segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Janeiro 2025 - outros filmes vistos

Não tive estímulo para escrever sobre a maioria dos filmes que vi entre dezembro e janeiro, mas vou deixar alguns comentários para quem sentiu falta das minhas dicas:

A Verdadeira Dor (A Real Pain / 2024 / Jesse Eisenberg) — Road movie divertido, sustentado pela dinâmica da dupla central (que levanta uma discussão interessante sobre diferenças de personalidade) e pela performance brilhante de Kieran Culkin. Apesar de ser uma produção simples, te dá a sensação de estar vendo um filme sólido, "normal" — algo reconfortante nos dias de hoje. Teria incluído entre os indicados a Melhor Filme.

Canina (Nightbitch / 2024 / Marielle Heller) — Assim como Tully (2019), parece um filme feito para esposas assistirem com seus maridos quando querem dar o recado que eles precisam colaborar mais com as tarefas domésticas. O retrato da maternidade é tão penoso que uma mensagem mais interessante seria: jamais tenha filhos se você enxerga isso apenas como um dever em nome de perpetuar a espécie! Amy Adams está bem, mas acho que o filme funcionaria melhor como um drama convencional. A metáfora da cadela soa deslocada, não só por não ter um sentido muito claro, mas porque a direção convencional não sustenta os elementos cult da produção.

Nickel Boys (2024 / RaMell Ross) — Dos indicados a Melhor Filme, este talvez seja o que mais exige paciência do público. É um filme Naturalista de black trauma, mas com uma direção mais experimental que de costume, que usa câmeras subjetivas para colocar o espectador na pele de jovens negros nos anos 60, fazendo a gente sofrer em primeira pessoa as injustiças sociais da época. A execução tem seus méritos, mas é daqueles filmes meditativos, sem trama, que se sustentam exclusivamente na mensagem social.

A Garota da Agulha (The Girl with the Needle / 2024 / Magnus von Horn) — Começa parecendo um "horror de opressão" no estilo de Parasita (2019), onde a desigualdade social é o monstro que vitimiza a protagonista. No entanto, algumas reviravoltas na trama levam o filme além da discussão social, e o aproximam do território dos thrillers. A fotografia bonita em preto e branco e a direção estilizada, com toques de David Lynch e Lars von Trier, ajudam a tornar os temas perturbadores mais palatáveis.

Wallace & Gromit: Avengança (Wallace & Gromit: Vengeance Most Fowl / 2024 /  Merlin Crossingham, Nick Park) — É o tipo de aventura semi-cômica que não te permite nem levar muito a sério o que está acontecendo, nem gargalhar com as situações. Ainda assim, é satisfatório ver algo feito com tanto zelo, atenção aos detalhes e rigor criativo.

Conclave (2024 / Edward Berger) — Melhor filme de 2024 que vi até agora (ficção). Acaba tendo um pouco cara de Oscar bait, mas não por apelar pra temas "premiáveis" batidos, e sim por ser tão bom em todos os quesitos da produção (roteiro, direção, elenco, trilha sonora, fotografia) que fica impossível não associá-lo à temporada de prêmios. Assisti ao filme já sabendo quem venceria a disputa no final (graças ao spoiler de um influenciador), mas, mesmo assim, a narrativa permaneceu estimulante e surpreendente.

Queer (2024 / Luca Guadagnino) — Foi um dos filmes que me motivaram a escrever o texto Estilo Acima de Conteúdo. Tudo me pareceu um pretexto para o diretor mergulhar no universo de roupas, cenários e estereótipos que compõem a história. Mas a beleza aqui permanece na superfície — a elegância visual contrasta com personagens decadentes e um retrato nada glamouroso do amor e da natureza humana. O terceiro ato é um dos mais anticlimáticos e esquisitos que já vi. Daniel Craig se entrega totalmente ao papel, mas no sentido de estar disposto a parecer meio tolo diante das câmeras — o que, para mim, não é mérito. O destaque fica mesmo para a direção de arte e alguns momentos da trilha sonora (a faixa Wouldn't You? tem uma qualidade onírica incrível que me lembrou de composições do Maurice Jarre).

