quinta-feira, 19 de dezembro de 2024
Cultura - Dezembro 2024
quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
Anora
Anora / 2024 / Sean Baker
sexta-feira, 13 de dezembro de 2024
Um Homem Diferente
Não é fácil encarar um rosto desfigurado como o do protagonista de Um Homem Diferente, e eu tinha uma certa preocupação de que este filme se tornasse apenas uma lição de moral sobre aqueles que sentissem qualquer desconforto visual ao longo da projeção. Mas o filme lida com a questão de maneira bastante razoável, inclusive explicando as origens genéticas e involuntárias dessa reação. Em vez de um teste moral, o foco do filme se torna a engenhosidade da própria trama, que busca aquele tipo de inversão irônica bem explorada no ano passado em Ficção Americana.
Nesse aspecto, o filme começa muito bem, mas não sabe exatamente o que fazer com a premissa a partir da metade. A sacada central do roteiro é que o personagem encontra a cura para sua doença, mas, em vez de vencer na vida, acaba sendo superado por outro personagem que tem a mesma condição que ele tinha.
Vejo dois caminhos interessantes para um filme com essa premissa. O primeiro seria uma crítica à sociedade — uma sátira no estilo de Ficção Americana, onde um personagem que deseja realizar algo virtuoso acaba ficando para trás em uma cultura que não valoriza mais o belo. O segundo seria uma história de ascensão e queda sobre um homem com uma falha de caráter que acredita que vencerá na vida por meio de mudanças externas, superficiais, mas acaba sendo derrotado por seus fantasmas internos.
O diretor e roteirista Aaron Schimberg, que também sofre de um tipo de desfiguração facial, talvez não tenha o distanciamento necessário do tema para optar pela primeira opção. Assim, a história vira uma discussão sobre a importância do caráter diante do material. O problema é que o roteiro falha em estabelecer um problema de caráter para o personagem. No início da história, Edward (brilhantemente interpretado por Sebastian Stan) não tem nenhuma "falha trágica" que ele equivocadamente tente superar através da mudança de aparência. Ele é um cara perfeitamente digno, cujo único problema parece ser sua condição rara de saúde. E é uma condição tão grave que nenhuma reviravolta irônica do roteiro consegue fazer o espectador acreditar que, assim como em A Substância (2024), teria sido melhor o protagonista não ter passado pelo procedimento e aceitado sua aparência original. O roteiro acaba forçando uma série de situações para conseguir dar o fim trágico desejado a Edward, mas perde a credibilidade.
É pouco convincente, por exemplo, que Edward forjaria a própria morte, assumiria uma nova identidade e, mesmo assim, se interessaria em estrelar a peça de teatro da ex-amiga sobre sua vida. A maneira como seu rival, Oswald, consegue levar uma vida leve, socialmente movimentada e cheia de oportunidades profissionais, apesar do rosto desfigurado, também parece forçada — seria convincente se esse exagero fosse um comentário sobre as inversões de valores da sociedade atual, mas o filme não tem essa proposta.
Há vários bons filmes em que um personagem se torna rico, mas descobre que dinheiro não é tudo, ou conquista a tão sonhada liberdade, mas acaba perdendo seu propósito de vida. Em Um Homem Diferente, não cola a ideia de que a cura de Edward não teria servido para nada, já que, no fim, caráter é o que importa.
Na cultura atual, aliás, é ainda mais desafiador acreditar que as pessoas enxergariam além da condição de Edward ou Oswald. É curioso, por exemplo, que vários filmes de 2024 sejam sobre pessoas mudando de vida por uma transformação radical na aparência — Um Homem Diferente, A Substância, Emilia Pérez, Feios. Ao mesmo tempo que essas histórias expressam um desejo de priorizar o caráter, elas também refletem uma cultura onde a aparência física se tornou uma enorme preocupação e, para o bem ou para o mal, um fator cada vez mais determinante na vida social e econômica das pessoas.
domingo, 8 de dezembro de 2024
O Fator G do filme
Na psicologia cognitiva, o Fator G representa a habilidade cognitiva geral de uma pessoa: uma capacidade central, mais ampla que o QI, que influencia seu desempenho em diversas tarefas, como resolução de problemas, aprendizado, raciocínio lógico, memória, cognição social, etc.
