Numa entrevista à Variety sobre sua nova minissérie pra HBO Max Full Circle, Steven Soderbergh deixou explícito o processo da "Invasão Anti-Idealista" que costumo descrever aqui, mas que normalmente é apenas uma dedução que faço baseado nos produtos finais, não algo confessado pelos criadores.
Primeiro, Soderbergh revela não ter uma definição clara do que é capitalismo. Depois, mostra que não tem problemas com a hipocrisia de depender do sistema capitalista para poder atacá-lo (expondo também a falta de princípios dos estúdios), e no fim, explica como ele usa o entretenimento como isca pra atrair o público e facilitar a transmissão de suas mensagens — num show de contradições e de imprecisão intelectual que infelizmente reflete o raciocínio padrão das pessoas hoje.
Destaques:
Variety - O que acontece com o capitalismo onde essas grandes fortunas têm uma fachada civilizada, mas há algo sujo e corrupto por trás delas?
Soderbergh - Essas questões de poder, status, e o sentimento de que a vida é um jogo de soma-zero existem desde antes da invenção do dinheiro e do comércio. O capitalismo é apenas um sintoma de um problema maior: por que achamos que é necessário criar sofrimento e destruição para os outros para sobrevivermos?
Variety - Não há algo de deliciosamente irônico em criticar a riqueza usando os recursos de uma multinacional como a Warner Bros. Discovery?
Soderbergh - É esquisito, sem dúvida. O problema é que não há outra forma de fazer uma série nesta escala, a não ser recorrendo a esses grandes conglomerados. E eles assinam cheques felizes, desde que muitas pessoas queiram assistir.
Variety - Então pra conseguir financiamento, você usa o método Cavalo de Tróia, revestindo essas mensagens com elementos de gênero?
Soderbergh - Isto é bem consciente da minha parte. Gêneros são ótimos mecanismos de entrega. E eu gosto de entreter o público. Tentamos fazer algo que funcione num nível superficial, mas que se você quiser olhar além disso, há outras coisas infiltradas pra você se agarrar. Tentamos alcançar este equilíbrio entre uma narrativa puramente Americana, e essas outras coisas que queríamos abordar.
Ou seja, em vez de um equilíbrio entre arte e entretenimento, diversão e substância — uma meta que seria compreensível — o "equilíbrio" que ele busca aqui é entre Americanismo e Anti-Americanismo, entre Capitalismo e Anti-Capitalismo, entre Idealismo e Anti-Idealismo, o que no fim é a mesma coisa que buscar um equilíbrio entre a saúde de um organismo e a saúde do vírus tentando destruí-lo.
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