segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Flee

Primeiro caso de um filme indicado simultaneamente aos Oscars de Melhor Filme Internacional (Dinamarca), Melhor Animação e Melhor Documentário. Conta a história verídica de um refugiado do Afeganistão vivendo na Dinamarca, que depois de adulto resolve contar pela primeira vez as experiências traumáticas que viveu na juventude tentando escapar de seu país. É um filme tipicamente Naturalista, cujo propósito é conscientizar e sensibilizar o público em relação ao drama dos refugiados na Europa (e que dá um jeito de discutir questões LGBT também, pois o protagonista cresceu gay em uma cultura bastante opressora). Como muitos sabem, não sou um grande fã de filmes cuja função principal é social/política, mas este pelo menos consegue fazer um retrato tocante da situação; os personagens transmitem dignidade, e a narrativa tem um tom afetuoso, não de militância agressiva (o fato de Amin ter uma cultura um tanto americanizada — ter um crush no Van Damme, escutar A-ha, Roxette — talvez ajude a criar uma ponte com espectadores ocidentais, que costumam ter dificuldade de se identificar com povos islâmicos).

Flee / 2021 / Jonas Poher Rasmussen

Nível de Satisfação: 6

Categoria D: Naturalismo (função social)

Filmes Parecidos: Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016) / Cafarnaum (2018)

11 comentários:

yan disse...

Oi Caio, tudo bem? Esses dias eu revi a 'Inteligência Artificial' do Spielberg e me encantei mais uma vez com essa história. Queria saber se você gosta desse filme ou não rs. Já li alguns textos seus onde vc elogia bastante o Spielberg então acredito q vc goste (pelo menos um pouquinho).

Caio Amaral disse...

Tudo bem Yan? Em Setembro estava discutindo A.I. aqui nos comentários com alguns seguidores.. Faz quase 20 anos que não vejo o filme, e apesar de admirar aspectos da produção, A.I. nunca foi dos meus favoritos do Spielberg, pois vejo uma certa incompatibilidade entre a sensibilidade dele e a história que o Kubrick queria contar (e que ele tentou honrar).. um atrito entre o otimismo inocente do Spielberg, e a visão de mundo mais sombria e cínica do Kubrick. Os filmes do Spielberg que eu gosto mais são os dos primeiros 20 anos de carreira.. No final dos anos 90 ele foi perdendo aquela inocência que eu gostava, embora tenha continuado um ótimo diretor.. então mesmo não sendo fã da maioria dos filmes que vieram depois, sempre há muitas coisas que me atraem nas produções dele.

Leonardo disse...

Olá, Caio.

Por acaso esse filme também é parecido com Persépolis de 2007? a descrição me pareceu bastante similar.

Outra coisa, quando sair a segunda edição do seu livro, ou a edição revisada, se puder avisar, por gentileza, pois eu gostaria de comprar novamente.

Abraços.

Caio Amaral disse...

Fala Leonardo, tudo bem?? Superficialmente até dá pra comparar com Persépolis.. por ser uma animação estrangeira indicada ao Oscar, sobre questões do oriente médio, etc. Até pensei em listar nos "Filmes Parecidos", mas acho que são filmes com intenções e "sensos de vida" bem diferentes.. Persépolis tem um tom mais intelectual, aquela frieza típica do cinema francês.. Flee já é um filme mais sentimental, quase um "tearjerker".. então pra mim caem em categorias diferentes, apesar das similaridades.

Eu comecei a dar uma estruturada na 2ª edição do livro, mas depois perdi um pouco da motivação.. pois sei que isso em si não faria o livro ter mais alcance. Seria mais pra aliviar meu incômodo de ter algo desatualizado no ar.. algo que eu resolvi tirando o e-book da Amazon, rsss. Você e os outros leitores aqui já têm acesso direto a mim, aos textos do blog.. o livro é algo simbólico, mas não faz uma diferença crucial.. a 2ª edição faria mais sentido se fosse pra eu fazer um lançamento maior.. só que eu aprendi que hoje em dia você primeiro precisa ter o público.. o livro/produto vem muito depois.. parece um paradoxo, mas faz sentido, hehe. Abs!

