quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Biutiful


A cativante história de um homem com câncer de próstata que irá morrer em 2 meses. Ele é pobre, tem 2 filhos pequenos pra cuidar (que ele teve com uma prostituta viciada) e como trabalho, ele ajuda a dirigir uma fábrica empregando imigrantes ilegais. Além disso, ele descola uns trocados pirateando filmes e se comunicando com os mortos (isso mesmo). O filme não tem exatamente uma história, mas isso não o impede de se arrastar por 2 horas e meia de duração, usando o tempo necessário pra mostrar em closes todas as vezes que Javier Bardem urina sangue (na privada, nas calças, na fralda), ou então quando ele vomita, injeta agulhas no braço, etc.

Esse é o Naturalismo atingindo novos patamares. Nem é Naturalismo mais - não estamos falando de "pedaços da vida", de "pessoas comuns vivendo problemas da vida real". Aqui é um mundo onde SÓ há problemas, onde absolutamente tudo é negativo. Uma visão estilizada, que elimina qualquer vestígio do positivo de maneira exagerada, proposital; até uma cena onde a família toma sorvete à mesa se transforma num pequeno momento de horror. Esta "realidade" de Biutiful é tão editada quanto à de um musical da MGM - pro lado oposto. Mas que alguém queira contemplar algo bonito é auto-explanatório. Um filme como esse é que precisa se justificar.

Mas não há como justificar - o filme só poderia ser pior na verdade se Iñárritu fosse pior diretor e não soubesse nem se comunicar com clareza. Ao mesmo tempo, fico me perguntando se há algum mérito em "dirigir bem" uma história tão suja quanto essa. Seria que nem ouvir uma música horrível e elogiar o cantor por "estar afinado".

Não dá nem pra sentir pena do Javier Bardem, pois ele não faz nada pra melhorar. Não se trata de uma vítima indefesa, "refém da realidade", mas de uma pessoa depravada tendo aquilo que merece. Se ele é pobre, ele não precisava ser porco, nem virar criminoso. Se ele está com uma doença terminal, ele não precisava fazer a filha pequena vê-lo apodrecer. Não tenho respeito nem dó de alguém que se permite esse grau de sofrimento sem lutar. Se é um caso extremo, onde a dor é inescapável e insuportável, há sempre a alternativa totalmente válida do suicídio, que era a coisa mais sensata que ele poderia ter feito (é por isso que o final de Thelma & Louise não soa como uma tragédia e sim como um triunfo, um grito de liberdade de pessoas livres que se recusam a viver num nível sub-humano). Neste único caso, o suicídio não seria uma derrota, e sim uma afirmação da vida.

As pessoas muitas vezes confundem silêncio com conteúdo - Biutiful é tão vazio quanto Sex and the City 2 por exemplo (Lars von Trier consegue mostrar o horror sendo inteligente, criativo, original). A diferença é que quando você é vazio retratando a beleza, as pessoas chamam isso de "fútil". Quando você é vazio retratando a sujeira, elas chamam de "profundo". Pra mim ambos os casos são negativos, embora o primeiro seja superior.

Acho sempre ridículo e contraditório um artista tentando retratar de maneira tão enfática que a vida é um horror e que o homem é deplorável - será que no fundo ele realmente pensa isso? Pense bem: o interesse em fazer arte em si já é uma demonstração de algo positivo - significa que a pessoa é livre, que tem condições boas de vida, que tem interesse no mundo, que deseja se comunicar, mostrar suas habilidades, expressar suas ideias, etc. Um artista sempre tem um certo nível de autoestima e vaidade, e por mais que se esforce, não consegue ser convincente "desglamourizando" e condenando o mundo e as pessoas por completo (um mendigo na rua pode, um suicida pode, mas não um cineasta livre exercendo sua profissão).

Ele pode mostrar o protagonista urinando sangue - mas observe: nunca vai mostrar uma flatulência. Isso mesmo! Pode procurar... Pegue todos esses filmes "realistas" que estão na moda, esses diretores anti-Hollywood que dizem que o cinema deve mostrar a "verdade" sem glamour, que se orgulham de mostrar um retrato cru do homem... Nenhum deles mostra o protagonista soltando uma flatulência, defecando. Porque aí eles perderiam a classe, ofenderiam o próprio senso de dignidade. Vomitar e mijar sangue tudo bem. Mostrar o Javier Bardem de fralda, cheirando cocaína, ou então mostrar um cadáver em decomposição em close - isso tudo é "realismo"; essas imagens, por mais grotescas que sejam, ainda garantem ao diretor certo prestígio por ser tão "corajoso". Mas comece a refletir sobre a ausência das flatulências e você vai ver que esse realismo "cru" e violento no fundo é uma farsa e que, de uma maneira distorcida, ainda é uma expressão de vaidade do autor. 

O filme foi dirigido por Alejandro González Iñárritu (Babel, Amores Brutos, 21 Gramas) e foi indicado a 2 Oscars: Melhor Ator (Javier Bardem) e Melhor Filme Estrangeiro (México).

Biutiful (MEX/ESP, 2010, Alejandro González Iñárritu)

INDICAÇÃO: Quem gostou de Ensaio Sobre a Cegueira, Mar Adentro, 21 Gramas, Antes do Anoitecer, etc. Mas se você tiver prazer vendo este filme, ouso dizer que está com sérios problemas na vida.

NOTA: 2.0

5 comentários:

Laura Catta Preta disse...

me convenceu a não ver um filme que eu não queria ver

Cristiano Contreiras disse...

Poxa, primeira crítica negativa que leio sobre 'Biutiful', mas minha curiosidade ainda é grande. Acho que é um filme que deva ser conferido, ainda mais por Bardem que é um grande ator.

Abraço

Finalmente consegui te linkar ao meu blog e te sigo. Apareça, partner!

Saulo disse...

Muito bom! Cada vez mais me convenço de que você é de longe um dos melhores críticos em atividade no Brasil. Pauline Kael would be proud.

Caio Amaral disse...

Cristiano, vá ver o filme pois ele rende uma boa discussão depois. Só lembre de comprar bastante pipoca, bala, etc, pra ajudar o tempo passar, rss.

Obrigado CordelieK! Me sinto honrado só de ser mencionado num parágrafo junto com a grande Pauline, hehe.

Tiffany Noélli disse...

Você é um grande crítico mesmo, amaria ver vc comentando o Oscar ao vivo!!!! Deve ser bem divertido.... Beijossss