Até que pra uma animação não-americana, o filme é tecnicamente muito bem feito. Como não li o livro O Pequeno Príncipe e conheço a história só de algumas peças infantis, fui curioso pra aprender mais sobre a obra, o que acabou sendo um pouco frustrante, porque o filme não é de fato uma adaptação do livro, mas uma história original onde, ao longo da narrativa, é contada a história do Pequeno Príncipe como se fosse em flashbacks. Mas é tudo meio resumido, apressado - o interesse parece ser mais o de apresentar as frases famosas do livro, as mensagens filosóficas, sem contar a história de uma maneira completa.
A parte original do filme - a história da garotinha que cria uma amizade com o senhor da casa ao lado - também não é das mais empolgantes. Pra quem leva uma vida tão terrivelmente chata como a da garota, passar algumas horas na casa de um velhinho excêntrico pode parecer uma boa diversão, mas pro espectador no cinema isso ainda não chega a ser um grande êxtase. Acaba que nem a história "real" do filme, e nem a história do Pequeno Príncipe são totalmente exploradas.
Na parte final, o filme ganha um tom de fantasia / aventura, pois a menina "entra" no mundo do Pequeno Príncipe, mas fica difícil de curtir todo esse trecho, que parece ser apenas uma alucinação na mente da menina ou do cineasta. Não é algo que está "realmente" acontecendo na história, o que tira toda a graça. O clímax do filme basicamente se passa num hospital, onde a menina vai visitar o vizinho que está à beira da morte: pra um filme que sugere tantas vezes que adultos são maus, que devemos preservar o otimismo e o espírito da infância, o filme se contradiz e acaba ele próprio sendo o adulto chato que já esqueceu do que é que as crianças gostam.
O filme também é repleto de críticas à vida moderna, e tem mensagens bem questionáveis. Apesar da produção com cara de americana (o diretor é o mesmo de Kung Fu Panda), o espírito aqui é bastante europeu e meu Alerta Vermelho ficou soando a sessão inteira.
(The Little Prince / França / 2015 / Mark Osborne)
FILMES PARECIDOS: Operação Big Hero / Festa no Céu / A Canção do Oceano / Os Boxtrolls / Coraline e o Mundo Secreto
NOTA: 4.5
4 comentários:
"O Pequeno Príncipe" tinha mesmo uma visão negativa do mundo adulto, compreensível no seu contexto, já que o livro foi escrito em plena Segunda Guerra Mundial, na qual o autor, Antoine de Saint-Exupery, combateu como piloto na força aérea francesa, e posteriormente, nas forças da França Livre. Ele morreu quando o avião que pilotava foi abatido pelos alemães.
Pedro.
Não sabia, Pedro..! Mas vc acha que a visão negativa é mesmo por causa da guerra? Pq outros artistas também viveram em tempos difíceis e nem por isso passaram a criar obras pessimistas, etc.. abs!
É que Saint-Exupéry enxergava um grande mal estar no mundo, e que estaria ligado, por assim, à perda de valores transcendentes, como se vê nesses trechos de textos publicados postumamente, no livro "Um sentido para a vida":
UM SENTIDO PARA A VIDA
Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944)
“É este o verdadeiro milagre da espécie humana: não existir dor nem paixão que não irradie e não assuma uma importância universal. Se um homem, em seu sótão, alimentar no peito um desejo bastante forte, ele poderá daí, incendiar o mundo.”
“ Será que não se entende que, algures, nós erramos nosso caminho? O cupinzeiro humano é hoje mais rico do que outrora, dispomos de mais bens e de ócios e, contudo, existe algo de essencial que nos falta, algo que nós mal sabemos definir. Sentimo-nos menos homens, perdemos, não sabemos como nem onde, misteriosos privilégios.”
“ Nós queremos ser libertados. Aquele que trabalha com a enxada quer descobrir um sentido no golpe da sua ferramenta. E o golpe da enxada do condenado a trabalhos forçados não é o mesmo do prospector, que engrandece quem o dá. O degredo não reside aí, onde se trabalha com a enxada. Não existe horror material. O degredo reside aí, onde se dão golpes de enxada que não têm sentido, que não ligam quem os dá à comunidade dos homens. Nós queremos evadir-nos do degredo. ”
“ Será que nossas divisões valiam os nossos ódios? Quem poderá pretender estar sempre absolutamente certo? O campo visual do homem é minúsculo. A linguagem é um instrumento imperfeito. Os problemas da vida rebentam com todas as fórmulas. ”
“Hoje me sinto profundamente triste, triste em profundidade. Estou triste pela minha geração, vazia de toda substância humana, geração que apenas tendo conhecido o botequim, as matemáticas e os automóveis Bugatti como forma de vida espiritual, se encontra hoje numa ação estritamente gregária que já não tem mais cor alguma. Odeio minha época com todas as forças. O homem está morrendo de sede. ”
"É preciso viver muito tempo para se tornar um homem. Entrelaça-se lentamente a rede das amizades e das ternuras. Aprende-se lentamente. A obra compõe-se devagar. É preciso viver muito tempo para que a pessoa se cumpra."
" Carta ao General X: Ah! General, só existe um problema, um único problema, em todo o mundo. Restituir aos homens uma significação espiritual, inquietações espirituais. Fazer chover sobre eles algo que se assemelhe a um canto gregoriano. Se eu tivesse fé, é mais do que certo, passada esta época de "job necessário e ingrato", eu não conseguiria suportar senão Solesmes*. Não é possível viver só de geladeiras, política, orçamentos e palavras cruzadas, não é mesmo? Não é possível viver-se sem poesia, sem cor e sem amor. Basta escutar um canto popular do século XV para podermos medir até onde chegamos.(...) Existe um problema, um único: redescobrir que existe uma vida do espírito ainda mais alta do que a vida da inteligência e que é essa a única que satisfaz ao homem. Para que servirá ganhar uma guerra? Se eu voltar desse " job necessário e ingrato", só haverá para mim um problema: que poderemos, que precisaremos dizer aos homens? É absolutamente necessário falar aos homens.
Mas para onde vão os Estados Unidos e para onde vamos nós, também, nesta época de funcionalismo universal? O homem robô, o homem térmita, o homem que oscila entre o trabalho forçado Bedeau e o jogo de cartas. O homem castrado de todo o seu poder criador, e que não sabe mais, lá no fundo do seu lugarejo, criar uma dança ou uma canção. O homem que alimentam de cultura confeccionada, de cultura padronizada, como se alimentam de feno os bois. É isso o homem de hoje."
(*Solesmes: Convento beneditino fundado na França em 1010).
Fragmentos do livro "Um sentido para a vida" - Antoine de Saint-Exupéry - Ed. Nova Fronteira - 1983 Tradução de Maria Helena Trigueiros
Dá pra ver mesmo o pessimismo.. parecia um cara infeliz, frustrado, e que jogava a culpa na razão humana, na cultura ocidental, etc.. não sei se eu teria paciência pra ler tudo, mas valeu a dica. Abs.
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