quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Outubro 2022 - outros filmes vistos

Nada de Novo no Front (2022 / Edward Berger)

Oscar bait raso e clichê que acompanha soldados sem propósito, apavorados e despreparados no campo de batalha, mostra uma série de situações violentas, desagradáveis, que vão só piorando até que o filme acaba. Tudo isso lindamente fotografado, mostrado com um tom vago de "crítica", como se isso já fosse o bastante pra tornar o filme positivo e passar alguma mensagem relevante. É um 1917 menos imersivo e sem o espetáculo técnico que era o seu grande diferencial.

Satisfação: 4

Categoria: NI / IC

Filmes Parecidos: 1917 (2019) / Dunkirk (2017)



Noites Brutais (Barbarian / 2022 / Zach Cregger)

2022 tem sido bom pro terror, e temos aqui mais um filme sólido do gênero, que só descamba na reta final, mas até lá oferece uma das narrativas mais instigantes, criativas estruturalmente, e alguns dos momentos mais cheios de mistério e expectativa que vi recentemente.

Satisfação: 7

Categoria: I-

Filmes Parecidos: Sorria (2022) / Vigiados (2020) / O Telefone Preto (2022)



Ingresso para o Paraíso (Ticket to Paradise / 2022 / Ol Parker)

O filme até que não é péssimo, se passa num ambiente agradável, mas te dá a impressão de estar vendo uma retrospectiva de clichês dos anos 2000. Tudo é extremamente previsível, familiar, não criativo, como se o diretor achasse que a graça do cinema viesse justamente de repetir essas convenções cegamente, sem usar a imaginação — dá mais ou menos a sensação de estar numa festa de casamento típica, dessas onde as pessoas acham que o que legitima o evento é o fato delas se aterem a todos aqueles rituais ridículos como jogar buquê, agachar na pista na hora do "Your Song", etc.

Satisfação: 5

Categoria: I-

Filmes Parecidos: Esposa de Mentirinha (2011) / Simplesmente Complicado (2009) / Seis Dias, Sete Noites (1998) / Comer, Rezar, Amar (2010) / Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo (2018)



Terrifier 2 (2022 / Damien Leone)

Comecei a ver só pra matar a curiosidade, achando que desligaria a TV indignado em menos de 30 min (o filme está sendo bastante comentado e muita gente parece chocada com o nível de violência) mas achei tudo muito engraçado — é o tipo de horror que comparo com trem-fantasma de parquinho, onde a violência é tão exagerada e fantasiosa que acaba sendo mais inocente que a mostrada em suspenses corriqueiros. O baixo-orçamento acaba trabalhando a favor do filme, não só porque torna a violência menos realista e mais fácil de assistir, mas também porque dá ao filme uma estética totalmente diferente da do terror mainstream; em vez de um produto que parece seguro, esterilizado, passado pelos filtros do sistema hollywoodiano, temos a impressão de algo saído de algum mercado alternativo onde as leis são desconhecidas, e que qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento. A trama não tem pé nem cabeça, mas os set pieces de horror e os personagens carismáticos mantém a experiência interessante. O palhaço Art bebeu da fonte do It, mas é um dos poucos vilões recentes com potencial pra se tornar um novo ícone do gênero (e a garotinha fantasma também marca presença).

Satisfação: 7

Categoria: I-

Filmes Parecidos: Uma Noite Alucinante 2 (1987) / A Centopéia Humana (2009) / It - Uma Obra Prima do Medo (1990) / A Hora do Pesadelo (1984)



Argentina, 1985 (2022 / Santiago Mitre)

Uma das experiências mais tediosas que tive esse ano. É o tipo de filme que se sustenta totalmente na relevância histórica/política dos fatos que ele reconta, e que só faz sentido pra quem já tem um grande interesse neste episódio da história da Argentina, e espera só uma ilustração respeitável, mas não que o filme seja envolvente por si só. É o típico filme burocrático, "fotografias de pessoas conversando", totalmente vazio em emoção, suspense, ou mesmo em ideias (não há uma discussão moral/ideológica desafiadora que torne o julgamento estimulante intelectualmente). O filme passa o tempo todo denunciando os horrores que certos militares cometeram contra inocentes durante a ditadura, mas nunca vemos uma dramatização desses horrores, nunca conhecemos de fato as vítimas, e nem os próprios vilões (que são apenas figurantes distantes no tribunal, nenhum com uma presença marcante tipo Jack Nicholson em Questão de Honra). Ricardo Darín é o herói que consegue colocar os culpados na cadeia, mas não vemos ele fazendo nada de brilhante ou memorável o filme todo. Dá a impressão que ele sai vitorioso no fim não por ter apresentado alguma prova inesperada, fatos incontestáveis, mas simplesmente por ter feito um discurso emocionalmente eloquente.