Jurado Nº 2 (Juror #2 / 2024 / Clint Eastwood) — Achei o filme mais sólido do Clint Eastwood como diretor desde Sniper Americano (2014). A premissa e o conflito moral central sustentam a história — ou seja, é um dos raros filmes de hoje que são carregados pelo roteiro. O que não gostei tanto foi que, mais para o final, o filme começa a se preocupar mais em exaltar o sistema judicial americano do que em oferecer um clímax satisfatório, considerando o protagonista e as expectativas criadas no início. Apenas sob um prisma patriótico e uma ética de dever o desenvolvimento da trama é realmente satisfatório.

Lee (2023 / Ellen Kuras) — Filme biográfico decente, porém convencional. Acompanha, de maneira episódica, os momentos mais relevantes da carreira da fotógrafa Lee Miller, mas sem tentar costurá-los em uma narrativa empolgante (é o tipo de filme que coloca a função histórica acima do prazer da plateia). Kate Winslet está profissional, como sempre, mas continua lutando contra sua feminilidade, o que, pra mim, não a favorece como atriz.

Babygirl (2024 / Halina Reijn) — Lembram da cena em De Olhos Bem Fechados em que a Nicole Kidman narra seu flerte com outro homem, humilhando o Tom Cruise? É como se a diretora tivesse amado aquele momento e decidido fazer um filme inteiro sobre a experiência da personagem, pensando em maneiras ainda mais humilhantes de uma mulher desonrar seu casamento. Segue essa onda de cinema feminista que tem o sexo masculino como alvo. O confuso é que parte do empoderamento feminino aqui é expresso por meio da mulher se submetendo a humilhações — não porque o homem quer, mas porque ela quer. Imagine assistir a Ninfomaníaca, mas sem ter a autorização do filme para desprezar moralmente a protagonista.

Tudo que Imaginamos Como Luz (All We Imagine as Light / 2024 / Payal Kapadia)Naturalismo radical, daqueles sobre pessoas humildes vivendo pequenos conflitos em sociedades pobres, sem trama nem nada de muito memorável do ponto de vista técnico.

A Semente do Fruto Sagrado (The Seed of the Sacred Fig / 2024 / Mohammad Rasoulof) — Tem uma estética meio Naturalista que pode desencorajar no início, mas o filme logo se transforma em um suspense político altamente envolvente, que usa um conflito familiar pequeno para ilustrar, de forma inteligente e bem integrada, questões maiores que assombram o Irã atual. Um dos mais impactantes do ano.

Todo Tempo que Temos (We Live in Time / 2024 / John Crowley) — Junta dois dos gêneros que menos gosto em uma narrativa só: filme de doença e filme de grávida. Há uma certa ternura entre o casal que impede o filme de parecer apelativo, mas, em vez de inspirar, realçando a força dos personagens, a leveza deles diante da morte acaba tornando a situação ainda mais deprimente. Andrew Garfield e Florence Pugh estão bem, mas a história é pura romantização do sofrimento.

Maria Callas (Maria / 2024 / Pablo Larraín) — Não gostei muito de Jackie, nem de Spencer, e Maria Callas é mais um filme de Larraín que parece uma meditação visual sobre uma diva bem vestida, em vez de uma biografia real. Se tivesse uma estrutura mais convencional, seria do tipo de biografia episódica e previsível, que apenas nos expõe fatos sobre a personagem. Mas, ao selecionar um recorte tão pequeno e subjetivo da vida de Callas, o filme acaba não exercendo nem essa função histórica. Não acho que era um papel para Angelina Jolie também.

