o tipo de pessoa que pertence ao "último andar do shopping", que normalmente é onde ficam os cinemas, os teatros, restaurantes... as coisas mais leves da vida, em contraste com o térreo e os subsolos, onde ficam supermercados, farmácias, bancos, coisas funcionais, mais ligadas a necessidades de sobrevivência. Pra mim há uma certa incompatibilidade entre o mundo do entretenimento e o mundo da política e das discussões ideológicas. Há espaço, claro, pra temas mais filosóficos e intelectuais no entretenimento — mas não o tipo de debate explícito/polarizador ao qual nos acostumamos nos últimos anos, que afastam a gente do universo leve da arte, e nos trazem de volta para um mindset de sobrevivência (despertam aquelas regiões de "luta e fuga" do cérebro que pra mim deveriam ficar adormecidas num espaço de diversão). Os últimos anos foram extremamente turbulentos, e esse "último andar do shopping" foi praticamente interditado, me forçando a habitar mais os pisos inferiores... Mas não é aí que eu gostaria de ficar pra sempre, ou onde eu me sinto mais em casa. E agora, passada a temporada do Oscar 2021 e o ponto mais crítico da pandemia (que pra mim representaram o fundo do poço tanto pra política quanto pro entretenimento), eu sinto que é um bom momento pra começar a procurar as escadas rolantes. Não tenho planos de mudar muita coisa por aqui... Resolvi postar isso só porque talvez eu entre numa fase onde eu ponha menos energia em assuntos indigestos que vão além do cinema em si.

7 comentários:

Leonardo disse...

Olá, Caio.

Primeiramente, seus dois canais são “A Voz da Razão” e “Profissão: Cinéfilo” apenas? Não localizei o canal zerado.

Entendo a tua decisão e é possível notar o desgaste nos seus textos. Desde as críticas de 2008 que apontavam a decadência das qualidades cinematográficas até os anos mais recentes que discutem o seu teor político, foi um teste de resistência. Mesmo assim, eu sempre preferi os seus textos mais inspiradores, das listas dos melhores filmes, de seus valores e virtudes idealistas. Até se tem algo que eu senti falta, foi de uma crítica de O Retorno de Mary Poppins...

(Um post que eu entro quase diariamente é o “100 Grandes Filmes”, pois tiro daquele cardápio o banquete dos meus melhores finais de semana. Eu quase terminei a lista toda e iria fazer um pedido de um post sobre os “200 Grandes Filmes” mais adiante. E depois dos 300, 400, 500....)

Já lhe disse algumas vezes e repito, o seu blog foi a minha porta de entrada para as idéias ateístas, racionais, liberais, libertárias e por fim, objetivistas. Eu era um caso [muito] mais extremo que o Yaron Brook e a sua discussão política nos filmes salvou a minha vida, figurativa e literalmente.

Se a sua intenção sempre foi contar novas histórias, talvez tu tenha atingido este objetivo de uma forma indireta. Ou pelo menos proporcionado a possibilidade para tal. A cada crítica de um bom filme, a cada nota acima de 8.0, há em seu texto observações que permitem que um filme já conhecido seja visto de forma diferente: em Titanic a liberdade, em A Noviça Rebelde o propósito e a autoestima, em E.T. o valor das relações, em Cinderela a integridade de caráter. Coisas que talvez sejam quase instintivas pra ti, mas que eu careço da sensibilidade para observar sem apoio externo. Suas críticas ajudam a contar uma nova história em uma história antiga. Há 10 anos eu vi Contatos Imediatos de 3º Grau e fiquei completamente indiferente ao ponto de esquecê-lo. Há 2 meses eu o revi e mal consegui conter as lágrimas perante o encantamento na tela. Até ouvir o nome “Spielberg” me faz respirar de forma diferente hoje, embora eu o conhecesse desde criança – emoções que não são naturais a mim, mas que foram proporcionadas por uma mudança de valores promovida pelos seus melhores textos.

(A sua observação sobre os andares do shopping, por exemplo, é um insight que vai mudar para sempre a forma como eu vejo a mim e os outros em um shopping. Recentemente uma amiga observou que eu ignoro completamente as vitrines e que sempre fico impaciente nas lojas do primeiro andar, ao ponto de prejudicar um encontro. Agora eu entendo o motivo).

Isto posto, eu fico feliz que sua energia será canalizada para aquilo que é construtivo, para os valores pelos quais vale a pena viver e escrever. Torço pelo seu sucesso profissional e sua gratificação pessoal.

