segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Arte e Traição Moral

Um dos textos mais interessantes da Ayn Rand sobre arte na minha opinião (retirado do livro The Romantic Manifesto), que fala sobre a função da arte na formação dos nossos valores morais.

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Arte e Traição Moral (Ayn Rand, 1965)

Quando eu vi o Sr. X pela primeira vez, pensei que ele tinha o rosto mais trágico que eu já tinha visto: não era a marca deixada por alguma tragédia específica, não o olhar de uma grande tristeza, mas um olhar desolado de desespero, de fadiga e resignação que parecia ter sido deixado pela dor crônica de muitas vidas. Ele tinha vinte e seis anos de idade.

Ele tinha uma mente brilhante, um ótimo histórico escolar na área de engenharia, um começo promissor em sua carreira - e nenhuma energia pra ir adiante. Ele estava paralisado por um estado de dúvida tão extremo que qualquer tipo de decisão o enchia de ansiedade - até mesmo a questão de se mudar de um apartamento inconveniente. Ele estava estagnado em um trabalho que tinha se tornado pequeno para ele e se transformado numa rotina chata e sem inspiração. Ele estava tão solitário que ele tinha perdido a capacidade de perceber isto, ele não tinha nenhum conceito de amizade, e suas poucas tentativas em relacionamentos amorosos tinham terminado desastrosamente - ele não sabia dizer por que.

Na época em que o conheci, ele estava fazendo terapia, lutando para descobrir as causa de seu estado. Não parecia haver uma causa existencial para ele. Sua infância não tinha sido feliz, mas não pior e, em alguns aspectos, até melhor que a da média. Não haviam eventos traumáticos em seu passado, grandes choques, decepções ou frustrações. Ainda assim sua impessoalidade congelada sugeria um homem que não sentia nem desejava mais nada. Ele era como um monte de cinzas que nunca haviam estado em chamas.

Discutindo sua infância, eu perguntei a ele uma vez com o que ele já tinha estado apaixonado (o que, não quem). "Nada", ele respondeu - depois mencionou um brinquedo que tinha sido seu favorito. Numa outra ocasião, eu mencionei um evento político atual de uma irracionalidade e injustiça chocantes, que ele admitiu ser mau com indiferença. Eu perguntei se aquilo o deixava indignado. "Você não entende," ele respondeu suavemente. "Eu nunca fico indignado com nada."

Ele tinha algumas convicções filosóficas equivocadas (por influência de um curso em filosofia contemporânea), mas seus objetivos intelectuais pareciam uma luta confusa na direção certa, e eu não conseguia descobrir nenhum pecado ideológico maior, nenhum crime proporcional à punição que ele estava sofrendo.

Daí, um dia, quase que como um comentário casual sobre o papel dos ideais humanos na arte, ele me contou a seguinte história. Alguns anos antes, ele tinha visto um filme semi-Romântico e tinha sentido uma emoção que ele não podia descrever, particularmente em relação ao personagem de um industrial que era movido por uma visão apaixonada, intransigente e dedicada de seu trabalho. Sr. X estava falando de forma incoerente, mas transmitindo com clareza que o que ele tinha vivenciado era mais do que admiração por um personagem em particular: foi a sensação de ver um tipo diferente de universo - e sua emoção tinha sido a de exaltação. "Era o que eu queria que fosse a vida," ele disse. Seus olhos brilhavam, sua voz estava ansiosa, seu rosto estava vivo e jovem - ele era um homem apaixonado, pela duração daquele momento. Daí, o cinza inanimado voltou e ele concluiu num tom de voz monótono, com um traço de saudosismo torturado: "Quando eu saí do cinema, eu me senti culpado por ter sentido isso." "Culpado? Por que?" Eu perguntei. Ele respondeu: "Porque eu pensei que o que me fazia reagir dessa forma ao industrial, é a parte em mim que está errada... É o elemento impraticável em mim... A vida não é assim..."

O que eu senti foi um arrepio gelado. Qualquer que fosse a raiz do seu problema, essa era a chave; era o sintoma não de amoralidade, mas de uma profunda traição moral. Pra que e para quem um homem pode estar disposto a pedir perdão pelo que há de melhor nele? E o que ele pode esperar da vida depois disso?