Lobisomem (Wolf Man / 2024 / Leigh Whannell) — Há alguns momentos brilhantes que me lembraram por que gostei tanto de O Homem Invisível e vi potencial em Leigh Whannell como diretor. Mas, infelizmente, o roteiro é daqueles estilo Shyamalan, que apesar de mais autêntico e ambicioso que a média, vai se tornando cada vez mais forçado e se perde em decisões frustrantes.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Cultura - Janeiro 2025

24/01 - Indicados ao Oscar 2025

Só pelas indicações, este já é um dos pontos baixos da história do Oscar. Nos últimos anos, a Academia parecia estar dando passos em uma direção mais positiva, mas as eleições, pelo visto, a colocaram de volta no modo de "resistência". Entre os principais indicados, não acho Emilia Pérez o pior (O Brutalista e Anora, pra mim, são mais problemáticos), mas o fato de Emilia Pérez ter recebido 13 indicações é um grande dedo do meio para aqueles que esperavam uma edição mais tradicional. Já não é novidade que o Oscar hoje é mais um prêmio voltado para o cinema Não-Idealista (e Anti-Idealista). O que o torna mais indigesto que os festivais europeus é a inconsistência — o fato dele ainda misturar filmes como Conclave ou Wicked no meio, como se quisesse camuflar suas reais intenções. (Imagine criar uma premiação de arte moderna e colocar o mictório de Duchamp competindo contra uma escultura de Michelangelo, para, no fim, dar o prêmio ao mictório. Se o mictório estivesse competindo apenas contra outras obras pós-modernas e ganhasse, seria perfeitamente coerente. Mas ao colocar um artista clássico no meio, você cria a ilusão de que o mictório o superou com base nos mesmos critérios, o que é simplesmente confuso.)

O Oscar nunca foi consistente em relação ao Idealismo, e filmes Naturalistas ou de arte sempre pipocaram entre os indicados. A grande diferença agora é a proporção bem maior de obras Não-Idealistas/Anti-Idealistas na disputa, além da queda na qualidade desses filmes. Uma coisa é o Oscar ser inconsistente com o Idealismo e abrir espaço para filmes como As Vinhas da Ira (1940), Os Melhores Anos de Nossas Vidas (1946), Marty (1955), Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1966), Laranja Mecânica (1971), Gritos e Sussurros (1972), Taxi Driver (1976). Mas custo a acreditar que a aclamação de filmes como Emilia Pérez seja apenas a versão moderna do mesmo fenômeno.

Quanto a Ainda Estou Aqui, as indicações a Melhor Filme e Melhor Atriz me parecem parte da diversidade tradicional da Academia. Não é diferente de quando filmes como O Beijo da Mulher-Aranha, O Piano ou O Carteiro e o Poeta competiram na categoria principal, ou de quando Fernanda Montenegro competiu como Melhor Atriz em 1999. Na minha versão ideal do Oscar, o prêmio de Melhor Filme seria voltado para o Idealismo e o Idealismo Crítico, e, em vez de Melhor Filme Internacional, haveria uma categoria secundária para reconhecer o Melhor Filme Não-Idealista do ano — filmes Naturalistas, políticos, experimentais, etc. Ainda Estou Aqui provavelmente entraria nessa categoria. Mas, considerando que a Academia sempre incluiu filmes mais inclinados ao Naturalismo entre os principais, isso não é um rompimento com sua tradição. O que é um rompimento é a qualidade subversiva de outros indicados, que refletem as diferenças entre o coletivismo "woke" moderno e o coletivismo que costumava exercer influência sobre o prêmio.


18/01 - Termômetro — Temporada de Prêmios 2025

Ainda não sabemos se o Oscar 2025 refletirá a mudança de atitude na cultura que ganhou força ano passado ou se os líderes da indústria cinematográfica serão uma frente de resistência a ela. Mas, olhando as previsões dos sites de apostas, a impressão é de que, no caso do Oscar, estamos caminhando para mais do mesmo: queridinhos de Cannes e Veneza se tornando os grandes favoritos ao prêmio principal, os filmes mais Anti-Idealistas ganhando toda a atenção, enquanto os mais Idealistas têm apenas uma participação simbólica.

