sábado, 18 de janeiro de 2025

Cultura - Janeiro 2025

18/01 - Termômetro — Temporada de Prêmios 2025

Ainda não sabemos se o Oscar 2025 refletirá a mudança de atitude na cultura que ganhou força ano passado ou se os líderes da indústria cinematográfica serão uma frente de resistência a ela. Mas, olhando as previsões dos sites de apostas, a impressão é de que, no caso do Oscar, estamos caminhando para mais do mesmo: queridinhos de Cannes e Veneza se tornando os grandes favoritos ao prêmio principal, os filmes mais Anti-Idealistas ganhando toda a atenção, enquanto os mais Idealistas têm apenas uma participação simbólica.

A corrida ainda está aberta: O Brutalista, Anora, Emilia Pérez, Conclave e Wicked são mencionados pelos experts como possíveis favoritos.

Uma vitória de O Brutalista, Anora ou Emilia Pérez seria, pra mim, apenas "mais do mesmo" — aquele tipo de prêmio que vai contra toda a identidade tradicional da Academia, mantendo o Oscar alinhado com os festivais europeus.

Conclave ainda não assisti, mas parece ser um candidato mais tradicional, cuja vitória poderia indicar o "pêndulo" tentando voltar para uma posição mais neutra.

Wicked é um caso misto: segue muitas premissas Idealistas, mas inclui uma série de toques woke que o "modernizam". Se ele vencesse, interpretaria como um gesto da Academia para tentar fazer as pazes com o grande público, buscando prestigiar filmes populares, mas sem rejeitar a identidade progressista que adotou nas últimas décadas.

Quanto às esnobadas e omissões, o pouco caso com Divertida Mente 2 — a maior bilheteria do ano e um dos filmes mais consistentes com o Idealismo de 2024 — é a tendência mais preocupante.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Livro: Pendulum

Pendulum: How Past Generations Shape Our Present and Predict Our Future (Roy H. Williams, Michael R. Drew)

Apesar de ser bastante racionalista, este livro apresenta uma teoria interessante com a qual eu flertei no meu livro Idealismo sem saberEle sugere que as tendências culturais funcionam como um pêndulo que oscila entre "eu" e "nós" — entre individualismo e coletivismo — e que leva 40 anos para o pêndulo ir de um extremo ao outro (80 anos para completar um ciclo).

Os autores tratam o pêndulo como um mecanismo altamente confiável, que segue o mesmo padrão há milhares de anos sem grandes desvios, o que acho absurdo. Mas acho válida a ideia de que uma geração mais individualista tende a levar o conceito "longe demais", dando origem a um movimento oposto, mais coletivista, que também acaba exagerando na outra direção.

Em 2012, o livro profetizou que estávamos na ascensão de uma era "nós", que chegaria ao limite em 2023. Curiosamente, o livro chama de geração "Idealista" aquela que está na ascensão de uma era "eu". A última teria ocorrido entre 1963 e 1983 (ascensão da geração boomer — ou seja, eles colocam os hippies dos anos 60 e era Reagan no mesmo saco "individualista", o que é meio duvidoso), e a próxima se iniciaria apenas em 2043. De agora até lá, vivenciaríamos uma geração "Adaptativa", que esfriará os ideais perseguidos nos últimos 20 anos antes de acelerar na direção de um novo objetivo. No mínimo, vale para refletir.

domingo, 5 de janeiro de 2025

Estilo Acima de Conteúdo

O cinema é uma mídia altamente expressiva e isso frequentemente atrai pessoas que querem usá-lo para explorar interesses e aptidões particulares, ignorando o fato de que ele é, essencialmente, uma arte narrativa. Um exemplo comum desse tipo de criador é o estilista ou designer — indivíduos que priorizam as propriedades visuais e sensoriais da arte. Esses criadores costumam se expressar por vias não-verbais e subjetivas, o que geralmente os torna inaptos como roteiristas de filmes. Ao idealizar um projeto, eles tendem a detalhar minuciosamente elementos como direção de arte, figurino, trilha sonora, fotografia e movimentos de câmera, tratando o roteiro apenas como um mal necessário para viabilizar sua visão estética. Para eles, o sentido do cinema está nos estímulos sensoriais e no universo estético que os fascina.

