domingo, 6 de abril de 2025

Abril - outros filmes vistos

Um Filme Minecraft (A Minecraft Movie / 2025 / Jared Hess) — Chama atenção por não ser cínico nem ter os toques Corrompidos que costumam definir esse tipo de filme. Em vez de uma aventura irônica, Minecraft funciona como uma comédia de fato, sustentada por um fluxo constante de piadas e por personagens abertamente cômicos (o filme em nenhum momento os confunde com heróis). Não dá para dizer que é um bom roteiro, mas o elenco e o humor orgulhosamente juvenil pra mim renderam a sessão mais divertida de 2025 até agora.

Desconhecidos (Strange Darling / 2024 / JT Mollner) — Tenta, através do estilo e de desconstruções narrativas, tornar interessante um conteúdo que, por si só, não renderia um filme satisfatório. Imagine a mesma história contada de forma linear e pergunte-se: algum dos personagens se tornaria gostável? Os eventos da trama e a conclusão gerariam algum prazer ou significado?

Vitória (2025 / Andrucha Waddington) Se O Outro Lado da Rua (2004) foi uma espécie de versão Naturalista de Janela Indiscreta, Vitória seria um "remake" ainda mais simplificado de O Outro Lado da Rua. E o problema não é o filme não ter uma trama ágil, suspense, etc. Se fosse como Ainda Estou Aqui, que compensa a narrativa mais esparsa/Naturalista com ótimas atuações, questões políticas/históricas interessantes, não haveria problema. Mas Vitória não oferece essas qualidades que sustentam os melhores filmes Naturalistas. Ele tenta prender o espectador pelo aspecto "thriller", mas tem a energia que se espera de um filme brasileiro estrelado por uma senhora de quase 95 anos. Quem foi assistir no embalo do Oscar, esperando outro grande destaque nacional, provavelmente saiu decepcionado — mas com pena de admitir, por respeito a Fernanda Montenegro.

sábado, 5 de abril de 2025

Cultura - Abril 2025

5/4 - Vi dois vídeos esta semana que me fizeram sentir um pouco menos desalinhado com as discussões no mundo mainstream.

The Era Of Slop Entertainment — Este vídeo (citado inclusive pelo Critical Drinker) traz o ponto que discuti em fevereiro: apesar de a era woke do cinema estar em declínio, o problema da falta de talento e criatividade continua sendo uma grande questão. Até agora, alguns falavam como se acabar com a cultura woke resolveria a maioria dos problemas, mas muita gente já está começando a perceber que esse não será o caso. Me preocupam um pouco as referências que esses analistas mais populares têm de cinema ideal (voltar para os "tempos áureos" de Homem de Ferro, pra mim, ainda não seria o bastante), mas pelo menos há uma insatisfação apontada pro lugar certo.

How Capitalism Killed the Movie Star — Este vídeo discute a questão da "morte dos astros", que descrevi como um problema-chave no texto Como Salvar o Cinema. Há vários pontos interessantes no vídeo, mas ele atribui o declínio dos astros ao "capitalismo" — ao fato de que, hoje, os estúdios estão mais focados em IPs e personagens do que em atores. Mas vejo furos nessa explicação. Julia Roberts e Schwarzenegger não foram exatamente frutos do comunismo. E por que os astros da música hoje também seriam menores em estatura e impacto global? Apesar de uma coisa interferir na outra, atribuo a morte dos astros mais ao lado cultural do problema do que ao lado financeiro. Ainda assim, é bom ver mais e mais gente apontando o dedo para essa questão.

segunda-feira, 31 de março de 2025

Março 2025 - outros filmes vistos

Novocaine - À Prova de Dor (Novocaine / 2025 / Dan Berk, Robert Olsen) — Estava esperando uma mistura irritante de ironia com violência extrema, então a primeira parte até me surpreendeu com personagens bem estabelecidos e um enredo mais agradável do que eu imaginava. Ainda assim, quando a ação finalmente deslancha, o filme abandona um pouco a lógica e começa a machucar o protagonista (que não sente dor) mais pra causar aflição e justificar a premissa do que por necessidade narrativa (a graça desta sinopse, na minha visão, estaria mais na reação de espanto das testemunhas que não sabem da condição do personagem do que nos ferimentos em si, mas o filme não faz um bom uso deste potencial).

O Estúdio (The Studio / 2025) T1.E1 e T1.E2 — Streaming surpreendendo de novo este mês com uma série muito acima da média, que estabelece um padrão tão elevado nos dois primeiros episódios que é difícil imaginar como poderia sustentá-lo nos próximos. Imperdível para cinéfilos.

Sem Chão (No Other Land / 2024)
— Documentário tedioso que só ganhou o Oscar pelo ativismo político, não por ser bem feito, interessante, ter imagens/entrevistas valiosas ou esclarecer qualquer fato.

