
Eu não vou perder tempo aqui tentando analisar o filme, dizendo que os personagens são mal apresentados, que o plano da Viola Davis não faz o menor sentido, que o filme tem a vilã mais ridícula de todos os tempos, que ele exalta anti-heróis, etc. Isso seria partir do princípio de que isto é um filme, e que com alguns ajustes ele poderia ter sido bom. Mas não. Isto não é um filme. É apenas uma série de imagens que, vistas por alguns segundos por um telespectador mudando de canal, dariam a impressão de fazer parte de um filme. Mas se ele parar e acompanhar as imagens por alguns minutos, ele verá que não há nada conectando uma coisa à outra que possa ser chamado de "filme".
Pegue as cenas com a Margot Robbie, por exemplo. No trailer, há uma cena em que ela quebra uma vidraça e rouba uma bolsa, e quando questionada por um amigo, ela responde: "Nós somos vilões, é isso que fazemos". Quando você vê isso no trailer você pensa: divertido, quero conhecer essa personagem melhor e ver essa cena inteira desde o começo. Mas quando você vai ver o filme, não existe uma personagem pra ser conhecida, além de frases como essa. E não há uma cena além desse trecho colocado no trailer. É apenas isso. Ela aparece do nada, faz algo, solta uma frase de efeito. E todos os outros "personagens" são assim: figuras vazias que exibem certo estilo e certa atitude.

Talvez não seja impossível que o diretor e roteirista David Ayer nunca tenha visto um filme. Ele pode ter se sentado em frente a telas de cinema centenas de vezes, mas o que estava acontecendo em seu cérebro enquanto os filmes passavam era muito diferente do que acontece no cérebro da maioria das pessoas. Enquanto nós tentamos entender o universo do filme, os desejos dos personagens, a maneira como eles agem pra conquistar seus objetivos, relacionar a história com nossas vidas pessoais, entender a mensagem que o filme quer passar, etc, Ayer estava apenas prestando atenção na textura das imagens, nos trejeitos dos atores, na maneira como eles gesticulam e se vestem. E na hora de fazer seu filme, esse era o único conhecimento que ele tinha pra aplicar.
Eu me sinto até mal de criticar alguém como Ayer, pois desconfio seriamente que ele tenha algum tipo de problema psicológico - e eu me sentiria mal de zombar de alguém por causa de uma deficiência. Mas o que me deixa indignado não é o fato de existir alguém sem noção que tenha feito um filme ruim. E sim o fato dessa pessoa ter tido a oportunidade de comandar uma mega-produção em Hollywood com alguns dos atores mais cobiçados da atualidade. Será que ninguém percebeu que o roteiro era péssimo? Os produtores? Os executivos da Warner, da DC Comics? A Viola Davis? O Will Smith? Quando vi o novo Independence Day (que não é um bom filme), fui tão ingênuo que pensei: "Will Smith é visionário, ele sabia que o filme seria ruim, e preferiu participar de Esquadrão Suicida, que será um enorme sucesso".
Ou seja, há muito mais gente por aí - gente experiente, de sucesso - que assiste a filmes dessa forma. Não tentando tirar algum sentido do que vê, mas observando cores, texturas, expressões faciais. No passado, mesmo os piores filmes ainda preservavam algum tipo de racionalidade e respeito pela "craft" do cinema. Agora parece que chutaram o balde.
Ao longo da sessão fiquei pensando sobre o que está acontecendo no mundo, e como é que alguns políticos como Sarah Palin, ou mesmo Donald Trump, Dilma, conseguem chegar tão longe sem ter nada de muito coerente pra dizer quando abrem a boca. Esses políticos (assim como Ayer em relação ao cinema) também nunca pararam pra pensar na função de um governo, nos direitos naturais do homem, no que é ético ou não - eles simplesmente observam a maneira como políticos gesticulam, se vestem, usam suas vozes, que palavras recebem mais aplausos, e imitam aquilo que veem. E como boa parte do público também parece só enxergar essa parte, eles têm grande sucesso prático.
Eu realmente espero, pelo bem de todos, que esse filme fracasse nas bilheterias, receba uma nota baixa no IMDb, assim como vem recebendo críticas negativas. Que ele se torne, assim como filmes como A Reconquista e Batman & Robin, símbolo de um momento de crise cultural, onde uma tendência cinematográfica chegou ao seu ponto de saturação máxima, e forçou o público a reformar seus valores e buscar uma nova direção.
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Suicide Squad / EUA / 2016 / David Ayer
FILMES PARECIDOS: Batman vs Superman: A Origem da Justiça / Deadpool / Transformers: A Era da Extinção / O Homem de Aço / Kick-Ass: Quebrando Tudo