(No fim, o que salvou o Sr. X foi seu compromisso com a razão; ele manteve a razão como um absoluto, mesmo que ele não soubesse seu total significado e aplicação; um absoluto que sobreviveu pelos períodos mais difíceis que ele teve que enfrentar em sua luta pra recuperar sua saúde psicológica - pra reparar e liberar a alma que ele passou a vida negando. Por causa de sua perseverança determinada, ele venceu sua batalha. Hoje - depois de ter largado seu trabalho e tomado uma série de riscos calculados - ele é um sucesso brilhante, numa carreira que ele ama, e no caminho para conquistas cada vez maiores. Ele ainda luta com alguns resquícios dos seus erros do passado. Mas, como uma medida de sua recuperação e da distância que ele caminhou, eu sugiro que você releia meu parágrafo de abertura antes de eu dizer que vi uma foto recente dele que o pegou sorrindo, e de todos os personagens de A Revolta de Atlas, o que a qualidade daquele sorriso se adequaria mais seria Francisco d'Anconia.)

Há inúmeros casos como esse - esse foi apenas o mais obviamente dramático na minha experiência, e envolvia um homem de uma estatura incomum. Mas a mesma tragédia se repete ao nosso redor, de várias maneiras escondidas e variadas - como uma câmara de tortura nas almas dos homens, da qual um choro irreconhecível nos alcança de vez em quando e logo é silenciado. A pessoa, nesses casos, é tanto "homem, a vítima" quanto "homem, o matador." E alguns princípios se aplicam a todas elas.

O homem é um ser que constrói a própria alma - ou seja, que seu caráter é formado por suas premissas básicas, particularmente por seus valores. Nos anos cruciais e formativos de sua vida - na infância e adolescência - a arte Romântica é sua principal (e hoje em dia, sua única) fonte de um senso de vida moral. (Em anos posteriores, arte Romântica frequentemente é sua única experiência dele.)

Por favor, notem que arte não é sua única fonte de moralidade, mas de um senso de vida moral.

Um "senso de vida" é um equivalente pré-conceitual de metafísica, uma avaliação emocional do homem e da existência integrada de maneira subconsciente. Moralidade é um código abstrato e conceitual de valores e princípios.

O processo de desenvolvimento de uma criança consiste de adquirir conhecimento, o que requer o desenvolvimento de sua capacidade de compreender e lidar com níveis cada vez maiores de abstrações. Isso envolve o crescimento de duas correntes relacionadas mas diferentes de abstrações: as cognitivas e as normativas. A primeira lida com o conhecimento dos fatos da realidade - a segunda, com a avaliação desses fatos. A primeira forma a fundação epistemológica da ciência - a segunda, da moralidade e da arte.

Na cultura de hoje, o desenvolvimento das abstrações cognitivas de uma criança são assistidas até certo ponto, mesmo que inadequadamente, com muitos obstáculos (por conta de influências e doutrinas anti-racionais que estão cada vez piores). Mas o desenvolvimento das abstrações normativas de uma criança não apenas é deixado sem auxílio, como é sufocado e destruído. A criança cuja capacidade de valorizar sobrevive ao barbarismo moral de sua educação tem que achar seu próprio caminho para preservar e desenvolver seu senso de valores.

Além de todos os seus outros males, a moralidade convencional não está preocupada com a formação do caráter de uma criança. Ela não ensina ou mostra que tipo de homem ela deve ser e por que; ela está preocupada apenas em impor uma série de regras sobre ela - regras concretas, arbitrárias, contraditórias e frequentemente incompreensíveis, que são predominantemente proibições e deveres. Uma criança cuja única noção de moralidade (de valores) consiste de coisas como: "Lave suas orelhas!" - "Não seja rude com a tia Rosalie!" - "Faça sua lição de casa!" - "Ajude o papai a cortar a grama (ou a mamãe a lavar a louça)!" - encara as seguintes alternativas: ou uma resignação amoral passiva, levando a um futuro de cinismo sem esperança, ou uma rebeldia cega. Observe que quanto mais independente e inteligente é uma criança, mais indisciplinada ela é no que diz respeito a essas ordens. Mas, de qualquer forma, a criança cresce com nada além de ressentimento e medo ou desprezo pelo conceito de moralidade que, pra ela, é apenas "um espantalho feito de deveres, de tédio, de punição, de dor... um espantalho em um campo árido, balançando uma vara pra espantar os seus prazeres..." (A Revolta de Atlas).

Esse tipo de educação é a melhor, não a pior, que uma criança normal é submetida na cultura de hoje. Se os pais tentam inculcar um padrão moral do tipo contido em advertências como: "Não seja egoísta - dê seus melhores brinquedos pra criança da casa ao lado!" ou se os pais viram "progressistas" e ensinam a criança a ser guiada por seus impulsos - o dano para pro caráter moral da criança pode ser irreparável.

