terça-feira, 15 de junho de 2021

Juntos Novamente

Curta-metragem da Disney que foi exibido junto com Raya e o Último Dragão nos cinemas. Visualmente é um trabalho incrível, mas pra mim é um daqueles "anti-musicais" estilo La La Land que fazem referências a musicais clássicos apenas pra manchar o gênero com o espírito tedioso dos tempos atuais. Além da visão negativa da velhice (a ideia de que pessoas mais velhas são sempre inativas, sem propósito, e suas únicas alegrias só podem vir de lembranças do passado) o que mais me incomodou no filme foi sua atitude em relação à felicidade (simbolizada pela dança e pela música). Nos bons clássicos do gênero, um número musical surge normalmente como consequência de alguma conquista, alguma emoção que, de tão intensa, não pode ser contida dentro dos personagens, e por isso precisa ser manifestada musicalmente. Por exemplo: em Cantando na Chuva, a cena famosa de Gene Kelly na chuva ocorre logo após ele e seus parceiros terem uma ideia brilhante para um filme que estão gravando — uma solução criativa que poderá salvá-los de um grande fracasso. Nesse momento, o futuro é promissor para o protagonista: seu sucesso profissional parece certo, ele encontrou um novo amor, e é com base nesse entusiasmo que Gene começa a cantar e a dançar. Essa abordagem reflete a noção de que a felicidade é uma consequência da conquista de valores importantes no mundo real, e reforça a ideia de que nossos objetivos podem ser atingidos, que dificuldades podem ser superadas com atitudes inteligentes, etc. Contraste isso com o que acontece em Juntos Novamente... Aqui, o protagonista é um senhor rabugento, infeliz (sem um motivo claro) e que não tem nenhum motivo específico para se alegrar também. Ele apenas "decide" ser feliz de um minuto para o outro, pois percebe que sua infelicidade deixa sua esposa mal. Ou seja, "felicidade" é apenas um pequeno teatro que ele está disposto a criar por consideração a ela, o que não convence o público, e acaba transmitindo a ideia de que felicidade é uma ilusão. Ele também recebe a ajuda de uma chuva mágica que faz com que ele seja jovem de novo, reforçando a noção de que idade é sinônimo de tristeza. Esse artifício cria também uma associação estranha entre chuva (um símbolo de mau tempo) a alegria. Em Cantando na Chuva, Gene Kelly dança apesar da chuva... É como se ele estivesse tão feliz que nem a chuva conseguisse estragar seu entusiasmo. Aqui, já há a sugestão de que a felicidade é estimulada pela chuva e até depende da chuva em partes (não entendi exatamente a mensagem por trás disso, mas é o tipo de inconsistência que não me surpreende no cinema atual). SPOILER: No fim, a chuva vai embora, e o personagem percebe que não poderá sustentar aquele nível elevado de felicidade o tempo todo — afinal, ele não é mais jovem. O filme termina com eles num estado mais moderado de contentamento que, na visão dos autores, parece ser o máximo que o entretenimento tem o direito de inspirar no público. Fica aí mais uma ilustração para o fenômeno do Idealismo Corrompido.

Us Again / 2021 / Zach Parrish

2 comentários:

Anônimo disse...

No Ceará, é tradição chamar os dias de chuva de "tempo bonito".
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/regiao/tempo-bonito-pra-chover-faz-a-alegria-do-povo-cearense-1.1485772
Quanto ao curta, a mensagem, a julgar pelo que se vê no youtube, talvez seja que a juventude é uma "chuva passageira", algo assim.
De resto, concordo com a análise. Os realizadores atuais da Disney parecem não entender simbolismos, e não sabem transmití-los direito.
Pedro.

Caio Amaral disse...

O filme se passa em NY, não num lugar desértico.. contexto é fundamental.. existem culturas que celebram os mortos também.. não quer dizer que você possa usar a morte como símbolo de celebração em qualquer filme e esperar que isso faça sentido sem introduzir o contexto.