Leonardo disse...

Oi, Caio! Eu estou bem. Pensava que seria filósofo, mas as oportunidades me levaram para a psicologia infantil TEA... rsrsrs. E quanto a ti, como está?

Poxa, que notícia triste. Me lembrou do seu curta-metragem (espero que não pule da janela). Tu vai abandonar o livro e o desenvolvimento formal do Idealismo ou vai tentar alcançar este público e realizar um lançamento no futuro?

Eu sempre gostei de entrar no blog e ter alguma publicação teórica nova, um projeto novo, um videoclipe, uma crítica em formato de vídeo. Tu ainda tem algum projeto paralelo no momento, fora o livro?

O meu lado psicólogo me incita a fazer um questionamento adicional e bastante pessoal: como é pra ti essa sensação de concluir um projeto, como o livro, perceber que está insuficiente ou insatisfatório e remover o projeto? A mesma pergunta vale para os seus videoclipes, críticas em vídeo, podcasts, etc. É um senso de felicidade falsa, inacabada, impura?

Abraços!

yan disse...

Realmente os filmes mais recentes do Spielberg perderam aquela 'aura mágica' que eles tinham em seus trabalhos mais antigos, Jurassic Park é uma história bem mais carismática e marcante do que Jogador n°1 por exemplo.

Caio Amaral disse...

Sim yan..! A partir dos anos 2000, você começar a ver filmes como Catch Me If You Can, Munich, The Terminal.. que já têm um clima bem diferente dos filmes dele dos anos 70/80/90! A cultura foi mudando e acho que ele foi tentando se ajustar..

Caio Amaral disse...

Que legal Leonardo, apesar de eu ter sido "expulso" do espectro autista, é uma área que acho muito interessante da psicologia..!

Então, se surgir algum conceito novo ou complemento importante sobre o Idealismo, vou continuar postando.. Porém estou numa fase onde não me vejo como teórico/escritor profissionalmente.. então não estou tãoo empenhado em novos conteúdos, em divulgação, etc. Acho que o Idealismo é um sistema útil, e que não tem prazo de validade.. pode sempre vir a se tornar uma ferramenta fora daqui.. mas no momento não sei como, em que contexto, etc.

Meus projetos costumam seguir um padrão: muita empolgação na hora da sacada, da concepção.. daí vem um período de stress durante o desenvolvimento.. e outro período positivo quando a parte árdua já foi, mas o projeto ainda não foi lançado. O lançamento em si é sempre um anticlímax, um dia cansativo, e eu sempre fico desanimado por várias semanas ou meses depois, e prometo que nunca mais vou repetir o processo.. até que eventualmente vem alguma outra "sacada", rs. Só que com os anos, como eu já conheço a parte da frustração, e aprendi a não esperar muito resultado, a empolgação inicial não é mais tão alta, e a frustração final também não é tão terrível.. O processo se tornou mais estável (o que exige mais força de vontade, pois há menos motivação pra começar qq coisa). Mas uma coisa positiva é que hoje em dia os erros que eu cometo costumam ser menores (dentro dos meus critérios). Pois fui entendendo melhor o que me incomoda, o que resiste ao meu teste do tempo.. Então desde 2017/2018, as coisas que eu faço já não caem muito fora do meu alvo.. As frustrações têm sido mais em relação à recepção dos outros (falta de visibilidade, etc.) do que em relação ao que eu fiz. Já antigamente, como eu era mais novo e estava numa fase de experimentação, eu saía de propósito da minha zona de conforto, só pra ver onde eu chegava.. e aí obviamente os erros eram maiores e mais frequentes. Mas foi uma etapa importante, pois depois fui ganhando mais controle sobre os resultados, seja de músicas, curtas — e mesmo esse lance de querer alterar o livro, não é por algo que me incomoda tanto assim. Eu gosto de como ele está.. só gostaria de minimizar algumas polêmicas, acrescentar alguns pontos.. É mais um TOC de querer ficar melhorando tudo eternamente, corrigindo detalhes, mas não uma sensação do tipo "fiz tudo errado". Por isso o blog é uma plataforma ótima pra mim, pois posso sempre editar, modificar, deletar partes, sem perder o todo. Já livros, vídeos, áudios.. ou você acerta na primeira publicação, ou depois só deletando (ou aceitando, rs).

