terça-feira, 19 de novembro de 2024

Gladiador II

Este é um filme do Ridley Scott que fez Cruzada, Robin Hood, Êxodo: Deuses e Reis e Napoleão — nem tanto do Ridley Scott que fez Gladiador (2000). Minha intuição inicial vendo o trailer se provou mais confiável que o buzz positivo das semanas que antecederam a estreia, que me parece ter sido uma fabricação do estúdio (os marketeiros de Hollywood acho que entenderam nesse último ano o quanto o boca a boca negativo pode prejudicar a bilheteria de um filme, e agora estão manipulando cada vez mais essa etapa da divulgação).

Gladiador II já começa em desvantagem por ser uma sequência artificial, que ninguém pediu, e todas as tentativas do roteiro de conectar a jornada de Lucius (Paul Mescal) com a de Maximus (Russell Crowe) só nos relembram dessa artificialidade. A história é uma trama básica de vingança, mas com aquela mentalidade Classicista que parece achar que, se o filme apresentar certos eventos em certos pontos da história (uma morte trágica, uma revelação de parentesco), o espectador ficará automaticamente envolvido, independentemente dele gostar do personagem, entender os valores envolvidos no conflito, etc.

Um problema aqui é o mau estabelecimento do vilão. Na cena que dá início à jornada de vingança, Pedro Pascal é estabelecido como o culpado. Mas logo depois, descobrimos que ele é do bem, e os irmãos imperadores começam a se definir como vilões maiores (são herdeiros e afeminados, claro). Mas os atores são fracos, não têm o mesmo peso do Joaquin Phoenix no Gladiador original, além de serem caricaturas irritantes, que fazem as irmãs da Cinderela parecerem caracterizações sutis. Acaba que Macrinus se torna o principal antagonista da história, mas Denzel Washington é simpático demais pro público querer ver o herói lutando contra ele.

Paul Mescal pra mim é um grande erro de casting. A essência do personagem é a fúria, a sede de vingança. Em um dos péssimos diálogos do filme, Denzel diz para ele: "a raiva jorra de você como leite das tetas de uma meretriz". Não sei que prostitutas eram essas da Roma antiga que trabalhavam em fase de lactação, mas uma coisa posso dizer: várias qualidades jorram naturalmente do rosto de Paul Mescal — educação, leveza, bom humor, humildade — raiva não é uma delas.

Então temos um roteiro fraco, pra uma sequência desnecessária, com um elenco piorado, e dirigida por um Ridley Scott que parece ter perdido até a noção de bom gosto. Não vi ainda a crítica da Isabela Boscov, mas no título do vídeo ela chama Gladiador II de "cafona". Achei curioso, pois a palavra "brega" apareceu duas vezes nas minhas anotações. Há vários detalhes que passam uma falta de refinamento na direção, e até de seriedade. Desde os diálogos tolos em tom bíblico, passando pelo cabelo/maquiagem da Connie Nielsen, que parece uma perua em um casamento de classe média, até os flertes do filme com produções B escapistas, dessas que achariam "Gladiadores vs. Tubarões" ou "Gladiadores vs. Lobisomens" ótimas ideias para sequências (o filme "histórico" inclui uma cena onde uma personagem aperta uma pedra na parede e ativa uma porta automática para um esconderijo).

Dramaticamente, nada convence. Quando Paul Mescal grita com sua mãe por tê-lo abandonado, a reação dele parece infantil, sem sentido. Depois, quando ele resolve perdoá-la (e perdoar também o Pedro Pascal) as relações da história continuam não transmitindo nenhuma verdade.

As próprias cenas de luta não empolgam. Parecem enfiadas por obrigação na história, não por necessidade narrativa. O Coliseu é introduzido de maneira mais casual que no primeiro, sem os ângulos e trilhas grandiosas que criavam um senso de importância, então apesar do investimento em efeitos especiais, as batalhas acabam parecendo eventos triviais, episódicos — até porque Paul Mescal se porta como um líder preparado e imbatível desde o início da história. Você nunca teme por sua vida.

Assim como Alien: Romulus, Gladiador II talvez pareça um filme acima da média pro público jovem que nunca viu o primeiro (do qual eu nem sou um super fã) e acha que cinema se resume a isso que Hollywood vem produzindo nos últimos 10/15 anos. Mas pro resto, será a experiência triste de ver que nem um dos maiores realizadores de seu tempo, com todo o dinheiro à disposição (Gladiador II é um dos filmes mais caros de todos os tempos) consegue resgatar o padrão de qualidade que há 24 anos era normal.

