segunda-feira, 11 de março de 2024

Recap: Oscar 2024

Não retiro nada do que disse na minha Prévia do Oscar. Mas levando tudo em conta — os indicados, o que já era esperado, e os resultados finais — acho que o Oscar 2024 foi um passo significativo em direção à sanidade. Tenho minhas críticas a Oppenheimer, mas não fico indignado dele ter levado os prêmios principais, primeiro por ser aquele filme evento do ano que é sucesso de público e crítica, e que há muito tempo o Oscar não reconhece. Mas também por ser um dos trabalhos mais maduros do Nolan. Ele é o cineasta mais bem-sucedido e influente das últimas 2 décadas e provavelmente acabaria ganhando um Oscar cedo ou tarde — acho mais saudável que tenha sido por Oppenheimer do que por um filme como Dunkirk, por exemplo (achei um pouco forçado colocar o Spielberg pra entregar a estatueta, como quem passa a tocha, mas é o que "temos pra hoje" no cinema, em termos de um diretor extremamente popular que se diz também um guardião das boas tradições cinematográficas).

Emma Stone ter ganhado em vez da Lily Gladstone também achei um bom sinal — se tanto a Lily quanto a Da'Vine tivessem ganhado, eu concluiria que a questão da representatividade ainda é um fator indiscutível na cabeça dos votantes. Mas o prêmio ter ido pra Emma sugere um voto meritocrático que pode refletir um enfraquecimento deste fator. Os 2 prêmios pra roteiro achei totalmente justos. Os prêmios pra Pobres Criaturas nas categorias de arte também. Vejo o som de Zona de Interesse muito mais como um gimmick e também como uma decisão criativa já do roteiro, não como um grande trabalho técnico necessariamente, mas tanto essa vitória quanto a de Godzilla Minus One (pra Efeitos Visuais, que achei ótima) são positivas no sentido de mostrarem a Academia querendo valorizar o impacto dramático da técnica, não apenas o filme mais caro e tecnológico. Em um ano em que tantos blockbusters caros fracassaram por falta de visão artística, e a Inteligência Artificial mostrou que em breve nada estará fora do alcance do ponto de vista técnico, acho que esse é um movimento natural e positivo. Eu não gostei nada de O Menino e a Garça, mas como as outras animações não eram muito melhores, o prêmio pra mim não foi a coisa mais revoltante da noite (até porque nessa categoria acho que leva-se em conta também a parte técnica da animação, e nesse ponto o filme do Miyazaki é respeitável). Wes Anderson ganhar por Melhor Curta achei merecido — assim como no caso do Nolan, Wes é um diretor que se tivesse ganhado o Oscar por um longa anterior, eu teria achado forçado. Mas aqui ele acaba vencendo por um trabalho em que ele mostra hábitos melhores como artista.

Eu teria dado Filme Internacional pra A Sociedade da Neve, mas a categoria de filme estrangeiro, assim como as de Documentário e Curtas, sempre foram os prêmios Não Idealistas do Oscar, o momento em que a Academia usa pra se mostrar "altruísta", politicamente engajada etc. Não acho merecido, mas pelo menos é algo dentro da normalidade. E esse senso de normalidade é o que fazia tempo que eu não se sentia vendo a premiação, que nos últimos anos parecia sempre fazer um esforço extra pra ir na direção do Anti-Idealismo (vamos ver se essa boa vontade dura muito tempo com o possível retorno de Trump à presidência).

A cerimônia em si também achei melhor que de costume — fiquei de mal humor 90% do tempo mas não por culpa do evento, e sim da transmissão da TNT, que cortou vários minutos da transmissão original, ou por puro erro/incompetência, ou por querer dar mais tempo de tela pra Ana Furtado e pras péssimas comentaristas.

Mas achei os discursos dos vencedores menos cansativos, com mensagens mais positivas, houve menos momentos desconfortáveis de pessoas sendo cortadas pela música, os comentários políticos também não foram tão indigestos, pois Hollywood por sorte parece estar do lado certo nos conflitos do momento (Rússia, Oriente Médio). O Jimmy Kimmel eu nunca gostei muito como host. Ele teve alguns deslizes (como a piada infeliz com o Robert Downey Jr.) e não teve grandes acertos pra compensar. Fica alguém que atrapalha pouco, mas que também não eleva o padrão do evento. Outros apresentadores, no entanto, renderam bons momentos de humor. Curti a reunião de Schwarzenegger e Danny DeVito (e o link perfeito feito com Michael Keaton); o John Cena nu no palco apresentando o prêmio pra Melhor Figurino; a Rita Moreno usando "America" de West Side Story pra iniciar o discurso pra America Ferrera — pequenos detalhes assim deram a ideia de uma festa pensada com mais carinho e cuidado. "I'm Just Ken" foi um número divertido (a canção acho cínica e não particularmente boa, mas era a oportunidade ideal pra se criar o momento espetacular na noite, e a execução surpreendeu). Só o Al Pacino bêbado no final anunciando Melhor Filme que achei meio caótico... Acho que nem o Warren Beatty e a Faye Dunaway aparecendo ali de novo teriam conseguido deixar a leitura do envelope mais angustiante.

Um comentário:

Caio Amaral disse...

"os comentários políticos também não foram tão indigestos, pois Hollywood por sorte parece estar do lado certo nos conflitos do momento"

Quando o Jonathan Glazer ganhou por Zona de Interesse, eu só registrei a parte do discurso em que ele diz lamentar por todas as vítimas da guerra, tanto do lado de Israel quanto de Gaza — o que já me pareceu uma dessas equivalências morais comuns na mídia. Mas me escapou o que ele tinha dito logo antes disso, que foi muito pior, e que ainda foi recebido com uma salva de palmas. Então retiro parcialmente esse comentário sobre Hollywood parecer estar do lado certo dos conflitos... Não me surpreende, no entanto, Glazer pensar isso, considerando o filme dele.