O problema é que estímulos sensoriais, por si só, não comunicam conceitos ou ideias e, portanto, não provocam emoções genuínas (exceto Emoções Irracionais). Quando um cineasta desse tipo tenta se expressar através da estética, ele está, na verdade, buscando um atalho. Ele escolhe uma estética porque ela o transporta para um universo que reflete seus ideais, mas não compreende a verdadeira origem de suas emoções. Por exemplo, um artista pode fazer um filme com a estética dos anos 1950 — Cadillacs, drive-ins, brilhantina, Marilyn Monroe, letreiros vintage da Coca-Cola, etc. Ao recriar esse visual, ele apenas toma emprestadas as emoções associadas a esses elementos, que foram construídas por artistas e obras anteriores. Ele espera que, ao representar fielmente esse estilo, o espectador sinta as mesmas emoções que ele associa a esse universo estético, sem precisar compreender ou expressar diretamente seus próprios valores. No caso dos anos 1950, o artista pode estar atraído por uma idealização da juventude, do capitalismo ou dos Estados Unidos. Ou então, ele pode usar a estética "perfeitinha" dos anos 50 para sugerir artificialidade e comunicar seu desprezo por esses mesmos temas. Em qualquer caso, o artista não trabalha diretamente com conceitos ou ideias, mas apenas referencia elementos concretos que no passado projetaram tais valores.

Filmes que tentam substituir conteúdo por estilo são sempre marcados por superficialidade e monotonia. Eles podem ter uma atmosfera interessante que atrai no início, mas rapidamente se tornam previsíveis e repetitivos. Isso ocorre porque suspense, surpresa e verdadeiro envolvimento dramático dependem do conteúdo.

Se um espectador do tipo "estilista" assistisse a um filme voltado para o conteúdo, como os do Woody Allen, por exemplo, e desligasse o som para focar apenas na direção de arte, nas cores dos cenários e nos figurinos, o filme pareceria totalmente incoerente. Seu apetite estético não seria "alimentado" de um plano para o outro. Os cortes e enquadramentos pareceriam aleatórios, como se seguissem uma lógica alienígena.

O mesmo acontece quando um espectador orientado pelo conteúdo assiste a um filme voltado para o estilo. Apesar dos personagens pronunciarem frases gramaticalmente corretas e suas ações terem alguma consistência, o conteúdo parece vago e desconexo. Não há uma lógica clara interligando as ações ou cenas, ou, quando há, essa lógica é secundária, com a estética ou atmosfera servindo como o principal elemento de conexão entre os planos.

O talento desses cineastas pode ser valioso em áreas como moda, design, publicidade e videoclipes, mas um longa-metragem não se sustenta apenas com esse tipo de comunicação. Por ser uma arte temporal, o cinema exige um enredo — que exige ideias, conceitos, valores e comunicação objetiva. Nenhuma pessoa racional tolera passar uma hora e meia em um transe sensorial, sem alimento para o intelecto.

Assim como o "como" depende do "o que", o estilo deve vir depois do conteúdo, servindo para dar vida e cor às ideias apresentadas no roteiro, que precisam ser envolventes e interessantes por si só.

Uma boa maneira de testar se uma música é realmente boa é tocá-la no piano — sem vocais, letra e seu arranjo original. Se ela continuar satisfatória apenas pela melodia, ritmo, harmonia e estrutura, trata-se de uma composição sólida. No cinema, o roteiro é esse conteúdo fundamental. Fotografia, direção de arte, atuações, efeitos especiais e trilha sonora vêm depois. Nos melhores casos, o estilo é tão memorável que se torna difícil imaginar a obra sem seus visuais e sons característicos, mas o roteiro é o alicerce. Sem o conteúdo, esses elementos estilísticos perdem toda a emoção associada a eles.

Exemplos:

Wes Anderson, Luca Guadagnino, Yorgos Lanthimos, Robert Eggers — Alguns cineastas fazem o que chamo de "fashion films": filmes que parecem existir quase exclusivamente pela estética e que, nos piores casos, se tornam exercícios vazios de estilo. Cenários, figurinos, estilos musicais e tudo relacionado ao design dominam a experiência. O enredo, nesses casos, parece existir apenas para viabilizar a estética, como o tema de um desfile de escola de samba, que orienta fantasias e alegorias, mas não é o foco principal do espectador.

Tim Burton, Baz Luhrmann, Guillermo del Toro, Jean-Pierre Jeunet, Sofia Coppola — Se encaixam parcialmente na categoria acima, mas seus filmes geralmente têm uma dose maior de enredo e conteúdo.

Filmes "Hitchcockianos", "Tarantinescos", "Kubrickianos" — Alguns cineastas se encantam tanto pelo estilo de diretores icônicos que seus filmes acabam se tornando exercícios de imitação, em vez de esforços genuínos para contar histórias próprias. Nesses casos, a imitação é uma tentativa de captar o talento desses artistas por meio da estética. (Tarantino, embora frequentemente imitado, é em parte um imitador também).