Podemos dizer que todo filme também tem um "fator geral de inteligência", estabelecido principalmente pelo diretor (quando ele tem controle criativo sobre a obra), com grande influência do roteirista.
Assim como a Intenção de um filme, essa é uma qualidade menos tangível da arte, mas que acaba sendo tão determinante para a qualidade de um filme quanto aspectos mais mensuráveis, como a estrutura narrativa ou as atuações.
O Fator G se manifesta não apenas nos elementos óbvios pelos quais costumamos julgar um filme, mas especialmente nos detalhes: em um conjunto de boas decisões e observações inteligentes que refletem a capacidade do criador da obra.
Filmes do Kubrick, por exemplo, têm sempre um Fator G elevado porque Kubrick tinha um Fator G elevado. É fácil observar isso comparando 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) com a sequência 2010: O Ano em que Faremos Contato (1984). Apesar de também ter Arthur C. Clarke no roteiro, 2010 foi dirigido por um cineasta mais convencional e, portanto, é bem menos estimulante intelectualmente do que 2001. O filme abre recapitulando tudo o que houve no primeiro filme, mastigando aspectos já claros da história, e prossegue com uma série de cenas expositivas preguiçosas, que sugerem que ele não contará com a inteligência do espectador para muita coisa. Contraste isso com 2001 e como o filme omite diversas conexões, contando com o público para fazê-las sozinho: na cena em que o macaco tem o insight de que o osso pode ser usado como arma/ferramenta, um espectador desatento pode não conectar a descoberta com a aparição do monolito minutos antes, ou com a espaçonave milhões de anos depois.
Isso nos dá algumas pistas sobre o Fator G. Filmes com um Fator G elevado tendem a estimular o raciocínio do espectador. Claro, apenas a pessoa mais inteligente do mundo poderia ser estimulante para todos os níveis de raciocínio. Há algo de relativo nessa dinâmica, mas, como regra geral, o artista deveria estar acima do Fator G médio da população e, certamente, acima do Fator G médio de seu público-alvo.
Filmes com um Fator G elevado apresentam observações profundas e perspicazes sobre o mundo e o ser humano, que fogem do lugar-comum (repetições, imitações e clichês rebaixam o Fator G de uma obra). O Fator G elevado costuma demonstrar preocupação com ordem, estrutura, processos, precisão e integração de elementos, buscando coerência e eliminando contradições. Há um foco maior em conceitos, ideias, fatos universais/atemporais, em vez de emoções espontâneas, convenções culturais ou tendências passageiras. Ele também busca economia, eficiência e alcançar o máximo de resultado com o mínimo necessário, evitando o que é redundante ou supérfluo.
Essas características não se apresentam de forma direta e explícita nos filmes, mas percebemos isso em um nível subconsciente.
2010, por exemplo, começa com "Assim falou Zaratustra", de Strauss, tocando sobre os créditos iniciais, assim como 2001. Mas, desta vez, mostrando antenas parabólicas durante um nascer do Sol. A cena é brochante, pois parece tentar repetir o mesmo impacto da abertura do primeiro filme, mas com uma imagem mais genérica e menos emblemática, que não reflete o tom épico da música. Além disso, o nascer do Sol e os títulos perderam qualquer sincronia com a estrutura da composição. Não há nenhum defeito óbvio nessa sequência, mas é interessante notar como, a esta altura, 2001 já comunicava uma série de qualidades evocativas de um alto Fator G.
O Fator G é uma das características que menos mudam ao longo da carreira de um artista. Um artista pode ter um desempenho melhor em um trabalho, pior em outro, mas seu padrão cognitivo não costuma sofrer grandes oscilações (exceto, talvez, um declínio em idades mais avançadas). Um artista com um Fator G alto, no entanto, não pode se acomodar e achar que tudo o que fizer será brilhante. Sua capacidade precisa ser demonstrada concretamente no estilo e no conteúdo de cada obra. Woody Allen, por exemplo, já fez diversos filmes medianos, até mesmo fracos, apesar de o Fator G de seus filmes geralmente permanecer alto. Há também muitos artistas com Fator G elevado que simplesmente não possuem grande talento. O Fator G se relaciona com o conceito de talento, mas não é a mesma coisa. Ele tende a conferir à obra um mínimo de interesse e originalidade, mas não garante qualidade artística.