A corrida ainda está aberta: O Brutalista, Anora, Emilia Pérez, Conclave e Wicked são mencionados pelos experts como possíveis favoritos.

Uma vitória de O Brutalista, Anora ou Emilia Pérez seria, pra mim, apenas "mais do mesmo" — aquele tipo de prêmio que vai contra toda a identidade tradicional da Academia, mantendo o Oscar alinhado com os festivais europeus.

Conclave ainda não assisti, mas parece ser um candidato mais tradicional, cuja vitória poderia indicar o "pêndulo" tentando voltar para uma posição mais neutra.

Wicked é um caso misto: segue muitas premissas Idealistas, mas inclui uma série de toques woke que o "modernizam". Se ele vencesse, interpretaria como um gesto da Academia para tentar fazer as pazes com o grande público, buscando prestigiar filmes populares, mas sem rejeitar a identidade progressista que adotou nas últimas décadas.

Quanto aos esnobes e omissões, o pouco caso com Divertida Mente 2 — a maior bilheteria do ano e um dos filmes mais consistentes com o Idealismo de 2024 — é a tendência mais frustrante.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Livro: Pendulum

Pendulum: How Past Generations Shape Our Present and Predict Our Future (Roy H. Williams, Michael R. Drew)

Apesar de ser bastante racionalista, este livro apresenta uma teoria interessante com a qual eu flertei no meu livro Idealismo sem saberEle sugere que as tendências culturais funcionam como um pêndulo que oscila entre "eu" e "nós" — entre individualismo e coletivismo — e que leva 40 anos para o pêndulo ir de um extremo ao outro (80 anos para completar um ciclo).

Os autores tratam o pêndulo como um mecanismo altamente confiável, que segue o mesmo padrão há milhares de anos sem grandes desvios, o que acho absurdo. Mas acho válida a ideia de que uma geração mais individualista tende a levar o conceito "longe demais", dando origem a um movimento oposto, mais coletivista, que também acaba exagerando na outra direção.

Em 2012, o livro profetizou que estávamos na ascensão de uma era "nós", que chegaria ao limite em 2023. Curiosamente, o livro chama de geração "Idealista" aquela que está na ascensão de uma era "eu". A última teria ocorrido entre 1963 e 1983 (ascensão da geração boomer — ou seja, eles colocam os hippies dos anos 60 e era Reagan no mesmo saco "individualista", o que é meio duvidoso), e a próxima se iniciaria apenas em 2043. De agora até lá, vivenciaríamos uma geração "Adaptativa", que esfriará os ideais perseguidos nos últimos 20 anos antes de acelerar na direção de um novo objetivo. No mínimo, vale para refletir.

domingo, 5 de janeiro de 2025

Estilo Acima de Conteúdo

O cinema é uma mídia altamente expressiva e isso frequentemente atrai pessoas que querem usá-lo para explorar interesses e aptidões particulares, ignorando o fato de que ele é, essencialmente, uma arte narrativa. Um exemplo comum desse tipo de criador é o estilista ou designer — indivíduos que priorizam as propriedades visuais e sensoriais da arte. Esses criadores costumam se expressar por vias não-verbais e subjetivas, o que geralmente os torna inaptos como roteiristas de filmes. Ao idealizar um projeto, eles tendem a detalhar minuciosamente elementos como direção de arte, figurino, trilha sonora, fotografia e movimentos de câmera, tratando o roteiro apenas como um mal necessário para viabilizar sua visão estética. Para eles, o sentido do cinema está nos estímulos sensoriais e no universo estético que os fascina.

