terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Novembro 2025 - outros filmes vistos

Zootopia 2 (2025 / Jared Bush, Byron Howard) — A principal ideia que o entretenimento quer que você absorva em 2025 é a seguinte: sabe aquele grupo ou figura que você acha que é má, que parece uma assassina, que tem todos os traços de um monstro, todos os trejeitos de um malfeitor? Ela, na verdade, é boa — vítima de uma grande manipulação arquitetada por quem? Pelos ricos e poderosos, que são os verdadeiros vilões! Em Zootopia 2, as cobras venenosas são as injustiçadas da vez. A única coisa boa que tenho para falar desse filme é que ele não é horrivelmente mal-feito... É apenas mediano, esquecível, clichê, mas pelo menos não inaugura um novo patamar de ruindade, como tantas produções têm feito ultimamente.


Bugonia (2025 / Yorgos Lanthimos) — Achei divertido o começo, o retrato irônico que é feito da sociedade atual (os conspiracionistas da direita, os discursos woke hipócritas da esquerda, etc.). O problema é que depois que você saca a ideia central, o resto do filme se torna chato, repetitivo; não há uma história forte o bastante pra sustentar o interesse na porção central (tudo é absurdo demais para ser levado a sério como suspense de sequestro). Assim como o começo, o final também funciona... O diretor parece ter feito o filme pela mensagem que queria passar, e ele a comunica de forma inteligente, mas falhou em desenvolver um enredo completo que envolvesse independentemente da mensagem. Tudo poderia ter sido resumido em um curta ou sketch cômico de 5 minutos.


sábado, 22 de novembro de 2025

Wicked: Parte II

Achei tão mal feito que tive quase o impulso de voltar e abaixar a nota que dei pro primeiro filme. Mas a verdade é que a primeira parte funcionou apesar das incompetências dos criadores, tudo por conta das forças da peça. A parte 2 da peça, por já ser fraca, não tinha como sustentar a continuação. Agora, todas as inaptidões de Jon M. Chu e dos roteiristas vêm à tona sem nada pra disfarçar. A história não tem nenhum senso de direção, as relações entre os personagens não têm coerência, várias cenas musicais parecem desnecessárias e destoam em tom da narrativa, e os eventos no final parecem apressados e costurados de qualquer jeito só pra se ajustarem à cronologia de O Mágico de Oz. Sem falar nos temas marxistas, que agora se tornaram mais centrais, já que Elphaba virou revolucionária e sua luta contra o sistema é o foco desta parte. (Além de Frankenstein e do Predador que comentei recentemente, temos aqui mais um “monstro” do cinema recaracterizado como vítima oprimida.) Outra coisa chata é o tom constante de rivalidade e desarmonia entre todos os personagens: Glinda vs. Elphaba, Fiyero vs. Glinda, Nessa vs. Boq, o Mágico vs. Elphaba — e não porque uns estão certos e outros errados, mas porque todos são imperfeitos, têm impulsos irracionais conflitantes e inevitavelmente precisam se chocar. (Em uma das letras, o Mágico canta: “Há pouquíssimos que se sentem à vontade com ambiguidades morais, então agimos como se elas não existissem” — refletindo aquela visão de que bem e mal são noções imaturas.)

Fala-se muito da crise atual em Hollywood, do suposto desinteresse das gerações mais jovens em ir ao cinema. Mas saí de Wicked: Parte II com a sensação oposta — se, com filmes tão medíocres, você ainda consegue ter estreias lotadas como essa (minha sala estava repleta de fãs vestidos de verde e rosa), isso é uma prova de que as pessoas realmente amam ir ao cinema! Pensando na qualidade dos filmes que têm sido lançados, o que surpreende não é o fato de haver uma crise, mas ela não ser muito maior do que é.

