sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Os Fabelmans

Como fã de cinema e alguém que tem Steven Spielberg como um grande ídolo, claro que assisti ao filme totalmente interessado, não só pela execução como pelo conteúdo em si. Não sei se espectadores que não têm essa ligação especial com o material ficarão igualmente envolvidos, pois o filme tem uma narrativa mais episódica, semi-Naturalista, que vai ilustrando acontecimentos importantes da vida de Sammy Fabelman ("avatar" de Steven), mas que não são integrados por um tema único, uma mensagem tão focada para o público. O principal propósito parece ser biográfico; representar os anos de formação de Steven de forma bonita, nostálgica, mas respeitando suas memórias e experiências pessoais, sem formatar os eventos demais pra se encaixar num enredo dinâmico, numa experiência excitante, etc. Ao mesmo tempo em que o projeto tinha tudo pra ser extremamente sentimental, catártico, eu já suspeitava que Spielberg não abusaria muito da "manipulação" emocional aqui, pois ele sempre foi muito modesto ao falar de si mesmo, e seria um tanto estranho ele usar seus poderes como diretor pra glorificar sua própria trajetória; tentar fazer sua vida parecer tão mágica quanto a de Elliot, Peter Pan, ou tão audaciosa quanto a de Frank Abagnale Jr. etc. E de fato ele optou por essa abordagem mais sutil, dando ênfase mais para os detalhes de sua criação, dramas familiares, conflitos sociais, e claro, sua paixão pelo cinema — mas sem cair num esquema de narrativa de sucesso. O filme termina antes de Sammy fazer seu primeiro longa, e nem mostra o famoso episódio onde Spielberg saltou do trenzinho da Universal e se infiltrou no estúdio. Mas apesar dessa narrativa mais episódica, o filme permanece interessante pois é sempre pontuado por detalhes ricos, momentos memoráveis: logo na cena de abertura, o filme ilustra de forma inteligente o contraste entre os Cientistas e os Artistas da família de Spielberg, sugerindo que algo nessa tensão foi importante para o desenvolvimento dele como cineasta — já que o cinema requer uma integração das duas áreas, e Spielberg melhor do que ninguém soube utilizar a tecnologia pra criar efeitos inovadores no cinema, mas sem nunca deixar de lado o toque artístico que veio de sua mãe — quem mais poderia ter pensado numa espécie avançada de alienígenas que visita a Terra e se comunica com os seres humanos através de música? O filme não aborda a dislexia que Spielberg descobriu só depois de adulto, mas esse tema da arte ser sua melhor forma de comunicação, de imagens serem ferramentas mais poderosas que palavras, é explorado em alguns momentos do filme, como na sequência em que ele conquista o respeito do bullies através do que ele faz com a câmera durante a excursão do colégio, ou então na cena mais comovente do filme, onde em vez de ter uma conversa direta com sua mãe sobre ela estar tendo um caso com outro homem, ele prefere dialogar com ela através de imagens em movimento — Steven, que sempre usou filmes pra provocar inspiração, momentos alegres, teve que fazer naquele closet provavelmente a sessão de cinema mais difícil de sua vida. É preciso destacar também a cena final onde Sammy encontra John Ford. Se em termos de enredo o filme não apresenta um desfecho conclusivo para a jornada de Sammy, terminar o filme com esse encontro icônico (e ainda com direito a uma aparição especial de outro ícone do cinema) é um toque que reflete o storyteller talentoso que Steven sempre foi.

The Fabelmans / 2022 / Steven Spielberg

Satisfação: 8

Categoria: I / NI

Filmes Parecidos: Spielberg (2017) / Boyhood: Da Infância à Juventude (2014) / Belfast (2021) / Apollo 10 e Meio: Aventura na Era Espacial (2022)


4 comentários:

Anônimo disse...

E o pessoal do twitter que começou uma campanha para boicotar o filme do oscar pq o filme transforma um homem, branco, loiro, hétero, ariano e anti-semita em um herói no final que salva o judeu indefeso e que ainda o judeu quer ser amigo dele

Caio Amaral disse...

Rss.. foi a Joyce Carol Oates que começou isso né? O melhor comentário foi de um cara que respondeu dizendo que ela estava furiosa com o Spielberg desde que viralizou o tweet onde ela achava que ele tinha matado um dinossauro.

Anônimo disse...

E provavelmente não é só isso, Joyce Carol Oates é a autora de Blonde, que serviu de base ao filme de mesmo título. Assim, sua crítica a "Os Fabelmans" parece se inserir na tradição de campanhas negativas que costuma preceder o Oscar.

Pedro.

Caio Amaral disse...

Verdade, sempre na temporada do Oscar surge alguma polêmica do tipo.. igual quando o Sam Elliott criticou Ataque dos Cães.. só não sei o que a Joyce ganha com isso, já que Blonde não tem grandes chances, exceto quem sabe uma indicação pra atriz / maquiagem.