Filmes "Oitentistas", "Neo-Noir", etc. — O estilo de certas décadas ou gêneros pode inspirar cineastas que priorizam a estética em detrimento do conteúdo.

Brady Corbet, Jonathan Glazer, Xavier Dolan, Gaspar Noé e os "Fashion Films" de Arte — A estética rústica e árdua associada ao cinema de arte pode atrair cineastas interessados em prestígio, prêmios, levando ao fenômeno da Pseudo-Sofisticação.

Christopher Nolan, Zack Snyder, Denis Villeneuve — A imponência e as proezas técnicas dos blockbusters podem ser vistas como um "estilo" — criam uma estética atraente que frequentemente serve como um substituto para o conteúdo narrativo. Embora não façam filmes desprovidos de conteúdo, muitos dos sucessos desses cineastas se sustentam na grandiosidade e na "sensualidade" de suas produções.

Índice: Artigos e Postagens Teóricas

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Problemas do Objetivismo #12 - Ambição vs. Ganância

Alguns intelectuais objetivistas às vezes ignoram ou "passam pano" para um aspecto negativo do mundo dos negócios que é extremamente comum e malvisto pela maior parte da população: a atitude de empresários que não enxergam a diferença entre ganhar dinheiro e criar algo de valor.

Ansiosos por defender o capitalismo e os princípios do livre mercado, eles às vezes esquecem que muitas coisas feitas em liberdade podem, e frequentemente são, menos que heroicas.

Um objetivista concordaria que é imoral um marido violentar fisicamente sua esposa e que ele deveria ser punido por isso. Mas, dentro do que é permitido pela lei, existe uma diferença enorme entre um casamento feliz e uma relação tóxica, dominada por mentiras, incompatibilidades e ressentimento — embora esse tipo de relação seja perfeitamente legal. Não precisamos sugerir que o governo deva interferir ou proibir aquilo que é imoral ou desprezível — mas isso não significa que devemos ignorar as diferenças entre o que é admirável e o que não é.

Há uma diferença enorme, por exemplo, entre Walt Disney e Bob Iger (atual CEO da Disney). Ambos queriam fazer dinheiro, mas Walt Disney claramente buscava isso como consequência de criar algo magnífico e oferecer um grande valor para seus clientes. Ele disse uma vez que, na Disneyland, queria que o cliente pudesse entrar em um prédio de 1 milhão de dólares pra comprar um hambúrguer por 50 centavos. Obviamente, ele esperava lucrar com essa troca — Disney não era um altruísta. Ainda assim, ele parecia encantado com a possibilidade de fazer o cliente sentir que pagou pouco em comparação com o benefício que teve. Iger já parece ser do tipo que se orgulharia de conseguir vender por 1 milhão de dólares um produto que, na prática, vale 50 centavos.

Muitos acreditam que não é possível ser bem-sucedido prejudicando seus clientes, pois as forças do mercado trabalhariam contra você. A longo prazo, isso pode até ser verdade. Mas essas forças de mercado frequentemente demoram décadas para agir, permitindo que empresários acumulem fortunas por muito tempo através de táticas desprezíveis.

Entre atitudes virtuosas, que promovem relações ganha-ganha, e ações destrutivas que levam uma empresa à falência, existe uma vasta zona cinzenta com inúmeras graduações intermediárias. No extremo positivo, temos o empresário do "Tipo 1" que foca no quanto de valor ele pode produzir, em quão excelente pode tornar seu produto ou serviço, e no quanto pode satisfazer seus consumidores (sempre dentro de um modelo lucrativo). No extremo negativo, temos o empresário "Tipo 2" que busca o máximo de lucro testando os limites de seu público: flertando com atitudes abusivas e manipulativas, vendo até onde pode baratear e degradar seu produto antes de sofrer prejuízos concretos.

Na minha percepção, o primeiro tipo de empresário tende a lucrar mais a longo prazo (além de Walt Disney, citaria Steve Jobs como outro bom exemplo de empresário preocupado com qualidade e com o valor gerado para o consumidor). Mas é possível que, em certos contextos, o segundo tipo seja mais lucrativo. Isso não o torna superior como empresário. O objetivismo diz que devemos produzir, gerar riquezas e buscar uma vida materialmente confortável — mas não diz que devemos sempre buscar o máximo de dinheiro possível. Nosso foco deve ser nossa felicidade, nosso desenvolvimento pessoal. E o tipo de empresário focado em criar o máximo valor e em promover relações ganha-ganha está muito mais alinhado com esses objetivos.

