segunda-feira, 29 de abril de 2024

Rivais

ANOTAÇÕES:

- O filme abre com um uso interessante de edição, música, fotografia, e tem uma estética atraente — porém a ausência de propósito narrativo nessas cenas iniciais já indica que o filme será do tipo "estilo acima de conteúdo". A ênfase está mais no apelo sexual dos atores e na estética "trendy" do que em fazer o espectador entender o que está acontecendo.

- Na primeira meia hora, você só entende que os dois amigos (Art e Patrick) brigaram em algum momento do passado por causa da personagem da Zendaya (Tashi), e que há algo simbólico agora no fato deles estarem disputando uma partida de tênis. Mas você ainda não sabe o significado do conflito, que valores estão em jogo, por que você deveria se importar por um ou por outro. (O filme tem um tipo de narrativa "retroativa" que eu não gosto muito, pois quase nada relevante acontece no tempo presente da história, e esse formato também te distancia dos personagens; o espectador pega a história já com o bonde já andando, e o filme se torna uma grande exposição de fatos via flashbacks, pra que só no fim a gente entenda a situação e quem são realmente os personagens.)

- Há um deslumbramento com o estilo de vida das elites que soa meio materialista e provinciano, como se fosse um olhar platônico de um outsider. Me lembra um pouco os filmes mais recentes do Woody Allen, desses que jovens atraentes viajam pela Europa e só fazem coisas estereotipadas de pessoas ricas, deixando tudo meio posado e artificial.

- Os atores estão bem, especialmente Josh O'Connor e Mike Faist. Já a Zendaya continua não me convencendo muito — alguém inventou que ela precisa sempre interpretar essa mulher de atitude, confiante, calejada, que não aceita papo furado de ninguém, só que pra mim o rosto dela não projeta nada disso.

- SPOILERS: O homoerotismo às vezes beira a paródia. Há aquela teoria na internet que Top Gun (1986) seria uma história gay, que dá toda uma leitura alternativa pras cenas de vestiário etc. É como se o Luca Guadagnino tivesse ouvido essa teoria e pensado: que tal fazer um filme, mas que seja realmente sobre isso?! Aí criou uma história em que amigos supostamente heterossexuais conversam nus em saunas, têm uma intimidade mais que suspeita, estão sempre se entreolhando enquanto comem bananas e outras coisas de formato fálico etc. Até a câmera consegue tornar homoeróticos certos momentos que não seriam caso fossem filmados por outro ângulo — um plano, por exemplo, destaca desnecessariamente a proximidade do pé de um amigo em relação ao rosto do outro; o cúmulo é a cena em que o Art está conversando com a Tashi no quarto, e quando ele se debruça sobre a cama, a câmera faz um movimento inexplicável que dá a impressão que o cinegrafista queria voar direto pro traseiro dele mas no meio do caminho resistiu à tentação. E todo esse homoerotismo no fim parece gratuito, algo que existe só pro deleite do cineasta, já que Art e Patrick não parecem ser de fato bissexuais, e essa suposta atração não tem consequência narrativa.

- As caracterizações e os conflitos são mal elaborados, confusos. Pra começar, não dá pra acreditar que a Tashi decidiu namorar o Patrick só com base em quem venceu aquela partida de tênis (se ela fez isso e eles aceitaram, então estamos falando de pessoas malucas, fúteis, e não há por que levar a sério os dramas que eles vivem). Não dá também para entender a briga geral quando ela machuca o joelho: por que ela fica revoltada quando Patrick aparece na enfermaria, e por que isso leva ao fim do namoro dos dois e ao fim da amizade entre Patrick e Art? Teria que ter acontecido algo muito mais grave e imperdoável pra gente acreditar que dez anos depois eles ainda estão se tratando de maneira ríspida pelo que houve.

- Graças aos cabelos, a não-linearidade da história não chega a confundir totalmente. Mas os saltos no tempo são excessivos e às vezes parecem um experimentalismo gratuito só para quebrar as regras.

