quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Até o Último Homem

NOTAS DA SESSÃO:

- A produção é de qualidade e a história começa bem contada (a infância do protagonista, o que o fez se tornar não-violento, depois a apresentação dos soldados no exército, cada um com uma característica marcante, etc). Andrew Garfield tem uma aura inocente que o torna perfeito pra esse tipo de papel.

- O conflito dele querer ir pra guerra mas se recusar a tocar em armas é interessante, gera uma série de obstáculos, embora não faça muito sentido (é fácil entender por que ele acha errado agredir outra pessoa, mas ele não sabe explicar qual o problema na auto-defesa). De qualquer forma, simpatizo pela ideia de que cada um deveria ser livre pra escolher o que quer fazer, e dá pra admirar o senso de integridade do herói.

- Não compartilho dos valores altruístas / cristãos do filme: a ideia de que heroísmo é se sacrificar pelos outros, de que orgulho é pecado, etc - o que tira boa parte do interesse e do impacto da história (pra mim pelo menos). Ainda assim queremos saber se ele irá sobreviver, por que situações irá passar na guerra, etc.

- A primeira batalha é uma sequência bem intensa, embora o apelo pra violência seja de mau gosto.

- O filme funciona um pouco na base da culpa que deseja provocar na plateia, como se dissesse através da história: "Vejam só como o herói arrisca sua própria vida, como ele é muito mais 'corajoso' e altruísta do que vocês jamais serão - isto sim é um ser humano respeitável!". Ele prega valores incompatíveis com a vida e com a natureza humana (algo típico das religiões).

- É bonita a cena dele tentando salvar o Smitty (que era o bully no início). Só acho que isso devia ter sido guardado mais pro final, pois não há uma outra relação / rivalidade à altura na história pra gerar um clímax maior depois.

- Parece que falta mais 1 ato na história. A primeira metade foram eles se preparando pra guerra... E a segunda metade toda é basicamente 1 longa sequência de ação. Em termos de drama a história não ganha uma dimensão mais profunda, um conflito inesperado. O personagem não passa por nenhum arco. Desde o começo ele disse que não tocaria em armas, e que iria pra guerra pra ajudar os feridos - e o que vemos é exatamente isso! Apenas uma confirmação do que já esperávamos. Ele não passa por nenhuma transformação, nenhuma tentação, nenhum obstáculo além do previsto. Se ele fosse um cara fechado e egoísta, e que ao longo da guerra se transformasse nesse santo benevolente, daí haveria um arco mais satisfatório (ou então se ele fosse um covarde que tivesse que superar seus medos pra salvar os amigos, etc).

- 1 cena chave que faltou no filme é um momento onde ele teria que escolher entre usar uma arma pra se salvar / salvar um amigo, ou então ser pego pelo inimigo.

- SPOILER: É um pouco repetitiva a sequência final. No dia seguinte eles voltam de novo pra mesma batalha e apenas acontece mais do mesmo. Um grande videoclipe glamourizando a guerra e a violência. A única coisa nova que acontece com o protagonista é que dessa vez ele é gravemente ferido. O filme trata o ferimento dele como se fosse o clímax - a última coisa que faltava acontecer na história pra provar que o Doss é de fato um herói. Pelo visto até então ele não tinha se sacrificado o bastante pela ética do filme, mas agora sim ele se provou digno e o filme pode acabar (!). No fim da batalha quando ele está sendo abaixado pela corda no despenhadeiro, Gibson fotografa a maca contra o céu, dando mais a impressão de que ele está sendo içado por Deus para o paraíso.

- Acho estranhos os depoimentos no final. Aparecer uma foto ou outra do personagem real é meio que uma convenção do gênero, ainda dá pra aceitar. Mas aqui é praticamente um extra de DVD enfiado antes dos créditos.

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CONCLUSÃO: Energético e bem realizado, mas o terceiro ato é um pouco insatisfatório e os valores cristãos tornam tudo meio enfadonho.

Hacksaw Ridge / Austrália, EUA / 2016 / Mel Gibson

FILMES PARECIDOS: Sniper Americano (2014) / Corações de Ferro (2014) / O Grande Herói (2013) / Cavalo de Guerra (2011) / O Resgate do Soldado Ryan (1998)

NOTA: 7.0

2 comentários:

Marcus Aurelius disse...

Tendo em vista "A Paixão de Cristo" e "Apocalipto" eu não consigo me decidir se o Mel Gibson é um cristão radical ou apenas um sádico. Lembro-me de uma entrevista na época do "Apocalipto" que questionaram o grau de violência do filme, ele respondeu que só faz filmes que ele teria prazer em assistir. Algum tempo depois o escândalo de violência doméstica.

Os cristãos mais ortodoxos, os que se opõe ao judaico-cristianismo diferentemente dos cristãos reformistas e protestantes, têm por conjunto de leis e dogmas um incentivo de violência, auto flagelo e sacrifício físico (os reformistas acreditam mais na submissão da mente). Como na época de "A Paixão de Cristo" Mel foi acusado de antissemitismo, eu fico em dúvida sobre suas reais intenções nos filmes.

Caio Amaral disse...

É... o Mel Gibson sabe fazer um filme de impacto, mas certamente há algo de suspeito em seus valores... não gostei de Apocalypto e menos ainda de A Paixão de Cristo... com esse filme agora ele volta a ter certa estatura, apesar desses detalhes...