Infelizmente, muitas pessoas parecem cegas para o verdadeiro valor de um produto. Enxergam apenas dados e números, interpretando o sucesso comercial de algo como sua principal medida de valor. Se você é bom em economia, mas não entende nada de entretenimento, por exemplo, você pode achar que Bob Iger tomou uma decisão brilhante ao colocar Moana 2 nos cinemas, em vez de lançá-lo como série no Disney+, como era o plano original. Olhando apenas para os números, Iger vai parecer um empresário virtuoso, promovendo o crescimento de sua empresa e atendendo os desejos do consumidor (o filme se tornou uma das maiores bilheterias de 2024). É necessária alguma sensibilidade estética e conhecimento da indústria para reconhecer que Iger agiu como o segundo tipo de empresário.

Consigo imaginar cenários em que priorizar o lucro, e não a geração de valor, seja aceitável (situações de pobreza, por exemplo, onde o foco do produtor é a sobrevivência). Mas lucrar sem gerar algo tangível de valor (riquezas "com lastro") não proporciona um senso de realização pessoal. Se uma pessoa trabalha apenas para ganhar dinheiro, seu trabalho dificilmente será gratificante, e ela terá que buscar essa realização em outro lugar. A situação ideal, portanto, é alinhar trabalho com valores e propósitos mais elevados.

A maioria das pessoas, creio eu, admira empresários do Tipo 1. Existem anti-capitalistas que rejeitam sucesso de qualquer tipo, mas muitos ataques a empresários que vemos na cultura popular não são contra o capitalismo em si, mas contra a atitude dos empresários do Tipo 2. Sugerir que esses empresários devam ser punidos pelo governo é errado, mas o desprezo ou falta de admiração por parte da população não são necessariamente maus.

Assim como o termo "egoísmo" tem uma conotação positiva no objetivismo, o termo "ganância" às vezes recebe o mesmo tratamento. Mas ganância não é sinônimo de ambição. É um termo usado principalmente para descrever processos imorais de obter riqueza.

Há pessoas demais lucrando através desses processos para ignorarmos as diferenças entre os gênios produtivos retratados nos romances de Ayn Rand e os empresários do Tipo 2. Enquanto objetivistas tratarem essas mentalidades distintas com o mesmo senso de respeito, eles continuarão promovendo a falsa impressão de que o objetivismo coloca riqueza material acima da felicidade humana e dos valores que a possibilitam.

Índice

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Mufasa: O Rei Leão

O "live action" de 2019 já era um filme sem razão criativa para existir. Mas, por se tratar de um remake, pelo menos ainda tinha as canções de Elton John e o enredo do sucesso de 1994 como base. Agora, por mais que tentem transformar a história de Mufasa em um grande déjà-vu da jornada de Simba, precisamos de personagens diferentes, de canções novas. E aí, Mufasa tem dificuldade de caminhar com as próprias pernas — ou patas.

O filme começa no "presente", quando Simba já é o Rei Leão. Num dia qualquer, quando Simba e Nala precisam sair para resolver questões "de adultos", a filha deles, Kiara, fica sob os cuidados de Timão, Pumba e Rafiki. A narrativa inteira é contada em flashback, a partir de uma história narrada por Rafiki. Emoldurar uma narrativa dessa forma pode ser interessante, quando há uma boa justificativa para a história estar sendo contada no presente e algum conflito que ainda precise ser resolvido. Mas aqui, Rafiki conta a história apenas para passar o tempo, o que faz o filme todo parecer desimportante, com cara de produção "direto para VHS".

A jornada de Mufasa, por sua vez, também tem pouco peso. No filme original, era plausível que Simba fugisse de casa, manipulado por Scar e acreditando ser culpado pela morte do pai. Já neste, Mufasa deixa seu lar apenas por causa de um acidente — um, aliás, que não faz o menor sentido. Quantos metros o rio pode tê-lo arrastado para longe dos pais? 300? 1 km? Se ele simplesmente seguisse o rio de volta, não chegaria exatamente no ponto onde caiu?

Vários incidentes na trama soam forçados, numa tentativa de recriar situações do original, mas sem a mesma lógica ou carga emocional. Por exemplo: assim como tivemos a debandada de gnus no primeiro filme, agora temos uma debandada de elefantes. O que provoca a debandada aqui? Uma colmeia de abelhas derrubada por Sarabi — que devem ter ferrões excepcionais para assustarem animais de cinco toneladas revestidos por um couro de três centímetros! Assim como no original tínhamos uma canção para o vilão ("Be Prepared"), aqui temos uma para o antagonista. O problema é que a melodia e a letra da canção "Bye Bye" fazem o vilão parecer cômico, ridículo — seria uma música mais apropriada para um dueto de Timão e Pumba. E, assim como o primeiro acabava com um ritual grandioso na Pedra do Rei, este segue o mesmo modelo — mas faz sentido Mufasa subir na pedra nesse filme, sendo que ele passou o filme todo sendo um Herói Envergonhado que tem aversão a qualquer expressão de orgulho?