O projeto do momento é uma música nova que estou produzindo, só por prazer mesmo, sem pretensões comerciais.. que tem tudo a ver com a temática do livro, e com uma metáfora que trouxe aqui ano passado. Ou seja, você e outros leitores entenderão a letra melhor que ninguém.. o título é "The Last Floor", já dando uma pista hehe. abs!

Leonardo disse...

Oi, Caio! Tu conhece as teorias de Temple Grandin? Em um de seus livros ela fala sobre a dificuldade em fechar diagnósticos de autistas pelo DSM e que há fortes evidências de que existem “comportamentos autistas” em vez de “pessoas autistas” ou “portadores” de autismo. Um destes comportamentos é a capacidade de pensar por imagens, sons ou números em vez de apenas por palavras. Eu sempre achei ímpar as tuas associações simbólicas nas críticas. Como quando disse que They Don't Care About Us expunha o tema do bem que vence o mal não pela letra, mas pelo próprio som da música. Eu nunca cheguei a comentar contigo, até pela razão de que eu não saberia elaborar muito além da afirmação a seguir, mas ‘sinto’ que os seus textos e o da Temple apresentam alguma similaridade em estilo. Em O Cérebro Autista há trechos em que parece que eu estou lendo algo escrito pelo mesmo autor de “Idealismo”!

Quanto à aplicação do Idealismo em alguma área teórica, eu gostaria de apresentar, dentre outros, dois exemplos isolados. Desde que comecei a faculdade eu usava o Idealismo como uma “filosofia de bolso”. Foram incontáveis as vezes que usei as lógicas das suas críticas de filmes para avaliar um texto acadêmico – e com resultados surpreendentes! Em uma certa vez, uma professora muito empolgada com a biografia de um certo autor não conseguia entender o motivo de a turma esquecer fatos da vida do sujeito. A turma, na mesma direção, não conseguia entender o seu completo desinteresse pelo mesmo sujeito. A psicologia não pôde explicar aquele fenômeno naquele momento. Então com a licença da palavra, apresentei a diferença de engajamento que um filme americano da escola “romântica” e um europeu da escola “naturalista” poderia provocar no público. O autor em questão era Viktor Frankl que passou pela terrível experiência de um campo de concentração. A biografia, porém, era de autoria de um comentarista que estava mais interessado na cidadezinha que o Frankl nasceu, em seus interesses quando criança, se praticava esportes, quais seus hábitos quotidianos, datas de eventos particulares, etc, etc. Quando certifiquei que a maioria da turma gostava de A Lista de Schindler e de que lembrava de detalhes importantes da história, mesmo o tendo assistido há muitos anos, foi fácil descrever a diferença dos “expectadores”, seja para o filme, seja para o livro.

Outro exemplo de como o Idealismo foi uma ferramenta útil para mim. Uma das minhas pacientes chorava quando se lembrava de uma pessoa importante de seu passado que faleceu. A paciente sentia que a posição que aquela pessoa ocupou em sua vida era insubstituível, mas tinha dificuldades em explicar o conflito entre “esquecer, se deixar levar” e a importância que aquela pessoa tinha até hoje. Neste caso, a pessoa falecida havia trazido muitos valores para a vida da paciente e ela associava a memória da pessoa à dor do luto, em vez de aos valores. Então perguntei se a paciente gostava de Titanic e se conhecia a letra de My Heart Will Go On. A explicação Idealista da música como um fechamento para o tema do filme provocou uma reação tão singular que o sigilo me impede de revelar aqui, mas que o exemplo mais próximo seria o Mr. X do Romantic Manifesto.

Leonardo disse...


