Não tive estímulo para escrever sobre a maioria dos filmes que vi entre dezembro e janeiro, mas vou deixar alguns comentários para quem sentiu falta das minhas dicas:
A Verdadeira Dor (A Real Pain / 2024 / Jesse Eisenberg) — Road movie divertido, sustentado pela dinâmica da dupla central (que levanta uma discussão interessante sobre diferenças de personalidade) e pela performance brilhante de Kieran Culkin. Apesar de ser uma produção simples, te dá a sensação de estar vendo um filme sólido, "normal" — algo reconfortante nos dias de hoje. Teria incluído entre os indicados a Melhor Filme.
Canina (Nightbitch / 2024 / Marielle Heller) — Assim como Tully (2019), parece um filme feito para esposas assistirem com seus maridos quando querem dar o recado que eles precisam colaborar mais com as tarefas domésticas. O retrato da maternidade é tão penoso que uma mensagem mais interessante seria: jamais tenha filhos se você enxerga isso apenas como um dever em nome de perpetuar a espécie! Amy Adams está bem, mas acho que o filme funcionaria melhor como um drama convencional. A metáfora da cadela soa deslocada, não só por não ter um sentido muito claro, mas porque a direção convencional não sustenta os elementos cult da produção.
Nickel Boys (2024 / RaMell Ross) — Dos indicados a Melhor Filme, este talvez seja o que mais exige paciência do público. É um filme Naturalista de black trauma, mas com uma direção mais experimental que de costume, que usa câmeras subjetivas para colocar o espectador na pele de jovens negros nos anos 60, fazendo a gente sofrer em primeira pessoa as injustiças sociais da época. A execução tem seus méritos, mas é daqueles filmes meditativos, sem trama, que se sustentam exclusivamente na mensagem social.
A Garota da Agulha (The Girl with the Needle / 2024 / Magnus von Horn) — Começa parecendo um "horror de opressão" no estilo de Parasita (2019), onde a desigualdade social é o monstro que vitimiza a protagonista. No entanto, algumas reviravoltas na trama levam o filme além da discussão social, e o aproximam do território dos thrillers. A fotografia bonita em preto e branco e a direção estilizada, com toques de David Lynch e Lars von Trier, ajudam a tornar os temas perturbadores mais palatáveis.
Wallace & Gromit: Avengança (Wallace & Gromit: Vengeance Most Fowl / 2024 / Merlin Crossingham, Nick Park) — É o tipo de aventura semi-cômica que não te permite nem levar muito a sério o que está acontecendo, nem gargalhar com as situações. Ainda assim, é satisfatório ver algo feito com tanto zelo, atenção aos detalhes e rigor criativo.
Conclave (2024 / Edward Berger) — Melhor filme de 2024 que vi até agora (ficção). Acaba tendo um pouco cara de Oscar bait, mas não por apelar pra temas "premiáveis" batidos, e sim por ser tão bom em todos os quesitos da produção (roteiro, direção, elenco, trilha sonora, fotografia) que fica impossível não associá-lo à temporada de prêmios. Assisti ao filme já sabendo quem venceria a disputa no final (graças ao spoiler de um influenciador), mas, mesmo assim, a narrativa permaneceu estimulante e surpreendente.
Queer (2024 / Luca Guadagnino) — Foi um dos filmes que me motivaram a escrever o texto Estilo Acima de Conteúdo. Tudo me pareceu um pretexto para o diretor mergulhar no universo de roupas, cenários e estereótipos que compõem a história. Mas a beleza aqui permanece na superfície — a elegância visual contrasta com personagens decadentes e um retrato nada glamouroso do amor e da natureza humana. O terceiro ato é um dos mais anticlimáticos e esquisitos que já vi. Daniel Craig se entrega totalmente ao papel, mas no sentido de estar disposto a parecer meio tolo diante das câmeras — o que, para mim, não é mérito. O destaque fica mesmo para a direção de arte e alguns momentos da trilha sonora (a faixa Wouldn't You? tem uma qualidade onírica incrível que me lembrou de composições do Maurice Jarre).
