segunda-feira, 22 de maio de 2023

Cultura - Maio 2023

24/5 - Compartilhamento de senhas: eu apoio a Netflix

A Netflix resolveu tomar medidas pra evitar que os usuários compartilhem senhas com pessoas que não moram no mesmo local, e isso parece ter deixado muita gente furiosa. Estou ouvindo gente dizer que vai cancelar a assinatura, que a medida será péssima para a imagem da Netflix... 

É sério que uma empresa não liberar seus serviços de graça já é motivo de indignação?! Compartilhar senhas não é diferente de pirataria, de emprestar o copo do refill pro amigo não ter que pagar o refrigerante - pode não ser um crime hediondo, mas não deixa de ser um roubo. 

O único erro da Netflix nessa história foi ela ter pego leve com isso no passado pra parecer cool. Mas compartilhar senhas sempre foi uma violação dos termos de uso. Agora eles estão só fazendo o que toda empresa minimamente sã faz: cobrar de quem usufrui de seus serviços (e ainda estão oferecendo um desconto pra quem quiser estender sua assinatura para uma outra casa).

O fato de tanta gente estar achando normal criticar a Netflix por essa medida só confirma o que eu disse abaixo sobre o senso de "entitlement" da população — quando a malandragem é normalizada, pedir o mínimo de responsabilidade das pessoas já começa a parecer um abuso!

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22/5 - Greve dos Roteiristas (e dos Atores): eu apoio os Estúdios

Assim como os lockdowns no início de 2020, essa é uma daquelas histórias irritantes que parecem deixar todo mundo em cima do muro, sem querer opinar, criticar. Até agora só ouvi 2 tipos de opiniões: aqueles que estão apoiando os roteiristas e atores (que são a maioria) e aqueles que acham a situação "complexa"; que algumas das exigências dos sindicatos até podem ser questionadas, mas que a greve como um todo tem seus méritos. Bem, queria lançar aqui um 3º tipo de posicionamento: eu torço 100% para os estúdios e pela extinção do SAG e do WGA. Não por eu achar que os filmes que os estúdios têm produzido são ótimos, que os cachês que eles pagam são maravilhosos, ou porque adoro o que o streaming tem feito com o cinema — mas porque tenho o mínimo de consciência e de respeito pela liberdade e autonomia dos outros pra saber que eu não tenho o direito (assim como os artistas não têm o direito) de forçar uma empresa a não ser medíocre se é isso que ela quer ser, nem de obrigar (usando força estatal) uma indústria inteira a nunca ser impactada por inovações tecnológicas, e me pagar os cachês que eu unilateralmente acho que eu mereço, independentemente do meu valor de mercado e das mudanças que ocorrem em qualquer ramo ao longo dos anos.

Até pensei em gravar um vídeo e discutir o conflito mais a fundo, mas depois que vi este bate papo no YouTube com a Danielle Sanchez-Witzel e o David A. Goodman, ex-presidente do Writers Guild of America (ambos fazem parte do comitê de negociação do WGA), eu fiquei tão horrorizado com a ignorância e com a índole das pessoas que perdi a motivação (imaginem só: as pessoas que escreveram os filmes e séries que vocês têm acompanhado na última década estão se provando pouco inteligentes e politicamente corruptas na vida pessoal também! Quem teria imaginado?!).

O senso de "entitlement" e a crença de que qualquer coisa aprovada pelo governo é automaticamente moral criam um escudo mental que torna quase inútil debater esse assunto com a maioria das pessoas. Mas deixo aqui meu desabafo.

10 comentários:

Anônimo disse...

Então eu sou a favor de uma 4ª perspectiva: q os estudios implodam por dentro. Que toda Hollywood, os streamings e toda estrutura organizacional atual vão à falência e das cinzas renascam somente os mais talentosos que irão reconstruir Hollywood com o que sobrou. Que toda essa onda de superheróis perca dinheiro, que essas séries de Star Wars afastem o público e o investimento. Que os roteiristas em greve sejam tão estúpidos que também sejam incapazes de usar o talento dos grandes do passado com a corrupção ideologica deles e isso dê espaço para novos roteiristas melhores e com intenções mais puras.

