segunda-feira, 22 de setembro de 2025

A Longa Marcha

Recentemente, postei um texto falando sobre ganchos e recompensas, e A Longa Marcha é um bom exemplo de um filme prejudicado pelo gancho. O conceito da caminhada mortal é até chamativo, mas há um problema fundamental em A Longa Marcha que enfraquece a experiência: não é nada plausível que garotos aparentemente saudáveis como aqueles, com boas condições de vida, iriam se voluntariar para uma competição tão irracional (já é difícil acreditar que seria possível uma competição como essa existir na América, mesmo em um futuro distópico). Se os participantes fossem condenados à morte com uma chance de escapar, ou estivessem sendo forçados por psicopatas, até daria pra aceitar. Mas aqui são apenas pessoas que, sem obrigação alguma, se colocam em uma situação da qual dificilmente sairão vivas.

Imagine tentar criar um thriller sobre um suicida: o protagonista decide se enforcar sem grandes motivos, compra um pedaço de corda, escolhe uma viga, e daí o filme começa a querer criar suspense em cima dos perigos que ele corre: mostra o banco cambaleando, a corda áspera roçando no pescoço, a expressão de tristeza em seu rosto etc. Você ficaria tenso? Comovido? Provavelmente não. Se o personagem não valoriza a própria vida, por que você deveria?

O que explica essa falta de plausibilidade é o fato de A Longa Marcha não querer ser um thriller de fato, e sim uma alegoria política, um comentário sobre a “América”. O que Stephen King (autor do livro) está dizendo no fim é: o capitalismo me faz sentir como se eu estivesse em uma competição cruel, com fuzis apontados para minha cabeça, da qual apenas um vencedor pode sair vivo. Obviamente, esse não é um retrato honesto do capitalismo. É uma distorção que visa expressar o que o autor sente em relação ao sistema. Mas isso tem graça apenas para quem compartilha do mesmo sentimento. Imagine um artista que acredita que mulheres são sanguessugas e faz um filme alegórico sobre um homem que se casa com uma mulher que, aos poucos, vai se transformando fisicamente em um parasita asqueroso. Se não houver uma boa trama e uma explicação convincente para essa mutação, o filme só será divertido no nível simbólico; só funcionará para aqueles que sentirem prazer em ver mulheres sendo difamadas. Isso é exatamente o que A Longa Marcha faz com a América.

Pra ter impacto, a mensagem de um filme deve emergir naturalmente da sequência de eventos que ele apresenta. A plausibilidade desses eventos é o que dá força ao argumento. Se a mensagem depende de inventar uma situação irreal, de fazer os personagens agirem de maneira impossível, isso equivale a não ter argumentos.

Se A Longa Marcha fosse um suspense tenso, divertido, eu não me importaria tanto com a mensagem. Mas o filme se sustenta apenas em sua mensagem. A não ser que você tenha certo fascínio em ouvir conversa fiada de jovens tolos ou em ver imagens grotescas de cérebros explodindo, pés sangrando e pessoas fazendo as necessidades no chão.

The Long Walk / 2025 / Francis Lawrence

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