Jurado Nº 2 (Juror #2 / 2024 / Clint Eastwood) — Achei o filme mais sólido do Clint Eastwood como diretor desde Sniper Americano (2014). A premissa e o conflito moral central sustentam a história — ou seja, é um dos raros filmes de hoje que são carregados pelo roteiro. O que não gostei tanto foi que, mais para o final, o filme começa a se preocupar mais em exaltar o sistema judicial americano do que em oferecer um clímax satisfatório, considerando o protagonista e as expectativas criadas no início. Apenas sob um prisma patriótico e uma ética de dever o desenvolvimento da trama é realmente satisfatório.
Lee (2023 / Ellen Kuras) — Filme biográfico decente, porém convencional. Acompanha, de maneira episódica, os momentos mais relevantes da carreira da fotógrafa Lee Miller, mas sem tentar costurá-los em uma narrativa empolgante (é o tipo de filme que coloca a função histórica acima do prazer da plateia). Kate Winslet está profissional, como sempre, mas continua lutando contra sua feminilidade, o que, pra mim, não a favorece como atriz.
Babygirl (2024 / Halina Reijn) — Lembram da cena em De Olhos Bem Fechados em que a Nicole Kidman narra seu flerte com outro homem, humilhando o Tom Cruise? É como se a diretora tivesse amado aquele momento e decidido fazer um filme inteiro sobre a experiência da personagem, pensando em maneiras ainda mais humilhantes de uma mulher desonrar seu casamento. Segue essa onda de cinema feminista que tem o sexo masculino como alvo. O confuso é que parte do empoderamento feminino aqui é expresso por meio da mulher se submetendo a humilhações — não porque o homem quer, mas porque ela quer. Imagine assistir a Ninfomaníaca, mas sem ter a autorização do filme para desprezar moralmente a protagonista.
Tudo que Imaginamos Como Luz (All We Imagine as Light / 2024 / Payal Kapadia) — Naturalismo radical, daqueles sobre pessoas humildes vivendo pequenos conflitos em sociedades pobres, sem trama nem nada de muito memorável do ponto de vista técnico.
A Semente do Fruto Sagrado (The Seed of the Sacred Fig / 2024 / Mohammad Rasoulof) — Tem uma estética meio Naturalista que pode desencorajar no início, mas o filme logo se transforma em um suspense político altamente envolvente, que usa um conflito familiar pequeno para ilustrar, de forma inteligente e bem integrada, questões maiores que assombram o Irã atual. Um dos mais impactantes do ano.
Todo Tempo que Temos (We Live in Time / 2024 / John Crowley) — Junta dois dos gêneros que menos gosto em uma narrativa só: filme de doença e filme de grávida. Há uma certa ternura entre o casal que impede o filme de parecer apelativo, mas, em vez de inspirar, realçando a força dos personagens, a leveza deles diante da morte acaba tornando a situação ainda mais deprimente. Andrew Garfield e Florence Pugh estão bem, mas a história é pura romantização do sofrimento.
Maria Callas (Maria / 2024 / Pablo Larraín) — Não gostei muito de Jackie, nem de Spencer, e Maria Callas é mais um filme de Larraín que parece uma meditação visual sobre uma diva bem vestida, em vez de uma biografia real. Se tivesse uma estrutura mais convencional, seria do tipo de biografia episódica e previsível, que apenas nos expõe fatos sobre a personagem. Mas, ao selecionar um recorte tão pequeno e subjetivo da vida de Callas, o filme acaba não exercendo nem essa função histórica. Não acho que era um papel para Angelina Jolie também.
Lobisomem (Wolf Man / 2024 / Leigh Whannell) — Há alguns momentos brilhantes que me lembraram por que gostei tanto de O Homem Invisível e vi potencial em Leigh Whannell como diretor. Mas, infelizmente, o roteiro é daqueles estilo Shyamalan, que apesar de mais autêntico e ambicioso que a média, vai se tornando cada vez mais forçado e se perde em decisões frustrantes.