Quando o filme não está tentando replicar passagens do original, ele está explicando a origem de elementos do original: como Rafiki encontrou seu cajado, como Scar ganhou seu apelido, etc. Mas tudo parece um fan service inventado de última hora, não uma ideia bem desenvolvida que agregue algo interessante à narrativa original (como Wicked buscou fazer).

O contraste entre o orçamento do filme, o enorme investimento na animação, e a pobreza da parte criativa, me faz pensar que, assim que a inteligência artificial for liberada para produções desse tipo, os produtores não hesitarão em entregar algo ainda mais fraco. Durante a sessão, me peguei refletindo se, num futuro próximo, sentirei saudades de filmes como este, que, apesar de vazios criativamente, ainda parecem fruto de equívocos humanos "orgânicos", e que tiveram centenas de profissionais pensando cuidadosamente em cada frame na tela. Ainda que o investimento esteja limitado ao aspecto técnico/visual, isso ainda não é melhor do que nada?

Mufasa: The Lion King / 2024 / Barry Jenkins

Satisfação: 4

Categoria: Idealismo Corrompido

Filmes Parecidos: O Rei Leão (2019) / Moana 2 (2024) / Mogli: Entre Dois Mundos (2018)

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Cultura - Dezembro 2024

19/12 - Teaser de Superman

A 1ª imagem do Superman no filme que supostamente irá marcar um recomeço para a DC é o herói caído no chão e ensanguentado. Não é das entradas mais animadoras...





13/12 - Luigi Mangione

Há alguns meses, deixei o comentário ao lado no meu Instagram após assistir Coringa 2. O "sucesso" de Luigi Mangione (suspeito do assassinato do CEO da UnitedHealthcare) não é surpresa alguma para quem vem observando a reação do público aos inúmeros filmes lançados nos últimos anos com a mensagem "matem os ricos".










8/12 - Skeleton Crew (Episódios 1 e 2)

Boa parte dos problemas que apontei em The Acolyte foram evitados nesta nova série do universo Star Wars que, das produções recentes, é uma das que melhor reproduzem o clima dos filmes de Lucas/Spielberg dos anos 80. Ainda soa como uma imitação ou homenagem, em vez de algo com vida própria, mas pelo menos a série foge do Idealismo Corrompido estilo Stranger Things, onde a homenagem se limita aos elementos visuais/concretos da produção. O fato da série ser protagonizada por crianças talvez tenha ajudado na implementação desse tom mais benevolente, mas vale lembrar que os Star Wars originais, estrelados por adultos, também tinham essa atitude leve. Isso não significa que, esteticamente, já tenha havido uma grande evolução ou que o roteiro evite os vícios das séries de TV modernas. Mas acho que, no caso de Star Wars, essa mudança no Senso de Vida é mais urgente até do que as melhorias puramente técnicas. Tomara que não seja um caso isolado e que isso reflita uma mudança maior dentro da Disney.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Anora

Um retrato de jovens imperfeitos, perdidos na vida, tomando uma série de decisões tolas e sofrendo as consequências. O que torna Anora mais incômodo do que o típico filme Naturalista com esse tema é o tempero niilista do diretor, que parece se divertir corrompendo a bússola moral da plateia: fazendo ela rir enquanto observa atos revoltantes, humilhando um personagem que ele fez questão de tornar honrado primeiro, criando esperança sobre os rumos da trama que em breve serão frustrados… A arte de Sean Baker parece ser a de identificar possíveis valores em sua história e casualmente quebrá-los — sem muito sensacionalismo, pois transformar essa subversão em um espetáculo trairia seu gosto por ambivalências e paradoxos. Quanto a Mikey Madison: sua atuação é boa no sentido de convencer o público de que ela é alguém como a personagem. Mas, quando estamos falando de uma personagem tão rica em imperfeições quanto Anora, uma grande performance, na minha visão, seria aquela capaz de extrair dela alguma qualidade digna de ser contemplada, o que, infelizmente, não ocorre aqui.

