terça-feira, 6 de julho de 2021

Rua do Medo: 1994 - Parte 1

A primeira coisa que estranhei no filme é o fato dele não parecer ter muita noção da década que está retratando — a maioria dos filmes referenciados são dos anos 70/80, não dos anos 90, e esse monte de neon e luzes coloridas no pôster e na fotografia nos transportam muito mais pra 1984 do que pra 1994 (nem mesmo Pânico tem essa estética). Na minha última crítica, comentei como A Guerra do Amanhã pelo menos tentou honrar os filmes dos anos 80/90 nos quais ele se baseia. Este aqui faz o oposto. Ele apenas recria (muito preguiçosamente) alguns elementos visuais de filmes de terror da época (como faz Stranger Things), mas as semelhanças terminam nesse nível mais superficial. Em termos de atmosfera, estilo cinematográfico, valores, o filme vai na contramão do entretenimento da época, e reforça o que há de pior na cultura atual.

A história é tão confusa e mal contada que nenhum espectador deve se enganar que a intenção do filme é de fato te envolver com o suspense, provocar sustos, criar tensão através dos acontecimentos em si (como faziam os slashers). O terror aqui é apenas um pano de fundo irrelevante pra diretora mostrar como ela é cool por modernizar o gênero inserindo toques progressistas na história, falando de conflitos de classes, relações LGBTQIA+, insegurança geek, colocando atores que não parecem astros como protagonistas (o tipo de "casting naturalista" que é popular hoje), etc. O espectador não participa ativamente da narrativa. Fica apenas assistindo os personagens virem a cada 5 minutos com uma nova teoria nonsense para explicar os assassinatos, e depois bolando estratégias igualmente incompreensíveis para escapar deles. Pegue, por exemplo, a cena em que a garota na van diz para os amigos que o monstro está perseguindo eles por causa do sangue respingado na camiseta de um dos garotos (que convenientemente nunca troca de roupa). Como ela chegou a essa conclusão? Não temos ideia. É apenas mais uma hipótese arbitrária que o espectador tem que aceitar passivamente, sem base alguma pra acreditar — e com base nessa ideia, eles então partem para a próxima fase do plano, que é igualmente sem nexo, nos deixando cada vez mais desconectados da ação (o momento onde um dos personagens traça um paralelo entre o monstro e o Tubarão do filme de 75, pra prever seu comportamento já que ambos gostam de sangue, é a mais péssima das tentativas do filme de enfiar referências a clássicos nas conversas).

Como falei de Luca, é um filme que só funciona pra um tipo de espectador que já perdeu a capacidade de se encantar com o cinema, de "suspender sua descrença" pra acreditar momentaneamente no fantástico (o que exige muita inteligência e persuasão por parte do filme), e agora assiste filmes apenas pra avaliar as ideias sócio-políticas sendo sinalizadas pela história, checar se aprova ou não o "conceito" do diretor, não pelo prazer real de assisti-los.

Fear Street Part 1: 1994 / 2021 / Leigh Janiak

3 comentários:

Dood disse...

Fico triste com filmes indo por esse caminho de panfletagem.

Anônimo disse...

Então não fui o único a notar problemas de elenco nos filmes dos últimos anos. Esses dias vi alguns filmes com atores negros nos anos 90 e notei como eles realmente pareciam personagens, tinham o rosto, a maquiagem e o penteado adequado para o papel e eles pareciam fazer parte do mundo da história. Hoje em dia os atores étnicos todos tem cara de revoltados ou de vítimas, se vestem como se fossem revolucionários, tem penteados e características físicas cada vez mais próximas de tribos (todo personagem árabe agora tem que usar pano na cabeça e mostrar que o islã não é tão cruel como os americanos dizem, por exemplo) e mais distante do espectador "mundial" e acabam parecendo mais com caricaturas do que com pessoas.

Também achei estranho usar o visual dos anos 80 como se fosse dos anos 90. O que demonstra que o público mais jovem já atingiu uma fase de ignorância e de falta de senso crítico no campo do cinema que fica difícil aceitar que eles são o futuro da racionalidade quando criticam pessoas mais velhas que negam a pandemia e a vacina.

Caio Amaral disse...

Dood - é o que dá prestígio hoje né :-/

Anônimo - pretendo fazer um post em breve comentando esse fenômeno.. mas realmente, o entretenimento hoje é muito mais preocupado em ser politicamente correto, inclusivo, representativo, do que em ser prazeroso, talentoso, etc. E mesmo quando não existem essas caricaturas étnicas.. existe a tendência de evitar atores que projetem uma imagem muito superior à média da população.. como se a velha noção de astro de cinema fosse opressora, não inclusiva, etc. abs.