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Um dos leitores do blog me pediu pra assistir e comentar esse filme, então aí vai! (contém SPOILERS).
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Filme de 2003 (escrito, dirigido, produzido e estrelado por Tommy Wiseau) que ganhou status de cult por ser considerado um dos piores de todos os tempos. O drama de baixo orçamento se passa quase todo em uma casa e conta a história Johnny (Tommy Wiseau), que é traído por sua noiva e seu melhor amigo - Lisa e Mark - que começam a ter um caso pelas costas dele. É um dos filmes mais geniais (não-intencionalmente) que eu vi nos últimos tempos.
A produção realmente é uma das coisas mais estranhas já feitas num nível profissional (muitos pornôs são melhores em termos de interpretação, diálogos, direção de arte, fotografia).
Se o filme fosse pretensioso e tivesse tentando se passar por uma superprodução, ou se Wiseau tivesse tentando usar
The Room pra se lançar como astro de Hollywood, realmente a ruindade imbatível da produção tornaria o filme patético e digno de riso. Mas a natureza do filme acaba tornando a inadequação de Wiseau (como cineasta, roteirista e ator) algo fascinante e que comunica o tema de rejeição da história de uma maneira extremamente dramática.
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Sobre o que é a história no fundo? É sobre um cara que, apesar de ter um bom coração, ser bem sucedido no trabalho e querido por alguns amigos, acaba sendo rejeitado pelas pessoas que mais ama por causa de sua aparência estranha e inadequação social. Lisa e Mark são atraentes, simpáticos, e representam o mundo das pessoas ajustadas e normais que ele tanto admira e no qual tenta se inserir. E a história basicamente é sobre Johnny sendo expulso desse mundo - sendo traído por sua noiva e melhor amigo, e tendo que encarar a sua realidade (o que o leva ao suicídio).
Obviamente é um filme autobiográfico e Johnny é o próprio Wiseau, que certamente sofreu muito na vida por ser como ele é. O filme acaba tendo um tom de sessão de terapia - um artista se expondo da maneira mais íntima e vulnerável possível (achei até apropriada a cena do traseiro de Wiseau!).
Pela maneira dele atuar, de se vestir, e só de ver o filme surreal que ele fez, fica óbvio que Wiseau na vida real também é uma pessoa sem muita sensibilidade intrapessoal/interpessoal - alguém que não se enxerga objetivamente, que não tem noção de suas qualidades, talentos, limitações e da impressão que causa nos outros - algo que certamente deve ter gerado bastante sofrimento em sua vida e uma série de rejeições dolorosas.
O triste de tudo isso é que Wiseau provavelmente fez o filme pensando que estava dando a volta por cima, se vingando dessas pessoas que o magoaram na vida real, ao realizar uma grande obra-prima onde ele é o mocinho que expõe a crueldade e insensibilidade dos vilões. O resultado foi que, em vez dessa volta por cima, o filme só serviu pra confirmar de uma vez por todas a bizarrice de Wiseau, o tornando uma pessoa ridícula não apenas para os seus conhecidos, mas para o mundo inteiro. Ao lançar
The Room, Wiseau iria viver em sua carreira artística a mesma experiência de rejeição que viveu em sua vida pessoal - ele é rejeitado pelo público assim como Johnny foi rejeitado por Lisa e Mark, tendo que lidar agora com a realidade de que ele é um "weirdo". Me surpreende que Wiseau, após o lançamento de
The Room, não tenha tido o mesmo destino de Johnny no filme.
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Me identifiquei muito com o filme pois eu desde criança vivi esse drama de Wiseau - sempre me sentindo um alien, alguém que não se enquadra em nenhum grupo, mas tentando conviver harmoniosamente num mundo de pessoas normais. Na verdade meu conflito era diferente, pois apesar de eu me sentir por dentro um "Johnny", externamente eu sempre pude me passar por um "Mark". Então eu tenho dentro de mim 2 identidades incompatíveis que vivem brigando entre si - uma tentando dominar a outra sem sucesso. E socialmente não funciona: quando eu assumo o Johnny, eu sou abandonado pelos "Marks" do mundo, que sentem que eu não sou como eles, mas também sou rejeitado pelos "Johnnys" por não ser um Johnny autêntico o bastante. E quando eu assumo o Mark, eu sou abandonado pelos "Johnnys", que sentem que eu não sou como eles, mas também sou rejeitado pelos "Marks" por não ser um Mark autêntico o bastante. E tudo isso parece gerar certa suspeita e intriga ao meu respeito. Já cheguei a uma solução pro problema? Não. Enquanto isso, vou produzindo meus "
The Rooms" pessoais e tentando não me chocar demais com a reação dos outros, rs.
The Room / EUA / 2003 / Tommy Wiseau
FILMES PARECIDOS: Mamãezinha Querida / The Apple / Orca: A Baleia Assassina
NOTA: 7.5