Satisfação: 3

Categoria: NI

Filmes Parecidos: Os 7 de Chicago (2020) / Marighella (2021) / Getúlio (2014) / O Clã (2015) / No (2012)



Adão Negro (Black Adam / 2022 / Jaume Collet-Serra)

A corrupção dos super-heróis já está tão normalizada que agora temos um filme onde os inimigos, durante a maior parte da história, são as pessoas que são a favor de justiça, enquanto o "herói" (que vive dizendo orgulhosamente que não se considera herói, mas é por quem o filme espera que a gente torça) é a favor de força bruta, adora matar pessoas jogando elas do alto feito um terrorista islâmico (o filme obviamente tenta agradar certos nichos da direita alternativa, desses que são anti-EUA). Roteiro enlatado, produção genérica, e até Dwayne Johnson está fora de sua zona de carisma tentando fazer cara de mau.

Satisfação: 3

Categoria: IC

Filmes Parecidos: O Esquadrão Suicida (2021) / Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2016)



Hellraiser (2022 / David Bruckner)

Lembro muito pouco do antigo pra poder comparar, mas apesar de alguns problemas (principalmente no ato final), achei um dos filmes de terror mais decentes de 2022. Percebe-se um cuidado extra na fotografia, há alguns atores coadjuvantes interessantes (como Hiam Abbass e Goran Visnjic) que dão um toque de seriedade pra produção, e a própria versão feminina do Pinhead achei que funcionou (embora os Cenobites às vezes pareçam meio ridículos). Outro diferencial é que os vilões têm aquela qualidade grandiosa que marcava o terror dos anos 80, e o filme mostra uma batalha entre bem e mal sem um pingo de deboche, o que é raro hoje (ainda que a mocinha não seja das mais admiráveis pra representar o bem).

Satisfação: 6

Categoria: I-

Filmes Parecidos: Halloween (2018) / Sorria (2022) / O Enigma do Horizonte (1997) / A Hora do Pesadelo (1984) / O Mistério de Candyman (1992)



Morte Morte Morte (Bodies Bodies Bodies / 2022 / Halina Reijn)

Mais um desses filmes que pegam um gênero popular dos anos 80/90 e o "modernizam" eliminando tudo aquilo que tornava o gênero interessante. Já discuti como muito da graça dos slashers vinha do contexto de um grupo de amigos atraentes num lugar divertido, se deparando com um vilão "maior que a vida", e uma mocinha inteligente e moralmente superior lutando por sua vida. Aqui não existe um vilão praticamente, e em vez de jovens gostáveis num lugar divertido, temos um grupo de amigos tóxicos, niilistas, moralmente corruptos, tomando decisões burras; pessoas que já parecem capazes de se destruir sozinhas mesmo sem a ajuda de um mal externo.

Satisfação: 3

Categoria: AI

Filmes Parecidos: Rua do Medo: 1994 - Parte 1 (2021) / Freaky: No Corpo de um Assassino (2020)



Abracadabra 2 (Hocus Pocus 2 / 2022 / Anne Fletcher)

Diverte principalmente pela Bette Midler, que continua tão energética no papel quanto em 1993. A história deste é mais fraca (não que a do primeiro seja um grande exemplo de narrativa), pois as bruxas são ressuscitadas e acabam não fazendo nada em Salem — não colocam nenhum plano maléfico em prática, a população em geral nem fica sabendo do retorno delas, o que dá a impressão do filme acabar sem que algo importante tenha acontecido. Outra coisa que prejudica o filme pra mim é a antipatia da nova "mocinha" Becca, que é dessas jovens da geração Z que parecem sempre emburradas, com um ar de superioridade moral (os estúdios parecem achar que pra ter um elenco diverso, eles precisam também tornar os personagens cínicos e politicamente autoconsciente). A produção é mais sofisticada que a do primeiro em alguns aspectos visuais, mas os voos de vassoura, por exemplo, parecem mais pobres aqui do que no antigo, que eram efeitos práticos muito legais, sem muita interferência digital.