Onde, então, uma criança poderá aprender o conceito de valores morais e de um caráter moral, na imagem do qual ela irá moldar sua alma? Onde ela pode encontrar o exemplo, o material do qual ela desenvolverá uma cadeia de abstrações normativas? Ela não encontrará nem uma pista nos exemplos caóticos, desconcertantes e contraditórios oferecidos pelos adultos no seu dia a dia. Ela pode gostar de alguns adultos e desgostar de outros (e, frequentemente, desgostar de todos), mas abstrair, identificar e julgar suas características morais é uma tarefa que está além de sua capacidade. E os princípios morais que ela pode ser ensinada a recitar são, pra ela, abstrações flutuantes sem nenhuma conexão com a realidade.

A maior fonte e demonstração de valores morais disponível para uma criança é a arte Romântica (particularmente a literatura Romântica). O que a arte Romântica oferece para ela não são regras morais, não são uma mensagem didática explícita, mas a imagem de uma pessoa moral - a abstração concretizada de um ideal de moralidade. Ela oferece uma resposta concreta e diretamente compreensível para a pergunta abstrata que a criança sente, mas não consegue ainda conceituar: Que tipo de pessoa é moral e que tipo de vida ela vive?

Não são princípios abstratos que uma criança aprende da arte Romântica, mas a pré-condição e o incentivo para mais tarde entender tais princípios: a experiência emocional de admiração pelo potencial mais elevado do homem, a experiência de admirar um herói - uma visão de vida dominada e motivada por valores, uma vida onde as escolhas do homem são praticáveis, eficazes e crucialmente importantes - isto é, um senso de vida moral.

Enquanto o ambiente de sua casa o ensinou a associar moralidade com dor, a arte Romântica lhe ensina a associá-la com prazer - um prazer inspirador que é uma descoberta sua e profundamente pessoal.

A tradução deste senso de vida para termos conceituais adultos iria, se não fosse impedida, acompanhar a expansão do conhecimento da criança - e os dois elementos básicos de sua alma, o cognitivo e o normativo, iriam desenvolver-se juntos de maneira integrada e harmoniosa. O ideal que, aos sete anos de idade, era personificado por um cowboy, poderá se tornar um detetive aos doze, e um filósofo aos vinte - conforme os interesses da criança progredissem de histórias em quadrinhos para mistérios para o universo ensolarado da literatura, arte e música Românticas.

Mas qualquer que seja a sua idade, moralidade é uma ciência normativa - uma ciência que projeta valores a serem conquistados por uma série de passos, de escolhas - e ela não pode ser praticada sem uma visão nítida do objetivo, sem uma imagem concretizada do ideal a ser atingido. Se o homem deve ganhar e manter uma estatura moral, ele precisa de uma imagem do ideal, desde o primeiro dia pensante de sua vida até o último.

Na tradução deste ideal para termos filosóficos conscientes e para sua real prática, uma criança precisa de assistência intelectual ou, pelo menos, de uma chance de encontrar seu próprio caminho. Na cultura atual, ela não recebe nenhuma das duas coisas. Os ataques que seu precário, imaturo, recém-visualizado senso de vida moral recebe de pais, professores, "autoridades" adultas e bullies de sua própria geração são tão intensos e perversos que apenas o herói mais resistente pode suportá-los - tão perversos que de todos os pecados cometidos pelos adultos contra as crianças, este é aquele pelo qual eles mereceriam queimar no inferno, se tal lugar existisse.

Todo tipo de punição - de proibição, a ameaças, a raiva, a condenações até a indiferença e zombaria - é solta contra a criança aos primeiros sinais de seu Romantismo (o que significa: aos primeiros sinais de seu senso de vida moral emergente). "A vida não é assim!" e "Desça das nuvens!" são as frases feitas que melhor resumem as motivações dos agressores, além da visão de vida e de mundo que eles desejam inculcar.

A criança que resiste e condena os agressores - não ela própria e seus valores - é uma rara exceção. A criança que apenas suprime seus valores, evita comunicação e se recolhe num universo solitário e privado, é quase tão rara. Na maioria dos casos, a criança reprime seus valores e desiste. Ela desiste de toda a esfera de valorização, de escolhas e julgamentos de valores, sem perceber que o que ela está renunciando é à moralidade.

A renúncia acontece por um processo longo, quase imperceptível, uma pressão constante que a criança absorve e vai aceitando aos poucos. Seu espírito não se quebra em um golpe repentino; ele é sangrado até a morte através de milhares de pequenos arranhões.

