sexta-feira, 21 de março de 2025

Março 2025 - outros filmes vistos

O Estúdio (The Studio / 2025) T1.E1 e T1.E2 — Streaming surpreendendo de novo este mês com uma série muito acima da média, que estabelece um padrão tão elevado nos dois primeiros episódios que é difícil imaginar como poderia sustentá-lo nos próximos. Imperdível para cinéfilos.

Sem Chão (No Other Land / 2024)
— Documentário tedioso que só ganhou o Oscar pelo ativismo político, não por ser bem feito, interessante, ter imagens/entrevistas valiosas ou esclarecer qualquer fato.

Adolescência (Adolescence / 2025 / 
Philip Barantini)
— Primeiro lançamento de 2025 que deve entrar nas minhas listas de melhores do ano. O uso do plano-sequência às vezes parece um exibicionismo desnecessário, mas nos momentos mais dramáticos, ajuda a acumular uma tensão que torna os episódios hipnóticos. A série prende a atenção gerando curiosidade sobre os motivos por trás do crime, o que pode tornar um pouco frustrante a guinada Naturalista mais pro final, de optar por focar menos nos porquês e mais no impacto da tragédia nos envolvidos. Ainda assim, é um estudo de personagens fascinante que revela algumas das questões psicológicas/culturais mais urgentes das gerações mais jovens. A performance do Owen Cooper é tão impressionante no 3º episódio que me lembrou do jovem Leonardo DiCaprio quando começou a se destacar no cinema. 

The Electric State (2025 / Anthony Russo, Joe Russo) — Isso só revela o quanto o sucesso de bilheteria de Vingadores: Guerra Infinita e Ultimato não foi mérito da direção dos irmãos Russo. O filme segue um formato familiar de narrativa de aventura, mas os cineastas parecem ter uma espécie de cegueira para os elementos que tornam um filme interessante para o espectador, então se limitam a cuidar dos efeitos especiais e da aparência externa da produção, torcendo pra que o conteúdo se conecte magicamente com o público — o que, infelizmente, não acontece.

Branca de Neve (Snow White / 2025 / Marc Webb) — Melhor do que eu esperava (se bem que as expectativas eram tão baixas que isso nem diz muito). Está mais pra um entretenimento decente enfraquecido por alguns problemas (mensagens woke pontuais, anões no vale da estranheza, um elenco quase bom) do que pra um projeto desastroso como Pinóquio (2022). O filme tem uma direção competente (inclusive na parte musical), cenários/figurinos bonitos, novidades o bastante pra não parecer um remake enlatado, e o tom, de modo geral, não é subversivo ou hostil ao clássico — exceto quando querem transformar a Branca de Neve em uma líder revolucionária, aí realmente fica difícil defender.

Código Preto (Black Bag / 2025 / Steven Soderbergh) — Não me sintonizo bem com o cinema de Steven Soderbergh e, apesar do bom elenco, achei a trama de Código Preto extremamente desinteressante. É o tipo de história mais preocupada em parecer bem escrita e engenhosa (a abordagem dos "relojoeiros") do que em dar um motivo para o espectador se importar por qualquer coisa.

Better Man: A História de Robbie Williams (Better Man / 2024 / Michael Gracey) — Por que o macaco? Para mim, é um toque autodepreciativo estratégico para amenizar a qualidade potencialmente egocêntrica da produção (assim como a ênfase nos problemas emocionais e na suposta inferioridade de Robbie). Descontando esses aspectos "corrompidos" (ou esta aplicação duvidosa do conceito de Complementaridade), achei o filme eficaz e dirigido de maneira bem estimulante.

O Macaco (The Monkey / 2025 / Osgood Perkins) — Mais um caso em que o cineasta teve bastante liberdade criativa pra realizar o filme, mas isso se provou uma péssima ideia. Assim como Mickey 17 faz com a ficção científica, O Macaco apenas pega a premissa do conto de horror de Stephen King (que imagino ser sério) para subverter o gênero e transformá-lo em uma comédia excêntrica guiada pelas afetações do diretor. O resultado não é nem assustador, nem cômico.

Mickey 17 (2025 / Bong Joon Ho) — Reclamamos com tanta frequência da falta de originalidade nos filmes que é fácil cair na armadilha de achar que originalidade, por si só, torna um filme bom. O novo longa do diretor de Parasita (2019) prova que isso não é verdade. Excentricidade é o prato principal aqui, mas em vez do caos organizado de filmes como A Substância ou Pobres Criaturas, Mickey 17 parece mais o delírio de um esquizofrênico pretensioso. Convencido de que os frutos de sua imaginação serão sempre brilhantes, o filme se entrega a devaneios aleatórios sem a disciplina necessária para produzir uma boa história.

quarta-feira, 19 de março de 2025

terça-feira, 18 de março de 2025

Temperamento Ativo e Passivo

Muitos conflitos psicológicos, sociais e políticos derivam de uma relação problemática da cultura com dois tipos de temperamento humano: o ativo e o passivo. Quando não se reconhece o valor de ambos — o fato de que são produtivos, necessários e complementares — e se passa a condenar um deles, os conflitos inevitavelmente surgem.