Satisfação: 6

Categoria: I-

Filmes Parecidos: Convenção das Bruxas (2020) / Matilda (1996)



Mais que Amigos (Bros / 2022 / Nicholas Stoller)

Tentativa não muito bem-sucedida de aplicar a fórmula Judd Apatow ao universo gay. Eu já não sou muito fã da fórmula nem quando ela é bem aplicada (há sempre os personagens losers, os toques escatológicos, a visão cínica de amor e sexo, etc. — sou mais as comédias românticas da Nora Ephron). Mas nesse caso, em vez de comediantes consagrados, grandes talentos do SNL ajudando, temos um protagonista que é pouco engraçado/carismático (pelo menos nesse tipo de papel), um casal sem química que não parece nada provável, e piadas que erram o alvo muito mais do que acertam.

Satisfação: 4

Categoria: IC

Filmes Parecidos: Doentes de Amor (2017) / Descompensada (2015) / A Festa de Formatura (2020)



Amsterdam (2022 / David O. Russell)

A trama é um pouco vaga e burocrática, não há um senso de urgência ou de pra onde o filme está caminhando tematicamente. Mas a trajetória em si não é chata — não só pelo elenco cheio de nomes famosos, mas porque o filme parte de um material sólido: o personagens centrais têm personalidades interessantes, os diálogos têm certa sofisticação, a guinada política no fim vem com ideias bem mais sãs que de costume... A violência e a ironia Tarantinesca são meio forçadas (a história não é fundamentalmente cômica, então as gracinhas parecem existir só pra dar um ar "cool" pra produção), mas pelo menos não é desses filmes onde o estilo é usado como substituto pra um roteiro vazio.

Satisfação: 7

Categoria: I-

Filmes Parecidos: Trapaça (2013) / O Lobo de Wall Street (2013) / A Grande Aposta (2015)

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Idealismo - Mapa de Valores

Uma ilustração que fiz baseada nos Diagramas Complementares e em alguns princípios básicos do Idealismo.

(Pra visualizar em tamanho grande, em alguns navegadores você precisa clicar na imagem, e depois que ela abrir, clicar de novo com o botão direito e pedir pra abrir a imagem numa aba nova).






quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Halloween Ends | Crítica

Halloween Ends crítica poster
Menos péssimo que a parte 2, mas ainda bem inferior ao "primeiro" lançado em 2018. Um dos problemas desse abuso atual de franquias em Hollywood, é que há um limite pro número de vezes que uma mesma situação pode se repetir, antes dos filmes começarem a parecer forçados e rotineiros. Daí eles tentam contornar a situação mudando o foco pra novos personagens e subtramas, que nunca são tão interessantes quanto a fórmula original (pense nos gafanhotos de Jurassic World Domínio). E como eles precisam manter os personagens clássicos pra atrair o público, fica sempre um meio-do-caminho frustrante. O filme não pode (ou não sabe) nem criar coisas novas que sejam mais interessantes que a fórmula original, e também não pode repetir mais uma vez a fórmula, afinal já estamos na 5ª sequência do reboot do reboot etc.

SPOILERS: 

Em Halloween Ends, temos de novo Laurie (Jamie Lee Curtis) e Michael Myers em cena, mas boa parte do filme foca em Allyson (neta de Laurie, que não tem peso como protagonista) e seu relacionamento com um rapaz perturbado chamado Corey, que é uma figura incômoda, pois não sabemos se deveríamos gostar dele, sentir pena, vê-lo como uma ameaça (principalmente na primeira metade). Todo o romance "underground" dos dois é meio ridículo, e traz um ar melancólico que destoa da série.

Felizmente, o diretor deu uma maneirada aqui no humor subversivo e na excentricidade gratuita que marcou a parte 2 (Laurie voltou a ser confiante e durona). Mas um tema que é avançado é a ideia de Myers não ser um vilão totalmente material, mas uma espécie de força maligna que se manifesta de outras formas, através de outras pessoas (uma mania do terror moderno, como disse na crítica de Sorria). Além de ser uma má ideia, o conceito é mal desenvolvido e deixa uma série de dúvidas na cabeça do espectador (Por que Corey tem uma ligação tão única com Myers? Ele é de fato "possuído" por ele?).

No trecho onde Corey começa a matar, há cenas de morte bem gráficas, mas que não têm tanto peso no filme, já que estamos vendo um copycat de Michael, que não tem a mesma presença e aura de mistério do original. No fim, essas divagações são deixadas de lado, e voltamos mais uma vez pro tradicional showdown entre Laurie e Michael, que aposta na violência, mas que não é particularmente marcante ou satisfatório narrativamente, considerando que este poderia ser o último embate entre os dois.

