terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

A Baleia


The Whale / 2022 / Darren Aronofsky

Satisfação: 5

Categoria: NI / IC

Filmes Parecidos: Réquiem para um Sonho (2000) / O Lutador (2008) / Eu, Christiane F., 13 Anos, Drogada e Prostituída (1981) / O Homem Elefante (1980)

11 comentários:

Leonardo disse...

Olá, Caio.

Fantástica a análise da gangorra. Concordo com tudo e vejo isto na prática clínica. Tanto que transformei no tema do meu projeto de mestrado em filosofia. A única coisa que ainda não havia pensado é o ciclo trocar de extremos em velocidade exponencial. E faz todo sentido.

Eu tenho uma paciente na casa dos 30-40 anos que a vida toda foi controlada pela religião da família e não percebia (ela mesma não era religiosa). Trabalhei esta autodescoberta com ela. Seis meses depois já colocou vários piercings, tatuagens e começou a assistir Harry Potter. Apesar de ser casada, "confessou" à mim o seu desejo pecaminoso de sair com vários homens no carnaval. Essa mudança foi tão rápida e tão radical que a família passou a rejeitá-la e ela não se deu conta das consequências. Agora tenho que ficar de olho para a mudança altruísta dela quando chegar a culpa.

Por fim, quero reforçar novamente que as suas críticas são as melhores que já vi. A análise filosófica do desenvolvimento do personagem é única. Nunca vi outro profissional com a sua capacidade de analisar e expressar tão profunda e simplesmente. É diferente daquele tipo de crítica padrão, clichê, checkbox. Ao final do vídeo, em vez de pensar sobre o filme, reflito sobre seus argumentos e como alguém é capaz de chegar a tais conclusões.

Caio Amaral disse...

Valeu Leonardo, que bom que curtiu e que essas discussões contribuem até pra coisas que vão além do filme..! Curioso vc falar que a paciente, após questionar a religião da família, começou a assistir Harry Potter - imagino que ela não seja de uma família católica ou algo próximo, pois normalmente Harry Potter dialoga muito bem com católicos né!

E obrigado pelo "profissional", como nunca ganhei pra escrever, ainda acho difícil me ver como profissional da área, mas é legal ser considerado um — talvez seja um objetivo inconsciente desde que escolhi o nome do blog, hehe. Abs!

Leonardo disse...

Pelo contrário, a família é toda católica. Mas desconhecia esta aproximação entre HP e o catolicismo. Fiquei curioso. Fale mais sobre este diálogo.

Talvez por eu usar como expressão regional a palavra "profissional", não me refiro à relação de serviço por troca de valor. Mas à uma pessoa que é excelente no que faz, podendo ser, ou não, sua profissão - "pode confiar naquele homem, ele é muito profissional". Enquanto que há muitos que trabalham na área mas não são "profissionais".

Caio Amaral disse...

Não sei se catolicismo especificamente.. A associação seria mais ou menos a mesma que já fizemos no caso do Senhor dos Anéis.. ou de filmes de super-heróis, Velozes e Furiosos.. muito do entretenimento mainstream das últimas décadas traz um combo de valores e temas que são "christian-friendly".. como sacrifício/altruísmo.. fé, misticismo (fantasia não ligada a ciência) etc. Então ainda não me parece tão transgressor.. Achei que a menina não podia ver Harry Potter por ser de uma daquelas religiões mais ortodoxas que proibem tudo.. Quando penso em católicos, tenho uma impressão de algo mais "light". Mas talvez dependa de cada família né.

Ah sim, profissional pode ser tanto substantivo quanto adjetivo né.. nesse caso, ter o adjetivo realmente é uma honra maior hehe 🙌🙏

Leonardo disse...

Olá, Caio.

Recém vi o filme e revi sua crítica agora. Gostaria de comentar algo breve. A religião dos personagens do filme são as Testemunhas de Jeová. Há conceitos específicos só deles (144 mil, culto do apocalipse, os panfletos, os suicídios, etc.). Não conheço uma ex-testemunha que cuja vida não tenha se tornado uma versão do personagem do Brendan Fraser, seja em corpo ou em espírito. Longe de ser um comentário sobre a qualidade do filme, mas que entendo o sofrimento e o passo a passo da autodestruição.

Por exemplo, um jovem de 17 anos que foi expulso de casa e da família por ser gay. Tendo sido proibido à ele socializar, trabalhar ou acumular riquezas, foi morar na rua. O jornal que o entrevistou relatou o mesmo processo do Fraser, mas em vez de ser comida eram drogas. A família o tratava como um morto, ou alguém que nunca havia existido. O jornal disse que a família nada sabia que ele estava prestes a morrer - e se soubesse, pouco se importava. Em uma segunda tentativa de contato do jornal com o jovem, ele já havia morrido como indigente.

Caio Amaral disse...

Interessante Leonardo.. aparece algum desses elementos específicos das Testemunhas de Jeová no filme que confirmam a religião? Ou seria mais uma inspiração? De qq forma, acho super crível mesmo a maneira como religião, prazer, culpa e autodestruição se interligam na história.. Minha queixa é mais que o filme não condena o bastante esses valores da religião.. O espectador não sai da sala com a mensagem clara de que todo o conflito do personagem e a autodestruição só existiram por causa da religião.. Parte da culpa parece ser jogada também em cima do "egoísmo" do personagem. Um posicionamento meio em cima do muro: "tá bem, a religião dele tinha seus problemas, mas o que ele fez também foi extremamente egoísta e cruel".

Leonardo disse...

Então, tu comentou no vídeo que não tinha certeza de qual era a religião no filme, visto que não eram mais os mórmons como na peça, e tenho quase certeza de que são as Testemunhas.