Adolescência (Adolescence / 2025 / 
Philip Barantini)
— Primeiro lançamento de 2025 que deve entrar nas minhas listas de melhores do ano. O uso do plano-sequência às vezes parece um exibicionismo desnecessário, mas nos momentos mais dramáticos, ajuda a acumular uma tensão que torna os episódios hipnóticos. A série prende a atenção gerando curiosidade sobre os motivos por trás do crime, o que pode tornar um pouco frustrante a guinada Naturalista mais pro final, de optar por focar menos nos porquês e mais no impacto da tragédia nos envolvidos. Ainda assim, é um estudo de personagens fascinante que revela algumas das questões psicológicas/culturais mais urgentes das gerações mais jovens. A performance do Owen Cooper é tão impressionante no 3º episódio que me lembrou do jovem Leonardo DiCaprio quando começou a se destacar no cinema. 

The Electric State (2025 / Anthony Russo, Joe Russo) — Isso só revela o quanto o sucesso de bilheteria de Vingadores: Guerra Infinita e Ultimato não foi mérito da direção dos irmãos Russo. O filme segue um formato familiar de narrativa de aventura, mas os cineastas parecem ter uma espécie de cegueira para os elementos que tornam um filme interessante para o espectador, então se limitam a cuidar dos efeitos especiais e da aparência externa da produção, torcendo pra que o conteúdo se conecte magicamente com o público — o que, infelizmente, não acontece.

Branca de Neve (Snow White / 2025 / Marc Webb) — Melhor do que eu esperava (se bem que as expectativas eram tão baixas que isso nem diz muito). Está mais pra um entretenimento decente enfraquecido por alguns problemas típicos do cinema atual (mensagens woke pontuais, anões no vale da estranheza, um elenco quase bom) do que pra um projeto desastroso como Pinóquio (2022). O filme tem uma direção competente (inclusive na parte musical), cenários/figurinos bonitos, novidades o bastante pra não parecer um remake enlatado, e o tom, de modo geral, não é subversivo ou hostil ao clássico — exceto quando querem transformar a Branca de Neve em uma líder revolucionária, aí realmente fica difícil defender.

Código Preto (Black Bag / 2025 / Steven Soderbergh) — Não me sintonizo bem com o cinema de Steven Soderbergh e, apesar do bom elenco, achei a trama de Código Preto extremamente desinteressante. É o tipo de história mais preocupada em parecer bem escrita e engenhosa (a abordagem dos "relojoeiros") do que em dar um motivo para o espectador se importar por qualquer coisa.

Better Man: A História de Robbie Williams (Better Man / 2024 / Michael Gracey) — Por que o macaco? Para mim, é um toque autodepreciativo estratégico para amenizar a qualidade potencialmente egocêntrica da produção (assim como a ênfase nos problemas emocionais e na suposta inferioridade de Robbie). Descontando esses aspectos "corrompidos" (ou esta aplicação duvidosa do conceito de Complementaridade), achei o filme eficaz e dirigido de maneira bem estimulante.

O Macaco (The Monkey / 2025 / Osgood Perkins) — Mais um caso em que o cineasta teve bastante liberdade criativa pra realizar o filme, mas isso se provou uma péssima ideia. Assim como Mickey 17 faz com a ficção científica, O Macaco apenas pega a premissa do conto de horror de Stephen King (que imagino ser sério) para subverter o gênero e transformá-lo em uma comédia excêntrica guiada pelas afetações do diretor. O resultado não é nem assustador, nem cômico.

Mickey 17 (2025 / Bong Joon Ho) — Reclamamos com tanta frequência da falta de originalidade nos filmes que é fácil cair na armadilha de achar que originalidade, por si só, torna um filme bom. O novo longa do diretor de Parasita (2019) prova que isso não é verdade. Excentricidade é o prato principal aqui, mas em vez do caos organizado de filmes como A Substância ou Pobres Criaturas, Mickey 17 parece mais o delírio de um esquizofrênico pretensioso. Convencido de que os frutos de sua imaginação serão sempre brilhantes, o filme se entrega a devaneios aleatórios sem a disciplina necessária para produzir uma boa história.

domingo, 30 de março de 2025

Dinâmica Espiral

Li recentemente o livro A Theory of Everything, de Ken Wilber, e fui exposto à teoria da Dinâmica Espiral — que eu desconhecia — e que me pareceu ainda mais útil do que a teoria do Dabrowski para explicar os diferentes níveis de desenvolvimento humano. Achei interessante porque ela pode ser aplicada a questões artísticas e culturais de maneira mais concreta e provavelmente se tornará uma ferramenta valiosa nas minhas análises.