O problema é que estímulos sensoriais, por si só, não comunicam conceitos ou ideias e, portanto, não provocam emoções genuínas (exceto Emoções Irracionais). Quando um cineasta desse tipo tenta se expressar através da estética, ele está, na verdade, buscando um atalho. Ele escolhe uma estética porque ela o transporta para um universo que reflete seus ideais, mas não compreende a verdadeira origem de suas emoções. Por exemplo, um artista pode fazer um filme com a estética dos anos 1950 — Cadillacs, drive-ins, brilhantina, Marilyn Monroe, letreiros vintage da Coca-Cola, etc. Ao recriar esse visual, ele apenas toma emprestadas as emoções associadas a esses elementos, que foram construídas por artistas e obras anteriores. Ele espera que, ao representar fielmente esse estilo, o espectador sinta as mesmas emoções que ele associa a esse universo estético, sem precisar compreender ou expressar diretamente seus próprios valores. No caso dos anos 1950, o artista pode estar atraído por uma idealização da juventude, do capitalismo ou dos Estados Unidos. Ou então, ele pode usar a estética "perfeitinha" dos anos 50 para sugerir artificialidade e comunicar seu desprezo por esses mesmos temas. Em qualquer caso, o artista não trabalha diretamente com conceitos ou ideias, mas apenas referencia elementos concretos que no passado projetaram tais valores.

Filmes que tentam substituir conteúdo por estilo são sempre marcados por superficialidade e monotonia. Eles podem ter uma atmosfera interessante que atrai no início, mas rapidamente se tornam previsíveis e repetitivos. Isso ocorre porque suspense, surpresa e verdadeiro envolvimento dramático dependem do conteúdo.

Se um espectador do tipo "estilista" assistisse a um filme voltado para o conteúdo, e desligasse o som para focar apenas na direção de arte, nas cores dos cenários e nos figurinos, o filme pareceria totalmente incoerente. Seu apetite estético não seria "alimentado" de um plano para o outro. Os cortes e enquadramentos pareceriam aleatórios, como se seguissem uma lógica alienígena.

O mesmo acontece quando um espectador orientado pelo conteúdo assiste a um filme voltado para o estilo. Apesar dos personagens pronunciarem frases gramaticalmente corretas e suas ações terem alguma consistência, o conteúdo parece vago e desconexo. Não há uma lógica clara interligando as ações ou cenas, ou, quando há, essa lógica é secundária, com a estética ou atmosfera servindo como o principal elemento de conexão entre os planos.

O talento desses cineastas pode ser valioso em áreas como moda, design, publicidade e videoclipes, mas um longa-metragem não se sustenta apenas com esse tipo de comunicação. Por ser uma arte temporal, o cinema exige um enredo — que exige ideias, conceitos, valores e comunicação objetiva. Nenhuma pessoa racional tolera passar uma hora e meia em um transe sensorial, sem alimento para o intelecto.

Assim como o "como" depende do "o que", o estilo deve vir depois do conteúdo, servindo para dar vida e cor às ideias apresentadas no roteiro, que precisam ser envolventes e interessantes por si só.

Uma boa maneira de testar se uma música é realmente boa é tocá-la no piano — sem vocais, letra e seu arranjo original. Se ela continuar satisfatória apenas pela melodia, ritmo, harmonia e estrutura, trata-se de uma composição sólida. No cinema, o roteiro é esse conteúdo fundamental. Fotografia, direção de arte, atuações, efeitos especiais e trilha sonora vêm depois. Nos melhores casos, o estilo é tão memorável que se torna difícil imaginar a obra sem seus visuais e sons característicos, mas o roteiro é o alicerce. Sem o conteúdo, esses elementos estilísticos perdem toda a emoção associada a eles.

Exemplos:

Wes Anderson, Luca Guadagnino, Yorgos Lanthimos, Robert Eggers — Alguns cineastas fazem o que chamo de "fashion films": filmes que parecem existir quase exclusivamente pela estética e que, nos piores casos, se tornam exercícios vazios de estilo. Cenários, figurinos, estilos musicais e tudo relacionado ao design dominam a experiência. O enredo, nesses casos, parece existir apenas para viabilizar a estética, como o tema de um desfile de escola de samba, que orienta fantasias e alegorias, mas não é o foco principal do espectador.