Mas me parece mais para uma inspiração mesmo, agora que tu sugeriu. Os cristãos geralmente acreditam em um pós-vida mais platônico, céu, espíritos, almas, perdão. Para as Testemunhas, este planeta sofrerá um "great reset" apocalíptico e os sobreviventes passarão mil anos a recolher 8 bilhões de corpos e a limpar os escombros do mundo imperfeito. Somente 144 mil escolhidos, como dito no filme, irão para o céu. Além de outros detalhes específicos que sugerem alguma inspiração.

Leonardo disse...

Ah, de carona com o comentário. Gostaria de saber tua opinião, Caio, sobre Passagem para a Índia do Lean e O Violinista no Telhado.

Caio Amaral disse...

Não sabia dessa profecia dos 144 mil por isso talvez não tenha prestado atenção quando foi citado no filme, mas realmente é algo bem específico!

Quanto a Passagem para a Índia e Um Violinista no Telhado.. Eu tenho um problema que é o seguinte: raramente tenho vontade de rever filmes exceto aqueles que se tornaram meus favoritos.. Só que centenas de filmes importantes eu vi há mais de 20 anos, como é o caso desses dois. Então nem tenho dados/memória o bastante pra discutir o filme (exceto uma impressão geral em termos de entretenimento / sense of life, até porque na época eu não entendia nada de política, filosofia, etc.), mas também não sei se tenho vontade o bastante de rever a maioria deles só pra ter uma opinião melhor..

Passagem para a Índia, por ser do Lean, é um que vou colocar na minha lista de filmes pra rever.. Comecei uma lista semana passada, aliás, pensando nesse "problema". Na época lembro de ter gostado da fotografia, da trilha, aspectos técnicos.. mas nem tanto da personagem, do drama central.. talvez eu estivesse esperando um épico, algo um pouco mais romântico como os clássicos dele, e a história tinha algo de amargo e ambíguo.. aquela cena meio doida na caverna.. A Filha de Ryan, em termos de história e personagens, tb não é das mais atraentes.. mas a realização acho fantástica.. No Passagem, não lembro de ter tido um impacto tão grande nesse nível.

Já do Violinista eu tenho uma memória mais negativa.. A mistura do gênero musical com aquele ambiente "rústico".. me remete àquela passagem do capítulo "Philosophy and Sense of Life" onde a Rand contrasta 2 cenários opostos.. "a humble man, an old village, a foggy landscape, muddy colors, folk music". Nem sei se o filme é a favor ou contra a Rússia, judeus, etc, num nível explícito.. mas a energia é marxista. E vc, o que acha dos dois? Por que surgiu a curiosidade sobre esses filmes particularmente?

Leonardo disse...

Então, tive impressões bem parecidas com as suas sobre os dois filmes. Pensei que por serem clássicos, e pela minha opinião negativa, talvez eu precisasse rever com atenção, pedir uma segunda opinião, notar algo que não notei antes. Mas me parece que estou “calibrado” kkk.

Recentemente comprei uma televisão nova e reassisti todos os filmes do Lean em 4K. A chegada do Sherif Ali me deixou ainda mais boquiaberto. Como foi a primeira vez que assisto em alta definição, notei tantos detalhes que me escaparam antes – a poeira quando caminham, pessoas encima de montanhas, a distorção da luz no deserto. As emoções foram bem parecidas na maioria dos filmes do Lean. Mas o único que fiquei desinteressado em assistir até o final foi Passagem Para a Índia. Também esperava um épico mais épico e um romance mais romântico.

O Violinista no Telhado foi outro que assisti recentemente também. Quando vi a duração, e que tinha abertura e intervalo, fiquei empolgado por pensar que seria um grande épico. Quando vi que era musical, então, fiquei mais empolgado ainda (“quem sabe o primo perdido de A Noviça Rebelde?”). Porém, tudo no filme parece contraditório. Como se a produção implorasse por uma história larger than life e todos os personagens se negassem a oferecê-la. Quase como se o próprio filme fosse a manifestação do conflito familiar, em que as filhas do protagonista, que vão viver vidas mais interessantes, precisam “sair do filme”. Esta “energia marxista” também senti, com a vilazinha parada no tempo, com economia primitiva de escambo, conflitos coletivizados e todo o resto do planeta em progresso ao seu redor - em uma hipotética esquete do SNL, A Vila do Shyamalan teria sido uma paródia de O Violinista. E por fim, o protagonista como pivô desta mentalidade obtusa que transforma o filme em uma cela de prisão, mas toda decorada de flores e canto – tal como o progressismo moderno, que é comunismo enfeitado com as cores do arco-íris.

Caio Amaral disse...

Com clássicos existe esse perigo mesmo.. de você se questionar, tentar ver com bons olhos e dar um desconto por não entender exatamente o contexto da época.. até porque os filmes (mesmo os com temas ruins) costumavam ter muito mais qualidades de roteiro/direção comparados com os de hoje.. seguiam um certo padrão de qualidade do cinema clássico que é admirável, e permitia que a gente os confundisse com clássicos mais da linha Idealista. Mas com o tempo a gente vai ficando cada vez melhor em não se deixar confundir por esses fatores.. Ano passado fui rever Se Meu Apartamento Falasse (1960) e pude entender melhor por que eu tinha uma memória meio mista dele.. lembrava que tinha um roteiro brilhante, cenas e frases icônicas, atores que gosto, além de ser do Wilder.. superficialmente, parecia o tipo de filme que deveria estar no meu top 50/100.. mas eu ficava sempre na dúvida.. havia algo que não me encantava tanto nele.. e revendo pude perceber diversos temas na história que na época eu só captei subconscientemente.