Wicked: For Good / 2025 / Jon M. Chu

Melhorando Argumentos Objetivistas: Aborto e Judeus

Objetivistas costumam ter argumentos sofisticados e convincentes para a maioria dos tópicos, mas quando o assunto é aborto ou antissemitismo, muitas vezes os vejo enfraquecidos em debates ou palestras. Eu concordo com o posicionamento geral do Objetivismo nesses dois tópicos (que o aborto não deveria ser ilegal e que o antissemitismo deve ser condenado), mas não acho que esses pontos costumam ser defendidos de maneira plenamente satisfatória.

Aborto:

A pior armadilha na qual objetivistas caem aqui é a de caracterizar o feto apenas como um agrupamento de células, dando a entender que não é diferente fazer um aborto do que cortar as unhas. Pra começar, a ciência não sabe exatamente como a mecânica da vida funciona, então não acho que esse tipo de afirmação possa sustentar um argumento sólido. E acho bastante razoável pensar que existe uma diferença fundamental, por exemplo, entre um ovo fecundado e um ovo não fecundado. Que a “fagulha” da consciência — que se transformará em uma consciência ainda mais evoluída com o desenvolvimento do organismo — já está atrelada à matéria desde o início. O problema de sugerir que não há consciência alguma no feto é que objetivistas, no fundo, acabam dizendo: “sim, se o feto tivesse alguma consciência, concordo que seria horrível matá-lo, e que o aborto deveria ser proibido — mas ele não tem consciência!”. Para mim, é óbvio que essa linha de raciocínio não tem muita força.

Pra argumentar a favor da legalização do aborto de maneira mais convincente, precisamos primeiro reconhecer que, sim, é possível que exista algo consciente dentro da mãe, um “eu” único e insubstituível, e que esse “eu”, ao ser abortado, possa passar por uma experiência subjetiva horrível — ainda que ele não faça muito sentido do que vivencie.

E como argumentar a favor do aborto depois de admitir isso?

Um caminho inicial é traçar um paralelo com o que fazemos com animais, no caso da alimentação. Se a pessoa não for vegana, ela terá que aceitar que mata seres conscientes rotineiramente para perseguir seus objetivos. Se ela não tiver problema em matar uma consciência primitiva, não racional, para promover sua vida, ela terá dificuldade em argumentar que a condição do feto é muito diferente da de um animal. O que torna o ser humano único e diferente de outros animais — nossa racionalidade e livre-arbítrio — depende de recursos mentais mais sofisticados que ainda não estão desenvolvidos no feto.

Mas e se a pessoa for vegana? Bastará lembrá-la que, ainda assim, ela mata vidas diariamente para sobreviver — a não ser que ela conviva pacificamente com baratas, pernilongos, e não dê um passo na calçada antes de checar se não há uma formiga no seu caminho. Nesse momento, ela terá que admitir que não existe como sobreviver sem nunca matar algo vivo. Este é um fato metafísico que não pode ser contornado. Na natureza, vidas matam vidas o tempo todo. O ser humano, após milhares de anos de civilização, conseguiu chegar a uma organização social em que combinamos que indivíduos humanos não iniciarão violência contra outros indivíduos humanos, pois entendemos que seres racionais podem sobreviver em harmonia, através da colaboração — lidando apenas com outras espécies e com a natureza na base da força. Uma vez que você faça a pessoa aceitar que eliminar vidas é inevitável, corriqueiro, e que o princípio de “não matarás” é uma regra que conseguimos aplicar apenas num contexto delimitado, em relações entre seres humanos racionais e independentes, fica mais fácil mostrar que a gravidez indesejada é um caso em que a natureza coloca duas vidas entrelaçadas em conflito, e onde não é possível aplicar os mesmos princípios éticos que aplicamos em sociedade.

Ou seja: você pode dizer que acha triste, até trágica, a experiência pela qual um feto deve passar (ou a de qualquer animal que é morto) — e ainda assim afirmar que o aborto deve ser permitido por lei e moralmente defendido em alguns casos. Se o aborto é uma tragédia, é uma tragédia imposta pela natureza, não por uma falha moral do ser humano.

Pode ser nobre querer minimizar o sofrimento no mundo, na medida em que isso não lhe impeça de viver e ser feliz, mas considerar qualquer forma de sofrimento uma tragédia que deve ser evitada a qualquer custo é uma noção mística que nega fatos óbvios da natureza.

