sábado, 11 de outubro de 2025

Update: Faculdade

11/10 — Entrei em uma faculdade de Psicologia neste 2º semestre e apenas como um relato do tipo de coisa que tem sido ensinada pelos professores, vou postar abaixo um trecho da minha aula de Psicologia Social desta semana:

Como um outro professor já admitiu, não existe Psicologia Social que não seja marxista no Brasil. Porém, Psicologia Social não é a única matéria que estou cursando neste semestre. Nas aulas de Solução de Conflitos, por exemplo, o viés marxista é quase tão escancarado. Nesses primeiros dois meses, ouvi falar muito mais de Karl Marx e Paulo Freire do que de Freud e Jung.

Decidi começar a ler por conta própria livros sobre Psicologia e História da Psicologia para tentar absorver um pouco de teoria e me situar melhor no curso, pois o método de ensino é realmente caótico. Não só porque já estão dando no 1º semestre matérias avançadas que pressupõem uma base prévia em Psicologia, deixando todo mundo perdido, mas também porque os professores têm certo desdém pelo método científico e promovem aquela mentalidade pós-moderna de que tudo é relativo, de que não existem verdades absolutas, de que professor e aluno "aprendem juntos" etc.

Eu já sabia que as faculdades tinham esse tipo de agenda política, mas imaginava que seria algo inserido discretamente no meio do ensino da disciplina, que seria o foco principal. Porém, a impressão que estou tendo é quase a oposta: de que a "conscientização política" é o foco principal e, no meio disso, eles ensinam uma ou outra coisa útil para o exercício da profissão.

De uma forma meio distorcida, até que está sendo interessante. Por enquanto, não tenho aprendido muito sobre psicologia em si, mas tenho aprendido algo sobre as instituições e sobre como a cultura ao nosso redor é moldada.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Outubro 2025 - outros filmes vistos

Tron: Ares (2025 / Joachim Rønning) — Imagens e sons bonitos, mas pura mediocridade no nível da história, dos diálogos, do elenco, das mensagens (é daqueles filmes tipo Avatar que te atraem pela tecnologia e pelo alto valor de produção, mas daí trazem um enredo anti-capitalista pra “equilibrar”). 

Na minha viagem recente pra Orlando, tive uma impressão muito forte: a de que os parques da Disney representam algo muito mais grandioso e vital para a empresa do que a divisão de cinema. E talvez isso explique, em parte, a mediocridade dos filmes. Em muitos casos, os produtores não estão tentando criar obras duradouras, que sejam fins em si mesmas. O verdadeiro produto é o parque — e os filmes servem principalmente para manter as atrações “quentes” no imaginário popular. A montanha-russa do Tron, inaugurada em 2023, é atualmente a atração mais disputada do Magic Kingdom (a Disney de Xangai tem uma desde 2016). Faz sentido, portanto, produzir mais filmes da franquia Tron pra manter o brinquedo em alta. O mesmo vale para novos conteúdos de Star Wars, sequências de Avatar e remakes live-action dos clássicos. A reforma atual da Frontierland trará uma nova área baseada em Carros — então, se uma sequência de Carros for anunciada nos próximos anos, vocês já sabem o motivo. Ou seja, com raras exceções, a Disney tem feito filmes não com a mentalidade de quem vê o cinema como sua própria experiência, mas com a mentalidade de quem produz aqueles vídeos temáticos que passam na fila do brinquedo. 

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

IA e Criatividade

Temos visto cada vez mais pessoas realizando trabalhos artísticos com o uso da IA. Isso vem levantando uma série de discussões a respeito do papel da arte, mas nenhum debate pode ser satisfatório se ignorar um princípio central: certos produtos humanos — como a arte — não são meramente utilitários. Não são como um pedaço de pão, que serve apenas para matar a fome, sem que importe de onde ele veio, quem o preparou etc. Certos produtos têm valor porque refletem as virtudes e qualidades pessoais do criador — seu interesse não está meramente no objeto à sua frente, mas também no que ele revela a respeito da pessoa que o criou. 

Fazendo uma analogia, o valor de uma fotografia não está apenas no prazer que as cores e formas que ela revela provocam nos seus olhos. Boa parte do valor está na suposição de que aquela imagem representa algo que existe no mundo real. Se você adultera totalmente a foto, ela perde esse valor documental. Já quando vemos uma obra de arte — uma pintura, por exemplo — não assumimos que ela reflete uma realidade física exata. Seu valor depende de ela refletir outro tipo de realidade — a do artista: o que inclui não apenas suas ideias, visões e valores, mas também suas capacidades e talentos.

Frequentemente, somos inspirados mais pelas virtudes do artista representadas em uma obra do que pela "mensagem" em si ou pelo conteúdo. Pense nos seus artistas favoritos e no quanto o fato de eles demonstrarem habilidades extraordinárias em seu trabalho pesa na sua admiração. O Davi de Michelangelo teria grande apelo se tivesse sido feito por uma impressora 3D, e tivéssemos que avaliá-lo apenas pela ideia do criador, e não também pela execução?

Pra mim, esta é a discussão central no que diz respeito à IA e à criatividade. As virtudes e habilidades reais do artista importam? Ou apenas a intenção, a visão geral? Quem não vê problema em criar arte com IA parte do princípio de que apenas a visão geral conta — o “gosto” do artista — pouco importando suas reais capacidades. Já para quem acha que a arte deve refletir os talentos do artista, criar com IA parece uma espécie de fraude — quebra o contrato implícito que sempre existiu entre artista e espectador: o de que a obra reflete tanto a visão quanto as habilidades do criador. Pra esse espectador, apreciar arte criada por IA é como estar na posição de um professor corrigindo redações escritas com o ChatGPT: tentando se concentrar apenas na intenção e nas decisões amplas que governam o texto, mas sem ter como saber se o aluno entendeu a matéria, se sabe escrever ou se é semi-analfabeto.