Caio Amaral disse...

Oi Leonardo! Sua capacidade de escrever uma resposta incrivelmente generosa e rica em conteúdo em um curto espaço de tempo sempre me surpreende, hehe... te agradeço como sempre, e seu feedback é algo que já me salvou também de alguns momentos de desânimo!

No começo do blog, eu já fazia críticas bem "mau humoradas" aos filmes.. mas acho que era algo mais leve, descontraído, talvez por eu não saber que essas coisas tinham raízes mais profundas, que virariam conflitos mais pesados no futuro.. com o tempo foi ficando difícil manter a descontração.. Pretendo manter o hábito de comentar os lançamentos e até escrever sobre coisas mais abstratas eventualmente.. minha ideia é só tirar a ênfase das polêmicas culturais, pois acho que já escrevi o bastante sobre o tema.. pelo menos pra deixar claro o que isso tem a ver com cinema, entretenimento, etc. Daqui pra frente, focar nisso teria utilidade apenas se meu objetivo fosse me tornar uma espécie de comentarista político, uma dessas figuras polêmicas da internet, hehe. E como não é, acho que esses conteúdos me afastam um pouco do rumo que gostaria de seguir.. me deixam paralisado entre 2 intenções conflitantes.. Pra mim é mais gratificante saber que um comentário meu abriu uma porta que te permitiu se encantar mais com Contatos Imediatos, do que saber que um comentário meu fez alguém passar a ter antipatia pela Elsa do Frozen ou ficar revoltado com o estado do Oscar hehe.. os positivos sempre são mais importantes.

Ampliar a lista dos 100 filmes talvez seja uma boa mesmo! Quem sabe separando melhor o que eu classificaria como Idealismo "puro" de coisas mais sombrias ou alternativas que estão ali por outros motivos. AH, o canal zerado do YouTube está como "Caio Amaral" mesmo.. deixei lá os curtas, alguns vídeos de música, etc. Abração!

Anônimo disse...

O cenário anda desanimador mesmo. Não tenho nem certeza se quem atua na política pode ser comparado ao pessoal da área de saúde, ainda que muitos médicos acabem mesmo na política. Pra mim cada dia parece mais evidente que políticos de modo geral só agem em interesse próprio ou de suas panelinhas, com as exceções de praxe que acabam mais cedo ou mais tarde confirmando a regra. E o pior é que quanto maior o nível de auto-interesse e de ridículo dos políticos, maior se torna a cobrança para que o povinho leve muito a sério a política, e se empenhe muito por políticos que não vão oferecer contrapartida.
Pedro.

Caio Amaral disse...

A comparação foi mais no sentido de serem assuntos mais pesados, que vão contra o estado mental que buscamos no entretenimento.. por exemplo, se você está num date, e começa a falar seriamente de política.. ou então levanta um problema grave seu de saúde.. é o tipo de coisa que destrói a leveza da situação.. Agora em termos do caráter dos profissionais dessas áreas.. aí certamente os da medicina devem ter uma grande vantagem, hehe.

Caio Amaral disse...

(nos tempos atuais)

Dood disse...

Entendo realmente esse conflito que existe em que se quer colocar política em tudo, e como disseram uma vez para quadrinhos, que é uma arte assim como cinema: política não é o foco do quadrinhos o que deve se levar em conta e a história, personagens interessantes... Política pode ser o plano de fundo, mas não deve ser o ponto central da história. O que temos hoje e excesso de panfletagem isso vindo do que é produzido bem como de quem é da área do entretenimento. O mais interessante é que vi um blogueiro lacrador que costumava seguir, posteriormente quando foi aderir a pautas progressistas, reclamar do mercado com qual ele trabalha.

Todas suas reflexões venho concordando porque observava também em outras áreas do entretenimento, assim como seu livro que pretendo futuramente adquirir uma cópia no futuro. Espero melhores dias e inspiração para continuar seu trabalho.

Abraços

Caio Amaral disse...

Sim Dood, política como pano de fundo não é o problema. Às vezes falo bem aqui de filmes com visões políticas diferentes das minhas, quando é uma boa história, bem contada.. agora quando a situação se inverte e a motivação vira primeiramente política.. quando a panfletagem é mais forte que o drama, a aventura, o suspense.. daí pra mim já começa a sair da categoria de entretenimento..
Valeu, abs!!