Judeus:

Minha questão com o combate ao antissemitismo é mais sutil. A tendência de objetivistas é caracterizar o antissemitismo apenas como racismo, ódio religioso e ressentimento contra o sucesso. Acho que tudo isso de fato faz parte do quadro e são motivações comuns. Mas objetivistas ignoram um ponto por trás do antissemitismo que é essencial para dar clareza ao conflito. Esse ponto tem a ver com o fenômeno que discuti no texto Problemas do Objetivismo #12 — Ambição vs. Ganância: a diferença entre o “capitalismo criativo” e o “capitalismo predatório”.

Minha percepção é que parte do antissemitismo vem de uma aversão comum (e legítima) ao capitalismo predatório, uma prática muitas vezes associada à cultura judaica. Quando falo em “predatismo”, não estou falando de criminosos, chantagistas, pessoas que cometem fraudes reais — apenas do tipo de pessoa que busca o lucro de maneira fria, sem de fato se importar com a qualidade objetiva do produto/serviço que oferece, com o benefício real e bem-estar do consumidor, com o impacto a longo prazo etc. Objetivistas tendem a ver qualquer troca voluntária numa sociedade livre como benéfica. Porém, como discuti no texto Ambição vs. Ganância, vejo trocas voluntárias em um espectro, que vai desde relações ganha-ganha equilibradas e enriquecedoras até zonas cinzentas, onde uma pessoa manipula a outra, buscando uma relação de ganha-perde, mas ainda operando dentro dos limites da lei. Como alguém que defende livres mercados e a separação entre Estado e economia, não acho que esse tipo de troca desequilibrada deva ser banida. Mas isso não quer dizer que, moralmente, eu admire as duas práticas igualmente.

E o que judeus têm a ver com isso? Bem, não estou dizendo que todos os judeus sejam capitalistas predatórios. Mas não é implausível pensar que existe algo na cultura judaica (não nos judeus enquanto “raça”) que, por razões históricas, incentiva esse tipo de prática mais do que outras culturas.

Quando objetivistas ignoram que existe uma diferença qualitativa entre o “capitalista criador” e o “capitalista predatório”, tratando toda forma de troca como igualmente saudável, isso cria uma desconfiança no ouvinte, que permanece cético por saber que existem formas vulgares e hostis de se fazer negócios. Se de fato houver algo na cultura judaica que incentive essas práticas, acho que objetivistas precisam estar dispostos a criticar esse aspecto da cultura. Claro, o fato de alguns judeus serem capitalistas predatórios não justifica genocídios e nem os discursos violentos que temos ouvido ultimamente. Mas quando você protege um conceito ou instituição negando problemas internos que todos podem ver, você não convence e não ajuda a quebrar preconceitos. Por isso, lutar contra o antissemitismo será mais fácil se você estiver disposto a criticar o capitalismo predatório ao qual judeus são frequentemente associados — isso não mudará a atitude de quem condena judeus por motivos completamente irracionais, mas ao enquadrar o problema como uma questão de comportamento, de uma certa tendência dentro de uma cultura — não algo biológico ou determinista — você poderá mudar a atitude daqueles que suspeitam de judeus por causa dessa postura econômica. (Da mesma forma, é mais fácil convencer alguém a aceitar o capitalismo quando você reconhece que, dentro dele, algumas pessoas agem de forma indigna — sem fingir que todos os empresários têm motivações nobres.)

domingo, 16 de novembro de 2025

Cultura - Novembro 2025

16/11 — Pluribus

Vi pessoas comentando que Pluribus, a nova série do criador de Breaking Bad, teria temas objetivistas e faria uma crítica ao coletivismo. Fui ver os três primeiros episódios e não vi nada disso. Sim, em um nível explícito e superficial, até existe a ideia de que ser uma pessoa robótica, sem individualidade, é ruim. Mas não é bem essa falta de personalidade que é o foco da crítica de Ayn Rand ao coletivismo. Além disso, o que a série oferece como exemplo de “individualismo” (a protagonista) passa longe de uma heroína randiana. 