Tradicionalmente, o temperamento passivo era respeitado em mulheres, e o ativo, em homens. Atualmente, o temperamento passivo parece ser menosprezado pela cultura em geral, inclusive em mulheres. Mas a verdade é que esses temperamentos não discriminam entre sexos. Tanto homens quanto mulheres são naturalmente divididos entre aqueles com um temperamento mais ativo e aqueles com um temperamento mais passivo.

A pessoa com temperamento ativo se sente realizada ao exercer seu comando sobre a natureza e os outros, deixando sua marca no mundo externo.

A pessoa com temperamento passivo se sente realizada ao embarcar na iniciativa da figura ativa, contribuindo e tornando-se uma influência fundamental sobre suas ações e conquistas.

O temperamento ativo tende a ser mais ingênuo, mas cheio de vontade e propósito. O temperamento passivo tende a ser mais sábio, sensível, mas mais cético e menos inclinado a tomar a iniciativa. A pessoa de temperamento ativo tem forças que a de temperamento passivo não tem, mas tem faltas que só esta pode preencher — e vice-versa. Ambas poderiam sobreviver sozinhas, mas são mais fortes unindo suas forças. (A frase "Por trás de um grande homem, há sempre uma grande mulher" poderia ser aperfeiçoada para descrever a relação simbiótica entre os dois temperamentos.)

Recentemente, recomendei o livro sobre a parceria entre Louis B. Mayer e Irving Thalberg em Hollywood, que ilustra bem como os dois temperamentos são complementares. Mayer teria deixado de produzir filmes sem a parceria de Thalberg? Provavelmente não. Mas seus filmes teriam sido mais comuns, menos refinados artisticamente, e a MGM provavelmente não teria se tornado tão prestigiada. Thalberg, por outro lado, sem a liderança e iniciativa de Mayer, não teria exercitado seus dons de forma tão plena e em uma escala tão grandiosa.

Um temperamento não é necessariamente incapaz de fazer o que o outro faz. Às vezes, pode até ser capaz, mas não sente o mesmo preenchimento emocional ao fazê-lo, o que cria limitações. O temperamento ativo e o passivo são como traços introvertidos e extrovertidos: todos temos um pouco dos dois, mas um geralmente predomina. A chave é não reprimir nenhum deles, e reconhecer qual melhor define sua essência. 

Parte da doença da sociedade atual vem não só das velhas associações entre temperamentos ativos/passivos e gêneros específicos ou práticas sexuais, mas também do fato de que, geralmente, apenas o temperamento ativo é socialmente exaltado. A consequência da repressão do temperamento passivo é uma parcela enorme da população com a identidade pessoal fragmentada, agindo contra sua natureza para tentar se encaixar em papéis que não foram feitos para ela.

Sem autoconhecimento, autoaceitação e o entendimento de que um temperamento, sem o outro, é incompleto, as parcerias mais produtivas e satisfatórias não se formam — e, quando isso ocorre, todos saem perdendo.

segunda-feira, 10 de março de 2025

Cultura - Março 2025

10/3 - Livro: Louis B. Mayer and Irving Thalberg: The Whole Equation

Ótimo livro do crítico Kenneth Turan (Los Angeles Times) que fala sobre uma das parcerias mais significativas da história do cinema. Louis B. Mayer e Irving Thalberg foram responsáveis por transformar a MGM no estúdio mais bem-sucedido e prestigiado da era de ouro de Hollywood. Em grande parte, foi graças ao zelo de ambos por qualidade (especialmente de Thalberg) que o cinema, que antes era visto como um entretenimento vulgar, passou a ser aceito como uma forma de arte séria.

Quando digo que o que falta em Hollywood hoje são produtores que não sejam apenas homens de negócios, é em alguém como Thalberg que estou pensando. Louis B. Mayer era visto como o produtor bom em negócios, enquanto Irving Thalberg era o produtor com sensibilidade artística. Mas a verdade é que até Mayer, que não tinha a mesma cultura e o olhar refinado de Thalberg para decisões criativas, estava longe de ser apenas um homem de negócios: ele era um apaixonado por cinema, profundamente comprometido com a qualidade, com o conteúdo moral de seus filmes, e que acreditava que todo seu sucesso dependia dos grandes talentos que ele mantinha ao seu redor.

segunda-feira, 3 de março de 2025

Oscar 2025

Como eu pressentia, o Oscar 2025 não trouxe nenhuma mudança para melhor e seguiu o mesmo padrão dos anos anteriores (em termos de vencedores — a cerimônia é outra discussão).