A teoria não é de Wilber e já parece bastante difundida, então não vou reintroduzi-la aqui. Quem se interessar poderá encontrar diversos resumos na internet. Mas vou dar uma breve descrição de cada nível, aproveitando pra indicar que tipo de cinema ou entretenimento associo a cada um deles em um primeiro momento (devo ler mais sobre o tema no futuro, o que pode levar a correções).

Basicamente, a Dinâmica Espiral descreve 8 níveis de desenvolvimento da consciência humana, indo do mais elementar (Bege) ao mais complexo (Turquesa). Todos nós nascemos no nível Bege e, normalmente, evoluímos para estágios superiores. Civilizações como um todo também tendem a avançar ao longo dos séculos, conforme a população adquire mais conhecimento. No entanto, nem todos os adultos chegam ao nível mais elevado da espiral, e cada cultura e período da história tem um “centro de gravidade” em torno de um nível específico.

Primeiro Nível

1. Bege – Nível arcaico/instintivo, preocupado em satisfazer necessidades básicas de sobrevivência, como alimentação, segurança física e sexo.
Arte: Percussões tribais; pornografia e obras focadas no apelo sexual.

2. Púrpura – Nível mágico/animista; enxerga significados misteriosos em fenômenos naturais e explica tudo através de superstições, misticismo, espíritos bons ou maus, etc.
Arte: Fantasia desconectada de propósitos mundanos; mitologia; folclore; lendas religiosas.

3. Vermelho – Nível do poder, caracterizado pelo instinto de dominação através da força bruta e do conflito.
Arte: Ação desconectada de valores morais; obras focadas em violência, batalhas e heróis cuja principal qualidade é a brutalidade e a força física.

4. Azul – Nível da ordem mítica, onde a vida ganha significado através da disciplina e da submissão a grupos, leis e códigos absolutos.
Arte: Filmes sobre heróis que se sacrificam em nome de ideais externos; Jornada do Herói; filmes de esporte; filmes religiosos; obras feitas para empoderar nichos ou subculturas específicas.

5. Laranja – Nível da ciência, que busca a racionalidade, a manipulação da natureza, respeita os direitos individuais e valoriza abundância material, liberdade e independência.
Arte: Fórmulas narrativas universais; estrutura em três atos; Hollywood clássica; arte comercial.

6. Verde – Nível da pluralidade, que valoriza a comunidade, o vínculo humano, a sensibilidade, o bem-estar interior e a quebra de antigos dogmas, rejeitando ganância e hierarquias. (Wilber aponta uma instabilidade especial neste nível, que pode cair em contradições internas e também servir de máscara para pessoas em estágios como Vermelho e Azul.)
Arte: Nova Hollywood; filmes que levam em conta a expressão pessoal do artista; filmes críticos em relação à cultura, que questionam o status quo e as convenções; filmes sensíveis a questões sociais e psicológicas.

Segundo Nível

(Há uma divisão entre os primeiros seis níveis e os dois últimos, pois Amarelo é o primeiro estágio que compreende o papel da espiral como um todo)

7. Amarelo – Nível integrativo, que entende a função de todos os estágios da consciência para a humanidade e busca harmonia e coordenação entre diferentes níveis de realidade.
Arte: União entre Arte e Entretenimento — obras que integram as sensibilidades do nível Verde com as necessidades dos níveis anteriores, buscando tocar todos os estágios de desenvolvimento e promover crescimento.

8. Turquesa – Nível holístico — plena integração entre razão e emoção; a união entre o “eu” e todos os elementos do cosmos.
Arte: Arte total — estágio no qual a integração do nível Amarelo é incorporada pelo próprio artista, tornando sua obra uma manifestação indivisível de sua pessoa e sua experiência única de vida.

Wilber estima que a população mundial esteja distribuída aproximadamente desta forma entre os diferentes níveis (o livro é do ano 2000 — imagino que, de lá pra cá, o Verde tenha crescido em poder):

Em alguns textos aqui no blog, já tentei categorizar filmes em termos de diferentes níveis de talento, maturidade, intelecto (como no texto O Fator G do filme), mas até agora não tinha encontrado um conceito que trouxesse tanta clareza para a qualidade que eu estava tentando nomear.

A teoria também ajuda a explicar minha noção de que os melhores filmes operam em diversos níveis — estimulam o intelecto, elevam o espírito, mas sem ignorar as necessidades básicas do espectador comum.

Pretendo explorar mais a Dinâmica Espiral e suas aplicações no futuro. Nesta postagem, quis apenas introduzir o tema para quem tiver interesse.

terça-feira, 25 de março de 2025

Temperamento Ativo e Passivo

Muitos conflitos psicológicos, sociais e políticos derivam de uma relação problemática da cultura com dois tipos de temperamento humano: o ativo e o passivo. Quando não se reconhece o valor de ambos — o fato de que são produtivos, necessários e complementares — e se passa a condenar um deles, os conflitos inevitavelmente surgem.

