Antigamente o normal em Hollywood era você ver protagonistas admiráveis, figuras exemplares, inspiradoras, que o público saía da sala querendo imitar. Agora os heróis passaram a demonstrar todo tipo de problema, de questões psicológicas, fisicamente se tornaram mais limitados, moralmente ambíguos e questionáveis - isso quando o filme não abandona totalmente o conceito de herói e passa a retratar figuras assumidamente más. Isso tudo faz parte de uma tendência Anti-Idealista que ganhou força nos EUA nesse começo de século. Leiam a postagem "Idealismo Corrompido" pra uma discussão detalhada.
2. Câmera na Mão
Antigamente a câmera na mão costumava ser usada em certos contextos: quando se queria criar um clima de documentário, ou em cenas de ação / suspense (Kubrick com frequência usava câmera na mão em cenas de briga ou de tensão pra criar um clima de instabilidade). Mas é isso que a câmera na mão produz: um clima de instabilidade, improviso, agitação e realismo cru. É um efeito perfeitamente útil em certos momentos, mas quando isso passa a ser a maneira normal de se gravar filmes e séries, a técnica acaba perdendo o sentido e dando um tom de improviso pro filme como um todo: como se o diretor quisesse dizer que ele é despretensioso, não liga muito pra capricho técnico, não está querendo atingir excelência e nem criar um universo muito idealizado.
3. Culto à Dor
É quando o cineasta acredita que sofrimento/dor/violência são coisas dignas de contemplação e usa isso como se fosse um substituto para conteúdo e méritos cinematográficos reais - não como uma técnica pra criar tensão, um contraste pra cenas positivas que virão depois na história e trarão alívio, mas como um fim em si mesmo. Sempre houve filmes agressivos e violentos em todas as épocas, mas o que chama atenção agora é essa atitude estar invadindo o cinema de entretenimento: filmes de grande bilheteria como Batman, Harry Potter, desenhos como Toy Story 3, inúmeras versões "dark" de filmes infantis e contos de fadas (Branca de Neve e o Caçador, etc) - ser sombrio ou pesar a mão na violência e no sofrimento de repente se tornou a forma mais garantida de ser "cool" e respeitável, indicando orgulhosamente pra plateia que o filme não é agradável demais e, portanto, não é "superficial" e "hollywoodiano".
4. Fotografia Dessaturada
Cor é sinônimo de vitalidade, saúde, alegria. Deixar uma imagem com menos cor do que o natural pode ser perfeitamente útil pra criar um clima de melancolia, tristeza, mas muitos filmes hoje em dia que supostamente querem divertir adotam como padrão essa aparência dessaturada (ou azulada, dando um ar de frieza), que pode parecer um detalhe, mas é também reflexo do item anterior: o culto ao sombrio, ao melancólico, ao triste.
5. Auto-Sacrifício
Fico sempre atento a filmes quando eles tentam tornar sacrifício sinônimo de heroísmo. Não vejo problemas em um herói abrir mão de algo importante em sua vida por algum motivo racional (como em Casablanca), ou até em se suicidar quando não se vê mais chances de ser feliz na Terra (como em Thelma & Louise). Mas não admiro sacrifício em nome de um dever, de um senso de responsabilidade por algo externo, que coloca uma obrigação social acima do valor da própria vida do indivíduo. É comum cenas de sacrifício acontecerem nos finais dos filmes, onde no lugar deveriam estar os momentos de maior satisfação da história - observe Guardiões da Galáxia, Frozen, Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge, Detona Ralph, etc.
6. Sequências / Versões / Reboots / Prequels / Adaptações
Na década de 90 nos EUA, os filmes de maior bilheteria do ano foram em sua maior parte histórias originais: Esqueceram de Mim, Aladdin, Forrest Gump, Toy Story, Independence Day, Titanic, O Resgate do Soldado Ryan - e isso também foi verdade nas décadas anteriores. Mas de 2000 pra cá, apenas em 2009 o filme de maior bilheteria foi uma história original (Avatar). Em todos os outros anos, o campeão foi ou uma sequência, ou uma adaptação de um livro ou quadrinho já de muito sucesso: Harry Potter, Homem-Aranha, O Senhor dos Anéis 3, Shrek 2, Star Wars Ep. 3, Piratas do Caribe 2, Homem-Aranha 3, Batman - O Cavaleiro das Trevas, Toy Story 3, Harry Potter 7 - parte 2, Jogos Vorazes - Em Chamas, etc, etc. Uma verdadeira crise de originalidade parece ter tomado conta de Hollywood (ou um verdadeiro medo de investir no novo).