Se você for além da mensagem explícita e analisar o que a série condena na prática, vai ver que ela está muito mais próxima daqueles filmes estilo Don’t Worry Darling, The Truman Show ou Barbie, que atacam a estética imaculada dos anos 50 — a suposta artificialidade do American Way of Life, onde tudo seria limpo, novo, todos seriam simpáticos e a sociedade funcionaria com extrema eficiência — versus o quê? Versus a bagunça da “vida real”. Por que a protagonista seria melhor que o resto da humanidade em Pluribus? Porque ela é mal-humorada, desarrumada, antipática, imperfeita etc. É esse contraste que é reforçado ao longo de cada episódio, não o contraste entre uma pessoa intelectualmente independente, virtuosa, e second-handers medíocres, parasitas etc. O “prazer” da série parece ser ficar vendo a protagonista sendo rude com essas pessoas exageradamente agradáveis ao seu redor.

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Update: Faculdade

14/11 — Mais umas pérolas da professora marxista de Psicologia Social, agora mostrando um lado um pouco mais violento...


11/10 — Entrei em uma faculdade de Psicologia neste 2º semestre e apenas como um relato do tipo de coisa que tem sido ensinada pelos professores, vou postar abaixo um trecho da minha aula de Psicologia Social desta semana:

Como um outro professor já admitiu, não existe Psicologia Social que não seja marxista no Brasil. Porém, Psicologia Social não é a única matéria que estou cursando neste semestre. Nas aulas de Solução de Conflitos, por exemplo, o viés marxista é quase tão escancarado. Nesses primeiros dois meses, ouvi falar muito mais de Karl Marx e Paulo Freire do que de Freud e Jung.

Decidi começar a ler por conta própria livros sobre Psicologia e História da Psicologia para tentar absorver um pouco de teoria e me situar melhor no curso, pois o método de ensino é realmente caótico. Não só porque já estão dando no 1º semestre matérias avançadas que pressupõem uma base prévia em Psicologia, deixando todo mundo perdido, mas também porque os professores têm certo desdém pelo método científico e promovem aquela mentalidade pós-moderna de que tudo é relativo, de que não existem verdades absolutas, de que professor e aluno "aprendem juntos" etc.

Eu já sabia que as faculdades tinham esse tipo de agenda política, mas imaginava que seria algo inserido discretamente no meio do ensino da disciplina, que seria o foco principal. Porém, a impressão que estou tendo é quase a oposta: de que a "conscientização política" é o foco principal e, no meio disso, eles ensinam uma ou outra coisa útil para o exercício da profissão.

De uma forma meio distorcida, até que está sendo interessante. Por enquanto, não tenho aprendido muito sobre psicologia em si, mas tenho aprendido algo sobre as instituições e sobre como a cultura ao nosso redor é moldada.

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Predador: Terras Selvagens

Não achei um filme chato de assistir, e a produção é decente (apesar de ter um clima de série do Disney+). O enredo é meio episódico — um daqueles road movies em que os protagonistas só precisam chegar a um determinado local e no meio do caminho enfrentam obstáculos, fazem amizades, sofrem decepções etc. Mas não foi nesse nível que o filme mais me incomodou. Onde ele degrada a franquia é justamente na principal coisa que o Predador original tinha a seu favor — o protagonista e o senso de heroísmo. Ao longo dos anos, fomos ficando tão acostumados com a relativização do bem e do mal no cinema que as pessoas já nem acham estranho ver um filme que nos faz torcer pelo Predador e ficar contra os humanos (daqui a pouco, é capaz de fazerem um remake ambientalista de Jaws, onde o tubarão é a vítima). Aqueles que antes costumavam ser os monstros mais horripilantes e ameaçadores agora são as vítimas incompreendidas. O vilão real, pra variar, são as grandes corporações, a ganância humana, o pai autoritário — tudo aquilo que simbolize o forte, o “opressor”. Torcer por anti-heróis se tornou tão automático para o público que o fato do mocinho aqui ser uma máquina de matar, com um rosto medonho, movido a ódio e vingança, não parece causar nenhuma dissonância cognitiva (o filme, aliás, é lançado no mesmo mês em que Frankenstein também se torna uma vítima da sociedade industrial nas mãos de Guillermo del Toro).