Uma das tendências mais preocupantes em Hollywood nos últimos anos é o declínio no Fator G dos filmes. Já se tornou raro encontrar tramas com um mínimo de coerência, ou filmes de gênero que não pareçam ignorar totalmente as leis da física. (Não estou falando de filmes propositalmente subjetivos ou fantasiosos, mas da falta de realismo que aponto em filmes como A Substância, Interestelar, Fragmentado, ou na franquia Um Lugar Silencioso.) Uma das coisas mais surpreendentes ao ver clássicos é perceber o quanto a inteligência média dos filmes costumava ser superior. Se um cinéfilo tivesse hibernado nos anos 60 e acordasse hoje, provavelmente teria a mesma reação da Sigourney Weaver em Aliens, quando diz para os executivos da Weyland: "Os QIs caíram drasticamente enquanto eu estava fora?"
As causas desse declínio são várias: a fuga de talentos da indústria (especialmente na área de roteiro), o excesso de pretensão de cineastas autorais que agora querem ser artistas "completos" e não delegam a escrita do roteiro, levando ao fenômeno da Pseudo-Sofisticação; o fato dos filmes serem cada vez mais feitos por comitês e executivos, não por artistas; um possível declínio na cognição geral da população, causado por smartphones e redes sociais; e a falta de ambição promovida pelas tendências Anti-Idealistas. Assim como heróis foram corrompidos porque os filmes, em vez de inspirar, passaram a querer confortar o público, representando figuras mais parecidas com o cidadão médio, intelectualmente, os filmes também deixaram de querer elevar o público para níveis mais ambiciosos de funcionamento mental, se nivelando por baixo.
Nas últimas décadas, passamos pela fase em que o cinema se tornou sombrio, pela fase em que tudo se tornou subjetivo/psicológico, pela fase em que tudo foi politizado, mas um declínio nos padrões cognitivos acompanhou todas essas tendências, e pode se tornar o foco da próxima crise.
sexta-feira, 6 de dezembro de 2024
Dezembro 2024 - outros filmes vistos
Agradável de assistir pelo visual bonito e pela perspectiva inocente do gatinho, mas essencialmente um filme Naturalista, em que os personagens são vítimas das circunstâncias e apenas reagem a uma série de incidentes aleatórios. Também pode ser visto como uma representação do sentimento de muitas pessoas atualmente, que têm uma visão catastrófica das mudanças climáticas e se sentem como os animais da história: atônitos diante de desastres sobre os quais têm pouco controle, restando apenas ajudar uns aos outros e buscar algum tipo de preenchimento espiritual enquanto caminham em direção ao fim.
Flow / 2024 / Gints Zilbalodis
Satisfação: 4
Categoria: Naturalismo
Filmes Parecidos: Meu Amigo Robô (2023) / Robô Selvagem (2024) / A Tartaruga Vermelha (2016) / Wolfwalkers (2020)
Quando Malditas Aranhas! foi lançado em 2002, eu já não curti muito a ideia de parodiar o gênero, misturando horror com comédia. Mas na época, isso pelo menos parecia uma ousadia, algo que subvertia o padrão dos anos 80 e 90, que era levar a sério filmes de criaturas gigantes. Hoje, essa atitude irônica virou o novo clichê, a abordagem óbvia pra um filme com essa premissa. Então nem o fator ousadia existe mais, o que torna Sting o mais fraco dos filmes de aranhas assassinas que vi na última semana.
Sting / 2024 / Kiah Roache-Turner
Satisfação: 4
Categoria: Idealismo Corrompido
Filmes Parecidos: Seres Rastejantes (2006) / Infestação (2023) / Ninguém Vai Te Salvar (2023) / Malditas Aranhas! (2002) / Piranha (2010)
Se Sob as Águas do Sena (2024) foi o Tubarão francês, este é o Aracnofobia. Plausibilidade não é o ponto forte do roteiro, mas os efeitos especiais e os encontros com as criaturas são bem feitos o bastante pra manter os fóbicos aflitos.