A sua descrição do seu processo criativo, da concepção à realização, me lembrou de um dos trechos de um dos textos do Branden sobre autoestima. No texto ele dizia que pessoas muito inteligentes podem apresentar altos graus de exigência com seus projetos particulares, e isto os impede de aproveitar suas realizações. O que por consequência prejudica a autoestima e pode causar um senso de impotência ao longo do tempo. Este mesmo “TOC” também é repetido em um dos “esquemas” chamados “Padrões Inflexíveis” da Terapia Cognitivo Comportamental. Uma pessoa pode ser tão exigente com algo - mesmo que aos olhos de terceiros lhes pareçam perfeitamente impecáveis – que fica frustrada muito facilmente, sente que está inacabado, incompleto. Em outros casos, a pessoa sequer começa seus projetos e prefere ficar apenas com as anotações, os croquis, os esboços inacabados e com um mero vislumbre de apenas em um futuro muito distante atingir a perfeição – e isto sim é, ironicamente, a dor que o sujeito procura evitar.

Tenho uma pergunta: segundo o objetivismo, a virtude da produtividade pode proporcionar prazer ao indivíduo criativo. Tu descreve o período de desenvolvimento como estressante e árduo e um alívio quando passa. Dentro desta lógica do homem produtivo, tu sente que o período de desenvolvimento é uma experiência negativa para ti? Não deveria o prazer proporcionado pelo “veículo em movimento com o motorista no controle em direção ao destino” superar a expectativa da reação pública?

Eu entendi a pista da música kkkk. Ansioso para escutar. Desejo sucesso e realização neste teu projeto. Espero que o período negativo pós-lançamento seja inexistente e que tu possa desfrutar o máximo de sua criação. Eu tenho certeza de que eu vou desfrutar (de vez em quando me pego a cantarolar o refrão de “Tudo” sem perceber). Abraços!

Caio Amaral disse...

Não conheço o trabalho da Temple direito! Acho que só vi uma TED talk dela há vários anos, mas não me aprofundei.. vou dar uma conferida. Realmente eu devo ter uma "antena" meio diferente, pois é comum eu captar informações ou fazer associações que as pessoas ao meu redor estranham.. porém pelo que entendi, o autismo vem sempre acompanhado de déficits em algumas áreas específicas, nas quais eu tive um desempenho normal na avaliação neuropsicológica ano passado.. mas enfim, sei que de tempos em tempos essas definições vão sendo atualizadas né.

Adorei saber das situações onde os princípios do Idealismo te ajudaram na prática! Não tenho dúvidas que é uma ferramenta que pode ser utilizada em inúmeras áreas, mesmo fora do cinema/arte (um dia vou fazer minha análise idealista da Coca-Cola aqui pra você ver aplicações mais inusitadas, rs). O que quis dizer é que eu, no momento, não tenho grandes ideias de como promover este conteúdo e transformar isso em algo produtivo (já que o livro apenas não basta). Mas no meu dia a dia estou sempre utilizando os conceitos..

No processo criativo costuma haver uma parte estressante no miolo.. mas o momento da inspiração, da gênese das primeiras ideias, pra mim é uma parte prazerosa.. e depois da parte mais árdua do meio, há um período positivo também, onde ainda estou desenvolvendo o projeto, mas as ideias principais já estão no lugar, e aí é mais uma questão de executar, aperfeiçoar. Ou seja, não é tudo um stress. Talvez a maior parte seja boa.. são justamente as partes boas que fazem valer a pena, e por isso acabo repetindo o processo mesmo sem plateias.. Mas realmente, quando não tenho NENHUMA esperança de que o trabalho alcançará público, terá êxito no mundo externo, a minha empolgação é bem menor. Não acredito nessa ideia do criador isolado que deve tirar prazer do "comando da natureza" apenas, sem esperar nada da humanidade (especialmente na arte).. Nem Rand era assim.. E tentar ser assim, pra mim só leva a pessoa na direção do personagem do curta-metragem hehe. Faz parte daquele pacote anti-social do objetivismo que já discutimos, que acho que as pessoas deveriam tomar um pouco de cuidado (que se une à noção duvidosa de que premissas filosóficas, uma vez aceitas, deveriam ter o poder de modificar consideravelmente características psicológicas nossas, aspectos fundamentais de nosso temperamento etc). Abs!!