Eu não teria problema em torcer pelo Predador, no contexto dessa história, se ele projetasse virtudes positivas — se fosse um guerreiro minimamente admirável. A questão não é tanto a inversão de papéis, mas a chatice de transformar a franquia nesse drama vitimista sobre pessoas fragilizadas, falando sobre suas dores, buscando aceitação etc.

Predator: Badlands / 2025 / Dan Trachtenberg

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Soft skills não produzem obras-primas

Uma das matérias que precisamos cursar no primeiro semestre da minha faculdade se chama "Vida e Carreira", onde você aprende a planejar seu futuro profissional, pensando em como se preparar melhor para o mercado de trabalho etc. E o conceito mais martelado ao longo do semestre foi o da importância das soft skills hoje em dia. O que aprendemos é que você é contratado pelas suas hard skills, mas são as soft skills que fazem você permanecer (hard skills: competências técnicas; soft skills: competências comportamentais e sociais).

Esse pensamento parece predominante em diversas áreas. Há alguns anos, cheguei perto de trabalhar no departamento de roteiro de uma produtora de longas e séries em São Paulo. Conversando com a chefe da produtora, questionei o motivo pelo qual eles trabalhavam com um mesmo diretor em diversos projetos. Ela respondeu que adorava esse diretor porque era uma pessoa fácil de trabalhar, alguém que fazia o que tinha que ser feito e não criava problemas — deixando clara uma certa ojeriza por diretores “difíceis”.

O problema é que, até hoje, a produtora só fez coisas medianas — nunca produziu nada de grande relevância artística, nem teve nenhum grande sucesso de público. Ficava claro pela conversa que a preocupação com talento e excelência não era uma prioridade ali. Parte do motivo disso vem do fato da CEO não ser uma pessoa do meio artístico, com bagagem, boas referências etc. Ela chegou a confessar — de maneira que me deixou até meio constrangido — que, quando lia roteiros, não tinha ideia do que era bom ou ruim.

Se você não tem uma grande paixão pelo que faz, nem um grande respeito pelo público, uma das consequências é priorizar as soft skills na hora de contratar profissionais e formar parcerias. A tranquilidade do ambiente de trabalho se torna mais importante que a qualidade do produto final.

Não tenho nada contra desenvolver soft skills, cobrá-las dos outros, exigi-las em cargos que se sustentam mais em relações interpessoais do que em performance. O problema é quando as soft skills se tornam o principal critério para tudo, e o simples fato de alguém ser visto como “difícil” torna-se motivo para descartá-lo.

Quem é ambicioso, prioriza qualidade e tem foco no produto final sabe que precisará colaborar com pessoas difíceis — e aprender a “domá-las”.

Podemos pensar no talento humano como uma espécie de petróleo ou mineral raro. Se você quer encontrá-lo, precisa ir onde ele está. Pode ser que você dê sorte e o petróleo brote no seu quintal. Mas, frequentemente, ele estará em locais de difícil acesso. O equivalente a priorizar soft skills, nessa analogia, seria o explorador buscar riquezas apenas quando elas aparecem em locais próximos, convenientes, e o processo de extração é pouco desgastante. Caso contrário, ele se contentará com terra, pedregulhos etc.

Há quem diga que hard skills são ensináveis e soft skills não — portanto, deveríamos priorizar as soft skills na contratação. Isso pode fazer sentido em atividades menos complexas, ou quando não se espera níveis extremos de habilidade. Você pode ensinar a maioria das pessoas inteligentes a se tornar um bom vendedor, um bom motorista, um bom gerente. Mas não se ensina talento musical, não se treina alguém para se tornar um astro de cinema ou para ser um inventor revolucionário.