Tim Burton, Baz Luhrmann, Guillermo del Toro, Jean-Pierre Jeunet, Sofia Coppola — Se encaixam parcialmente na categoria acima, mas seus filmes geralmente têm uma dose maior de enredo e conteúdo.

Filmes "Hitchcockianos", "Tarantinescos", "Kubrickianos" — Alguns cineastas se encantam tanto pelo estilo de diretores icônicos que seus filmes acabam se tornando exercícios de imitação, em vez de esforços genuínos para contar histórias próprias. Nesses casos, a imitação é uma tentativa de captar o talento desses artistas por meio da estética. (Tarantino, embora frequentemente imitado, é em parte um imitador também).

Filmes "Oitentistas", "Neo-Noir", etc. — O estilo de certas décadas ou gêneros pode inspirar cineastas que priorizam a estética em detrimento do conteúdo.

Brady Corbet, Jonathan Glazer, Xavier Dolan, Gaspar Noé e os "Fashion Films" de Arte — A estética rústica e obscura associada ao cinema de arte pode atrair cineastas interessados em prestígio, prêmios, levando ao fenômeno da Pseudo-Sofisticação.

Christopher Nolan, Zack Snyder, Denis Villeneuve — A imponência e as proezas técnicas dos blockbusters podem ser vistas como um "estilo" — criam uma estética atraente que frequentemente serve como um substituto para o conteúdo narrativo. Embora não façam filmes desprovidos de conteúdo, muitos dos sucessos desses cineastas se sustentam na grandiosidade e na "sensualidade" de suas produções.

Índice: Artigos e Postagens Teóricas

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Problemas do Objetivismo #12 - Ambição vs. Ganância

Alguns intelectuais objetivistas às vezes ignoram ou "passam pano" para um aspecto negativo do mundo dos negócios que é extremamente comum e malvisto pela maior parte da população: a atitude de empresários que não enxergam a diferença entre ganhar dinheiro e criar algo de valor.

Ansiosos por defender o capitalismo e os princípios do livre mercado, eles às vezes esquecem que muitas coisas feitas em liberdade podem, e frequentemente são, menos que heroicas.

Um objetivista concordaria que é imoral um marido violentar fisicamente sua esposa e que ele deveria ser punido por isso. Mas, dentro do que é permitido pela lei, existe uma diferença enorme entre um casamento feliz e uma relação tóxica, dominada por mentiras, incompatibilidades e ressentimento — embora esse tipo de relação seja perfeitamente legal. Não precisamos sugerir que o governo deva interferir ou proibir aquilo que é imoral ou desprezível — mas isso não significa que devemos ignorar as diferenças entre o que é admirável e o que não é.

Há uma diferença enorme, por exemplo, entre Walt Disney e Bob Iger (atual CEO da Disney). Ambos queriam fazer dinheiro, mas Walt Disney claramente buscava isso como consequência de criar algo magnífico e oferecer um grande valor para seus clientes. Ele disse uma vez que, na Disneyland, queria que o cliente pudesse entrar em um prédio de 1 milhão de dólares pra comprar um hambúrguer por 50 centavos. Obviamente, ele esperava lucrar com essa troca — Disney não era um altruísta. Ainda assim, ele parecia encantado com a possibilidade de fazer o cliente sentir que pagou pouco em comparação com o benefício que teve. Iger já parece ser do tipo que se orgulharia de conseguir vender por 1 milhão de dólares um produto que, na prática, vale 50 centavos.

Muitos acreditam que não é possível ser bem-sucedido prejudicando seus clientes, pois as forças do mercado trabalhariam contra você. A longo prazo, isso pode até ser verdade. Mas essas forças de mercado frequentemente demoram décadas para agir, permitindo que empresários acumulem fortunas por muito tempo através de táticas desprezíveis.