A parte mais devastadora deste processo é que o senso moral de uma criança é destruído, não apenas através das fraquezas e falhas que ela possa ter desenvolvido, mas através de suas recém formadas virtudes. Uma criança inteligente tem consciência de que ela não sabe como é a vida adulta, que ela tem muita coisa pra aprender e está ansiosa para aprendê-lo. Uma criança ambiciosa é incoerentemente determinada a fazer algo importante dela própria e de sua vida. Então quando ela escuta ameaças como "Espere até você crescer!" e "Você nunca irá a lugar nenhum com essas noções infantis!" são suas virtudes que se voltam contra ela: sua inteligência, sua ambição e qualquer que seja o respeito que ela sinta pelo conhecimento e julgamento dos mais velhos.

Então a fundação de uma dicotomia letal é plantada em sua consciência: o moral versus o prático, com a implicação de que a praticidade exige a traição de seus valores, a renúncia de seus ideais.

Sua racionalidade é colocada contra ela através de uma dicotomia parecida: razão versus emoção. Seu senso de vida Romântico é apenas uma sensação, uma emoção incoerente que ela não pode comunicar, explicar nem defender. É uma emoção intensa, porém frágil, terrivelmente vulnerável a qualquer alegação sarcástica, já que ela não pode identificar seu real significado.

É fácil convencer uma criança, e especialmente um adolescente, que seu desejo de ser o Buck Rogers é ridículo: ele sabe que não é exatamente o Buck Rogers que ele tem em mente e, ao mesmo tempo, é - ele se sente preso em uma contradição - e isso confirma seu sentimento constrangedor de que ele está sendo ridículo.

Então os adultos - cuja principal obrigação moral para com uma criança, nesse estágio de seu desenvolvimento, é ajudá-la a entender que o que ela ama é uma abstração, ajudá-la a entrar na esfera conceitual - atingem o exato o oposto. Eles paralisam sua capacidade conceitual, eles atrofiam suas abstrações normativas, eles sufocam sua ambição moral: seu desejo por virtude, sua autoestima. Eles paralisam o desenvolvimento de seus valores num nível primitivo, literal: eles a convencem que ser como Buck Rogers significa usar um capacete espacial e destruir exércitos de marcianos com uma arma desintegradora, e que é melhor ela abandonar essas ideias se ela pretende ter uma vida respeitável. E eles a derrotam com pérolas de argumentação como: "Buck Rogers - haha! - ele nunca fica gripado. Você conhece alguma pessoa real que nunca pega uma gripe? Bem, você teve uma semana passada. Então não fique pensando que você é melhor que o resto de nós!"

A motivação deles é óbvia. Se eles realmente considerassem o Romantismo uma "fantasia impraticável", eles não sentiriam nada além de um divertimento amigável ou indiferente - não o ressentimento intenso ou a raiva incontrolável que eles de fato sentem e demonstram.

Enquanto a criança é levada a temer, desconfiar e reprimir suas emoções, ela não pode deixar de observar a violência histérica das emoções dos adultos direcionadas contra ela nesse e em outros assuntos. Ela conclui, subconscientemente, que todas as emoções como essas são perigosas, que elas são elementos irracionais e destrutivos nas pessoas, que podem cair sobre ela a qualquer momento de uma maneira terrível por algum motivo incompreensível. Esse é o penúltimo tijolo no muro de repressão que ela ergue pra enterrar suas próprias emoções. O último é um orgulho desorientado e guiado a uma decisão como: "Eu nunca deixarei que eles me machuquem novamente!" E a maneira de não ser machucada, ela decide, é nunca sentindo nada.

Mas uma repressão emocional não pode ser completa; quando todas as outras emoções são sufocadas, uma passa a dominar: medo.

O elemento de medo estava envolvido no processo de destruição moral da criança desde o início. Suas virtudes vitimizadas não foram o único motivo; suas falhas contribuíram também: medo dos outros, especialmente dos adultos, medo da independência, da responsabilidade, da solidão - assim como insegurança e o desejo de ser aceito, de "pertencer". Mas é o envolvimento de suas virtudes que torna sua posição tão trágica e, mais tarde, tão difícil de corrigir.

Conforme ela cresce, sua amoralidade é reforçada e reafirmada. Sua inteligência impede que ela aceite as escolas atuais de moralidade: a mística, a social ou a subjetiva. Uma mente jovem e ansiosa, buscando a orientação da razão, não consegue levar a sério o sobrenatural e é impermeável ao misticismo. E não leva muito tempo até ela perceber as contradições e a hipocrisia humilhante da escola social de moralidade. Mas a pior influência de todas, para ela, é a escola subjetiva.

