segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Avatar | Crítica

Avatar 2009 crítica poster
Dei a nota máxima pra Avatar quando ele saiu em 2009, mas essa avaliação não resistiu tão bem ao teste do tempo. Depois de rever o filme algumas vezes, pude notar algumas coisas insatisfatórias em termos de narrativa, desenvolvimento de personagem, mensagem, e agora com o re-lançamento, resolvi ver o filme em IMAX 3D mais uma vez (o que realmente faz diferença) pra atualizar minha crítica.

A experiência continua extraordinária em muitos aspectos, principalmente nos primeiros 2/3 de filme, e tecnicamente, a produção parece mais avançada que qualquer coisa lançada nos últimos anos. A melhor parte de Avatar pra mim é a apresentação de Pandora, e as primeiras experiências do protagonista naquele mundo — Jake descobrindo as florestas, os animais, a geografia exótica... Quando ele começa a se integrar aos Na'vi e há todo aquele trecho com a escalada até as montanhas flutuantes (com a trilha fantástica de James Horner), o primeiro voo com o Banshee etc., o filme cria alguns dos momentos mais mágicos do cinema de fantasia/sci-fi, e foi provavelmente aí que eu decidi que ele merecia um 10 na época. Os problemas de Avatar começam quando a novidade de Pandora acaba e James Cameron precisa lidar com o resto da trama. Vou listar alguns pontos que acho problemáticos:

- Pra começar, não há uma boa introdução do protagonista Jake Sully. Os primeiros momentos da narrativa são um tanto apressados e confusos, como se um ato inteiro tivesse sido cortado e resumido pro filme não ficar longo demais. Em poucos minutos, já estamos em Pandora, tendo que absorver uma série de conceitos tecnológicos complexos, sem saber quase nada sobre o herói, seus valores, desejos, conflitos, etc. Assim como o Na'vi criado em laboratório, Jake é como um recipiente vazio no qual o espectador se projeta, mas há pouco vínculo emocional e pouco senso de quem ele é como indivíduo.

- A necessidade do programa Avatar é meio vaga e questionável. Qual a necessidade deles se disfarçarem de nativos, gastarem todo aquele tempo se integrando à cultura, quando os Na'vi já falam inglês, já sabem desde o início que Jake faz parte do "Povo do Céu", não é de fato um deles? Tudo isso só pro Jake levar a mensagem de que eles precisam sair dali, pois a Árvore-Lar será destruída? A Sigourney Weaver não poderia ter feito isso? Parece uma tarefa pouco crucial pra trama, até porque os humanos estão determinados a escavar o local com ou sem o consentimento dos Na'vi. 

- O romance entre Jake e Neytiri é outra coisa central da história que me parece pouco convincente ou empolgante; não só pela questão da diferença de espécie, ou pelo que falei sobre Jake ser meio genérico como personagem, mas também pelo fato de não haver honestidade entre eles — como é possível haver um amor autêntico entre duas pessoas quando uma delas é uma impostora e está escondendo coisas cruciais sobre sua vida, sem nenhum remorso ou auto-questionamento? Sinto falta de um vínculo entre Neytiri e o real Jake, em seu corpo humano, sem disfarces, antes da relação evoluir para um novo estágio.

- Não acho que funciona muito bem a ideia de Jake ser o "escolhido" aqui, até porque nenhuma razão é dada pra ele merecer tal honra. É daqueles personagens que devemos aceitar que são especiais por algum motivo, mas que na prática não fazem nada pra sustentar esta impressão. Além disso, acaba sendo um pouco incômoda a ideia de um gringo desinformado chegar numa cultura cheia de tradições e querer se provar o mais especial de todos ali. Pra um filme que quer ser tão "anti-imperialista" e respeitoso com outras culturas, é um toque no mínimo estranho, que não funciona tão bem quanto personagens como Neo ou Luke Skywalker se descobrindo os "escolhidos".

Pra mim o filme perde a graça mesmo no terceiro ato, quando os humanos começam a atacar o território dos Na'vi e Jake muda de time pra lutar ao lado dos nativos. Embora os Na'vi estejam certos em querer proteger seu lar, o filme não faz com que a gente goste de ninguém do povo deles, exceto Neytiri. Os pais dela e o resto da tribo parecem tão vilanescos e antipáticos quanto os antagonistas humanos. E do lado dos humanos, apenas o personagem do Giovanni Ribisi (Parker Selfridge) era um vilão odioso desde o começo. O espectador tem que de uma hora pra outra ver não apenas Selfridge como vilão (reparem no "Self" do nome), mas acreditar também que praticamente todos os humanos em Pandora são inimigos. Essa transição ocorre rápido demais, sem preparo, pois há um desequilíbrio no desenvolvimento dos dois núcleos da história: a parte de Jake descobrindo Pandora e aprendendo a viver com os Na'vi é bem explorada. Mas tudo que ocorre nas instalações da RDA com os outros humanos é apressado, deixado de lado no meio do filme (a relação de Jake com os antagonistas, os diários que ele grava, etc.) o que resulta numa batalha final sem força dramática, ambígua, onde você não tem uma resposta emocional clara e consistente a nenhum dos lados.

Quanto à mensagem ambientalista, Cameron sempre trouxe críticas à tecnologia e ao poder destrutivo do homem em seus filmes, mas essa é a primeira vez em que ele parece "anti-humano" de fato. Em filmes como O Exterminador do Futuro, Titanic, Aliens, O Segredo do Abismo, a ambição humana tem seus problemas, mas esses problemas ainda parecem evitáveis. Os filmes trazem um alerta, mas mostram a tecnologia e o progresso ainda sob uma luz atraente. Já em Avatar, o que é atraente de fato é a natureza, os povos indígenas, as forças místicas do universo. Não temos mais máquinas como objetos de desejo (a empilhadeira da cena icônica de Aliens aparece aqui como uma arma do vilão). Os homens e as máquinas é que viraram os aliens, as criaturas hostis, e isso é levado ao extremo no final quando Jake resolve renunciar à raça humana e virar um Na'vi (uma ideia que leva o conceito de escapismo um pouco além do que acho divertido).

