(Os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)
- A cena inicial no posto (com o cadáver) seria uma boa abertura se funcionasse como um microcosmo do filme — uma representação simbólica de um tema central que seria desenvolvido depois (a corrupção da polícia, das instituições). O problema é que o filme não tem um tema claro, tornando a cena meio solta, apenas um dos diversos episódios excêntricos que veremos ao longo da narrativa.
- É preciso diferenciar filmes bem dirigidos de direções com personalidade. São duas coisas distintas, e que nem sempre andam juntas. Aqui, a direção tem bastante personalidade, que se manifesta principalmente na atitude irônica e nos detalhes bizarros inseridos em todos os lugares (o morto no posto, a gata de duas cabeças, a perna decepada, as referências inusitadas à cultura pop americana, as cenas de sexo em público etc.). Mas isso, por si só, ainda não é uma boa direção.
- Não sei se o diretor tem um olhar que sem querer revela a feiura das coisas, ou se isso é proposital — se ele tem algum compromisso ideológico com a representação do feio na arte. Apesar de tanto O Agente Secreto quanto Ainda Estou Aqui serem filmes Naturalistas que se passam no período da ditadura militar, há um fascínio pelo grotesco e pela feiura em O Agente Secreto que reflete um Senso de Vida bem diferente. Se você desse uma câmera fotográfica a Kleber Mendonça e outra a Walter Salles, e pedisse que eles escolhessem qualquer lugar do mundo para fotografar, ambos provavelmente escolheriam uma realidade brasileira, situações de vulnerabilidade social, usariam luz natural, poucos efeitos... Mas enquanto Salles andaria por esse local buscando detalhes bonitos pra registrar, Kleber andaria pelo mesmo ambiente atento a tudo que é nojento — um animal atropelado na rua, um rosto desfigurado, uma camisinha descartada no mato — e é esse tipo de coisa que ele acharia digno de capturar e apresentar ao público.
- Meia hora de projeção e ainda não sabemos praticamente nada sobre o personagem — o que ele faz, o que busca etc. O filme parece mais um pretexto para retratar "brasilidades" (coxinha, carnaval de rua etc.) e recriar a atmosfera de um lugar/época que desperta nostalgia no cineasta (Kleber cresceu em Recife nos anos 70).
- Wagner Moura está bem. É uma performance sutil, sem aqueles momentos intensos e virtuosos que associamos a prêmios, mas o elenco, de modo geral, é bom.
- Existe uma trama em algum lugar aqui, mas por algum motivo o cineasta não quer que o espectador saiba direito do que ela se trata. Por volta dos 40 minutos, descobrimos que homens estão indo atrás do Marcelo (Wagner Moura) para matá-lo — mas pra ficarmos realmente envolvidos, precisaríamos entender os valores em jogo: o que o protagonista fez, se ele é inocente ou culpado, qual o contexto, quais os planos de cada lado etc. É o típico filme autoral pretensioso que acha que o espectador deve entrar na sala já conhecendo as referências do artista. Pense em alguém de fora do Brasil vendo este filme: a pessoa sequer vai entender o contexto da ditadura militar, o que tornará a perseguição ainda mais sem sentido.
- Como de costume, há uma demonização de todos aqueles que estão em cargos de poder ou em posições de “privilégio”: policiais, empresários e patrões viram sinônimos de assassinos, estupradores, escravagistas etc.
- Qual a relevância da história da perna? Do alfaiate judeu com as cicatrizes? Da sala de cinema? O filme às vezes parece uma coleção de sketches que o diretor foi acumulando ao longo do tempo e resolveu juntar em um único longa, sem grandes preocupações com coerência temática.
- Por volta de 1h40 entendemos aquilo que, em um filme narrativo normal, seria estabelecido nos primeiros 20 minutos — o que o protagonista fez e quem quer matá-lo. O grande vilão do filme é o cara que quer cortar verbas da universidade pública por questionar a qualidade dos projetos de pesquisa. Tá certo que ele está errado em mandar matar o Wagner Moura... Mas que eu acreditei mais nele do que no Wagner em relação às pesquisas da universidade, isso eu acreditei.
- Chamar o longa O Agente Secreto, sugerindo uma espécie de trama hitchcockiana, é apenas uma ironia do diretor — uma daquelas referências passivo-agressivas ao Idealismo que Anti-Idealistas adoram fazer, sem a menor intenção de segui-las.
- Já suspeitava desde o início que o personagem do Bobbi seria ridicularizado, morto ou ambos: por que um filme tão comprometido com a feiura escalaria um ator como Gabriel Leone?
- SPOILER: É coerente o protagonista ser assassinado e o filme nem mostrar isso — revelar só depois, numa matéria de jornal, como um fato corriqueiro. Se tudo culminasse numa perseguição grandiosa e empolgante, eu provavelmente teria gostado um pouco mais do filme. Mas isso teria sido menos consistente com a atitude niilista e anti-espectador do resto do longa.
- Anticlimáticos esses saltos para o presente, onde as garotas estão fazendo pesquisa na universidade. A estética não conversa com o resto do filme. (Mas quem está preocupado com coesão, harmonia?)
- No fim, o filme entra numa discussão aleatória sobre memória e o apagamento do passado que parece pertencer mais ao filme anterior do diretor (Retratos Fantasmas) do que a este.
O Agente Secreto / 2025 / Kleber Mendonça Filho

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