Anora / 2024 / Sean Baker

Satisfação: 3

Categoria: Naturalismo / Anti-Idealismo

Filmes Parecidos: Projeto Flórida (2017) / Docinho da América (2016) / To Leslie (2022) / Joias Brutas (2019) / Red Rocket (2021)

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Um Homem Diferente

Não é fácil encarar um rosto desfigurado como o do protagonista de Um Homem Diferente, e eu tinha uma certa preocupação de que este filme se tornasse apenas uma lição de moral sobre aqueles que sentissem qualquer desconforto visual ao longo da projeção. Mas o filme lida com a questão de maneira bastante razoável, inclusive explicando as origens genéticas e involuntárias dessa reação. Em vez de um teste moral, o foco do filme se torna a engenhosidade da própria trama, que busca aquele tipo de inversão irônica bem explorada no ano passado em Ficção Americana.

Nesse aspecto, o filme começa muito bem, mas não sabe exatamente o que fazer com a premissa a partir da metade. A sacada central do roteiro é que o personagem encontra a cura para sua doença, mas, em vez de vencer na vida, acaba sendo superado por outro personagem que tem a mesma condição que ele tinha.

Vejo dois caminhos interessantes para um filme com essa premissa. O primeiro seria uma crítica à sociedade — uma sátira no estilo de Ficção Americana, onde um personagem que deseja realizar algo virtuoso acaba ficando para trás em uma cultura que não valoriza mais o belo. O segundo seria uma história de ascensão e queda sobre um homem com uma falha de caráter que acredita que vencerá na vida por meio de mudanças externas, superficiais, mas acaba sendo derrotado por seus fantasmas internos.

O diretor e roteirista Aaron Schimberg, que também sofre de um tipo de desfiguração facial, talvez não tenha o distanciamento necessário do tema para optar pela primeira opção. Assim, a história vira uma discussão sobre a importância do caráter diante do material. O problema é que o roteiro falha em estabelecer um problema de caráter para o personagem. No início da história, Edward (brilhantemente interpretado por Sebastian Stan) não tem nenhuma "falha trágica" que ele equivocadamente tente superar através da mudança de aparência. Ele é um cara perfeitamente digno, cujo único problema parece ser sua condição rara de saúde. E é uma condição tão grave que nenhuma reviravolta irônica do roteiro consegue fazer o espectador acreditar que, assim como em A Substância (2024), teria sido melhor o protagonista não ter passado pelo procedimento e aceitado sua aparência original. O roteiro acaba forçando uma série de situações para conseguir dar o fim trágico desejado a Edward, mas perde a credibilidade.

É pouco convincente, por exemplo, que Edward forjaria a própria morte, assumiria uma nova identidade e, mesmo assim, se interessaria em estrelar a peça de teatro da ex-amiga sobre sua vida. A maneira como seu rival, Oswald, consegue levar uma vida leve, socialmente movimentada e cheia de oportunidades profissionais, apesar do rosto desfigurado, também parece forçada — seria convincente se esse exagero fosse um comentário sobre as inversões de valores da sociedade atual, mas o filme não tem essa proposta.

Há vários bons filmes em que um personagem se torna rico, mas descobre que dinheiro não é tudo, ou conquista a tão sonhada liberdade, mas acaba perdendo seu propósito de vida. Em Um Homem Diferente, não cola a ideia de que a cura de Edward não teria servido para nada, já que, no fim, caráter é o que importa.

Na cultura atual, aliás, é ainda mais desafiador acreditar que as pessoas enxergariam além da condição de Edward ou Oswald. É curioso, por exemplo, que vários filmes de 2024 sejam sobre pessoas mudando de vida por uma transformação radical na aparência — Um Homem Diferente, A Substância, Emilia Pérez, Feios. Ao mesmo tempo que essas histórias expressam um desejo de priorizar o caráter, elas também refletem uma cultura onde a aparência física se tornou uma enorme preocupação e, para o bem ou para o mal, um fator cada vez mais determinante na vida social e econômica das pessoas.

A Different Man / 2024 / Aaron Schimberg

Satisfação: 6

Categoria: Idealismo Crítico

Filmes Parecidos: Ficção Americana (2023) / O Homem dos Sonhos (2023) / A Substância (2024) / Desculpe te Incomodar (2018)

domingo, 8 de dezembro de 2024

O Fator G do filme

Na psicologia cognitiva, o Fator G representa a habilidade cognitiva geral de uma pessoa: uma capacidade central, mais ampla que o QI, que influencia seu desempenho em diversas tarefas, como resolução de problemas, aprendizado, raciocínio lógico, memória, cognição social, etc.

Podemos dizer que todo filme também tem um "fator geral de inteligência", estabelecido principalmente pelo diretor (quando ele tem controle criativo sobre a obra), com grande influência do roteirista.