Cameron acaba parecendo hipócrita de certa forma, pois ele é o mais tecnológico e ambicioso de todos os cineastas em atividade, vive explorando a natureza, mas daí faz um filme onde ele exalta a vida simples, livre de impacto no meio-ambiente, livre das invenções do homem moderno, o que soa tão autêntico quanto esses famosos que promovem um lifestyle "rústico", visitam vilarejos na África e postam fotos no Instagram ao lado de nativos, se achando a própria Dian Fossey, mas não aguentariam mais de 1 hora longe do iPhone e do ar-condicionado.

Avatar tem tantas ideias, momentos tão inesquecíveis, é tão imersivo visualmente, superior em tantos aspectos, que esses problemas ficam em segundo plano e não chegam a encobrir o espetáculo, mas em termos de roteiro e de mensagens, é provavelmente o mais imperfeito dos filmes de Cameron.

Avatar / 2009 / James Cameron

Satisfação: 8

Categoria: I-

Filmes Parecidos: O Segredo do Abismo (1989) / Jurassic Park (1993) / Guerra nas Estrelas (1977) / Duna (2021) / Jogador Nº 1 (2018)

4 comentários:

Dood disse...

Uma coisa que você não comentou, porém eu percebi e não sei se encaixa nessa hipocrisia do Cameron: o protagonista ser um cadeirante, em contraste com toda tecnologia e tal.

Caio Amaral disse...

Oi Dood.. Eu não gosto do fato do Jake ser cadeirante. Não por ver hipocrisia.. mas porque acho uma fragilidade grave demais e desnecessária pra ser aplicada ao herói aqui. Qual seria a utilidade pra trama ele não poder andar?

1) Enfatizar o quão incrível é a experiência de operar um Avatar:

- Acho que um ser humano normal já ficaria maravilhado de poder "pilotar" um Na'vi e fazer aquele monte de coisas em Pandora.. não é preciso tirar as pernas dele pra enfatizar (via contraste) o quão incrível é a aventura. Seria como começar O Mágico de Oz com a Dorothy cega, só pra depois Oz parecer ainda mais colorida. É um toque melancólico demais que não melhora de fato a história.

2) Dar uma motivação pro Jake aceitar a missão em Pandora (o general promete "devolver" suas pernas como recompensa pelo serviço):

- Até faria sentido se o filme pretendesse mostrar Jake andando de novo em algum momento. Mas como não é este o plano, isso apenas planta uma expectativa na mente da plateia que nunca é satisfeita.. tornando a "reencarnação" no fim meio anticlimática (um desfecho mais redondo, considerando o ponto de partida da história, envolveria provavelmente Jake recuperando seus movimentos).

3) Dar uma motivação pro Jake abandonar seu corpo humano no fim:

- Faria sentido se não houvesse cura pra sua paralisia. Como ele poderia voltar a andar, essa justificativa acaba sendo anulada.. Se Jake tivesse uma condição irreversível (ou estivesse à beira da morte como a Sigourney), seria mais fácil de entender a decisão de jogar seu corpo fora no fim e reencarnar no Na'vi. Mas como havia a possibilidade dele voltar a andar.. a decisão ganha um caráter meio duvidoso.

Anônimo disse...

Achei Avatar bastante maniqueísta e clichê. Não tinha chegado a me perguntar se o programa Avatar fazia sentido ou não. Mas hoje ficou infelizmente muito comum que as coisas nos filmes aconteçam só pela conveniência do roteiro, sem que ninguém se preocupe se faz sentido.
A questão da deficiência do protagonista provavelmente foi mesmo só para dar uma motivação para ele abandonar seu corpo humano no final. Talvez o roteiro tivesse optado por deixar isso como decisão meio duvidosa para evitar a obviedade que haveria se o personagem estivesse numa condição irreversível, como a do capitão Christopher Pike, um personagem do episódio "The Menagerie" de Star Trek, que no final opta por ficar num planeta onde pode habitar uma espécie de realidade virtual onde tem a ilusão de uma vida plena, em vez de ficar preso a uma máquina que lhe fornece suporte vital.
https://www.youtube.com/watch?v=_pyhiAntIPc
Pedro.

Caio Amaral disse...

Não definiria Avatar como um filme clichê considerando que ele tem uma série de ideias altamente criativas (ex fuzileiro naval enviado a lua distante com montanhas flutuantes e florestas que brilham à noite pra operar mentalmente uma criatura azul de 3 metros de altura, etc.). Só que alguns clichês que ele apresenta (a trama meio Pocahontas, o homem capitalista malvadão destruindo a natureza) incomodam pois são baseados más filosofias.. ou não estão à altura do resto do filme. Daí chama mais atenção do que no caso de um filme rotineiro da Marvel.. onde tudo é um clichê e não há uma única ideia ousada ou original do início ao fim.

Esse episódio de Star Trek ainda não vi.. Se o Cameron usou a ideia da deficiência (e a promessa de cura) como forma de despistar a plateia só pra surpreender no final com a decisão dele virar Na'vi.. foi uma tática meio questionável.. Talvez ele tenha achado que o romance entre Jake e Neytiri seria tão encantador pro público (tanto quanto o de Jack e Rose) e que a ideia de um humano virar um Na'vi permanentemente fosse tão obviamente empolgante, que ele nem precisaria se preocupar com esses detalhes, pois o público amaria o final de qualquer jeito. abs!