Gladiator II / 2024 / Ridley Scott

Satisfação: 4

Categoria: Idealismo Imperfeito

Filmes Parecidos: Ben-Hur (2016) / Napoleão (2023) / Êxodo: Deuses e Reis (2014) / Robin Hood (2010) / Gladiador (2000)

sábado, 16 de novembro de 2024

Aviso

16/11 - Comecei a postar minhas avaliações no Instagram @caiocinefilo num formato diferente. A ideia é ter um lugar prático onde minhas notas e recomendações fiquem concentradas de maneira fácil de entender visualmente. Me digam se acham interessante e siga lá quem tiver Instagram. Ainda não estou postando textos, mas se o formato vingar, posso começar a deixar comentários nas legendas também. Depende um pouco da interação e do interesse dos outros. 


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Pretendo dar um tempo nas postagens aqui. Se surgir algum filme muito interessante ou polêmico que mereça maiores comentários, pode ser que eu escreva algo. Mas pelas próximas semanas pelo menos, vou tentar saciar meus impulsos de criticar os filmes deixando apenas as avaliações no Letterboxd e quem sabe fazendo comentários breves no Instagram. 


P.S.: Coringa 2 eu vi agora e achei bem ruim. É menos revoltante que o primeiro (tem menos violência, menos críticas tolas ao "sistema"), mas esteticamente, tem muito mais defeitos óbvios. Além do roteiro pobre, sem trama, e dos problemas do filme original que se repetem, a ideia de transformar essa história em um musical realmente não deu certo (o trailer me enganou que eles tinham dado um jeito de fazer funcionar — devia ter confiado na minha intuição inicial), e Joaquin Phoenix tem mais uma daquelas performances desajeitadas, irregulares, tipo a de Napoleão.

domingo, 10 de novembro de 2024

Ainda Estou Aqui

"Singelo", "sensível", "sutil" — meus filmes favoritos não costumam ser definidos por adjetivos como esses, mas são neles que Ainda Estou Aqui aposta. Walter Salles dirige o filme como se sua regra número 1 na vida fosse "jamais ostentar". Assim como o título em Times New Roman no pôster, tudo em Ainda Estou Aqui é simples, porém eficiente e de bom gosto. Claro que essa simplicidade muitas vezes é reflexo de um talento nada simples dos realizadores — e nos detalhes você pode ver aqui um tipo de sofisticação incomum no cinema brasileiro. Mas os virtuosismos da produção tendem a ficar nas entrelinhas, exceto no caso da Fernanda Torres, que mesmo na sutileza consegue ser excelente — ela passa boa parte do filme aguardando, mas sem se tornar uma personagem passiva; sofre, mas sem se fazer de vítima. Minha cena favorita do filme é apenas ela sentada em uma sorveteria observando as famílias "normais" ao seu redor. Sem dizer uma palavra, ela consegue fazer a ausência do marido ganhar uma dimensão nova que não existia até o instante anterior.

Não tenho muito a reclamar do filme, exceto das limitações inevitáveis da abordagem Naturalista. Mas dentro disso, o filme é um exemplo bastante respeitável desse tipo de cinema. A mini história que ele conta é dramática o bastante pra prender a atenção, o estudo de personagem foca em personalidades gostáveis, em ambientes nostálgicos, a execução é caprichada (a direção de atores e a reconstituição de época são particularmente bem feitas). E a política, que poderia ter sido um problema, não contamina demais a experiência, pois assim como em O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006), vemos a ditadura militar pelo ponto de vista de uma pessoa bastante alheia às atividades políticas dos desaparecidos. Isso também fica nas entrelinhas, mas nesse caso, para o bem do filme.

Ainda Estou Aqui / 2024 / Walter Salles

Satisfação: 7

Categoria: Naturalismo / Idealismo Moderado

Filmes Parecidos: O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006) / Aquarius (2016) / Roma (2018) / Central do Brasil (1998) / Terra Estrangeira (1995)

sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Megalópolis

Simpatizei com o filme, apesar da abordagem Experimental. A falta de uma trama estruturada e a linguagem obscura impedem o Paradigma Idealista de existir, mas o filme não chega a cair no tédio, pois há sempre temas ambiciosos sendo discutidos, ideias originais surgindo na tela, e há certo valor de entretenimento nas escolhas excêntricas de Coppola. Num caso meio "Picasso", é aquele tipo menos comum de Experimentalismo que não parece apenas um disfarce para falta de talento e conteúdo. Há criatividade o bastante em Megalópolis para sentirmos que Coppola poderia ter narrado essa história de maneira mais tradicional e entregue algo interessante — ainda que o filme não tenha muita profundidade intelectual (tirando a comparação básica dos EUA com o Império Romano, o filme não traz grandes insights sobre política, cultura). É como se Coppola tivesse tentado criar seu A Revolta de Atlas, uma obra épica que pretende discutir temas atemporais, solucionar os grandes conflitos da civilização, mas sua megalomania estivesse além de sua real capacidade de cumprir a tarefa. Isso não quer dizer que Megalópolis seja uma obra vazia, charlatã (como penso de O Brutalista). Apenas que as qualidades do filme estão em outro campo, não no intelectual/filosófico. Parece mais um musical extravagante onde Coppola despejou centenas de ideias que foi acumulando ao longo de décadas. O resultado não é muito coerente, mas as ideias não são desinteressantes. Em textos como A Importância de Ideias e Inspiração ou Mentalidade Clichê eu discuto qualidades artísticas importantes que Megalópolis tem de sobra, e que faltam muito no cinema atual. São qualidades "hemisfério direito do cérebro". É uma pena que Coppola pareça achar que o artista de verdade é aquele que ignora em grande parte seu hemisfério esquerdo.

Quanto aos paralelos com A Nascente, deixei um comentário em vídeo:


Megalopolis / 2024 / Francis Ford Coppola

Satisfação: 6 

Categoria: Não Idealismo (Experimentalismo / Filme de Autor)

Filmes Parecidos: Babilônia (2022) / A Viagem (2012) / Satyricon de Fellini (1969) / Southland Tales: O Fim do Mundo (2006) / Sinédoque, Nova York (2008)

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Outubro 2024 - outros filmes vistos

Sorria 2 (Smile 2 / 2024 / Parker Finn)

Sentimentos mistos. O filme nos transporta pra um universo novo, inesperado, não tenta apenas repetir o 1°, Naomi Scott está convincente como estrela pop (embora a ideia de situar o filme no mundo da música não seja tão bem costurada na trama), algumas cenas de suspense e de jump scares funcionam, mas o filme tem 2 padrões narrativos que não gosto. 1) A história onde tudo parece ser uma alucinação na cabeça da protagonista. No primeiro, várias mortes ocorriam e eram confirmadas por personagens externos, o que provava que a personagem não era louca. Aqui, a linha entre realidade e imaginação é totalmente borrada, prejudicando o suspense. 2) O filme de terror onde o “monstro” não traz nada de positivo para a protagonista. Terror bom pra mim não é sobre sofrimento, sobre contemplar a dor, mas sobre aventura, escapismo, sobre superar medos, descobrir forças, combater o mal, etc. Sorria 2 ignora isso e foca apenas no desagradável. A "ascensão" narrativa aqui é a protagonista dando cada vez mais vexame em público, perdendo controle sobre sua mente, tendo sua carreira cada vez mais arruinada, ferindo pessoas que ama, o que não é algo prazeroso de assistir.

Satisfação: 5 (Idealismo Corrompido)



O Aprendiz (The Apprentice / 2024 / Ali Abbasi)

Gostei. Não é feito pro público MAGA, nem pro público Anti-MAGA, o que reduz bastante a audiência. Mas é uma história de ascensão interessante, com duas atuações dignas de prêmios, e uma dinâmica mestre-aprendiz divertida que faz valer o ingresso. A fotografia retrô também é ótima. Só acho que o filme termina com uns arcos meio mal resolvidos e sem desenvolver totalmente sua “tese”. Mas como história de origem do Trump e do tipo de pragmatismo que virou a marca dele na política, é envolvente. (Na prática, acho que o filme ajuda Trump mais do que atrapalha — ao mostrar que as falas extremistas dele não passam de uma tática publicitária consciente, o filme acaba desconstruindo a noção de Trump como um monstro fascista, desvinculando o homem do discurso).

Satisfação: 7 (Idealismo Crítico)

Filmes Parecidos: Fome de Poder (2016) / A Rede Social (2010) / Wall Street - Poder e Cobiça (1987)

terça-feira, 22 de outubro de 2024

O Brutalista

Se esse filme chegar na temporada de prêmios como um dos favoritos, como muitos críticos vêm apostando, eu vou sentir falta dos "bons tempos" de Nomadland, A Forma da Água, quando o Oscar dava prêmios pra filmes com valores negativos, qualidade estética duvidosa, mas que pelo menos não eram constrangedoramente idiotas.