Caio Amaral disse...

Desejar uma renascença artística em Hollywood eu também desejo.. é o que falo aqui incessantemente há 15 anos. A discussão nesse post é sobre política e métodos corretos/incorretos de se buscar um resultado.

yan disse...

boa noite Caio, recentemente tive uma experiência bem traumatizante com o cinema porque um professor meu decidiu passar 'A Montanha Sagrada' do Jodorowski pra minha sala assistir. Tanto eu quanto quase todos os alunos odiaram o filme e tinham momentos que assistir parecia uma tortura, inclusive tiveram alguns alunos que saíram no meio do filme (os que eu conhecia eram da igreja, acho que acharam pesado demais). Vi que você tem uma lista que põe esse filme como filmes cults que você gosta, ai queria entender os motivos, vai que as vezes acabo tendo uma outra perspectiva quanto a ele né

Caio Amaral disse...

Oi Yan! Na lista dos cult, incluí coisas que começam a flertar com a categoria "tão ruins que são bons".. ou seja, filmes que podem render experiências divertidas, mas não necessariamente pelos motivos pretendidos pelo cineasta.. e também filmes que de tão excêntricos ou chocantes também se tornam memoráveis (não sou contra o conceito de "shock value" em certos tipos de filme).

Então minha "recomendação" não é porque admiro seriamente o Jodorowsky, a mensagem que ele quis passar com o filme (se é que há alguma).. é quase como indicar The Room (exceto que A Montanha Sagrada tem alguns méritos reais em termos de direção de arte, execução, etc.). Tenho certo respeito pela capacidade de alguém investir tanta criatividade e ambição num projeto tão surreal.. Mas de qualquer forma, minha atitude ao indicar um filme assim está mais pra: "vejam o quão espetacularmente sem-noção/louco pode ser um artista". Então é uma lógica meio invertida, como a da comédia..

Mas claro que pra achar graça de um filme assim, é preciso primeiro não ter apego nenhum à religião - acho que uma pessoa cristã realmente não vai achar graça. E é preciso também entender o contexto da contra-cultura, do movimento hippie.. e não levar a sério esse tipo de cinema. Eu achei engraçado o filme justamente porque NÃO levo esse tipo de cinema experimental/interpretativo a sério.. Se um professor colocasse A Montanha Sagrada pra estimular uma discussão séria sobre arte, religião etc, eu provavelmente reviraria os olhos.

Anônimo disse...

O q vc acha de Manos: The Hands of Fate (1966)? Será que cai na categoria tão ruim que vira cult?

Caio Amaral disse...

Esses filmes totalmente mal feitos em todos os níveis, tipo "Manos" ou filmes do Ed Wood, normalmente não me divertem tanto.. Inaptidão total eu acho sempre meio deprimente de ver, e tende a gerar sessões meio tediosas, pois aquela "estrutura universal do entretenimento" que eu coloquei no post dos Diagramas Complementares vale até pra esses casos.. Os Set Pieces, o senso de Ascensão, são importantes pra se criar um espetáculo de qualquer tipo, até um de mau gosto. Então raramente um cineasta 100% inepto vai conseguir fazer isso.. Eu costumo me divertir mais com filmes que têm um bom senso de narrativa, que dominam a linguagem em grande parte, e que a falta de noção se limita a coisas que não derrubam esses alicerces.. tipo aquela ideia do "Never go full retard". Filmes como "Manos" talvez fiquem mais divertidos numa sessão com comentários, tipo Mystery Science Theater 3000.. só que daí muito da graça viria das observações e da personalidade do comentarista, não do filme (tipo naquele quadro da MTV dos Piores Clipes do Mundo). Aí não vale.. Já um filme como "Beyond the Valley of the Dolls" me diverte por conta própria e me dá vontade até de rever pois ele é bem estruturado, entrega as "fatias de bolo", ainda que te deixe na dúvida se elas foram intencionais.