Assim como a Intenção de um filme, essa é uma qualidade menos tangível da arte, mas que acaba sendo tão determinante para a qualidade de um filme quanto aspectos mais mensuráveis, como a estrutura narrativa ou as atuações.

O Fator G se manifesta não apenas nos elementos óbvios pelos quais costumamos julgar um filme, mas especialmente nos detalhes: em um conjunto de boas decisões e observações inteligentes que refletem a capacidade do criador da obra.

Filmes do Kubrick, por exemplo, têm sempre um Fator G elevado porque Kubrick tinha um Fator G elevado. É fácil observar isso comparando 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) com a sequência 2010: O Ano em que Faremos Contato (1984). Apesar de também ter Arthur C. Clarke no roteiro, 2010 foi dirigido por um cineasta mais convencional e, portanto, é bem menos estimulante intelectualmente do que 2001. O filme abre recapitulando tudo o que houve no primeiro filme, mastigando aspectos já claros da história, e prossegue com uma série de cenas expositivas preguiçosas, que sugerem que ele não contará com a inteligência do espectador para muita coisa. Contraste isso com 2001 e como o filme omite diversas conexões, contando com o público para fazê-las sozinho: na cena em que o macaco tem o insight de que o osso pode ser usado como arma/ferramenta, um espectador desatento pode não conectar a descoberta com a aparição do monolito minutos antes, ou com a espaçonave milhões de anos depois.

Isso nos dá algumas pistas sobre o Fator G. Filmes com um Fator G elevado tendem a estimular o raciocínio do espectador. Claro, apenas a pessoa mais inteligente do mundo poderia ser estimulante para todos os níveis de raciocínio. Há algo de relativo nessa dinâmica, mas, como regra geral, o artista deveria estar acima do Fator G médio da população e, certamente, acima do Fator G médio de seu público-alvo.

Filmes com um Fator G elevado apresentam observações profundas e perspicazes sobre o mundo e o ser humano, que fogem do lugar-comum (repetições, imitações e clichês rebaixam o Fator G de uma obra). O Fator G elevado costuma demonstrar preocupação com ordem, estrutura, processos, precisão e integração de elementos, buscando coerência e eliminando contradições. Há um foco maior em conceitos, ideias, fatos universais/atemporais, em vez de emoções espontâneas, convenções culturais ou tendências passageiras. Ele também busca economia, eficiência e alcançar o máximo de resultado com o mínimo necessário, evitando o que é redundante ou supérfluo.

Essas características não se apresentam de forma direta e explícita nos filmes, mas percebemos isso em um nível subconsciente.

2010, por exemplo, começa com "Assim falou Zaratustra", de Strauss, tocando sobre os créditos iniciais, assim como 2001. Mas, desta vez, mostrando antenas parabólicas durante um nascer do Sol. A cena é brochante, pois parece tentar repetir o mesmo impacto da abertura do primeiro filme, mas com uma imagem mais genérica e menos emblemática, que não reflete o tom épico da música. Além disso, o nascer do Sol e os títulos perderam qualquer sincronia com a estrutura da composição. Não há nenhum defeito óbvio nessa sequência, mas é interessante notar como, a esta altura, 2001 já comunicava uma série de qualidades evocativas de um alto Fator G.

O Fator G é uma das características que menos mudam ao longo da carreira de um artista. Um artista pode ter um desempenho melhor em um trabalho, pior em outro, mas seu padrão cognitivo não costuma sofrer grandes oscilações (exceto, talvez, um declínio em idades mais avançadas). Um artista com um Fator G alto, no entanto, não pode se acomodar e achar que tudo o que fizer será brilhante. Sua capacidade precisa ser demonstrada concretamente no estilo e no conteúdo de cada obra. Woody Allen, por exemplo, já fez diversos filmes medianos, até mesmo fracos, apesar de o Fator G de seus filmes geralmente permanecer alto. Há também muitos artistas com Fator G elevado que simplesmente não possuem grande talento. O Fator G se relaciona com o conceito de talento, mas não é a mesma coisa. Ele tende a conferir à obra um mínimo de interesse e originalidade, mas não garante qualidade artística.

Uma das tendências mais preocupantes em Hollywood nos últimos anos é o declínio no Fator G dos filmes. Já se tornou raro encontrar tramas com um mínimo de coerência, ou filmes de gênero que não pareçam ignorar totalmente as leis da física. (Não estou falando de filmes propositalmente subjetivos ou fantasiosos, mas da falta de realismo que aponto em filmes como A SubstânciaInterestelarFragmentado, ou na franquia Um Lugar Silencioso.) Uma das coisas mais surpreendentes ao ver clássicos é perceber o quanto a inteligência média dos filmes costumava ser superior. Se um cinéfilo tivesse hibernado nos anos 60 e acordasse hoje, provavelmente teria a mesma reação da Sigourney Weaver em Aliens, quando diz para os executivos da Weyland: "Os QIs caíram drasticamente enquanto eu estava fora?"