O Brutalista parece a noção de uma tiktoker de 15 anos do que seria um filme "denso", de temática "adulta". Temos sobreviventes do holocausto com nomes tipo László, Erzsébet, Zsófia, sussurrando frases melodramáticas com sotaque húngaro, uma saga de 3h30 que abrange várias décadas, com uma crítica ao Sonho Americano embutida, sequências de créditos desconstruídas que rolam em todas as direções exceto de baixo para cima; tudo soa extremamente "europeu" — até que a maturidade de tiktoker começa a se revelar na tolice dos diálogos, na falta de noção sobre a era retratada (o comportamento dos personagens e a direção de arte permitem uma margem de uns 30 ou 40 anos de imprecisão histórica). Dizem que ao escrever um livro ou dar uma palestra você deveria saber 10 vezes mais sobre o conteúdo do que aquilo que irá de fato apresentar. O Brutalista passa a impressão de saber 1/10 das coisas que discute: como age um arquiteto, como era a vida de um imigrante nos EUA nos anos 40/50, como empresários ricos vivem e fazem negócios, como adultos falam...

O filme é Pseudo-Sofisticação em esteroides; uma combinação de Oscar-bait com Cannes-bait — duas coisas que até hoje eu não sabia que podiam coexistir. É o tipo de filme que me faz ter vontade de colocar eletrodos nas poltronas pra medir os pensamentos e emoções da plateia, pois tenho certeza que daria pra provar que ninguém de fato gostou da experiência ou sequer entendeu o que estava acontecendo metade do tempo, apesar de todo mundo sair dando 5 estrelas no cartão de avaliação (vi o filme na Cinemateca, na Mostra de SP, onde as filas são quilométricas, os assentos são ruins, cabeças te impedem de ler a legenda, o ar-condicionado não funciona — coisas que pra muitos tornam o filme ainda mais "artístico").

Fica a impressão que o cineasta leu A Nascente da Ayn Rand, gostou muito da parte onde Howard Roark é um arquiteto visionário que preza por integridade artística, mas detestou toda a ética e a filosofia por trás da história, então resolveu subvertê-la (notem a Estátua da Liberdade de cabeça pra baixo já no pôster). Temos aqui então uma premissa parecida, mas servindo pra denunciar o capitalismo e os ideais americanos — o protagonista escapa de ditaduras fascistas/comunistas no início da história, apenas para chegar nos EUA e ser estuprado pelo capitalismo, outro sistema igualmente vil. É uma ideia ridícula, claro, mas que poderia ter rendido um filme espertinho e provocativo se viesse da mente de um Lars von Trier (com quem Brady Corbet trabalhou em Melancolia e poderia ter aprendido umas lições). Mas quando você tem uma ideia dessa mal argumentada, discutida com a profundidade intelectual de uma redação do ENEM, se passando por inteligente apenas por truques estilísticos como os sotaques húngaros e créditos multidirecionais, você fica naquela situação estranha de lamentar que uma coisa, além de mal-intencionada, é também fraca e tola. Isso não deveria ser um alívio?

Minha indignação no fim não é com o filme, nem com Corbet. É com a crítica e os espectadores que cairão nessa fraude.

The Brutalist / 2024 / Brady Corbet

Categoria: Não Idealismo / Anti-Idealismo

Satisfação: 0

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

A Substância

(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

ANTES DA DIVISÃO

- Ótima a cena do ovo se duplicando após ser injetado com a Substância, e mais brilhante ainda é a sequência seguinte mostrando a deterioração da estrela da Elisabeth Sparkle na calçada da fama. É um pouco estranho colocar duas sequências “high concept” assim uma seguida da outra, mas são boas ideias, que introduzem visualmente os conceitos principais da história.

- O filme tem uma noção excelente de narrativa visual, e sabe usar símbolos de forma objetiva pra comunicar ideias (a deterioração da estrela, a foto de Elisabeth no outdoor sendo rasgada quando ela passa de carro, as escolhas de lentes pra deixar o personagem do Dennis Quaid repulsivo, etc.).

- Demi Moore está linda na primeira parte e tem uma ótima performance o filme todo. Ela transita bem entre os momentos mais sérios da personagem e os momentos mais “Nicolas Cage”. Foi uma ótima ideia de casting, até porque acrescenta uma camada metalinguística à história.

