sexta-feira, 13 de março de 2020

Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica

(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- Idealismo Corrompido: Pra variar, em vez de personagens admiráveis, inspiradores, a Disney/Pixar volta a focar em losers, personagens comuns, que refletem o adolescente típico, inseguro, sem autoestima. É quando o Anti-Idealismo se esconde sob uma roupagem Idealista pra manter seu aspecto comercial - externamente, parece uma história sobre coragem, aventura, magia, superação - mas no fim a mensagem é sobre não ter que ser heroico, sobre aceitar suas fragilidades, limitações, aceitar a perda, dizer que no fim só precisamos de afeto, fraternidade, etc.

- Em vez de trazer a magia pro mundo real, o filme acaba tentando criar escapismo dentro de algo que já é uma fantasia, o que não tem muito impacto (precisamos de um contraste com o real pra nos encantarmos pela magia). Uma vez que você já está num mundo mágico, onde as pessoas têm dragões de estimação que soltam fogo pela boca, não há muita graça ver esses personagens se surpreendendo com a existência de um poder ainda mais mágico.

- Acho fraca a ideia do pai que só se forma da cintura pra baixo. Se fosse só uma cena rápida tudo bem, mas como um tema pro filme inteiro, não é algo que cria situações interessantes, que gera algum tipo de significado, ou que simplesmente seja um conceito bom, atemporal, visualmente interessante (um homem invisível, por exemplo, é interessante pois leva a discussões sobre privacidade, um homem disfarçado de mulher cria situações cômicas e discussões sobre gênero, um humano num corpo de animal também gera boas possibilidades, ou um morto se passando por vivo como em Um Morto Muito Louco - agora um pai que é apenas um par de pernas... é um conceito meio nada a ver, sem carga emocional).

- Inicialmente achei interessante a premissa de um mundo onde a magia foi esquecida, onde as pessoas se habituaram a uma realidade banal, sem encanto. Dava a impressão de que o filme seria sobre resgatar essa magia, voltar a viver num mundo interessante (talvez uma crítica aos tempos atuais). Mas no fim, a história não tem nada a ver com isso. É sobre os 2 irmãos tentando se reconectar com a figura paterna. A introdução acaba parecendo enganosa, deslocada. É como se os roteiristas tivessem pensado numa premissa interessante pra um outro filme, mas no só fim jogaram ela aqui na introdução sem desenvolver direito o tema depois.

- O roteiro não se leva a sério, reparem como tudo acontece de maneira tola, fácil, pouco convincente: a ideia deles usarem um jogo ou um menu infantil como base pra encontrarem a pedra mágica, a maneira súbita como a Manticora muda de personalidade, a forma como Barley conclui que a fonte é o local onde está a pedra, a mãe decidindo lutar contra o dragão... Nada é pra convencer, pra parecer possível, o que é uma característica típica do Anti-Idealismo (a aventura é algo desimportante na cabeça dos autores, então tudo bem que a trama não seja convincente, que os protagonistas não pareçam inteligentes de fato, o que importa é a mensagem 'humana'").

- SPOILER: Como não poderia faltar, o clímax envolve um sacrifício gratuito do protagonista pra mostrar como ele é altruísta (já tínhamos visto 1 antes, quando Barley destrói a própria van numa cena que não fazia o menor sentido). Ou seja, depois de tudo, Ian abre mão do seu maior sonho em favor do irmão, que ele mesmo sempre viu como um inútil. Ou seja, a Disney ("Where Dreams Come True") agora diz pro público que o nobre é abrir mão de seus sonhos, desistir de seus objetivos, especialmente se for em favor de alguém mais fraco, menos merecedor.

Onward / EUA / 2020 / Dan Scanlon

NOTA: 5.0

9 comentários:

Leonardo disse...

Que bom que não parou :)

Caio Amaral disse...

Preciso de um empurrãozinho de tempos em tempos hehe.

Unknown disse...

Vamos te empurrar sempre e o presente quem ganha somos nós com as críticas de quem realmente entende do assunto 👏

Caio Amaral disse...

Ficaria grato 👏 se mantenho o blog há tantos anos, é porque em partes escrevo para mim.. encaro como uma espécie de diário ou lugar pra lapidar minhas ideias.. só que quanto mais passa o tempo, mais as ideias vão ficando consolidadas.. e menos eu sinto a necessidade de escrever pra mim apenas, só pra entender melhor por que tive determinada reação, etc.. as explicações vão ficando mais óbvias, automáticas.. então se vejo um filme como Onward, na minha cabeça já sei instantaneamente o que vejo de errado no filme, sem precisar refletir muito depois, elaborar um texto.. já tenho textos aqui justificando as principais objeções que tenho à maioria dos filmes.. então hj em dia minha motivação no blog é mais compartilhar esses pontos de vista com os outros, promover as ideias pra que elas tenham algum impacto por aí.. Por isso ter gente lendo e demonstrando interesse (e também fazendo perguntas, me questionando) é cada vez mais relevante pra eu continuar postando 🙏😉👌

Anônimo disse...

A própria Pixar parece que teve consciência de que esse Onward era fraco, para tê-lo lançado tão distante do período de férias escolares, e a bilheteria ruim ficar menos vergonhosa.
Pedro.

Caio Amaral disse...

Devem apostar mais no "Soul" talvez né!

Anônimo disse...

Esse "Soul" parece ter uma premissa mais interessante, apesar dela lembrar um pouco a do "Coco".
Falando em lembrar esse negócio do pai em Omward aparecer só com a parte de baixo do corpo faz lembrar aquele desenho "A Vaca e o Frango".
Pedro.

Caio Amaral disse...

Nunca vi A Vaca e o Frango, Pedro.. A Pixar em geral é boa de conceitos e premissas pra filmes.. mas nem sempre em aproveitar o melhor delas né.

Anônimo disse...

Nem vale a pena ver A Vaca e o Frango, só lembrei dele porque nesse desenho os pais nunca eram mostrados da cintura pra cima, e algumas cenas davam a entender que eles não tinham a parte superior do corpo. Naquele caso era uma piada com as animações que escondem os personagens adultos, total ou parcialmente (Peanuts, Muppett Babies, etc.).
http://pisceanrat.blogspot.com/2017/06/cow-and-chickens-mom-and-dad-bodies.html
Pedro.