As causas desse declínio são várias: a fuga de talentos da indústria (especialmente na área de roteiro), o excesso de pretensão de cineastas autorais que agora querem ser artistas "completos" e não delegam a escrita do roteiro, levando ao fenômeno da Pseudo-Sofisticação; o fato dos filmes serem cada vez mais feitos por comitês e executivos, não por artistas; um possível declínio na cognição geral da população, causado por smartphones e redes sociais; e a falta de ambição promovida pelas tendências Anti-Idealistas. Assim como heróis foram corrompidos porque os filmes, em vez de inspirar, passaram a querer confortar o público, representando figuras mais parecidas com o cidadão médio, intelectualmente, os filmes também deixaram de querer elevar o público para níveis mais ambiciosos de funcionamento mental, se nivelando por baixo.

Nas últimas décadas, passamos pela fase em que o cinema se tornou sombrio, pela fase em que tudo se tornou subjetivo/psicológico, pela fase em que tudo foi politizado, mas um declínio nos padrões cognitivos acompanhou todas essas tendências, e pode se tornar o foco da próxima crise.

Índice: Artigos e Postagens Teóricas

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Dezembro 2024 - outros filmes vistos

Flow

Agradável de assistir pelo visual bonito e pela perspectiva inocente do gatinho, mas essencialmente um filme Naturalista, em que os personagens são vítimas das circunstâncias e apenas reagem a uma série de incidentes aleatórios. Também pode ser visto como uma representação do sentimento de muitas pessoas atualmente, que têm uma visão catastrófica das mudanças climáticas e se sentem como os animais da história: atônitos diante de desastres sobre os quais têm pouco controle, restando apenas ajudar uns aos outros e buscar algum tipo de preenchimento espiritual enquanto caminham em direção ao fim.

Flow / 2024 / Gints Zilbalodis

Satisfação: 4

Categoria: Naturalismo

Filmes Parecidos: Meu Amigo Robô (2023) / Robô Selvagem (2024) / A Tartaruga Vermelha (2016) / Wolfwalkers (2020)



Sting - Aranha Assassina

Quando Malditas Aranhas! foi lançado em 2002, eu já não curti muito a ideia de parodiar o gênero, misturando horror com comédia. Mas na época, isso pelo menos parecia uma ousadia, algo que subvertia o padrão dos anos 80 e 90, que era levar a sério filmes de criaturas gigantes. Hoje, essa atitude irônica virou o novo clichê, a abordagem óbvia pra um filme com essa premissa. Então nem o fator ousadia existe mais, o que torna Sting o mais fraco dos filmes de aranhas assassinas que vi na última semana.

Sting / 2024 / Kiah Roache-Turner

Satisfação: 4

Categoria: Idealismo Corrompido

Filmes Parecidos: Seres Rastejantes (2006) / Infestação (2023) / Ninguém Vai Te Salvar (2023) / Malditas Aranhas! (2002) / Piranha (2010)



Infestação

Se Sob as Águas do Sena (2024) foi o Tubarão francês, este é o Aracnofobia. Plausibilidade não é o ponto forte do roteiro, mas os efeitos especiais e os encontros com as criaturas são bem feitos o bastante pra manter os fóbicos aflitos.

Vermines / 2023 / Sébastien Vanicek

Satisfação: 6

Categoria: Idealismo Corrompido

Filmes Parecidos: Sob as Águas do Sena (2024) / Ameaça Profunda (2020) / Sting - Aranha Assassina (2024) / Quarentena (2008) / A Queda (2022)



Senna

Uma das produções nacionais mais “hollywoodianas” que já tivemos (no bom sentido), com um trabalho de casting excelente e cenas de corrida empolgantes que compensam os aspectos mais genéricos da narrativa. Há quem diga que o documentário de 2010 reflete melhor a vida de Ayrton Senna, mas pra mim, o documentário reflete melhor sua tragédia — o sentimento melancólico que foi atrelado a Senna após 1º de maio de 1994. Já o sentimento que Senna provocava nos brasileiros em vida, este é mais fielmente representado pela série.

Senna / 2024 / Vicente Amorim

Satisfação: 8

Categoria: Idealismo

Filmes Parecidos: Rush: No Limite da Emoção (2013) / Ford vs. Ferrari (2019) / Arremesso Final (2020) / Pelé Eterno (2004) / Senna (2010)