- As referências forçadas ao Kubrick (O Iluminado / 2001) fazem o filme parecer um pouco imaturo e pretensioso (quando você é estudante de cinema e quer se posicionar como “genial", sua primeira ideia é sempre fazer uma referência ao Kubrick em um trabalho — até eu fui culpado disso aos 18 anos).

- O programa de ginástica à la Jane Fonda e o comportamento rude dos homens parecem mais uma caricatura da cultura dos anos 70/80 do que da atual, que já não tolera esse tipo de coisa há muito tempo. 

- O filme é abertamente anti-homens. Todos os homens da história são patéticos, repulsivos (o produtor, o date da Elisabeth, o vizinho, o produtor de elenco, o garoto motoqueiro, os acionistas, etc.).

- Além da linguagem visual e da direção estimulante, um dos motivos da história ser envolvente é que Elisabeth tem uma motivação extremamente simples, que até uma criança de 5 anos consegue entender: se tornar jovem, bela, e ser amada de novo. É um “filme de arte”, mas com uma narrativa que não é mais difícil de acompanhar que a de um desenho infantil.

- A crítica a Hollywood / fama / padrões de beleza é bem superficial. O filme não desenvolve nenhum raciocínio interessante sobre esses temas. Apenas fica mostrando imagens de mulheres perfeitas e de símbolos idealistas sob uma luz meio sinistra — mas isso apenas indica que a cineasta tem uma visão negativa dessas coisas, não é uma “crítica” de fato. O filme usa muito daquela tática vazia que descrevi na crítica de Titane:

Sempre que você pega elementos ligados a sexo, violência, religião, tecnologia, dinheiro, política, e os usa de maneira contrastante e provocativa numa obra, você não precisa realmente ter algo a dizer. O público inventará um significado sozinho. Por exemplo: pegue uma figura de Jesus (religião), e coloque um “M” do McDonald's (capitalismo) em cima da cruz — trabalho feito! Pinte uma mulher nua (sexo), mas com o botão de “Unlock” do iPhone (tecnologia) no lugar do órgão genital — já será o suficiente pra todos acharem sua “crítica” genial (e se a mulher estiver cheia de hematomas então [violência], melhor ainda).

- Há vários contextos onde demitir uma mulher por causa da idade/aparência seria sexista, etarista, injusto — mas exigir corpos no auge da forma em um programa de ginástica na TV não é exatamente “cruel” (o filme escolher esse ambiente pra fazer sua crítica sugere que ele tem aquela visão progressista radical onde aparência física nunca deveria ser um critério, nem mesmo pro cargo de “musa fitness”).

- Aliás, padrões de beleza e procedimentos estéticos estão entre os grandes vilões do cinema de 2024, considerando A SubstânciaFeios (2024) A Different Man (2024).

- Tudo que envolve design no filme é muito bem feito. O “unboxing” da Substância com todas as orientações é particularmente satisfatório.

- A cena do “parto” é bem feita e cria um bom Set Piece.


ELISABETH + SUE

- Qual a necessidade desses closes extremos em agulhas, feridas, nas costas de Elisabeth sendo costuradas? A nudez das atrizes é um elemento apelativo compreensível para essa história, mas o filme fica dando ênfases gratuitas em tudo que é chocante, desagradável, como se achasse uma virtude incomodar.

- Após o nascimento de Sue, começa a ficar evidente um furo central do roteiro: o “pacto fáustico” da história simplesmente não faz sentido. Sue e Elisabeth não dividem a mesma consciência; elas são pessoas diferentes. Se a motivação inicial de Elisabeth era ser amada, voltar a ser jovem e bela, que benefícios a Substância realmente trará pra ela? Nenhum! Ela continuará com sua aparência, sua idade, só que agora com uma cicatriz enorme nas costas, e tendo que abdicar de metade de seu tempo de vida (e ela não foi enganada, era isso mesmo que a Substância prometia). Como isso resolverá seu problema? Se Elisabeth só queria uma versão sua mais jovem, mas com outra consciência, não teria sido mais fácil ela ter uma filha? Eu consigo entender o que faz o Neo tomar a pílula vermelha em Matrix, o que faz os personagens de Quero Ser John Malkovich entrarem na mente de John Malkovich, o que faz os personagens da série Severance separarem suas vidas em duas, o que faz a Ellen Burstyn tomar os comprimidos em Réquiem para um Sonho — já o apelo da Substância não tem muito sentido narrativo, psicológico, e fica parecendo apenas um conceito mal pensado.