7. Relacionamentos Conflituosos
Quando vejo filmes eu não busco ver apenas personagens admiráveis, mas também relacionamentos admiráveis entre eles. Me chama a atenção não só no cinema, mas em toda a cultura hoje em dia, que a maior parte do tempo nós passamos observando relações negativas entre as pessoas: relações de rivalidade, desconfiança, cinismo, desentendimento, atrito, inimizade, reprovação. Quando estiver vendo um filme, série ou mesmo uma novela, calcule quanto tempo você passa olhando para situações de desentendimento e desarmonia - pessoas discutindo na tela, sendo agressivas umas com as outras - e compare com o tempo que você passa olhando pra algo positivo e desejável, relações que expressam harmonia, admiração, respeito, amor, confiança, aprovação, etc.
Não vejo problema em conflitos entre heróis e vilões, pois nesse caso há o prazer de observar o herói sendo íntegro e defendendo a coisa certa. O problema é que muitos filmes atuais focam em conflitos entre 2 personagens que deveríamos gostar, ou então entre personagens que não são nem heróis nem vilões e não há um conflito claro entre bem e mal - as relações simplesmente são complicadas, ambos os lados têm certas virtudes e certos defeitos, interesses incompatíveis, o que se torna uma contemplação do conflito pelo conflito em si, um culto à "moralidade cinza", ao Senso de Vida Malevolente.
Relações conflituosas funcionam como acordes menores ou mudanças de acordes dissonantes na música - tudo bem usá-los estrategicamente pra criar um contraste, momentos de tensão antes atingir o prazer, mas não como um fim em si mesmo.
8. Comédias Vulgares
As comédias parecem ter se tornado impróprias para menores, e cada vez mais apelam pra escatologia e piadas explícitas envolvendo sexo. Ir ao cinema ver uma comédia com a família está cada vez mais difícil. Isso em parte reflete a diminuição da criatividade em Hollywood, pois é muito mais fácil arrancar uma risada com baixaria do que ter que criar uma frase ou piada engraçada, mas também indica uma perda de inocência na cultura em geral. Do fim dos anos 90 pra cá, as comédias de maior sucesso foram filmes como: Ted, Se Beber, Não Case, Missão Madrinha de Casamento, filmes do Adam Sandler e da turma do Judd Apatow - todos bastante grosseiros (o que às vezes eu gosto, não estou rejeitando totalmente esse tipo de humor, apenas notando o sumiço do outro tipo). Dos anos 90 pra trás, as comédias que dominavam as bilheterias eram visivelmente mais leves: Austin Powers, O Mentiroso, Melhor É Impossível, Clube das Desquitadas, True Lies, Esqueceram de Mim, Mudança de Hábito, Os Caça-Fantasmas, Férias Frustradas, Corra que a Polícia Vem Aí, Os Fantasmas Se Divertem, etc.
9. Realities Mentirosos
Reality shows dominaram a televisão nas últimas décadas, e a influência chegou também ao cinema. Muitos filmes adotaram essa linguagem de documentário - não só filmes do estilo found-footage (Atividade Paranormal, etc), como filmes como Borat ou Vovô Sem Vergonha, que dizem mostrar situações reais. No caso dos found-footage, já está subentendido que é tudo mentira. Mas em filmes como Vovô Sem Vergonha, eles realmente fingem ser situações reais, quando na verdade tudo é combinado. Séries de TV (como as de competição de canto, de chefs de cozinha, modelos, também são quase todas roteirizadas e combinadas, mas se passam por espontâneas). Me pergunto se, além de ser algo revoltante, desonesto e um insulto à inteligência da plateia, se isso não seria inclusive ilegal.
10. Biografias Ofensivas
Em vez de inspirar, biografias têm servido mais pra revelar os podres e o lado negro das celebridades. Sempre que surge algum filme biográfico, sei que é hora de aprender que aquele ídolo que eu tinha em mente na verdade era uma pessoa de caráter duvidoso. O tom dos filmes biográficos é quase sempre de ambiguidade (veja Jersey Boys, Hitchcock, A Dama de Ferro, J. Edgar - e agora no Brasil em Tim Maia, etc). Esses filmes raramente são uma celebração da vida de alguém, mas uma análise cínica, que quer te fazer concluir que sucesso não leva à felicidade, e que ninguém é admirável de fato quando visto de perto.