Cada vez menos as pessoas parecem dispostas a lidar com personalidades difíceis para obter resultados excepcionais — algo que os produtores pioneiros de Hollywood, como Louis B. Mayer, faziam rotineiramente. Não estou romantizando a grosseria ou a falta de ética — o ideal é quando as hard skills e as soft skills se encontram. Steven Spielberg é um dos diretores mais talentosos do mundo, e se relaciona bem com todos com quem trabalha. Mas essa combinação não é garantida. Diria que ela é até rara: pessoas com habilidades extraordinárias tendem a ter personalidades complexas e sensibilidades atípicas, que frequentemente afetam a socialização.

Soft skills podem ser indispensáveis em certos cargos. São desejáveis na maioria dos cargos. Mas soft skills não produzem obras-primas. Quando falamos dos talentos, das funções mais cruciais para a qualidade final do produto — no caso do cinema, podemos destacar o roteirista, o diretor e os astros principais — as hard skills deveriam ser o principal critério de escolha. O fato delas serem subvalorizadas na cultura atual explica um pouco o declínio dos padrões no cinema e em outras áreas.

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Frankenstein

Até a cena do nascimento da criatura, estava achando Frankenstein o melhor filme de 2025 (o que foi uma completa surpresa para mim, considerando minha antipatia habitual pelos filmes do diretor). Na segunda metade, porém — especialmente quando a história passa a ser contada pela perspectiva do “monstro” — o filme começa a escorregar, criando um dos contrastes de qualidade mais frustrantes de que me lembro entre duas partes de um mesmo filme. 

Nunca li o livro de Mary Shelley, mas eu podia jurar que conseguia distinguir, só pela qualidade do texto e do desenvolvimento da trama, o que era uma adaptação fiel à obra original e o que tinha sido criado por del Toro. A segunda parte é cheia daqueles problemas de lógica e plausibilidade típicos do cinema moderno: quando a criatura volta às ruínas do laboratório, por exemplo, ela encontra diversos estudos e uma carta com o endereço atual de Viktor — como esses papéis ainda estavam ali, praticamente intactos, depois de meses (ou anos) expostos à neve, chuva e vento?

Sem falar que não faz o menor sentido a criatura — que no prólogo é apresentada como um monstro implacável, pior que Voldemort, o T-1000 e o Xenomorfo combinados — invadir o navio e, em vez de matar todo mundo, resolver educadamente começar a narrar sua história de vida. Os diálogos também subitamente emburrecem, se tornando óbvios (on the nose), piegas, novelescos, como “Você é o monstro”, “Viktor, eu te perdoo” ou “Talvez agora possamos ambos ser humanos”. Compare isso com a qualidade de alguns diálogos da primeira parte, como as discussões científicas (ou quase) entre Viktor e seus colegas de profissão.

A direção de arte e toda a produção de Frankenstein são ótimas — mas, como de costume, o departamento de roteiro não foi tratado com os mesmos padrões de excelência.

Frankenstein / 2025 / Guillermo del Toro

terça-feira, 28 de outubro de 2025

O Agente Secreto

ANOTAÇÕES:

(Os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

- A cena inicial no posto (com o cadáver) seria uma boa abertura se funcionasse como um microcosmo do filme — uma representação simbólica de um tema central que seria desenvolvido depois (a corrupção da polícia, das instituições). O problema é que o filme não tem um tema central claro, tornando a cena meio solta, apenas um dos diversos episódios excêntricos que veremos ao longo da narrativa.

- É preciso diferenciar filmes bem dirigidos de direções com personalidade. São duas coisas distintas, e que nem sempre andam juntas. Aqui, a direção tem bastante personalidade, que se manifesta principalmente na atitude irônica e nos detalhes bizarros inseridos em todos os lugares (o morto no posto, a gata de duas cabeças, a perna decepada, as referências inusitadas à cultura pop americana, as cenas de sexo em público etc.). Mas isso, por si só, ainda não é uma boa direção.

