13/03 - COMENTÁRIOS PÓS-CERIMÔNIA:
Ontem pra mim ficou comprovado que ser pessimista em relação ao Oscar quase nunca será um erro. Top Gun, Elvis, Os Fabelmans, Banshees, Tár... — os filmes que eu considerava os mais sólidos da premiação, saíram praticamente com as mãos abanando, e dois dos que eu considerava os menos merecedores ou compatíveis com o prêmio levaram quase tudo (claro, nem todos os prêmios de Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo e Nada de Novo do Front foram imerecidos; mas eles levaram bem mais do que os poucos que seriam merecidos).
As indicações pra filmes mais populares e Idealistas este ano acabaram sendo só um click-bait, algo que trouxe um falso encanto de volta pra festa, mas que foi pura propaganda enganosa. A grande constatação que eu tive esse ano foi que o Oscar refletiu uma tendência que vem ocorrendo em outras áreas também: todo mundo já percebeu que ser radical, corromper certos valores de maneira explícita, visível, é algo que não funciona direito, pois desperta uma oposição que já está consciente de táticas óbvias, e que pode atrapalhar seus planos. O jeito então, pra se manter vivo, é adotar uma aparência mais civilizada, passar um falso ar de normalidade, de tradição, que evitará reações mais violentas. Muita gente provavelmente deve ter achado que o Oscar 2023 teve um clima melhor que os últimos, foi até meio retrô, lembrando cerimônias de antigamente. Mas não se engane... Pois pelos prêmios que foram entregues, a Academia não parece ter modificado em nada sua agenda, nem se livrado da atitude "Anti-Oscar" que caracterizou a última década da premiação (é como o político que, pra se eleger, adota um discurso mais ameno, apaziguador, pra acalmar seus detratores, mas que no fundo tem os mesmos planos de sempre — ou como o vírus que, ao se adaptar e adquirir sintomas mais leves, consegue sobreviver melhor que suas versões mais agressivas — ou como a ditadura que se transforma numa economia mista pra população não parar de produzir, etc.).
Achei curiosos alguns comentários dos Daniels e da equipe de Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo durante os discursos de aceitação: "Nunca me enxerguei como escritor", "minha síndrome do impostor nunca esteve tão alta", "este é apenas o meu segundo filme como editor". Eles acham que ganhar a estatueta invalida essa impressão incômoda de que eles não deviam estar ali, o que não é bem o caso. A apresentação da canção de Tudo em Todo Lugar, que foi de longe a mais fraca e mal ensaiada das cinco, reforçou essa impressão do Oscar sendo dominado por artistas menos competentes, pela futilidade dos millennials, da geração TikTok, que só estão sendo aclamados porque os votantes também já não têm o mesmo apreço por excelência.
O sucesso dos Daniels, da A24, de um filme estrangeiro como Nada de Novo no Front, reafirmam essa intenção de "modernizar" a Academia, de premiar outsiders, filmes que vão contra o que o Oscar costumava representar (o que em si já virou tradição — já tem mais de 15 anos que filmes como Crash, Onde os Fracos Não Têm Vez e Slumdog Millionaire estavam ganhando Melhor Filme).
E uma coisa que mostra que as pessoas que comandam a Academia hoje não têm um grande respeito pelo que ela representa, é o fato da cerimônia ter cada vez menos referências sentimentais ao passado do Oscar, do cinema, como ela costumava ter (às vezes até em excesso). Há no máximo segmentos mecânicos e forçados citando algo do passado, como no prêmio pra Melhor Fotografia, onde eles mostraram como eram as câmeras nos tempos de Cidadão Kane, etc. Mas nada pra realmente emocionar o público. Por exemplo: eu, como tenho um grande carinho pela história do cinema, não teria perdido a oportunidade este ano de fazer uma homenagem ao All Quiet on the Western Front de 1930, que venceu Melhor Filme, levando em conta o sucesso do novo Nada de Novo no Front. Burt Bacharach, que morreu recentemente, foi um dos grandes compositores da música popular americana, e escreveu alguns dos temas mais famosos do cinema como "Alfie", "Raindrops Keep Fallin' on My Head", "Arthur's Theme (Best That You Can Do)"; assim como Olivia Newton-John, outro ícone da música que tem algumas das canções que mais marcaram os filmes — como eles perderam a chance de inserir uma canção deles na cerimônia (em vez da escolha meio aleatória do Lenny Kravitz cantando uma música própria no segmento In Memorian)? Priscilla Presley, viúva de Elvis, tem sido bem ativa nessa temporada de prêmios, apoiando Austin Butler e o filme do Baz Luhrmann... Não teria sido divertido trazê-la pra apresentar algo, e quem sabe ainda fazer uma piada com Corra que a Polícia Vem Aí 33 1/3 (que ela estrelou ao lado de Leslie Nielsen) cujo clímax se passava justamente na entrega do Oscar? Assim como você espera uma pessoa que acorda de um coma (ou alguém com Alzheimer / mordido por um zumbi) demonstrar sinais de sua antiga personalidade, lembrar de coisas do passado, pra você saber que ela realmente está viva, "de volta", são pequenas atitudes como essas (além de prêmios dados com critério) que teriam me dado a sensação do Oscar ter recuperado um pouco de seu espírito, e não o simples fato da cerimônia ter uma aparência mais tradicional, ter menos piadas tóxicas, ser menos política. Eles talvez tenham atenuado os elementos negativos, mas a ausência de positivos é o que me chama mais a atenção.
Fizeram bem Tom Cruise e James Cameron que ficaram em casa. Spielberg devia ter se juntado a eles (o que me lembra deste comentário que ele fez dos Daniels numa coletiva de imprensa, que só interpreta como elogio quem não conhece Steven e sua admiração por cineastas como Ford, Capra, Lean, etc.).
E sobre a apresentação "alternativa" que a Lady Gaga fez da música do Top Gun, é um exemplo típico de Idealismo Corrompido / Pseudo-Sofisticação. Quem não soubesse nada sobre o filme e ligasse a TV na hora, poderia facilmente ter imaginado que se tratava de uma música de superação de trauma, desses filmes medíocres de "mensagem" que a Diane Warren usa pra ser indicada, ou tema de algum filme trágico tipo A Baleia... (aliás, fiquei meio angustiado de ver o Fraser aceitando o prêmio — em vez de uma celebração, uma volta por cima, o tom grave e sofrido do discurso deu mais a impressão dele não ter saído do personagem, ou de estar prestes a ter um colapso no palco).
2 comentários:
Ansioso para os próximos comentários rsrsrs. E também para quais serão os easter eggs do cenário.
Até pensei em gravar vídeo, mas não sei se vale a pena "gastar a imagem" com isso, heheh.
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