terça-feira, 5 de junho de 2018

Tully


(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão - um método que adotei para passar minhas impressões de forma mais objetiva.)

ANOTAÇÕES:

- Na postagem A intenção de um filme eu listo como uma das "más intenções" quando o objetivo primário do filme é: "amenizar a dor ou a baixa autoestima do espectador triste ou com senso de inferioridade, retratando personagens infelizes ou problemáticos de maneira positiva - não em prol do entretenimento, mas pra provocar um senso de "conforto" e identificação no espectador, mostrando que outros sofrem como ele, que ele não está sozinho em sua miséria" - então eu de cara já não embarco muito na história de Tully porque esta é justamente a proposta do filme - dizer pra mães exaustas que a maternidade realmente é uma tortura, e que elas não devem se sentir culpadas por estarem infelizes, não conseguirem ser mães ideais, etc.

- O filme em geral é do tipo Naturalista, mas às vezes ele tem umas atitudes Anti-Idealistas ruins quando, pra "confortar" o espectador frustrado, ele se permite alfinetar pessoas felizes e bem sucedidas (como o irmão e a cunhada) sem justificativa alguma (retratando elas de maneira ridícula, caricata, como se felicidade fosse uma espécie de alienação).

- Não gosto do pessimismo e da vitimização. Se pelo menos o filme contrastasse os momentos difíceis com alguns momentos positivos entre ela e os filhos, pelo menos 1 sorriso dela direcionado ao bebê, mostrando a criança como algo de valor, o filme pareceria melhor intencionado... Mas não - é como não houvesse nada de compensador na situação. O filme retrata o bebê como se fosse um pedaço de carne sem alma que está ali só pra gritar e arruinar as noites da Charlize Theron. É um filme com uma visão vazia e materialista da vida. E a pergunta que não quer calar: se ter filhos é tão infernal assim, por que o casal está no filho número 3? Somos obrigados a perpetuar a espécie? A seguir o mesmo roteiro que todo mundo?

- Quando chega a Tully (babá) o filme dá uma melhorada no tom. Mas espero que a mensagem final não seja tão rasa assim ("A vida está muito puxada? Então aceite dinheiro do seu irmão rico e contrate um empregado!").

- Há algo de suspeito na Tully. O filme quer que a gente a veja como a babá perfeita, como uma nova amiga da Charlize, mas há algo de sinistro e falso na personagem que torna as cenas incômodas. Não sabemos nada sobre a vida dela, ela não demonstra emoções autênticas, está sempre com uma atitude estranhamente positiva, altruísta, que soa manipulativa... E não faz sentido uma menina tão qualificada assim estar nesse emprego... A gente fica esperando baixar a Rebecca De Mornay nela a qualquer momento.

- SPOILER: Péssimo (e totalmente artificial) a Tully transar com o marido da Charlize pra "ajudar" na vida sexual do casal. Essa cena na cama chega a ser incômoda de ver. Ou então mais pra frente quando ela espreme o peito da Charlize no banheiro pra ajudar o leite a sair. Se fosse um filme de terror onde a babá fosse pra ser sinistra, seria perfeito. Mas o filme continua querendo mostrar a Tully como se fosse uma babá moderna, admirável, um anjo que caiu na vida da Charlize.

- SPOILER: Uma tolice a revelação final de que a Tully só existia na imaginação da Charlize. Na postagem Simbolismo e Filmes Interpretativos eu discuto por que desaprovo filmes que vêm com uma "carta na manga" no último momento e com isso tentam consertar uma narrativa que foi inteira problemática. Se eu passei 1h30 de filme achando tudo mal escrito, sem realismo psicológico, a personagem estranha, sem carisma... Não adianta no fim dizer "supresa, era tudo simbólico!" e achar que o espectador sairá satisfeito. Isso é apenas a Diablo Cody (roteirista) tentando pagar de espertinha, colocando sua sacada "genial" acima de questões narrativas mais importantes. E a mensagem é uma chatice: "Vejam maridos, não existem Tullys na vida real, então tratem de ajudar suas esposas nas tarefas domésticas!". Reparem como o filme promove uma maneira destrutiva de se lidar com os problemas da vida: o desejo da Charlize no começo do filme é o de obter ajuda pra cuidar dos filhos, o que é totalmente compreensível (o desejo do protagonista é o que chamamos de a "espinha" da história). No fim, como é que a "heroína" conquista seu objetivo? Sendo responsável, assertiva, racional, criativa, buscando soluções de ganha-ganha, dando um exemplo inspirador pra plateia? Não: quase se matando num acidente de carro, até que seu marido finalmente fica convencido de que ela é incapaz, digna de pena, chegou no seu limite, e assim decide ajuda-la com base na culpa. E o irmão rico da Charlize também era imaginário? Ele não continua disposto a pagar por uma babá? Com 3 filhos pequenos (sendo 1 autista) isso ainda não seria uma ótima opção pro casal, mesmo que eles não achassem uma babá tão "mágica" quanto a Tully?