Entre atitudes virtuosas, que promovem relações ganha-ganha, e ações destrutivas que levam uma empresa à falência, existe uma vasta zona cinzenta com inúmeras graduações intermediárias. No extremo positivo, temos o empresário do "Tipo 1" que foca no quanto de valor ele pode produzir, em quão excelente pode tornar seu produto ou serviço, e no quanto pode satisfazer seus consumidores (sempre dentro de um modelo lucrativo). No extremo negativo, temos o empresário "Tipo 2" que busca o máximo de lucro testando os limites de seu público: flertando com atitudes abusivas e manipulativas, vendo até onde pode baratear e degradar seu produto antes de sofrer prejuízos concretos.

Na minha percepção, o primeiro tipo de empresário tende a lucrar mais a longo prazo (além de Walt Disney, citaria Steve Jobs como outro bom exemplo de empresário preocupado com qualidade e com o valor gerado para o consumidor). Mas é possível que, em certos contextos, o segundo tipo seja mais lucrativo. Isso não o torna superior como empresário. O objetivismo diz que devemos produzir, gerar riquezas e buscar uma vida materialmente confortável — mas não diz que devemos sempre buscar o máximo de dinheiro possível. Nosso foco deve ser nossa felicidade, nosso desenvolvimento pessoal. E o tipo de empresário focado em criar o máximo valor e em promover relações ganha-ganha está muito mais alinhado com esses objetivos.

Infelizmente, muitas pessoas parecem cegas para o verdadeiro valor de um produto. Enxergam apenas dados e números, interpretando o sucesso comercial de algo como sua principal medida de valor. Se você é bom em economia, mas não entende nada de entretenimento, por exemplo, você pode achar que Bob Iger tomou uma decisão brilhante ao colocar Moana 2 nos cinemas, em vez de lançá-lo como série no Disney+, como era o plano original. Olhando apenas para os números, Iger vai parecer um empresário virtuoso, promovendo o crescimento de sua empresa e atendendo os desejos do consumidor (o filme se tornou uma das maiores bilheterias de 2024). É necessária alguma sensibilidade estética e conhecimento da indústria para reconhecer que Iger agiu como o segundo tipo de empresário.

Consigo imaginar cenários em que priorizar o lucro, e não a geração de valor, seja aceitável (situações de pobreza, por exemplo, onde o foco do produtor é a sobrevivência). Mas lucrar sem gerar algo tangível de valor (riquezas "com lastro") não proporciona um senso de realização pessoal. Se uma pessoa trabalha apenas para ganhar dinheiro, seu trabalho dificilmente será gratificante, e ela terá que buscar essa realização em outro lugar. A situação ideal, portanto, é alinhar trabalho com valores e propósitos mais elevados.

A maioria das pessoas, creio eu, admira empresários do Tipo 1. Existem anti-capitalistas que rejeitam sucesso de qualquer tipo, mas muitos ataques a empresários que vemos na cultura popular não são contra o capitalismo em si, mas contra a atitude dos empresários do Tipo 2. Sugerir que esses empresários devam ser punidos pelo governo é errado, mas o desprezo ou falta de admiração por parte da população não são necessariamente maus.

Assim como o termo "egoísmo" tem uma conotação positiva no objetivismo, o termo "ganância" às vezes recebe o mesmo tratamento. Mas ganância não é sinônimo de ambição. É um termo usado principalmente para descrever processos imorais de obter riqueza.

Há pessoas demais lucrando através desses processos para ignorarmos as diferenças entre os gênios produtivos retratados nos romances de Ayn Rand e os empresários do Tipo 2. Enquanto objetivistas tratarem essas mentalidades distintas com o mesmo senso de respeito, eles continuarão promovendo a falsa impressão de que o objetivismo coloca riqueza material acima da felicidade humana e dos valores que a possibilitam.

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