Sean Baker, com Anora, igualou o recorde de Walt Disney de 4 Oscars em um único ano, e já conquistou mais Oscars do que Steven Spielberg em toda a sua carreira. Isso só reforça minha convicção de que já passou da hora de mudarmos o apelido do Oscar para outra coisa, já que a Academia passou a celebrar um tipo de cinema que pouco tem a ver com o que o nome "Oscar" significa no imaginário popular. Quando multidões de brasileiros comemoram nas ruas a vitória de Ainda Estou Aqui, você acha que o orgulho que elas sentem vem da admiração por filmes como Birdman, Moonlight, A Forma da Água, Nomadland, Coda e Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo

Se eu tivesse controle sobre o evento, os indicados e o vencedor de Melhor Filme seriam algo na linha dessa seleção abaixo. Repare que todos esses filmes estavam indicados a algum prêmio. Ou seja, o problema do Oscar às vezes não é nem tanto a falta de filmes adequados, mas a inclusão e a predominância de filmes que subvertem sua identidade. Com a safra deste ano, teria sido possível criar um Oscar parecido com os do passado. Mas, no fim, tudo fica nas mãos de uma elite cultural que decide o que irá destacar e o que é digno de honra.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Fevereiro 2025 - outros filmes vistos

Um Completo Desconhecido (A Complete Unknown / 2024 / James Mangold) — Dirigido com a competência clássica e eficiente de James Mangold, o filme conta com uma performance igualmente habilidosa de Timothée Chalamet, mas o roteiro joga no seguro e segue a fórmula padrão dos biopics modernos. Apesar da profundidade de algumas frases soltas de Bob Dylan, o enredo fica na superfície de tudo que retrata. Dylan já começa a história pronto — nunca descobrimos como ele se desenvolveu como artista — e alcança o sucesso com relativa facilidade e rapidez na narrativa. A partir daí, os conflitos pessoais e profissionais que surgem não têm grande peso dramático, e o filme passa a depender mais do setlist e da curiosidade histórica pra manter o interesse.

Saturday Night: A Noite que Mudou a Comédia (Saturday Night / 2024 / Jason Reitman) — Retrato muito bem-feito e imersivo de um ambiente fascinante, explodindo em energia criativa. O elenco é um dos melhores ensembles do ano e, apesar da estrutura meio experimental (o filme é apenas o meio de uma história, sem começo nem fim), cada minuto é recheado de incidentes interessantes, falas divertidas e curiosidades históricas para aqueles familiarizados com o SNL (o filme não se esforça para contextualizar os eventos para os leigos). Talvez não tenha sido a melhor forma de contar essa história, mas, ainda assim, achei o filme magnético e cheio de talento.

Hard Truths (2024 / Mike Leigh)
— Estudo de personagem focado em uma mãe de família mentalmente doente e extremamente desagradável. Além da performance marcante de Marianne Jean-Baptiste, a única coisa que torna a experiência interessante é que, às vezes, a neurose dela passa tanto do normal que começa a flertar com a personagem da Mink Stole em Desperate Living, tornando o filme cômico. Infelizmente, Hard Truths é mesmo um drama e, como drama, acaba sendo um daqueles "testes de empatia" para ver o quanto você aguenta o peso de uma pessoa destrutiva em nome de sua dor.

Capitão América: Admirável Mundo Novo (Captain America: Brave New World / 2025 / Julius Onah) — O maior mérito do filme é não ter as coisas toscas que vêm caracterizando os filmes recentes da Marvel. Mas isso não é o mesmo que ter algo memorável a mostrar. O filme preenche as 2 horas com um enredo funcional e cenas de ação enérgicas, mas que não têm personalidade nem geram qualquer emoção. Tudo parece cuidadosamente pensado pra não ofender ninguém, evitar qualquer risco ou ideia que chame atenção — exatamente o que se espera desse tipo de entretenimento feito por comitê.

Entre Montanhas (The Gorge / 2025 / Scott Derrickson) — A prova de que não adianta ter um diretor competente, um bom elenco e um conceito interessante — um roteiro bem desenvolvido é sempre necessário pra gerar um bom filme. O deste filme seria suficiente como backstory para um videogame, mas é desmiolado demais pra um longa que chama a Sigourney Weaver para fazer uma ponta e quer traçar paralelos com grandes clássicos da ficção científica.