- Até o momento do parto, o filme é envolvente, cheio de suspense. Mas depois, o roteiro começa a se perder. Elisabeth não tem o que fazer depois que Sue nasce. Quando é a semana dela acordada, ela fica só vendo TV, cuidando de burocracias, sem nenhum propósito (até porque o filme ignora o furo no roteiro que mencionei no parágrafo anterior). Daí quando é a semana de Sue acordada, o filme fica só mostrando como ela é sexy, como sua vida é divertida. Até quando ela está sozinha em casa ela fica agindo como uma ninfeta — ela nunca se torna uma personagem convincente, relacionável, capaz de carregar a história. É um estereótipo vazio.

- Estranhamente, o filme resolve ignorar a empresa misteriosa por trás da Substância, e não usa isso pra engrossar a trama, criar reviravoltas, etc. A única coisa que sobra agora é esperar as coisas começarem a dar errado para Elisabeth e o filme apelar cada vez mais pro horror corporal.

- Muito do impacto do filme vem da fotografia, da edição, do som. É aquele tipo de sobrecarga sensorial que te distrai da pobreza do enredo. Ouvimos um “swishhh” ou um “whooshhh” toda vez que a câmera se mexe; as ações mais irrelevantes, como Dennis Quaid fumando um cigarro, viram praticamente um vídeo de TikTok hiper estimulante, cheio de efeitos sonoros, ângulos extremos, cortes rápidos. Não há uma única cena normal no filme; tudo tem que ser um videoclipe sexy, estilizado, super dirigido. 

- Qual o sentido da reforma que a Sue faz no banheiro (sozinha!) pra esconder o corpo de Elisabeth?

- Durante o filme todo temos a impressão de estarmos em uma mansão no alto da Mulholland Dr. em Los Angeles, até pela vista da janela. O maior plot twist do filme pra mim é o vizinho que vem reclamar do barulho da furadeira e acaba revelando que estamos em um prédio comum de classe média! É um fato que vai totalmente contra a caracterização de Elisabeth.

- Lá pela 1 hora de filme, Sue começa a quebrar as regras e a história ganha certo interesse, pois queremos saber onde tudo irá parar. Além disso, Elisabeth, que não tinha nada pra fazer no filme, agora pelo menos ganha a motivação de impedir os danos causados por Sue. Mas não há nada de prazeroso mais pra se esperar da história.

- O conflito que vai surgindo entre as duas é bobo e pouco convincente. Vira um filme sobre duas “roommates” com hábitos incompatíveis tendo problemas banais de convivência.

- Ao introduzir alucinações, o filme começa a perder um pouco da objetividade que tinha no começo e a abrir espaço para o interpretativo, o aleatório.

- Como a trama não tem muito pé nem cabeça, e o filme já esgotou tudo o que tinha a dizer sobre Hollywood, homens, padrões de beleza (que se resume a: “são maus”), violência, horror corporal e bundas se tornam a única forma do filme prender a atenção. O filme quer fazer uma crítica à superficialidade do entretenimento, mas ele mesmo aposta em superficialidades pra prender o público. 

- Meio forçado Elisabeth trombar com o senhor com a marca na mão em uma das únicas vezes que sai de casa. O filme espera tão pouco da inteligência do público que acha que a marca não será o bastante pra explicar que ele é a “matriz” do jovem do hospital: precisa fazer ele derrubar o cartão da Substância no chão, e ainda expor a cicatriz nas costas quando ele abaixa pra pegar! Tudo no filme é mastigado, na cara — sou super a favor de clareza, mas quando um filme quer parecer inteligente, o ideal é que ele estimule um pouco o raciocínio do espectador.

- O único desenvolvimento interessante da premissa básica é a cena onde a Elisabeth tenta sair pra um date e não consegue. Nessa cena, o filme acrescenta uma camada interessante à discussão, revela algo novo sobre a personagem. Só que há muito pouco disso no filme. 95% do tempo, ele não tem nada de relevante a dizer. Falta substância a A Substância — mostrar 15 variações da mesma cena onde a protagonista encara uma mulher perfeita em um outdoor/TV/quadro não é o mesmo que desenvolver o tema do filme.

- Elisabeth poderia interromper a experiência a qualquer momento, mas não o faz. Por quê? Ela já sabia dessa opção desde o início? É aqui que o furo do roteiro faz a narrativa perder o sentido. Você tem que começar a supor que existe uma conexão mística entre Elisabeth e Sue que o filme não se deu ao trabalho de estabelecer.