Acho que é um engano pensar que o artista que cria com IA será admirado pelo seu “dom” de criar prompts, da mesma forma que um diretor de cinema é celebrado como o autor de um filme, mesmo dependendo de outras pessoas para executar sua visão. A partir do momento em que você introduz a IA no jogo, o espectador já não confia mais na autenticidade plena da obra. Ele não tem como saber se a IA está apenas executando as ideias originais do autor ou se está “tendo ideias” por ele (copiando de outras obras). Assim, a arte deixa de refletir a realidade interna do artista e perde um de seus atributos mais essenciais — como no caso de falsificações. 

Não acho que a IA generativa deva ser banida. Mas acho que se tornará crucial para o espectador saber quando um trabalho criativo foi feito com a ajuda de IA — e o que exatamente a IA fez (por exemplo: se um roteirista a usou apenas para correções ortográficas, se a usou para criar diálogos ou se a premissa inteira do filme foi baseada na IA).

Se o mundo começar a ser inundado de arte criada por IA e o devido crédito não for dado, será como viver em um mundo distópico no qual não confiamos mais em fotos, vídeos e em nenhuma forma de registro. Nada mais será um reflexo confiável da realidade ou das capacidades de ninguém. A pessoa que quiser ser apreciada por suas reais capacidades terá que achar formas de provar que não usa IA — da mesma forma que cantores talentosos hoje precisam divulgar que não usam autotune e não fazem playback em shows, pois o normal é o público já desconfiar. A IA é o "autotune do cérebro" — uma ferramenta que permite que você pareça virtuoso em inúmeras atividades nas quais não é. Portanto, devemos usá-la com prudência e evitá-la quando a presunção do público for a de que aquelas são as suas habilidades.

Índice: Artigos e Postagens Teóricas

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Uma Batalha Após a Outra

Há uma cena de perseguição de carros no final de Uma Batalha Após a Outra que é tão brilhantemente concebida e executada que arruinou meus planos de falar apenas mal do filme. No nível do roteiro, a cena nem faz tanto sentido (como o cara sabe que Willa está naquele carro? E o DiCaprio?), mas ignorando esses detalhes, é um momento de puro cinema: que outra arte seria capaz de transformar o simples sobe e desce de uma estrada naquele balé vertiginoso de carros? É uma forma criativa e memorável de filmar uma perseguição (normalmente, usa-se lente grande-angular para aumentar o senso de velocidade, e aqui o filme faz o oposto) — e não é um truque estilístico desconectado da função narrativa: se não fosse pelo achatamento e pelo senso de desorientação espacial criado pela lente teleobjetiva, não seria tão convincente o acidente que encerra a perseguição.

SPOILERS: O filme não acaba aí, e a segunda cena mais eficaz do longa vem logo depois: a conversa entre DiCaprio e a filha, na qual ele revela a verdade sobre sua mãe, Perfidia. Não é uma cena que funciona tão bem para mim, pois ela exige que você tenha uma simpatia pelos personagens que eu não desenvolvi ao longo da narrativa. Mas é uma maneira inteligente de concluir a história. Se você estiver alinhado ideologicamente com o filme — se estiver torcendo para a família ter um final feliz e achar empolgante a ideia de Willa se tornar uma revolucionária como a mãe — você sairá da sala em êxtase após esses 20 minutos finais.

Mas eu não estava tão alinhado. E nem só pela questão política. Sempre acho difícil me envolver com histórias que focam apenas em figuras decadentes, corruptas, ridículas (filmes do Tarantino, por exemplo). Se o filme fosse uma sátira pura, que apenas ridiculariza ou condena os personagens, não haveria tanto problema. Mas Uma Batalha Após a Outra é parte sátira e parte thriller de ação que espera que você torça pelos protagonistas, por mais falhos que eles sejam.

Quanto à trama, é uma geringonça que desafia qualquer resumo: há um prólogo de meia hora, um salto no tempo de 16 anos, uma longa introdução a esse novo contexto, e só depois de 1 hora um enredo mais focado é apresentado, quando o personagem de Sean Penn começa a caçar a filha. Mas mesmo aí, o filme permanece confuso, pois há várias tramas paralelas se desenvolvendo simultaneamente, e boa parte do tempo é gasta com o personagem do DiCaprio, que é praticamente inútil para a ação central. Se você for pensar, Lockjaw (Penn), a filha e Perfidia deveriam ser os protagonistas, os fios condutores da história, mas o filme decide focar no DiCaprio — um maconheiro que mal sabe o que está acontecendo na maior parte do tempo. Paul Thomas Anderson se deleita nesse caos, criando praticamente um "stoner movie". Se não fosse pelo foco que o filme ganha na reta final, minha avaliação geral não seria muito superior à de Vício Inerente — outro filme de PTA adaptado de um livro de Thomas Pynchon, do qual não gostei quase nada.

Mas Uma Batalha Após a Outra tem alguns méritos inegáveis, incluindo Sean Penn em uma das performances mais memoráveis de sua carreira. Apesar do meu desdém pelo teor geral da história, meu respeito por talento e autenticidade me força a reconhecê-los.

One Battle After Another / 2025 / Paul Thomas Anderson