Anônimo disse...

Por conta do comentário sobre Ed Wood, resolvi assistir "A Noiva do Monstro" no Youtube. O filme é muito involuntariamente cômico, com seus cenários ridiculamente malfeitos, erros de atuação e "defeitos" especiais, como as "lutas" com o polvo e a absurda explosão atômica assistida tranquilamente pelos heróis, na cena final. É deprimente quando se pensa que foi feito a sério, e não no nível, digamos, de um esquete dos Trapalhões.
Pedro.

Caio Amaral disse...

Oi Pedro, esse eu nunca assisti! Demorei muito tempo pra ver Plano 9.. depois ainda cheguei a ver o Glen ou Glenda? (esse lembro de ter achado mais divertido).. mas não sou um grande explorador de Filmes B.

Se pra mim um filme está inocentemente tentando criar um entretenimento nos moldes idealistas (histórias de ficção científica, thrillers etc.) e eu tenho simpatia pela intenção básica do cineasta, então se ele revelar não ter talento algum, embora isso possa gerar um efeito cômico, pra mim acaba sendo uma "diversão" meio agridoce..

Algo como Sharknado me diverte porque os defeitos são tão grotescos e constantes que não dá pra acreditar que havia alguém ali inocente, tentando fazer algo respeitável..

Um filme como Orca - A Baleia Assassina (que pelo menos eu acho comicamente ruim) seria um caso diferente: o filme é ruim não no aspecto dele querer fazer um thriller empolgante tipo Jaws, e sim no sentido dele querer de dar um ar denso e "filosófico" (pseudo-intelectual) pra história.. então nesse caso, eu NÃO simpatizo pela intenção do filme, e portanto, o fracasso desta má intenção me diverte sem o toque amargo..

Agora se não há nada de condenável na intenção do filme, e a única "graça" é a inaptidão do cineasta.. isso me soa quase como rir de uma pessoa deficiente, alguém se humilhando em público sem querer.

Talvez um Robert Rodriguez ou pessoas que parecem fanáticas por Filmes B se divirtam com isso justamente porque elas não têm um grande respeito por Hollywood, pela intenção desses filmes.. por isso elas não se sentem frustradas ao ver filmes fracassando na tentativa de gerar esse tipo de escapismo.. como eles encaram o entretenimento hollywoodiano com um olhar cínico, o fracasso de um filme nessa intenção gera apenas riso, sem nenhum desconforto. Abs!

yan disse...

Opa boa tarde Caio (vindo te responder com semanas de atraso hehe). Sobre a montanha sagrada eu realmente achei o filme criativo e super diferente de tudo que eu já tinha assistido, mas o que ne fez não gostar da experiência foi justamente a tentativa de chocar o público com várias imagens grotescas durante o filme todo. Meu professor até nos disse pra não levar o filme tão a sério, meio que ter apenas uma experiência mais sensorial do que lógica enquanto assistíamos. Eu não sou muito fã de surrealismo, até hoje não consegui gostar de Buñuel, Maya Deren, Kenneth Anger e outros por esse motivo, acho que esse tipo de cinema não funciona pra mim mesmo rsrs

Caio Amaral disse...

O tipo de choque/violência que incomoda cada um é uma questão meio pessoal né.. pra mim depende muito da intenção do filme. A Jeanne Dielmann se lavando numa banheira eu acho uma cena horrível de assistir.. embora não mostre nada de explícito ou extremo. Já essas loucuras teatrais do A Montanha Sagrada não me perturbaram quando vi.

A questão do surrealismo seria um outro tipo de incômodo né.. Em geral tb não gosto, salvo algumas exceções. abs!