MONSTROS

- Depois que Elisabeth começa a parecer a velha do Iluminado, o filme assume a palhaçada. Eu me divirto com os excessos de cineastas como David Lynch ou até do David Cronenberg na medida em que eles parecem guiados por um propósito dramático/intelectual — quando a loucura parece vir de um estilo autêntico e é justificada pela história. Mas o clímax de A Substância soa forçado, e é autoconsciente demais pra divertir. Está mais pra uma paródia sarcástica de filmes cult do que algo feito com honestidade.

- Os 15 minutos finais são o ponto baixo do filme (me lembrou Barbie, que pra mim foi uma inversão completa do Princípio da Ascensão: começou brilhante, e daí foi piorando progressivamente, guardando as piores ideias pro final). O filme não tem nada a acrescentar, mas fica fazendo referências pretensiosas a Um Corpo que Cai, 2001, e apelando pro grotesco pra tentar tirar algumas reações do público, que a essa altura já não se impressiona com mais nada nesse nível puramente sensorial.

- SPOILER: O final na calçada da fama cria um falso senso de circularidade, como se o roteiro tivesse sido “bem amarrado” por terminar onde tudo começou — mas circularidades assim só são um mérito quando ocorrem por consequências naturais dos eventos. Aqui, não havia razão alguma pro monstro estar perto da calçada da fama e se arrastar até a estrela de Elisabeth. Ele só faz isso pra dar ao filme esta falsa simetria. 

The Substance / 2024 / Coralie Fargeat

Satisfação: 4

Categoria: Idealismo Corrompido / Anti-Idealismo / Pseudo-Sofisticação

Filmes Parecidos: Saltburn (2023) / Titane (2021) / Triângulo da Tristeza (2022) / Réquiem para um Sonho (2000) / Cisne Negro (2010) / A Baleia (2022) / Men: Faces do Medo (2022)

quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Pesquisa de tráfego

Queria ter uma noção de quantas pessoas realmente veem uma postagem nova no blog. (Google Analytics e ferramentas do tipo acho meio confusas por causa dos bots, dos visitantes recorrentes, VPNs, etc.)

Vote apenas 1 vez se visualizar esse post. É anônimo. Tks! (Estou vendo se ainda faz sentido fazer certos posts aqui).


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Resultado: 26 pessoas em 6 dias


Obrigado a quem votou. Estava esperando que umas 5 ou 6 pessoas respondessem, então até me surpreendi, apesar do número ser minúsculo ainda, se comparado com os de redes sociais, YouTube, etc. (tive que diminuir 2 votos que foram meus de teste).

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Cultura - Setembro 2024

18/9 - A Nascente (The Fountainhead) em alta?

Dois filmes importantes de 2024 aparentemente beberam da fonte de The Fountainhead. The Brutalist (2024), que foi uma das maiores sensações do festival de Veneza e deve concorrer a vários Oscars, é sobre um arquiteto que muda para os EUA após a 2ª Guerra e enfrenta uma série de dificuldades até fechar um contrato com um cliente rico. Não vi o diretor Brady Corbet citar o livro de Rand como uma de suas inspirações, mas esta matéria da IndieWire anuncia o filme como uma “homenagem” a The Fountainhead.

Fora este, Francis Ford Coppola colocou The Fountainhead (1949) entre os filmes que inspiraram Megalópolis (2024):



















Não espero, no entanto, que esses filmes carreguem quaisquer mensagens do livro (no caso de The Brutalist, estou esperando quase o oposto).




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14/9 - Filmes Conservadores

Entre as tendências que continuam numa crescente no cinema, dá para incluir essa onda de filmes voltados especificamente para o público cristão-conservador, que não tinham tanto destaque até uns 3, 4 anos atrás. Entre as maiores bilheterias dessa semana, temos 4 filmes desse tipo (que costumam ser artisticamente precários, produzidos fora do sistema, e movidos pela “mensagem”): Am I Racist? (o novo documentário do Matt Walsh, de What Is a Woman?), Reagan (uma cinebiografia do Ronald Reagan), The Forge (do diretor/pastor Alex Kendrick) e o 5º filme da série Deus Não Está Morto.