Vermines / 2023 / Sébastien Vanicek
Satisfação: 6
Categoria: Idealismo Corrompido
Filmes Parecidos: Sob as Águas do Sena (2024) / Ameaça Profunda (2020) / Sting - Aranha Assassina (2024) / Quarentena (2008) / A Queda (2022)
segunda-feira, 2 de dezembro de 2024
Tim's Vermeer
Documentário de 2013 sobre um inventor que decide recriar um quadro do Vermeer (pintor holandês do século XVII, considerado um dos maiores de todos os tempos), apesar de nunca ter pintado antes. Como ele faz isso? Desvendando primeiro a técnica que (provavelmente) permitiu Vermeer criar imagens tão realistas antes da invenção da fotografia — uma descoberta que desafiará as suposições de muitos apreciadores de arte e historiadores (e também a de objetivistas, que terão que lembrar que "o conhecimento é contextual" e reavaliar a afirmação de Ayn Rand de que Vermeer teria sido "o maior de todos os artistas").
Produzido por Penn Jillette e Teller (a dupla de ilusionistas), Tim's Vermeer é um registro extraordinário de uma mente científica em ação.
domingo, 1 de dezembro de 2024
Diagnósticos e Remédios Psiquiátricos
Depois de cerca de quatro anos experimentando uma série de medicamentos e terapias, além de testar ficar sem nada, resolvi voltar a tomar os remédios que usei entre 2012 e 2020, que já tinham se provado eficazes (Prozac + Risperidona). Em 2020, parei com eles porque me acostumei tanto com o efeito que comecei a achar que não precisava mais ou que eles não estavam mais funcionando. Foi só parando e, agora, voltando a tomar, que percebi o quanto eles eram benéficos para mim.
A grande surpresa nisso tudo foi perceber o quanto meu estado mental "normal" hoje, sem nenhum medicamento, é atípico e desconfortável. Filosofia, terapia, alimentação, sono, autoajuda, meditação, autoconhecimento — quando eu buscava bem-estar apenas por meio dessas coisas, era como tentar aliviar uma perna quebrada com homeopatia. Essas práticas são ótimas quando você já tem uma base mínima de bem-estar biológico, mas, na minha visão, elas não conseguem criar essa base.
Já fiz tratamentos com Prozac (Fluoxetina), Risperidona, Escitalopram, Venvanse e Wellbutrin (Bupropiona). No meu caso, o remédio que realmente dá "match" e parece fazer a diferença é o Prozac — o que sugere que, por algum motivo, eu tenho baixos níveis de serotonina no cérebro. Nunca tomei Prozac sem estar também tomando Risperidona, o que dificulta entender o papel de cada remédio isoladamente, mas o Prozac tem um efeito tangível, quase imediato, que não me parece possível atribuir à Risperidona.
E qual é o diagnóstico? Qual a causa desses desconfortos que me levam a tomar remédios? Bem, aí as coisas começam a ficar mais complexas. Já cogitaram que eu tivesse Asperger (TEA) ou TDAH — mas, quando passei por uma avaliação neuropsicológica em 2021, essas hipóteses foram descartadas (embora a avaliação não fosse específica para medir TDAH).
Isso não anula o fato de que, desde criança, eu tenho características psicológicas atípicas e uma série de sensibilidades e desconfortos que me empurram na direção dos transtornos de personalidade do grupo C — sintomas como ansiedade social, traços de TPOC, distimia — características não incomuns em pessoas com alta Conscienciosidade e Neuroticismo no teste Big Five. Mas, no meu caso, não parecem configurar um transtorno real.
A única coisa "diferente" que a avaliação neuropsicológica apontou foi um quadro de "superdotação" (que nada mais é do que os 2% da população que se saem melhor em um conjunto de testes cognitivos — nada tão raro quanto se pensa). Estudos modernos sugerem que pode haver uma relação entre superdotação e as sensibilidades e desconfortos que mencionei, mas isso ainda não é amplamente reconhecido pela ciência.