Memórias de um Caracol (Memoir of a Snail / 2024 / Adam Elliot) — Uma coisa positiva da animação stop-motion é que cada minuto de filme exige tanto esforço para ser feito que toda cena acaba sendo muito bem planejada, coisas descartáveis do roteiro tendem a ficar de fora — há um tipo de rigor que o cinema foi perdendo nas últimas décadas, quando as câmeras digitais tornaram o ato de gravar "gratuito". Ainda assim, tive que me esforçar para terminar o filme porque ele é uma ode à fragilidade, à feiura, à desilusão e a todos os valores negativos do meu Mapa. O curioso é que há uma consistência incrível nos elementos e símbolos que ele usa pra representar esses valores, como se o cineasta tivesse consciência da conexão entre coisas como lesmas, Fidel Castro e queimar livros de autoajuda. Os ataques à igreja na história também são bem interessantes — me fizeram pensar se os Anti-Idealistas no fim são apenas ex-religiosos desiludidos que acharam que tinham que jogar fora todos os ideais positivos junto com a fé. Só não achei o filme totalmente inassistível por causa da ironia que ridiculariza tudo e todos — um efeito meio Parasita, em que o filme só mostra coisas decadentes, mas pelo menos não insiste que você tenha afeto por elas.

Sing Sing (2024 / Greg Kwedar) — Oscar-bait com uma boa performance de Colman Domingo, mas é daqueles roteiros que começam já no meio e se recusam a desenvolver completamente os arcos narrativos que introduzem, preferindo manter uma narrativa mais solta, semi-Naturalista. Outro problema é que o filme se esforça pouco pra estabelecer a inocência dos presidiários, fazendo você questionar se tudo pode realmente ser tão lúdico e positivo em uma prisão de segurança máxima (os personagens parecem tão honrados que você não entende por que eles estão presos, e a rotina em Sing Sing é tão agradável que você não entende por que eles ficam felizes quando são soltos).

Acompanhante Perfeita (Companion / 2025 / Drew Hancock) — Do popular gênero "fim de semana com os super-ricos termina em assassinato e revelações sinistras", o filme é mais bem dirigido do que eu esperava e apresenta uma premissa até instigante no começo, mas vai perdendo força com reviravoltas forçadas e com a mistura de thriller e comédia que nem sempre acerta o tom e tomba pro Idealismo Corrompido.

O Conde de Monte Cristo (Le Comte de Monte-Cristo / 2024 / Alexandre de La Patellière, Matthieu Delaporte) — Ainda tenho uma memória mais positiva da adaptação de 2002, que não vejo há décadas, mas, apesar de alguns toques "Missão: Impossível" questionáveis, esta nova versão é uma produção impressionante para os padrões franceses, e a base literária continua proporcionando uma narrativa envolvente.

Setembro 5 (September 5 / 2024 / Tim Fehlbaum) — Tem um certo clima de docudrama, já que o foco está todo nos acontecimentos históricos e nos desafios profissionais da equipe de jornalistas que cobriu o evento, sem muito espaço para inventividade cinematográfica ou desenvolvimento de personagens. Mas o que aconteceu nas Olimpíadas de Munique é tão dramático e urgente que o filme se sustenta como um bom thriller de jornalismo.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Cultura - Fevereiro 2025

25/2 - No meu texto recente Como Salvar o Cinema, apontei dois problemas centrais na indústria: os valores Anti-Idealistas na cultura (DEI, woke, etc.) e a mercantilização do cinema. À medida que a cultura woke entra em declínio, algumas franquias vêm se "descorrompendo" e tentando adotar um tom mais positivo e nostálgico pra agradar os fãs (e evitar prejuízos). Eu deveria estar aliviado com isso, mas ainda não estou — e o motivo é que o segundo problema ainda não deu qualquer sinal de declínio.

A venda dos direitos criativos da franquia 007 para a Amazon foi o lembrete mais recente de que o cinema popular de Hollywood é raramente resultado de impulsos criativos autênticos. E sem autenticidade, inteligência e qualidade, o "Idealismo" de um filme não tem grande efeito. Em comparação com The Acolyte, Skeleton Crew foi um grande avanço em termos de tom, mas continua sendo uma série enlatada, que não tive interesse em continuar vendo após o segundo episódio. Filmes como Twisters e Alien: Romulus também tentaram se reaproximar do tom dos originais, mas, criativamente e dramaticamente, não trouxeram nada realmente especial. Pelo trailer, prevejo que Jurassic World: Rebirth seguirá a mesma tendência do fan service sem personalidade.

No texto Mentalidade Clichê, escrevi:

"Em certas situações, acho preferível ver um filme com valores diferentes dos meus [outro 'Senso de Vida'], mas que seja autêntico, do que um filme totalmente clichê que supostamente reflete os meus valores ('supostamente', pois fica sempre uma desconfiança). Autenticidade parece ser uma qualidade básica, sem a qual todas as outras perdem força."

Ou seja, a cultura woke certamente está em declínio, mas enquanto produtores com intenções melhores não assumirem a liderança de Hollywood, não acho que veremos uma revitalização do cinema.