- Não sei se o diretor tem um olhar que sem querer revela a feiura das coisas, ou se isso é proposital — se ele tem algum compromisso ideológico com a representação do feio na arte. Apesar de tanto O Agente Secreto quanto Ainda Estou Aqui serem filmes Naturalistas que se passam no período da ditadura militar, há um fascínio pelo grotesco e pela feiura em O Agente Secreto que reflete um Senso de Vida bem diferente. Se você desse uma câmera fotográfica a Kleber Mendonça e outra a Walter Salles, e pedisse que eles escolhessem qualquer lugar do mundo para fotografar, ambos provavelmente escolheriam uma realidade brasileira, situações de vulnerabilidade social, usariam luz natural, poucos efeitos... Mas enquanto Salles andaria por esse local buscando detalhes bonitos pra registrar, Kleber andaria pelo mesmo ambiente atento a tudo que é nojento — um animal atropelado na rua, um rosto desfigurado, uma camisinha descartada no mato — e é esse tipo de coisa que ele acharia digno de capturar e apresentar ao público.

- Meia hora de projeção e ainda não sabemos praticamente nada sobre o personagem — o que ele faz, o que busca etc. O filme parece mais um pretexto para retratar "brasilidades" (coxinha, carnaval de rua etc.) e recriar a atmosfera de um lugar/época que desperta nostalgia no cineasta (Kleber cresceu em Recife nos anos 70). 

- Wagner Moura está bem. É uma performance sutil, sem aqueles momentos intensos e virtuosos que associamos a prêmios, mas o elenco, de modo geral, é bom.

- Existe uma trama em algum lugar aqui, mas por algum motivo o cineasta não quer que o espectador saiba direito do que ela se trata. Por volta dos 40 minutos, descobrimos que homens estão indo atrás do Marcelo (Wagner Moura) para matá-lo — mas pra ficarmos realmente envolvidos, precisaríamos entender os valores em jogo: o que o protagonista fez, se ele é inocente ou culpado, qual o contexto, quais os planos de cada lado etc. É o típico filme autoral pretensioso que acha que o espectador deve entrar na sala já conhecendo as referências do artista. Pense em alguém de fora do Brasil vendo este filme: a pessoa sequer vai entender o contexto da ditadura militar, o que tornará a perseguição ainda mais sem sentido.

- Como de costume, há uma demonização de todos aqueles que estão em cargos de poder ou em posições de “privilégio”: policiais, empresários e patrões viram sinônimos de assassinos, estupradores, escravagistas etc.

- Qual a relevância da história da perna? Do alfaiate judeu com as cicatrizes? Da sala de cinema? O filme às vezes parece uma coleção de sketches que o diretor foi escrevendo ao longo do tempo e resolveu juntar em um único longa, sem grandes preocupações com coerência temática.

- Por volta de 1h40 entendemos aquilo que, em um filme narrativo normal, seria estabelecido nos primeiros 20 minutos — o que o protagonista fez e quem quer matá-lo. O grande vilão do filme é o cara que quer cortar verbas da universidade pública por questionar a qualidade dos projetos de pesquisa. Tá certo que ele está errado em mandar matar o Wagner Moura... Mas que eu acreditei mais nele do que no Wagner em relação às pesquisas da universidade, isso eu acreditei.

- Chamar o longa O Agente Secreto, sugerindo uma espécie de trama hitchcockiana, é apenas uma ironia do diretor — uma daquelas referências passivo-agressivas ao Idealismo que Anti-Idealistas adoram fazer, sem a menor intenção de segui-las.

- Já suspeitava desde o início que o personagem do Bobbi seria ridicularizado, morto ou ambos: por que um filme tão comprometido com a feiura escalaria um ator como Gabriel Leone?

- SPOILER: É coerente o protagonista ser assassinado e o filme nem mostrar isso — revelar só depois, numa matéria de jornal, como um fato corriqueiro. Se tudo culminasse numa perseguição grandiosa e empolgante, eu provavelmente teria gostado um pouco mais do filme. Mas isso teria sido menos consistente com a atitude niilista e anti-espectador do resto do longa.

