Uma das matérias que precisamos cursar no primeiro semestre da minha faculdade se chama "Vida e Carreira", onde você aprende a planejar seu futuro profissional, pensando em como se preparar melhor para o mercado de trabalho etc. E o conceito mais martelado ao longo do semestre foi o da importância das soft skills hoje em dia. O que aprendemos é que você é contratado pelas suas hard skills, mas são as soft skills que fazem você permanecer (hard skills: competências técnicas; soft skills: competências comportamentais e sociais).
Esse pensamento parece predominante em diversas áreas. Há alguns anos, cheguei perto de trabalhar no departamento de roteiro de uma produtora de longas e séries em São Paulo. Conversando com a chefe da produtora, questionei o motivo pelo qual eles trabalhavam com um mesmo diretor em diversos projetos. Ela respondeu que adorava esse diretor porque era uma pessoa fácil de trabalhar, alguém que fazia o que tinha que ser feito e não criava problemas — deixando clara uma certa ojeriza por diretores “difíceis”.
O problema é que, até hoje, a produtora só fez coisas medianas — nunca produziu nada de grande relevância artística, nem teve nenhum grande sucesso de público. Ficava claro pela conversa que a preocupação com talento e excelência não era uma prioridade ali. Parte do motivo disso vem do fato da CEO não ser uma pessoa do meio artístico, com bagagem, boas referências etc. Ela chegou a confessar — de maneira que me deixou até meio constrangido — que, quando lia roteiros, não tinha ideia do que era bom ou ruim.
Se você não tem uma grande paixão pelo que faz, nem um grande respeito pelo público, uma das consequências é priorizar as soft skills na hora de contratar profissionais e formar parcerias. A tranquilidade do ambiente de trabalho se torna mais importante que a qualidade do produto final.
Não tenho nada contra desenvolver soft skills, cobrá-las dos outros, exigi-las em cargos que se sustentam mais em relações interpessoais do que em performance. O problema é quando as soft skills se tornam o principal critério para tudo, e o simples fato de alguém ser visto como “difícil” torna-se motivo para descartá-lo.
Quem é ambicioso, prioriza qualidade e tem foco no produto final sabe que precisará colaborar com pessoas difíceis — e aprender a “domá-las”.
Podemos pensar no talento humano como uma espécie de petróleo ou mineral raro. Se você quer encontrá-lo, precisa ir onde ele está. Pode ser que você dê sorte e o petróleo brote no seu quintal. Mas, frequentemente, ele estará em locais de difícil acesso. O equivalente a priorizar soft skills, nessa analogia, seria o explorador buscar riquezas apenas quando elas aparecem em locais próximos, convenientes, e o processo de extração é pouco desgastante. Caso contrário, ele se contentará com terra, pedregulhos etc.
Há quem diga que hard skills são ensináveis e soft skills não — portanto, deveríamos priorizar as soft skills na contratação. Isso pode fazer sentido em atividades menos complexas, ou quando não se espera níveis extremos de habilidade. Você pode ensinar a maioria das pessoas inteligentes a se tornar um bom vendedor, um bom motorista, um bom gerente. Mas não se ensina talento musical, não se treina alguém para se tornar um astro de cinema ou para ser um inventor revolucionário.
Cada vez menos as pessoas parecem dispostas a lidar com personalidades difíceis para obter resultados excepcionais — algo que os produtores pioneiros de Hollywood, como Louis B. Mayer, faziam rotineiramente. Não estou romantizando a grosseria ou a falta de ética — o ideal é quando as hard skills e as soft skills se encontram. Steven Spielberg é um dos diretores mais talentosos do mundo, e se relaciona bem com todos com quem trabalha. Mas essa combinação não é garantida. Diria que ela é até rara: pessoas com habilidades extraordinárias tendem a ter personalidades complexas e sensibilidades atípicas, que frequentemente afetam a socialização.
Soft skills podem ser indispensáveis em certos cargos. São desejáveis na maioria dos cargos. Mas soft skills não produzem obras-primas. Quando falamos dos talentos, das funções mais cruciais para a qualidade final do produto — no caso do cinema, podemos destacar o roteirista, o diretor e os astros principais — as hard skills deveriam ser priorizadas. O fato delas serem subvalorizadas na cultura atual explica um pouco o declínio dos padrões no cinema e em outras áreas.







