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Há um drama humano interessante no centro de
Cisne Negro que impede o filme de ser completamente ridículo - em especial o conflito psicológico da bailarina, que precisa resolver sua sexualidade e auto-estima pra conseguir interpretar o cisne negro tão bem quanto o branco.
Há outros conflitos interessantes também, como a rivalidade entre as bailarinas e o relacionamento entre elas e o diretor - mas muita coisa aqui já é reciclada de filmes melhores, como
Os Sapatinhos Vermelhos ou
A Malvada (não ter visto certos filmes certamente vai dar a impressão deste ser mais original do que é de fato).
Enfim, há coisas boas no filme, mas a pretensão de Aronofsky eventualmente esmaga a história e o filme passa a ser mais sobre ele do que sobre o tema do filme em si. Mais sobre a representação do que sobre aquilo que está sendo representado.
O tormento da menina é mostrado de maneira estilizada: conforme ela vai se transformando em sua consciência, seu corpo vai mudando também, se transformando literalmente num cisne negro (sim, é tão ruim quanto soa - se fosse o contrário aposto que ninguém suportaria: a história de uma menina rebelde e perturbada, que vai aos poucos descobrindo sua pureza, seu lado inocente, educado, e no final se transforma num cisne branco!! Ou melhor, numa linda borboleta..!).
Pense no quão primária é essa idéia... O filme se acha genial e complexo, mas o tipo de metáfora usada aqui é tão óbvia e grosseira que qualquer pedestre de inteligência mediana entenderia de cara. Me lembra aquele tipo de associação "inteligente" que se vê nas capas da Veja:
Cisne Negro até poderia ter sido uma viagem ousada, "louca", num sentido David Lynch, mas Aronofsky é limitado, inseguro, e deixa óbvio desde o começo que tudo não passa de uma alucinação. Fica um surrealismo comportado, auto-consciente, "sensato", que avisa o público antes de fazer algo diferente.
Assim como a protagonista, Aronofsky é quadradinho demais pra levar a platéia numa jornada realmente criativa e ousada - e só assim uma história como essa poderia ter sido contada sem cair no ridículo. As cenas de terror não têm força, pois o filme desde o começo já tem clima de fantasia - não há o contraste essencial com o real, o familiar, o lúcido - quando reflexos começam a ganhar vida no espelho, nós só estamos indo de uma fantasia pra outra fantasia.
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Resumindo a história toda, a mensagem que sobra é a seguinte: não tente ser perfeito - você precisa "se entregar" para o lado negro pra atingir o seu verdadeiro potencial (ou seja, use drogas e faça sexo selvagem). Por trás do filme, existe uma vontade de limitar a vida a apenas 2 alternativas - o selvagem, auto-destrutivo, animal, vs. o inocente, porém reprimido e frígido (o filme não inclui uma 3ª bailarina na história disputando o papel - uma capaz de dançar tanto o cisne branco quanto o negro, mas por pura habilidade, não por ser uma enrustida ou uma vagabunda).
Natalie Portman deve ganhar o Oscar, mas não sei se é pra tanto não. Ela estudou 1 ano de ballet se preparando pro filme, e essa informação externa sensibiliza as pessoas na hora de votar. Mas o que vemos na tela não é nada de outro mundo - ela faz cara de ingênua o filme todo, e não chega a demonstrar a transformação do personagem (Naomi Watts interpretou um papel parecido em
Cidade dos Sonhos, mas de uma forma mais convincente e memorável).
Enfim, diverte por sair do comum, pela pretensão, mas não deve ser levado muito a sério.
Cisne Negro (Black Swan / EUA / 2010 / 108 min / Darren Aronofsky)
INDICAÇÃO: Quem gostou de
Ilha do Medo, Closer - Perto Demais, Requiem para um Sonho.
NOTA: 6.5
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2ª VEZ:
Revi o filme ontem com mais boa vontade e achei um pouco melhor que da primeira vez. Como drama, vai muito bem durante a maior parte do tempo - é envolvente, bem atuado, bem dirigido, coeso - só descamba mais pro final, quando Aronofsky começa a brincar de filme de terror.
Mas pude observar melhor o que foi que me incomodou:
Desde as primeiríssimas cenas já vemos sinais de alucinação, como no metrô, onde Nina enxerga uma outra garota parecida com ela (ao som de um efeito sonoro sinistro). Neste ponto, ainda nem foi anunciada a produção de O Lago dos Cisnes! As feridas nas costas dela também já aparecem logo nos primeiros minutos de filme, muito antes de qualquer conflito "Cisne Branco / Cisne Negro" começar a perturbá-la. Qual o sentido dessas alucinações então, se o drama ainda nem começou?
Isso é uma boa dica de que o interesse do filme não está de fato no conflito psicológico da personagem, não em fazer a platéia se importar por ela, acompanhando passo a passo o seu drama - e sim na maneira "estilosa" de representar isso visualmente (que também não chega a ser tão genial). Faltam dados e a transformação dela é muito mal contada. Como é que ela chega finalmente ao Cisne Negro? Quais foram as etapas dessa transformação psicológica? O que ela fez (ou sofreu) para mudar? Não vivenciamos isso direito. Vemos a pressão vinda do diretor... Ela começa a se "tocar"... Daí tem a cena que ela briga com a mãe e sai com a amiga pra usar drogas e beijar uns caras... Joga os ursinhos de pelúcia no lixo. E acho que só. Nós só vemos os resultados de sua transformação, mas não as causas. Se você desconsiderar as cenas de alucinação e pensar só no que de fato aconteceu à personagem ao longo do filme, verá que não foi nada de tão épico e fora do comum que merecesse uma ilustração tão pretensiosa.