O filme tem o gancho mais forte do ano ("Ontem à noite, às 2h17 da madrugada, todas as crianças da sala da Sra. Gandy acordaram, levantaram da cama, desceram as escadas, abriram a porta da frente, saíram no escuro... e nunca mais voltaram.") — mas joga tudo no lixo logo na primeira cena. Em vez de dramatizar o evento — de mostrar o sumiço das crianças em tempo presente, no momento em que estava acontecendo, explorando todo o mistério e o terror da situação — o filme resume tudo em um flashback, narrado por uma garotinha em tom casual, como quem está contando uma fofoca para as amigas no recreio. Isso destrói todo o peso da frase que atraiu os espectadores ao cinema, e o filme nos joga na história semanas depois dos desaparecimentos, quando a cidade já quase voltou à rotina.
Isso não é amadorismo dos autores. O filme tem uma direção firme e sabe exatamente o que está fazendo. Infelizmente, o que ele quer fazer é um terror “artístico”, desconstruído, desses que são notados na temporada de prêmios. Durante a primeira hora, a busca pelas crianças fica em segundo plano, e o filme vai focar no impacto do evento na comunidade: a frustração dos pais, o drama da professora injustamente acusada pelos moradores, e a vida pessoal de alguns dos envolvidos (sempre personagens comuns, falhos, anti-heroicos). A narrativa adota um estilo não linear à la Rashomon, mostrando os mesmos acontecimentos sob pontos de vista diferentes, levantando reflexões sobre a verdade, sobre a subjetividade humana — uma discussão interessante talvez para uma aula de sociologia, mas que não torna a sessão mais empolgante.
Tolerei tudo isso porque achei que o filme estava caminhando pra um final memorável. Mas se o começo foi desperdiçado daquela forma, seria otimismo demais esperar que o clímax fosse tratado com mais respeito. SPOILER: Pra começar, muito do mistério se dissipa quando a personagem de Gladys é revelada, e já fica explícito que tudo foi fruto de bruxaria — uma explicação pouco satisfatória, até porque Gladys não se conecta direito com o resto do filme: não revela nada sobre o passado da cidade, a vida pessoal das vítimas ou mesmo a família de Alex. Ela é apenas uma vilã aleatória que resolveu passar pela cidade e causar confusão. Nas histórias de terror mais satisfatórias, o “monstro” sempre reflete alguma questão interna das vítimas ou expõe conflitos que já precisavam ser resolvidos, dando ao duelo um significado maior.
SPOILER: O resgate das crianças no final também é incrivelmente frustrante. Primeiro porque humor começa a ser usado para destruir a seriedade da situação (através do personagem do viciado, ou de escolhas de direção, como o toque de mostrar o homem cortando a grama enquanto observa a cena absurda das crianças perseguindo Gladys). Mas também pelo que o filme decide não mostrar: Archer é o único personagem que vemos reencontrar o filho. Não há a cena da comunidade recuperando as crianças — o filme sequer mostra Justine, a protagonista, descobrindo que as crianças foram achadas! Pior: as crianças não são totalmente salvas, pois a narração final nos informa que elas continuam catatônicas, sob efeito da bruxaria. Teria sido muito simples dar à história um final feliz, resoluto, mas o filme prefere agradar os que acham mais sofisticado o incerto e dissonante.
Weapons / 2025 / Zach Cregger
Já vi faz um tempo A Hora do Mal, mas como só pretendo comentar os lançamentos de maior impacto na temporada por enquanto, resolvi resgatar esse do período em que o blog ficou em pausa.
ResponderExcluir"A Hora do Mal" é puramente cinema, onde o realizador realiza uma verdadeira mistura de tudo o que já assistimos e nos passando algo que aparenta ser imprevisível.
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