Halloween Ends / 2022 / David Gordon Green

Satisfação: 4

Categoria: IC

Filmes Parecidos: It - Capítulo 2 (2019) / Cemitério Maldito (2019) / Brinquedo Assassino (2019)

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Blonde | Crítica

Blonde 2022 crítica poster
Não é tanto uma cinebiografia de Marilyn Monroe quanto uma meditação visual sobre sua vida; um recorte sem compromisso com realismo, que boa parte do tempo foca em momentos aleatórios de sua intimidade, não em sua trajetória de sucesso. Assim como em Spencer, a ideia aqui é mostrar os horrores da fama, o preço que se paga pelo privilégio — vemos Marilyn chorando, sangrando, vomitando, sendo humilhada, abusada sexualmente, fazendo diversos abortos, e o filme termina com ela morta na cama. Não espere uma mensagem, um propósito maior pra isso tudo... É pura exploração da imagem de Marilyn, mas disfarçada por uma fotografia elegante, uma direção "conceitual". Apesar da apelação, o filme ainda consegue ser chato — não há uma narrativa envolvente, uma sequência de eventos que pareça estar caminhando pra algum lugar. Como exercício de estilo e fotografia, há ideias muito boas. Mas em termos de conteúdo, só deve achar graça mesmo quem se empolga com fofocas e com os infortúnios de celebridades.

Blonde / 2022 / Andrew Dominik

Satisfação: 4

Categoria: NI / AI

Filmes Parecidos: Spencer (2021) / Jackie (2016)

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Avatar | Crítica

Avatar 2009 crítica poster
Dei a nota máxima pra Avatar quando ele saiu em 2009, mas essa avaliação não resistiu tão bem ao teste do tempo. Depois de rever o filme algumas vezes, pude notar algumas coisas insatisfatórias em termos de narrativa, desenvolvimento de personagem, mensagem, e agora com o re-lançamento, resolvi ver o filme em IMAX 3D mais uma vez (o que realmente faz diferença) pra atualizar minha crítica.

A experiência continua extraordinária em muitos aspectos, principalmente nos primeiros 2/3 de filme, e tecnicamente, a produção parece mais avançada que qualquer coisa lançada nos últimos anos. A melhor parte de Avatar pra mim é a apresentação de Pandora, e as primeiras experiências do protagonista naquele mundo — Jake descobrindo as florestas, os animais, a geografia exótica... Quando ele começa a se integrar aos Na'vi e há todo aquele trecho com a escalada até as montanhas flutuantes (com a trilha fantástica de James Horner), o primeiro voo com o Banshee etc., o filme cria alguns dos momentos mais mágicos do cinema de fantasia/sci-fi, e foi provavelmente aí que eu decidi que ele merecia um 10 na época. Os problemas de Avatar começam quando a novidade de Pandora acaba e James Cameron precisa lidar com o resto da trama. Vou listar alguns pontos que acho problemáticos:

- Pra começar, não há uma boa introdução do protagonista Jake Sully. Os primeiros momentos da narrativa são um tanto apressados e confusos, como se um ato inteiro tivesse sido cortado e resumido pro filme não ficar longo demais. Em poucos minutos, já estamos em Pandora, tendo que absorver uma série de conceitos tecnológicos complexos, sem saber quase nada sobre o herói, seus valores, desejos, conflitos, etc. Assim como o Na'vi criado em laboratório, Jake é como um recipiente vazio no qual o espectador se projeta, mas há pouco vínculo emocional e pouco senso de quem ele é como indivíduo.

- A necessidade do programa Avatar é meio vaga e questionável. Qual a necessidade deles se disfarçarem de nativos, gastarem todo aquele tempo se integrando à cultura, quando os Na'vi já falam inglês, já sabem desde o início que Jake faz parte do "Povo do Céu", não é de fato um deles? Tudo isso só pro Jake levar a mensagem de que eles precisam sair dali, pois a Árvore-Lar será destruída? A Sigourney Weaver não poderia ter feito isso? Parece uma tarefa pouco crucial pra trama, até porque os humanos estão determinados a escavar o local com ou sem o consentimento dos Na'vi. 