- Como já sabemos qual é a situação dos personagens no futuro (no tempo presente do filme), as "reviravoltas" que ocorrem nos flashbacks (traições, acidentes etc.) não geram a mesma preocupação e interesse que gerariam numa narrativa linear, onde o espectador não sabe ainda as consequências daquilo. Os flashbacks servem mais para dar um contexto maior pra partida final, e fazê-la parecer mais dramática. A ideia do filme até que é interessante: pegar um jogo de tênis que inicialmente não parece ter maiores significados, e aos poucos transformá-lo num duelo épico conforme o espectador aprende mais sobre o passado dos personagens. O problema é que como as caracterizações e os conflitos são superficiais, mal elaborados, a disputa nunca ganha essa dimensão toda. Que valores estão em jogo? A disputa entre Art e Patrick é um duelo entre o que? Bem vs. mal? Lealdade vs. deslealdade? Disciplina vs. talento inato? Se um ganhar ou o outro ganhar, qual a mensagem?

- A ideia de Art nunca ter ganhado de Patrick é meio forçada. Serve para passar essa ideia que Art é o que tem a disciplina mas Patrick é quem tem a "raça", o talento bruto pro tênis. Mas se Patrick pudesse consistentemente vencer de um dos tenistas mais prestigiados do mundo, faria sentido ele ser um jogador tão desconhecido e fracassado?

- As tomadas da arquibancada com as cabeças acompanhando a bola e só a da Zendaya fixa num ponto seriam mais memoráveis se não fossem tiradas diretamente de Pacto Sinistro (1951).

- SPOILERS: A Tashi pedir pro Patrick perder o jogo de propósito não faz muito sentido, vai contra a treinadora intransigente que ela se mostrou o filme todo, sem falar que isso, junto com o fato dela trair o Art, torna ela detestável. A partir disso, não dá mais para desejar que Patrick e Art voltem a ser amigos, ou que Art e Tashi permaneçam juntos.

- O filme tem várias cenas longas em que você não entende por que a edição é tão espaçada, frouxa. O ápice disso são os últimos momentos do jogo, que é editado de uma das maneiras mais anti-naturais possíveis (mais toques de experimentalismo). 

- SPOILER: O sinal que o Patrick manda para Art através da raquete para desestabilizá-lo é um momento "Arma de Tchekhov" interessante, mas não tão satisfatório. O melhor uso desse recurso narrativo é quando a ideia plantada no 1º ato é distinta o bastante para ser lembrada, mas é tão bem costurada na trama que passa quase despercebida; parece só um detalhe que estava ali por necessidade. Assim, quando a ideia surge de novo no 3º ato se revelando crucial pra trama, é um momento surpreendente e satisfatório, pois revela uma lógica interna irresistível. Woody Allen fez um bom uso disso no contexto do tênis em Match Point. Mas aqui, a maneira como o sinal é introduzido no 1º ato já parece meio forçada (não havia razão para dois amigos íntimos, sozinhos, estarem falando em códigos); então quando a ideia é reutilizada no fim, o efeito não é tão eficaz.

- SPOILER: O final é cheio daquelas ambiguidades e paradoxos que querem se passar por "profundidade", "complexidade". Art ganhou a partida? Parece que sim, mas não fica totalmente claro. Se sim, Patrick perdeu de propósito ou deu o seu máximo? Se Art acabou de descobrir que Tashi o traiu, por que o abraço e o clima de comemoração? Qual será o futuro da amizade dos dois? Do relacionamento entre Art e Tashi? Não sabemos. A mensagem parece ser que o amor é confuso, o ser humano é contraditório, falho, tóxico, mas no fim precisamos uns dos outros. Fica tudo meio no ar, e o filme acaba em um frame particularmente estranho.

CONCLUSÃO: Bons atores, produção bonita, mas sex appeal e estilo não compensam a base fraca da história.

Challengers / 2024 / Luca Guadagnino

Satisfação: 4

Categorias: Idealismo Corrompido (Pseudo-sofisticação / estilo acima de conteúdo)

Filmes Parecidos: Os Sonhadores (2003) / Me Chame pelo Seu Nome (2017) / E Sua Mãe Também (2001) / Três Formas de Amar (1994) / Saltburn (2023)

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