Um filme sádico, fruto dessa nova onda do cinemão americano pós Bin-Laden, fascinado pela crueldade, pela tortura, pelo medo. Veio na hora certa, pro público certo, e de certa forma lembra muito o nosso "Tropa de Elite", que foi um fenômeno cultural equivalente por aqui. Ambos celebram o terror, a decadência moral, o caos, e deixam o espectador refém na poltrona, com uma narrativa agressiva, muita violência e tanto barulho que não sobra muito espaço pra pensar.
O lado bom: Heath Ledger dá um show numa interpretação perturbadora, histórica. Algumas sequências de ação são memoráveis, como a do assalto a banco inicial.
O lado ruim: Infelizmente a gente não consegue desfrutar dessas sequências, pois Christopher Nolan não sabe o que fazer com a câmera. Sua 'técnica visual' se limita a alguns panoramas elegantes e movimentos de câmera suaves, que podem levar a platéia a pensar que o filme é "bem dirigido". Mas quem consegue entender o que está acontecendo, por exemplo, na cena de luta com os vários Batmans? Ou na cena do tiroteio no meio da rua, quando Coringa e sua equipe se disfarçam de policiais? Ou na perseguição de carros no tunel? Spielberg construiu uma perseguição de carro 5 vezes mais longa e complexa no novo Indiana Jones, com pessoas constantemente saltando de um carro pro outro, acrobacias com cipós e uma caveira de cristal que a cada hora caía nas mãos de uma pessoa diferente, e a gente sabe o tempo todo quem está em que lugar, e o que esta pessoa quer. O filme também sofre de um excesso de grandes acontecimentos... É tanta coisa que acontece que o filme parece ter 4 horas... Não há um senso de construção e de que as coisas estão caminhando para um clímax. Outros problemas incluem uma transformação nada convincente de Aaron Eckhart em vilão (a gente fica com a sensação de que perdeu um pedaço do filme), e uma completa falta de senso de humor. Quando Nolan tenta fazer uma cena cômica com 2 garotinhos num carro brincando de atirar, a cena é claramente tímida e falsa. Não funciona. Nolan só sabe ser sádico... Quando o Coringa brutalmente enfia um lápis no olho de um policial, aí sim tudo soa natural e o cinema vem abaixo.
Enfim. A sensação que eu tive é de que o filme está o tempo todo tentando provar algo. Que a missão dele não é presentear a platéia com grandes cenas, e sim provar o quanto é sofisticado, o quanto é esperto e profundo. O que acaba deixando a desejar... O próprio personagem do Coringa, que os autores devem achar digno de um Tennessee Williams, parece tolo em alguns momentos. Ele se auto-analisa, explica suas motivações, como alguém que age por vaidade e não por uma verdadeira loucura. E ele prega o caos, mas contraditoriamente age de forma sistemática, sendo o tempo todo malvado e cruel. Os grandes vilões do cinema, como Hannibal Lecter, eram assustadores pois eram realmente caóticos e insanos. Assim como na vida, o mais assustador não é alguém que age o tempo todo de má fé, mas sim alguém sensível, capaz de demonstrar afeto, e que a qualquer momento pode te apunhalar pelas costas.
The Dark Knight (EUA, 2008, Christopher Nolan)
NOTA: 6.5
Um comentário:
Achei super inteligente sua análise do filme... Vc é um excelente crítico, e entende muito de cinema. Se eu tivesse em seu lugar e com seu talento, me mudaria de vez para Los Angeles e nunca mais voltaria para o Brasil. Beijão...
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