- O romance entre Jake e Neytiri é outra coisa central da história que me parece pouco convincente ou empolgante; não só pela questão da diferença de espécie, ou pelo que falei sobre Jake ser meio genérico como personagem, mas também pelo fato de não haver honestidade entre eles — como é possível haver um amor autêntico entre duas pessoas quando uma delas é uma impostora e está escondendo coisas cruciais sobre sua vida, sem nenhum remorso ou auto-questionamento? Sinto falta de um vínculo entre Neytiri e o real Jake, em seu corpo humano, sem disfarces, antes da relação evoluir para um novo estágio.

- Não acho que funciona muito bem a ideia de Jake ser o "escolhido" aqui, até porque nenhuma razão é dada pra ele merecer tal honra. É daqueles personagens que devemos aceitar que são especiais por algum motivo, mas que na prática não fazem nada pra sustentar esta impressão. Além disso, acaba sendo um pouco incômoda a ideia de um gringo desinformado chegar numa cultura cheia de tradições e querer se provar o mais especial de todos ali. Pra um filme que quer ser tão "anti-imperialista" e respeitoso com outras culturas, é um toque no mínimo estranho, que não funciona tão bem quanto personagens como Neo ou Luke Skywalker se descobrindo os "escolhidos".

Pra mim o filme perde a graça mesmo no terceiro ato, quando os humanos começam a atacar o território dos Na'vi e Jake muda de time pra lutar ao lado dos nativos. Embora os Na'vi estejam certos em querer proteger seu lar, o filme não faz com que a gente goste de ninguém do povo deles, exceto Neytiri. Os pais dela e o resto da tribo parecem tão vilanescos e antipáticos quanto os antagonistas humanos. E do lado dos humanos, apenas o personagem do Giovanni Ribisi (Parker Selfridge) era um vilão odioso desde o começo. O espectador tem que de uma hora pra outra ver não apenas Selfridge como vilão (reparem no "Self" do nome), mas acreditar também que praticamente todos os humanos em Pandora são inimigos. Essa transição ocorre rápido demais, sem preparo, pois há um desequilíbrio no desenvolvimento dos dois núcleos da história: a parte de Jake descobrindo Pandora e aprendendo a viver com os Na'vi é bem explorada. Mas tudo que ocorre nas instalações da RDA com os outros humanos é apressado, deixado de lado no meio do filme (a relação de Jake com os antagonistas, os diários que ele grava, etc.) o que resulta numa batalha final sem força dramática, ambígua, onde você não tem uma resposta emocional clara e consistente a nenhum dos lados.

Quanto à mensagem ambientalista, Cameron sempre trouxe críticas à tecnologia e ao poder destrutivo do homem em seus filmes, mas essa é a primeira vez em que ele parece "anti-humano" de fato. Em filmes como O Exterminador do Futuro, Titanic, Aliens, O Segredo do Abismo, a ambição humana tem seus problemas, mas esses problemas ainda parecem evitáveis. Os filmes trazem um alerta, mas mostram a tecnologia e o progresso ainda sob uma luz atraente. Já em Avatar, o que é atraente de fato é a natureza, os povos indígenas, as forças místicas do universo. Não temos mais máquinas como objetos de desejo (a empilhadeira da cena icônica de Aliens aparece aqui como uma arma do vilão). Os homens e as máquinas é que viraram os aliens, as criaturas hostis, e isso é levado ao extremo no final quando Jake resolve renunciar à raça humana e virar um Na'vi (uma ideia que leva o conceito de escapismo um pouco além do que acho divertido).

Cameron acaba parecendo hipócrita de certa forma, pois ele é o mais tecnológico e ambicioso de todos os cineastas em atividade, vive explorando a natureza, mas daí faz um filme onde ele exalta a vida simples, livre de impacto no meio-ambiente, livre das invenções do homem moderno, o que soa tão autêntico quanto esses famosos que promovem um lifestyle "rústico", visitam vilarejos na África e postam fotos no Instagram ao lado de nativos, se achando a própria Dian Fossey, mas não aguentariam mais de 1 hora longe do iPhone e do ar-condicionado.

Avatar tem tantas ideias, momentos tão inesquecíveis, é tão imersivo visualmente, superior em tantos aspectos, que esses problemas ficam em segundo plano e não chegam a encobrir o espetáculo, mas em termos de roteiro e de mensagens, é provavelmente o mais imperfeito dos filmes de Cameron.

Avatar / 2009 / James Cameron

Satisfação: 8

Categoria: I-

Filmes Parecidos: O Segredo do Abismo (1989) / Jurassic Park (1993) / Guerra nas Estrelas (1977) / Duna (2021) / Jogador Nº 1 (2018)