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Tully / EUA / 2018 / Jason Reitman

NOTA: 4.0

7 comentários:

Anônimo disse...

"Plot twists" viraram moda, e uma desculpa fácil para escrita preguiçosa, e os roteiristas são saudados como gênios por abusarem de sua situação privilegiada em relação a quem assiste o filme. Não importa se a história é cheia de furos, está tudo bem porque se enganou o espectador. E dizer no fim que a história toda é fruto da imaginação/um sonho é um dos jeitos mais fáceis de sair de qualquer situação, porque assim tudo pode acontecer, nada tem maiores conseqüências e as coisas não precisam fazer sentido.
Pedro.

Caio Amaral disse...

oi Pedro.. Uma boa surpresa no fim é bem vinda quando bem feita né.. é uma das formas de satisfazer o "princípio da ascensão".. mas justamente por ser um recurso eficaz, às vezes ele é usado por roteiristas menos talentosos.. como uma fórmula que garante pelo menos que parte da plateia sairá impressionada, mesmo q não faça muito sentido.. rs. abs!

Anônimo disse...

Péssima resenha. Ok, vc nao gostou do filme, mas não é pq vc é um "super entendedor master de cinema". Além disso, vc não entende nada sobre maternidade (está óbvio em seu texto). Ridículo vc dizer que a protagonista infeliz alfineta a felicidade alheia. O cara é o pai das crianças e também mora na casa. Cuidar dos filhos e fazer as tarefas em casa não é favor não, é obrigação dele também. Mas não, "vamos deixar as mulheres se sobrecarregarem com as atividades domesticas e os filhos, afinal, sou homem, nunca vou ser julgado por ser um babaca". Aff

Caio Amaral disse...

Péssimo comentário, rs. Não preciso entender sobre maternidade pra avaliar um filme sobre isso, assim como nunca fui casado e isso não me impede de gostar de filmes sobre casamentos, ou filmes sobre carreiras que nunca tive, etc. Não disse que a protagonista alfineta a felicidade alheia, e sim que o filme faz isso (embora a protagonista também o faça). E nesse caso não me referia ao marido, mas principalmente ao irmão e à cunhada da Charlize.



Caio Amaral disse...

Ah sim Pedro.. o Shyamalan realmente elevou o jogo pra um novo nível nesse caso.. mas são raros mesmos os que conseguem criar um bom twist sem forçar a barra e sem comprometer o resto da história. abs!

Anônimo disse...

A questão não é essa. É claro que podemos ver filmes sobre qualquer assunto e fazer nossa avaliação. O problema é que o filme retrata a realidade da maternidade, a mudança na vida da mulher, a perda da identidade e como o homem costuma fugir das responsabilidades como pai e parceiro. Então a mãe tem que dar conta de tudo. Cuidar de um bebê, suprir suas necessidades não é nem um pouco fácil. Aí vc vem com soluções do tipo "o irmão pagar uma babá", "pq teve outro filho?", "pq a protagonista não é direta?" (poxa, mais direta? é só olhar pra ela!). Enfim, o que o filme mostra é uma realidade que precisa ser mudada, que está enraizada em nossa cultura. A mulher-mãe não tem que ser uma super heroína e dar conta de tudo e nem é só pagar uma babá que tudo se resolve. Os homens precisam aprender a participar ativamente da criação de seus próprios filhos. Achei sua resenha péssima pq vc ignora qualquer reflexão e se apoia no senso comum.

Caio Amaral disse...

Sim... como você falou, o filme "retrata a realidade da maternidade"... não estou negando que esses problemas existem na vida real... que os homens em geral poderiam ajudar mais, etc. Por exemplo: eu sou gay, e há muitos filmes que saem hoje em dia retratando o preconceito.. E eu não gosto da maioria deles, mesmo sendo algo teoricamente "do meu interesse", mesmo concordando que ainda existe preconceito, etc. O meu foco aqui é o cinema como arte, como criação, como entretenimento, e já discuti várias vezes por que não acho que a função educativa / social de uma obra de arte deva vir em primeiro lugar.. Há 5 links pra outras postagens apenas nessa resenha que explicam por que eu tenho essas opiniões, por que não me interesso pelo Realismo no cinema, etc. Se você tem outra preferência pra filmes, perfeito.. a maioria dos críticos irá concordar com você, rs. abs.