Ela é muito inteligente e honrada (de sua maneira distorcida) pra não saber que o subjetivo significa o arbitrário, o irracional, o cegamente emocional. Estes são os elementos que ela passou a associar às atitudes das pessoas em questões morais, e a ter pavor. Quando a filosofia formal lhe diz que a moralidade, por sua própria natureza, é fechada para a razão e não pode ser mais do que uma questão de escolha subjetiva, este é o beijo da morte em seu desenvolvimento moral. Suas convicções conscientes agora se unem ao seu sentimento subconsciente de que escolhas de valores vêm do elemento irracional das pessoas e são um inimigo perigoso, incompreensível e imprevisível. Sua decisão consciente é: não se envolver em questões morais; seu significado subconsciente é: não valorizar nada (ou pior: não valorizar nada demasiadamente, não ter nenhum valor imprescindível e insubstituível).

Disso para a política de um covarde moral, existencialmente, e para um terrível senso de culpa, psicologicamente, não é um passo muito distante para um homem inteligente. O resultado é um homem tal qual o que eu descrevi.

É preciso der dito, para o seu crédito, que ele não foi capaz de se "ajustar" às suas contradições internas - e que foi precisamente seu sucesso profissional inicial que o quebrou psicologicamente: isso expôs o seu vazio de valores, sua falta de propósito pessoal e, portanto, a futilidade de seu trabalho.

Ele sabia - embora não em termos totalmente conscientes - que ele estava atingindo o oposto de seus objetivos originais. Em vez de levar uma vida racional (motivada e orientada pela razão), ele estava gradualmente se tornando um subjetivista temperamental, guiado por impulsos, pelo calor do momento, particularmente em seus relacionamentos pessoais - por causa da ausência de valores firmemente definidos. Em vez de buscar independência da irracionalidade dos outros, ele estava sendo forçado a se tornar alguém de segunda-mão ou a algum comportamento equivalente, à dependência cega do sistema de valores dos outros, a um estado desprezível de conformismo. Em vez de prazer, a visão de qualquer valor elevado ou experiência mais nobre lhe trazia dor, culpa, terror - e o levava não a querer conquistá-la ou lutar por ela, mas a evitá-la, a evadir e a fugir dela (ou se desculpar por ela) para se conciliar com os padrões dos homens convencionais que ele desprezava. Em vez de "homem, a vítima" como ele fora predominantemente, ele estava se tornando "homem, o matador."

A evidência mais clara disso foi fornecida por sua atitude em relação à arte Romântica. A traição de um homem aos seus valores artísticos não são a causa primária de sua neurose (é uma causa contributiva), mas ela se torna um de seus sintomas mais reveladores.

Isso é importante principalmente para o homem que deseja resolver seus problemas psicológicos. O caos de seus valores e relacionamentos pessoais pode, num primeiro momento, ser complexo demais pra ele resolver. Mas a arte Romântica lhe oferece uma abstração clara, luminosa e impessoal - e portanto um teste claro e objetivo de seu estado interno, uma pista disponível para sua mente consciente.

Se ele encontra-se temendo, evadindo e negando a experiência mais elevada disponível para o homem, um estado de exaltação plena, ele pode ter certeza que está em apuros e que suas únicas alternativas são: ou checar seus valores desde o começo, desde a figura reprimida, esquecida e traída de seu Buck Rogers particular, e dolorosamente reconstruir sua cadeia de abstrações normativas - ou se tornar por completo o tipo de monstro que ele é naqueles momentos quando, com uma risadinha sarcástica, ele diz a um idiota qualquer que a exaltação é impraticável.

Assim como a arte Romântica é a primeira visão do homem de um senso de vida moral, ela é também sua última maneira de se agarrar a ela, o seu último colete salva-vidas.

A arte Romântica é o combustível e a vela de ignição da alma de um homem; sua função é atear uma alma em fogo e nunca deixá-lo apagar. A tarefa de dar a este fogo um motor e uma direção pertence à filosofia.

2 comentários:

Djefferson disse...

Eu não li o texto agora depois eu leio, porque eu gosto muito desse tipo de raciocínio. Mas este texto está relacionado ao vídeo que você legendou sobre ela falando sobre arte romântica ou algo assim? Pra quem assistiu o vídeo, o texto traz novas informações?

Caio Amaral disse...

Sim Djefferson, é uma abordagem totalmente diferente, vale a pena ler. Abs!