15/2 - Anora vem ganhando bastante tração na temporada de prêmios, e um dos motivos que o tornam um dos filmes mais Anti-Idealistas (e aclamados) da temporada é que ele subverte de propósito narrativas estilo Cinderela / Uma Linda Mulher — o conto da jovem pobre que conhece um homem rico e os dois vivem felizes para sempre. Se o sucesso do filme soa estranho pra você (ele não tem exatamente cara de Oscar), é porque Anora só faz sentido sob o prisma de uma negação — assim como Projeto Flórida (do mesmo diretor) só faz sentido como uma negação do Walt Disney World, que fica nas redondezas de onde a história se passa. O mérito do filme está em sua "habilidade" de ir contra todos os elementos esperados em um conto de fadas e mostrar como as coisas realmente seriam para as pessoas comuns.


7/2 - Escrita e Inteligência Artificial

Dei algumas diretrizes para o ChatGPT corrigir meus textos, focando em ortografia, gramática e pontuação, mas se atendo ao texto original, sem acrescentar ou remover ideias, implicações ou alterar o estilo. Ainda assim, algumas coisas acabam sofrendo alterações, até porque existem erros que se tornaram parte do meu estilo e que o corretor acaba removendo — compreensivelmente. Queria saber se isso incomoda vocês como leitores.

Minha postura no momento é ser contra a IA generativa para fins artísticos e criativos, mas não vejo um grande problema em usá-la para funções mais práticas e técnicas — coisas que pessoas criativas já tendem a delegar a revisores, assistentes, softwares, etc. O problema é que, como a ferramenta é capaz de tudo, até de escrever um texto inteiro por você, quem lê pode sempre ficar com a dúvida: até que ponto estou lendo algo autêntico, me conectando com o autor do texto, e até que ponto estou me conectando primeiramente com uma IA? Pra mim, a IA é o Auto-Tune do cérebro — e, assim como hoje não sabemos mais o quanto um cantor é realmente afinado no mercado musical, em breve não saberemos o quanto uma pessoa é inteligente, capaz de pensar sozinha, etc. Talvez a norma no futuro seja as pessoas fazerem declarações como esta, estabelecendo o papel que a IA tem no trabalho delas. Mas muito vai depender da confiança e do que a pessoa construiu antes da chegada da IA, no caso da geração que teve uma vida anterior.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Missas e Benevolência

Acho que desde criança não entrava em uma igreja pra ver uma missa de domingo, mas outro dia acabei assistindo uma missa anglicana pra acompanhar uma pessoa e tive uma percepção diferente da que tive no passado. Quando criança, o ambiente da igreja me remetia a dever, obediência, submissão, luto... Na minha percepção infantil, parecia uma atividade extremamente chata, meio sem sentido — um lugar onde você era proibido de fazer qualquer coisa minimamente prazerosa e que estava repleto de pessoas tristes, pensando na morte... Por que as pessoas gostavam de ficar ali? Se tivesse que classificar a experiência no meu Mapa de Valores, valores negativos como Repressão, Fragilidade e Malevolência teriam sido os mais dominantes.

Já nessa última missa, ficou claro para mim que o valor principal que o evento queria oferecer era Benevolência. Numa cultura onde Benevolência é o mais negligenciado dos quatro valores positivos, foi até surpreendente ver um ambiente onde se falava em esperança, paz, harmonia, inocência, e isso era desejado e levado a sério pelo "espectador". Onde músicas com "acordes doces" e mensagens otimistas eram cantadas por homens barbados — algo bastante improvável fora daquele espaço. Embora eu continue não sendo religioso, consegui me identificar melhor com a motivação das pessoas ali.

Tive até uma percepção diferente da imagem de Jesus crucificado. Em vez de uma romantização do autossacrifício, a imagem me pareceu apenas um pano de fundo para as palavras positivas e reconfortantes do padre — o Contraste malevolente estratégico pra dar peso e respeitabilidade à mensagem benevolente (a "invasão nazista" de A Noviça Rebelde, os "1500 mortos" de Titanic, etc.).

Não sei até que ponto essa leitura se aplicaria a uma missa católica ou até a outras missas desta mesma tradição, mas a reflexão que tirei da experiência é que, apesar do Idealismo ter sido minimizado no entretenimento, outras instituições acabam sempre acabam dando um jeito de suprir as necessidades emocionais da população ligadas aos valores positivos. Assim como o esporte pode servir como uma fonte de Autoestima e Excitação pra muita gente — algo que a arte vem deixando de oferecer — a Igreja pode ter se tornado uma das únicas fontes de Benevolência.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Como Salvar o Cinema: Minhas Sugestões

Brincando de ser prefeito de Hollywood, vou listar abaixo minhas recomendações para revitalizar o cinema.