8 comentários:
Boa matéria. Com relação a biografias ofensivas, recordo particularmente o filme sobre Peter Sellers, estrelado por Geoffrey Rush. Sellers foi um ator e comediante brilhante, e é um fato notório que artistas tendem a ter temperamentos difíceis. Não vi a necessidade de se fazer um filme para expô-lo como mau filho, mau pai, mau marido, mau colega, etc.. O expectador nada ganhou com isso.
Foi um filme produzido pra TV né? "A Vida e Morte de Peter Sellers"? Não cheguei a assistir! Acho que um filme pode até expor as falhas do personagem.. porque em alguns casos seria inclusive desonesto esconder e fingir que a pessoa não tinha problemas.. mas acho que é tudo uma questão de intenção.. alguns filmes incluem as falhas por um senso de respeito aos fatos.. outros incluem pois parecem querer diminuir a estatura do personagem, torná-lo frágil, comum.. é isso que eu detesto.. a não ser quando se trata da biografia de uma pessoa má, tipo Hitler.. daí é outro caso, hehe.
O item 7 é um dos mais notórios. É realmente difícil de ver personagens moralmente defensáveis hoje em dia, ou ao menos situações em que eles agem da maneira correta. Quando aparece alguém que aparentemente luta pela coisa certa, geralmente acaba se transformando naquilo que você define como "herói envergonhado".
Uma série de TV que escapa dessa tendência e eu adoro assistir é The Good Wife. É um drama jurídico que tem uma série de personagens incríveis. Eles vão se desenvolvendo de uma forma que você acaba se afeiçoando a eles. Já chegou a assistir? Acho que você ia gostar!
OBS: Achei estranho a você ter colocado a foto do Frank Underwood no primeiro item. Lá você fala do "herói envergonhado", mas não vejo como ele se encaixa nisso. Ele é simplesmente mau e admite que não tem nada do que as pessoas comuns chamariam de "qualidades", rs.
Oi Rodrigo! O primeiro item está um pouco confuso de fato, pq eu abordei 2 conceitos ligeiramente diferentes e não separei bem cada um.. Eu me refiro à tendência de retratar anti-heróis em geral.. figuras não admiráveis.. Aquilo que eu chamo de Herói Envergonhado é uma sub-categoria disso.. são "quase" heróis.. personagens que deveriam ser heróis, mas que apresentam várias falhas que os diminuem.. já o cara do House of Cards cai só na categoria "Anti-Herói".. mas não seria um Herói Envergonhado, pq a série nem tenta fingir que ele é herói.. então são 2 coisas um pouco diferentes, mas que ainda assim caem na categoria maior de "Anti-Herói". Vou ter q fazer um mapa disso qq dia, hahaha.
The Good Wife eu vi só o primeiro episódio e lembro de ter gostado!! Mas como não vi o resto ainda não deu pra ir me afeiçoando aos personagens como vc disse... vou colocar aqui na minha lista pra assistir mais alguns!!
Faz isso! Os seus mapas são legais, haha. Mas acho que eu entendo o que você quer dizer.
Assista sim! Eu gostei de The Good Wife desde o primeiro episódio, mas lembro que foi lá pelo 10º que eu vi que ia adorar a série. O motivo envolvia o Will Gardner, um dos personagens principais, que estava numa situação bem complicada.
Quero fazer uma postagem esses dias falando de "Romantismo Reprimido".. que é outro desses termos que precisam entrar no mapa, hehe.
Vou ver se assisto mais de The Good Wife então..! Tks pela dica...!
Existe outra moda que me irrita:
Antigamente, sempre que um avião (ou objecto parecido!!!) ia despenhar-se, os heróis, para evitar vitimas civis, procuravam sempre um local deserto...; hoje, nos 'disaster movies' parece que procuram o centro das grandes cidades, a lista é longa...
Ah sim, sem falar em filmes tipo Superman, onde o herói decide lutar contra o vilão no meio da cidade, derrubando prédios e matando milhares de pessoas (claro que o filme não mostra essa parte, rs).
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