É um sinal negativo de que o declínio da era “woke” não está incentivando uma nova onda Idealista, apenas uma revanche “anti-woke”.



segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Setembro 2024 - outros filmes vistos

Robô Selvagem (The Wild Robot / 2024 / Chris Sanders)

Visual mais bonito que vi esse ano (assisti ao filme em uma sala com projeção laser, o que tornou tudo ainda mais impactante). A história remete a filmes como WALL·E, E.T., Dumbo, e é bem contada na maior parte, apesar de parecer mais uma reciclagem inteligente do que uma narrativa inspirada, com luz própria. O ato final tem alguns conflitos forçados e algumas mensagens duvidosas do eixo “misticismo-altruísmo-coletivismo”, mas nada a ponto de arruinar a experiência.  

Satisfação: 7 (Idealismo Imperfeito)



Silvio (2024 / Marcelo Antunez)

O que eu mais tenho aprendido vendo filmes brasileiros ultimamente é a apreciar a competência que existe por trás até de produções medianas dos EUA; qualidades que passam despercebidas, pois achamos que aquilo é o “normal” do cinema, algo automático, mas que na verdade já são reflexo de inúmeros cuidados. Em Silvio, os problemas começam no roteiro, que decide contar a história de Silvio Santos via flashbacks, usando o sequestro como moldura narrativa. Isso não funciona, primeiro porque não faz sentido Silvio começar a narrar sua história para um sequestrador naquela situação, o que torna todos os flashbacks artificiais. Depois, porque não há motivo para o Silvio ficar refletindo profundamente sobre sua vida, como se o sequestro tivesse algo a ver com sua trajetória, com escolhas que fez no passado. O sequestro no fim é um incidente aleatório que não tem relação alguma com a vida pessoal de Silvio Santos. Dramaticamente, faria mais sentido se víssemos flashbacks da vida do sequestrador ao longo do filme. É ele quem precisa tomar decisões importantes na trama, repensar seus valores, agir. Outro problema é que o sequestro não é particularmente dramático; não há desdobramentos interessantes, reviravoltas, um contexto cultural/político maior, e o desfecho é particularmente tedioso. Fica a impressão de que o sequestro foi usado como moldura só pra baratear a produção, já que desta forma, a biografia se passa na maior parte do tempo dentro de uma casa moderna, e as reconstituições mais elaboradas de época são reduzidas a umas poucas cenas. Além disso, o foco no sequestro dá ao filme aquele ingrediente indispensável do cinema nacional: bandidos e policiais falando palavrão e trocando tiros. Qualquer história que você queira contar aqui, parece que basta você passá-la pelo filtro Cidade de Deus / Tropa de Elite que o filme se torna automaticamente mais “comercial” (pelo menos na cabeça dos produtores). 

Tudo isso passaria batido pro público se a execução do filme fosse de primeira: se o casting fosse excelente, se a maquiagem convencesse, se o som e a fotografia tivessem num padrão internacional de qualidade. Mas o filme desliza em todos esses aspectos mais concretos também, especialmente na representação do Silvio Santos, que não lembra nem em aparência e nem em personalidade o apresentador alegre e visionário que todos conhecemos tão bem.

Satisfação: 2 (Idealismo Corrompido)



Rebel Ridge (2024 / Jeremy Saulnier)

Quando não gosto de um filme, é geralmente por eu achá-lo ruim esteticamente, ou então por achar a história mal intencionada, os heróis detestáveis, etc. O caso de Rebel Ridge é diferente, pois não só o filme é bem feito, como tinha tudo pra ser um suspense empolgante, uma versão mais Idealista de histórias de vigilante tipo John Wick — e o que o estraga é só uma questão de ênfase. A trama se encaixa na História Idealista #4 — a do personagem gostável que sofre uma injustiça e parte para corrigir a situação. Só que apesar do filme não relativizar bem e mal, e de parecer estar caminhando para um final feliz, o sentimento-chave de Rebel Ridge acaba sendo o de raiva, de indignação moral, pois os vilões são tão corruptos, odiosos (e realistas, o que é pior), e o filme cria tantas complicações e contratempos para o herói, que 1 hora filme adentro sua corrente sanguínea já está tão inundada de cortisol que nem uma vingança à la Dogville poderia te fazer sair feliz da sessão. É um ótimo lembrete de que o cinema deve ser tanto sobre a jornada quanto sobre o destino.

Satisfação: 2 (Idealismo Corrompido)

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DESISTÊNCIAS (comecei a ver e perdi o interesse):

- Feios (2024)
- Xógun: A Gloriosa Saga do Japão (2024) T1.E1