De certa forma, meu livro e este blog inteiro são minhas sugestões de como melhorar o cinema. Mas neste post, vou apresentar uma estrutura resumida pra que fique um pouco mais claro como implementar essas ideias. 

Na minha visão, pra que uma indústria saudável e próspera exista, algumas condições são fundamentais:

Ambiente político favorável: uma sociedade livre politicamente, onde as pessoas possam produzir sem grandes impedimentos do governo.

Talentos: uma indústria que priorize excelência e esteja sempre cultivando e colhendo os melhores talentos da população.

Valores culturais/estéticos positivos: um clima cultural (público, intelectuais, instituições) que aprecie e incentive habilidade, prazer, benevolência, racionalidade, beleza — valores que promovam a felicidade.

Com liberdade, talentos e uma cultura positiva, acho que o cinema naturalmente prosperaria. Quando o cinema está em crise, é porque essas condições estão sendo minadas de alguma forma.

Considerando a crise atual do cinema americano, vou listar algumas mudanças que, na minha visão, são necessárias para que ele volte a ter a força que já teve no passado.

É importante ressaltar que, assim como o surgimento da televisão impactou o tamanho do público de cinema, novas formas de conteúdo e entretenimento, como YouTube e redes sociais, também são competidores legítimos de longas-metragens (que, para muitos, são só um passatempo). Com mais opções de entretenimento, é natural que filmes sejam vistos por menos pessoas e com menos frequência do que no passado. Mas isso não significa que a qualidade do que é produzido precise diminuir. O número de filmes produzidos e de espectadores em salas de cinema caiu bastante nos anos 50, mas a qualidade dos filmes não foi piorando progressivamente. Se a qualidade decaiu tanto na última década, não acho que seja por uma redução do público.

A crise atual do cinema é consequência de vários fatores culturais e econômicos interligados. Vou listar abaixo os principais problemas que vejo destruindo as condições listadas acima, e também uma breve indicação de como solucioná-los:

FALTA DE LIBERDADE E LIVRE COMPETIÇÃO

Nos EUA, ainda há liberdade suficiente para que o cinema prospere. Embora greves e outras questões atrasem a indústria, o governo não me parece ser o principal problema de Hollywood. (Se eu estivesse dando dicas para a indústria brasileira, a discussão já começaria aqui.

CULTURA ANTI-IDEALISTA E POLÍTICAS D.E.I.

Meritocracia sufocada pela filosofia DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão)
: ao colocar inclusão e diversidade acima de excelência, o mecanismo complexo que cultiva grandes talentos na indústria entra em curto-circuito.
Solução: contratar e reconhecer profissionais com base em excelência, resultados e compatibilidade com o projeto (vale para o Oscar e outras premiações).

A morte dos astros: astros de cinema são importantes para uma indústria vibrante. Parte do declínio dos astros tem a ver com as redes sociais e a banalização da fama provocada por essas novas tecnologias. Mas uma grande parte vem de tendências como a do Casting Naturalista, que age contra a criação de astros.
Solução: escalar atores com base em uma combinação ideal de talento, carisma e "star quality" — e preservar um mistério sobre a vida pessoal das celebridades.

Influências do Não Idealismo em produções comerciais: tanto em aspectos estéticos, que matam o escapismo e o glamour do cinema (como a fotografia naturalista), quanto em aspectos temáticos (filmes que buscam relevância por suas mensagens sociais, desconstruções estilísticas, etc.).
Solução: realinhamento com a estética Idealista e com a Primazia do Espectador (vale também para o Oscar).

Idealismo Corrompido dominando o entretenimento: Senso de Vida Malevolente e anti-heróis destruindo a leveza e o poder de inspiração dos filmes, que se tornaram mais sombrios, mais focados em sofrimento, conflitos, fragilidades humanas, etc.
Solução: realinhamento do entretenimento com princípios Idealistas.

Politicamente correto sufocando sex-appeal, humor e franqueza nos filmes.
Solução: liberar as grandes produções para que elas voltem a lidar com temas que realmente provoquem e surpreendam o público.

"CAPITALISMO PREDATÓRIO" E MERCANTILIZAÇÃO DO CINEMA

Falta de talentos e de liberdade criativa: grandes produções hoje são frequentemente comandadas por estúdios, empresários, comitês, não por artistas autênticos, o que reduz os talentos na indústria e a qualidade dos filmes.
Solução: resgatar o equilíbrio do passado que criava o "Gênio do Sistema" — a tensão produtiva entre escritores/diretores de talento excepcional, que protegiam a integridade artística do trabalho, e o produtor (alguém também educado artisticamente — não apenas um investidor), que protegia a viabilidade comercial do projeto.