Estou registrando isso aqui não só para que vocês me conheçam melhor, mas também porque acredito que pode haver uma conexão entre perfis psicológicos, níveis de serotonina no cérebro, preferências artísticas, gostos, personalidade, etc. Portanto, se você se identifica com muitas de minhas experiências, é possível que tenha um "set-up" mental parecido e que, eventualmente, possa se beneficiar desse relato.
sexta-feira, 29 de novembro de 2024
Moana 2
Pais, tios e avós, não cometam o ato de negligência estética de levar suas crianças pra ver Moana 2, uma série de segunda linha para streaming transformada em filme só pra ajudar o Bob Iger a pagar as contas da Disney, após uma série de fracassos — todos frutos da mesma mentalidade de usar personagens populares pra empurrar produtos medíocres e ganhar um dinheiro fácil, enquanto a reputação da empresa escorre pelo ralo.
Moana 2 / 2024 / David G. Derrick Jr., Jason Hand, Dana Ledoux Miller
Satisfação: 2
Categoria: Idealismo Corrompido
Filmes Parecidos: Wish: O Poder dos Desejos (2023) / A Caminho da Lua (2020)
quarta-feira, 27 de novembro de 2024
Aqui
Mais um daqueles experimentos frustrantes do Robert Zemeckis, em que ele coloca um gimmick ou uma inovação técnica acima do entretenimento. A ideia de um filme inteiro onde a câmera não se mexe até me pareceu uma restrição interessante a princípio, que poderia resultar em um exercício criativo de direção. Mas eu imaginava que haveria uma tentativa de contar uma história com começo, meio e fim — que os saltos temporais mais bizarros se limitariam à introdução e que, depois, conheceríamos o casal central (Tom Hanks e Robin Wright) e seguiríamos com um drama mais ou menos linear. Mas não é o que acontece. Os saltos temporais (que incluem até a era jurássica) persistem ao longo do filme, de forma que você vê apenas fragmentos da vida do casal. A história nunca começa, porque o filme nunca escolhe um tema central para desenvolver.
A tagline do filme diz: "Alegria, esperança, perda, amor, a vida acontece...". Essa frase poderia servir para um filme como Laços de Ternura também. Mas, em Laços de Ternura, o filme foca na jornada de uma mãe superprotetora que precisa aprender a deixar a filha sair do "ninho". Há um conflito humano específico sendo discutido, e é esse tema que nos prende à história. Aqui, não há um tema equivalente. Há apenas uma colagem de momentos aleatórios de alegria, esperança, perda e amor, mas os personagens de Hanks e Wright permanecem o "casal central genérico" — uma representação Naturalista de uma típica família americana, como se o observador estivesse a milhas de distância (o "vale da estranheza" também não ajuda a tornar os personagens mais relacionáveis).
Zemeckis parece estar vivendo um real conflito em relação às Categorias do cinema. Ele é um Idealista por natureza, mas que, por algum motivo, tem dificuldade de se limitar a essa categoria, ao mesmo tempo em que não consegue abandoná-la completamente. Aqui, temos essencialmente um filme Naturalista com toques de Experimentalismo. Porém, ele não irá agradar ao público alternativo, que acharia interessante experimentos como o de Arca Russa (um filme feito em apenas um take), porque o mise-en-scène de Aqui é totalmente Idealista, "comercial". Há um paradoxo na tela. Parte do filme (cenário, música, atuações, luz, diálogos) é romantizada, escapista, mas a câmera catatônica, que nunca se mexe e nunca responde ao conteúdo (um artifício típico do Experimentalismo), comunica algo oposto.
O mise-en-scène sugere um artista que molda o universo para expressar certas ideias, para projetar seus valores, mas a câmera fixa é uma negação desse poder. Ela reflete a não seletividade, o não "moldar o universo". O resultado é que esse olhar indiferente, que atravessa os séculos sem responder a nada, passa a sensação de que a vida é efêmera, sem sentido, enquanto outros aspectos do filme estão lutando para dar sentido à vida. Quem ganha a disputa? A falta de sentido. Pois o Idealismo requer que todos os elementos da obra trabalhem em conjunto para criar a magia. O problema é que, como filme sobre vazio existencial, Aqui é água-com-açúcar demais para satisfazer aqueles que se divertiriam com uma reflexão mais sombria sobre a passagem do tempo.