- Anticlimáticos esses saltos para o presente, onde as garotas estão fazendo pesquisa na universidade. A estética não conversa com o resto do filme. (Mas quem está preocupado com coesão, harmonia?)

- No fim, o filme entra numa discussão aleatória sobre memória e o apagamento do passado que parece pertencer mais ao filme anterior do diretor (Retratos Fantasmas) do que a este.

O Agente Secreto / 2025 / Kleber Mendonça Filho

sábado, 25 de outubro de 2025

Casa de Dinamite

Durante os primeiros 30 minutos, achei que estava vendo um filme sólido, na linha de Setembro 5. Apesar de cair um pouco na categoria “filme de serviço”, o que acontece no emprego dos personagens nesse dia é tão extremo que consegue prender a atenção, mesmo na ausência de personagens mais cativantes. O elenco é bom, o gancho é forte e bem posicionado: logo nos primeiros 10 minutos, agentes do Departamento de Segurança dos EUA detectam um míssil vindo em direção ao país — que logo se revela uma bomba nuclear. O problema é que o míssil é tão rápido que restam menos de 20 minutos para os personagens fazerem qualquer coisa. Fiquei me perguntando: como o roteiro lidará com isso? A bomba cairá já no final do “ato 1”, e o resto do filme será sobre as consequências? Ou o filme criará uma distorção temporal, esticando esses 20 minutos pra que durem uma hora e meia?

Infelizmente, o caminho escolhido é o menos interessante: toda vez que a bomba está prestes a atingir o solo, o filme reinicia a narrativa — só que agora pelo ponto de vista de outro personagem. Como comentei em A Hora do Mal, tendo a achar uma chatice essa coisa de múltiplas perspectivas. Em vez de tornar a narrativa mais empolgante, isso costuma ser puro Idealismo Corrompido, uma tática pra tirar o foco do suspense e do espetáculo e se concentrar nas angústias e dilemas dos personagens (algo mais “humano” e “intimista”) — além, claro, da mensagem subjetivista que costuma acompanhar essa abordagem (“vejam, existem diversas verdades!”). Se você quer mostrar múltiplas perspectivas, o cinema já oferece uma ferramenta pra isso: a edição paralela. Não é necessário reiniciar toda a história.

SPOILER: Se ao final de tudo tivéssemos uma recompensa satisfatória pro gancho inicial — se houvesse uma grande cena envolvendo a bomba — a espera teria valido a pena. Mas o filme tem o desfecho mais brochante possível, terminando sem mostrar se a bomba cai, de onde ela veio ou quais são as consequências — uma completa traição às expectativas criadas no espectador. Os créditos finais surgem na tela de forma tão abrupta e seca que, por um momento, achei que tivesse sentado em cima do controle remoto e pulado uns minutos pra frente. Se o filme tivesse personagens riquíssimos e o interesse central fosse as relações entre eles, talvez a bomba não fizesse falta. Mas aqui, os personagens são funcionários do governo que só nos interessam na medida em que estão lidando com um evento catastrófico. Não há interesse algum na “dimensão pessoal”. Casa de Dinamite parece um roteiro inacabado — um longo ato 1 que não leva a lugar nenhum.

O único sentido que consigo fazer desse filme é que o propósito da diretora não era criar um suspense eletrizante, nem um drama humano — mas apenas manchar a imagem do governo americano, mostrando o despreparo de todos diante de uma crise global. E não como uma crítica construtiva, feita por alguém que espera competência e padrões mais elevados. É apenas o prazer de mostrar que somos todos falhos, que não existem heróis — nem no alto escalão da maior potência do mundo.

O engraçado é que, seguindo a agenda D.E.I., o filme é repleto de mulheres, latinos e negros em posições de liderança. O problema é que, nesse caso, essa inclusão não é nem um pouco lisonjeira — e pode até levar alguns espectadores a ligar os pontos entre políticas D.E.I. e incompetência, tirando do filme uma mensagem que não me parece ser a planejada pela diretora.

A House of Dynamite / 2025 / Kathryn Bigelow