Streaming: sistemas de assinatura que priorizam a atratividade da plataforma, não a de obras individuais, promovem uma "coletivização do entretenimento" que reduz a qualidade dos filmes.
Solução: tirar filmes novos de pacotes de assinatura, para que o sucesso comercial de cada filme volte a depender de transações individuais (ingressos de cinema, aluguéis e vendas digitais ou de mídias físicas).

Sequências, remakes e reboots: a fórmula de lucrar em cima de propriedades intelectuais estabelecidas, não no mérito de filmes individuais, também leva a uma deterioração da qualidade.
Solução: priorizar qualidade, originalidade, obras autocontidas, e reduzir o número de filmes que dependem de IPs.

Esta não é uma lista definitiva, e há outros problemas que poderia acrescentar no futuro, mas a maioria deles é consequência desses dois problemas mais fundamentais: o Anti-Idealismo na cultura e a mercantilização do cinema.

Não acho que seja possível algum poderoso revolucionar a indústria cinematográfica mexendo nesses fatores um a um, de forma calculada, pois há dinâmicas mais complexas por trás dos rumos que a cultura e a economia tomam. Não é possível, por exemplo, replicar em 2025 as mesmas condições que tornaram a geração Boomer ambiciosa e otimista há 50 anos. E as novas tecnologias que mudaram a relação do público com a produção audiovisual e com as celebridades também não devem desaparecer. Ainda assim, acho que algumas dessas dicas podem ser adotadas por produtores individuais que queiram fugir das práticas que vêm prejudicando o cinema atual.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Janeiro 2025 - outros filmes vistos

Não tive estímulo para escrever sobre a maioria dos filmes que vi entre dezembro e janeiro, mas vou deixar alguns comentários para quem sentiu falta das minhas dicas:

A Verdadeira Dor (A Real Pain / 2024 / Jesse Eisenberg) — Road movie divertido, sustentado pela dinâmica da dupla central (que levanta uma discussão interessante sobre diferenças de personalidade) e pela performance brilhante de Kieran Culkin. Apesar de ser uma produção simples, te dá a sensação de estar vendo um filme sólido, "de verdade" — algo reconfortante nos dias de hoje. Teria incluído entre os indicados a Melhor Filme.

Canina (Nightbitch / 2024 / Marielle Heller) — Assim como Tully (2019), parece um filme feito para esposas assistirem com seus maridos quando querem dar o recado que eles precisam colaborar mais com as tarefas domésticas. O retrato da maternidade é tão penoso que uma mensagem mais interessante seria: jamais tenha filhos se você enxerga isso apenas como um dever em nome de perpetuar a espécie! Amy Adams está bem, mas acho que o filme funcionaria melhor como um drama convencional. A metáfora da cadela soa deslocada, não só por não ter um sentido muito claro, mas porque a direção convencional não sustenta os elementos cult da produção.

Nickel Boys (2024 / RaMell Ross) — Dos indicados a Melhor Filme, este talvez seja o que mais exige paciência do público. É um filme Naturalista de black trauma, mas com uma direção mais experimental que de costume, que usa câmeras subjetivas para colocar o espectador na pele de jovens negros nos anos 60, fazendo a gente sofrer em primeira pessoa as injustiças sociais da época. A execução tem seus méritos, mas é daqueles filmes meditativos, sem trama, que se sustentam exclusivamente na mensagem social.

A Garota da Agulha (The Girl with the Needle / 2024 / Magnus von Horn) — Começa parecendo um "horror de opressão" no estilo de Parasita (2019), onde a desigualdade social é o monstro que vitimiza a protagonista. No entanto, algumas reviravoltas na trama levam o filme além da discussão social, e o aproximam do território dos thrillers. A fotografia bonita em preto e branco e a direção estilizada, com toques de David Lynch e Lars von Trier, ajudam a tornar os temas perturbadores mais palatáveis.

Wallace & Gromit: Avengança (Wallace & Gromit: Vengeance Most Fowl / 2024 /  Merlin Crossingham, Nick Park) — É o tipo de aventura semi-cômica que não te permite nem levar muito a sério o que está acontecendo, nem gargalhar com as situações. Ainda assim, é satisfatório ver algo feito com tanto zelo, atenção aos detalhes e rigor criativo.

Conclave (2024 / Edward Berger) — Melhor filme de 2024 que vi até agora (ficção). Acaba tendo um pouco cara de Oscar bait, mas não por apelar pra temas "premiáveis" batidos, e sim por ser tão bom em todos os quesitos da produção (roteiro, direção, elenco, trilha sonora, fotografia) que fica impossível não associá-lo à temporada de prêmios. Assisti ao filme já sabendo quem venceria a disputa no final (graças ao spoiler de um influencer), mas, mesmo assim, a narrativa permaneceu estimulante e surpreendente.

Queer (2024 / Luca Guadagnino) — Foi um dos filmes que me motivaram a escrever o texto Estilo Acima de Conteúdo. Tudo me pareceu um pretexto para o diretor mergulhar no universo de roupas, cenários e estereótipos que compõem a história. Mas a beleza aqui permanece na superfície — a elegância visual contrasta com personagens decadentes e um retrato nada glamouroso do amor e da natureza humana. O terceiro ato é um dos mais anticlimáticos e esquisitos que já vi. Daniel Craig se entrega totalmente ao papel, mas no sentido de estar disposto a parecer meio tolo diante das câmeras — o que, para mim, não é um grande mérito. O destaque fica mesmo para a direção de arte e alguns momentos da trilha sonora (a faixa Wouldn't You? tem uma qualidade onírica incrível que me lembrou de composições do Maurice Jarre).

Jurado Nº 2 (Juror #2 / 2024 / Clint Eastwood) — Achei o filme mais sólido do Clint Eastwood como diretor desde Sniper Americano (2014). A premissa e o conflito moral central sustentam a história — ou seja, é um dos raros filmes de hoje que são carregados pelo roteiro. O que não gostei tanto foi que, mais para o final, o filme começa a se preocupar mais em exaltar o sistema judicial americano do que em oferecer um clímax satisfatório, considerando o protagonista e as expectativas criadas no início. Apenas sob um prisma patriótico e uma ética de dever o desenvolvimento da trama é realmente satisfatório.

Lee (2023 / Ellen Kuras) — Filme biográfico decente, porém convencional. Acompanha, de maneira episódica, os momentos mais relevantes da carreira da fotógrafa Lee Miller, mas sem tentar costurá-los em uma narrativa empolgante (é o tipo de filme que coloca a função histórica acima do prazer da plateia). Kate Winslet está profissional, como sempre, mas continua lutando contra sua feminilidade, o que, pra mim, não a favorece como atriz.

Babygirl (2024 / Halina Reijn) — Lembram da cena em De Olhos Bem Fechados em que a Nicole Kidman narra seu flerte com outro homem, humilhando o Tom Cruise? É como se a diretora tivesse amado aquele momento e decidido fazer um filme inteiro sobre a experiência da personagem, pensando em maneiras ainda mais humilhantes de uma mulher desonrar seu casamento. Segue essa onda de cinema feminista que tem o sexo masculino como alvo. O confuso é que parte do empoderamento feminino aqui é expresso por meio da mulher se submetendo a humilhações — não porque o homem quer, mas porque ela quer. Imagine assistir a Ninfomaníaca, mas sem ter a autorização do filme para desprezar moralmente a protagonista.

Tudo que Imaginamos Como Luz (All We Imagine as Light / 2024 / Payal Kapadia)Naturalismo radical, daqueles sobre pessoas humildes vivendo pequenos conflitos em sociedades pobres, sem trama nem nada de muito memorável do ponto de vista técnico.

A Semente do Fruto Sagrado (The Seed of the Sacred Fig / 2024 / Mohammad Rasoulof) — Tem uma estética meio Naturalista que pode desencorajar no início, mas o filme logo se transforma em um suspense político altamente envolvente, que usa um conflito familiar pequeno para ilustrar, de forma inteligente e bem integrada, questões maiores que assombram o Irã atual. Um dos mais impactantes do ano.

Todo Tempo que Temos (We Live in Time / 2024 / John Crowley) — Junta dois dos gêneros que menos gosto em uma narrativa só: filme de doença e filme de grávida. Há uma certa ternura entre o casal que impede o filme de parecer apelativo, mas, em vez de inspirar, realçando a força dos personagens, a leveza deles diante da morte acaba tornando a situação ainda mais deprimente. Andrew Garfield e Florence Pugh estão bem, mas a história é pura romantização do sofrimento.

Maria Callas (Maria / 2024 / Pablo Larraín) — Não gostei muito de Jackie, nem de Spencer, e Maria Callas é mais um filme de Larraín que parece uma meditação visual sobre uma diva bem vestida, em vez de uma biografia real. Se tivesse uma estrutura mais convencional, seria do tipo de biografia episódica e previsível, que apenas nos expõe fatos sobre a personagem. Mas, ao selecionar um recorte tão pequeno e subjetivo da vida de Callas, o filme acaba não exercendo nem essa função histórica. Não acho que era um papel para Angelina Jolie também.

Lobisomem (Wolf Man / 2024 / Leigh Whannell) — Há alguns momentos brilhantes que me lembraram por que gostei tanto de O Homem Invisível e vi potencial em Leigh Whannell como diretor. Mas, infelizmente, o roteiro é daqueles estilo Shyamalan, que apesar de mais autêntico e ambicioso que a média, vai se tornando cada vez mais forçado e se perde em decisões frustrantes.