Tradicionalmente, o temperamento passivo era respeitado em mulheres, e o ativo, em homens. Atualmente, o temperamento passivo parece ser menosprezado pela cultura em geral, inclusive em mulheres. Mas a verdade é que esses temperamentos não discriminam entre sexos. Tanto homens quanto mulheres são naturalmente divididos entre aqueles com um temperamento mais ativo e aqueles com um temperamento mais passivo.

A pessoa com temperamento ativo se sente realizada ao exercer seu comando sobre a natureza e os outros, deixando sua marca no mundo externo.

A pessoa com temperamento passivo se sente realizada ao embarcar na iniciativa da figura ativa, contribuindo e tornando-se uma influência fundamental sobre suas ações e conquistas.

O temperamento ativo tende a ser mais ingênuo, mas cheio de vontade e propósito. O temperamento passivo tende a ser mais sábio, sensível, mas mais cético e menos inclinado a tomar a iniciativa. A pessoa de temperamento ativo tem forças que a de temperamento passivo não tem, mas tem faltas que só esta pode preencher — e vice-versa. Ambas poderiam sobreviver sozinhas, mas são mais fortes unindo suas forças. (A frase "Por trás de um grande homem, há sempre uma grande mulher" poderia ser aperfeiçoada para descrever a relação simbiótica entre os dois temperamentos.)

Recentemente, recomendei o livro sobre a parceria entre Louis B. Mayer e Irving Thalberg em Hollywood, que ilustra bem como os dois temperamentos são complementares. Mayer (de temperamento mais ativo) teria deixado de produzir filmes sem a parceria de Thalberg? Provavelmente não. Mas seus filmes teriam sido mais comuns, menos refinados artisticamente, e a MGM provavelmente não teria se tornado tão prestigiada. Thalberg (de temperamento mais passivo), por outro lado, sem a liderança e iniciativa de Mayer, não teria exercitado seus dons de forma tão plena e em uma escala tão grandiosa.

Um temperamento não é necessariamente incapaz de fazer o que o outro faz. Às vezes, pode até ser capaz, mas não sente o mesmo preenchimento emocional ao fazê-lo, o que cria limitações. O temperamento ativo e o passivo são como traços introvertidos e extrovertidos: todos temos um pouco dos dois, mas um geralmente predomina. A chave é não reprimir nenhum deles, e reconhecer qual melhor define sua essência. 

Parte da doença da sociedade atual vem não só das velhas associações entre temperamentos ativos/passivos e gêneros específicos ou práticas sexuais, mas também do fato de que, atualmente, apenas o temperamento ativo é exaltado pela cultura. A consequência da repressão do temperamento passivo é uma parcela enorme da população com a identidade pessoal fragmentada, agindo contra sua natureza para tentar se encaixar em papéis que não foram feitos para ela. (E o problema não é só as pessoas de temperamento passivo se sentirem pressionadas a agir como as de temperamento ativo, mas também as pessoas de temperamento ativo ignorarem o papel do temperamento passivo e se acharem autossuficientes em todas as funções.)

Sem autoconhecimento, autoaceitação e o entendimento de que um temperamento, sem o outro, é muitas vezes incompleto, as parcerias mais produtivas e satisfatórias não se formam — e, quando isso ocorre, todos saem perdendo.

quarta-feira, 19 de março de 2025

segunda-feira, 10 de março de 2025

Cultura - Março 2025

10/3 - Livro: Louis B. Mayer and Irving Thalberg: The Whole Equation

Ótimo livro do crítico Kenneth Turan (Los Angeles Times) que fala sobre uma das parcerias mais significativas da história do cinema. Louis B. Mayer e Irving Thalberg foram responsáveis por transformar a MGM no estúdio mais bem-sucedido e prestigiado da era de ouro de Hollywood. Em grande parte, foi graças ao zelo de ambos por qualidade (especialmente de Thalberg) que o cinema, que antes era visto como um entretenimento vulgar, passou a ser aceito como uma forma de arte séria.

Quando digo que o que falta em Hollywood hoje são produtores que não sejam apenas homens de negócios, é em alguém como Thalberg que estou pensando. Louis B. Mayer era visto como o produtor bom em negócios, enquanto Irving Thalberg era o produtor com sensibilidade artística. Mas a verdade é que até Mayer, que não tinha a mesma cultura e o olhar refinado de Thalberg para decisões criativas, estava longe de ser apenas um homem de negócios: ele era um apaixonado por cinema, profundamente comprometido com a qualidade, com o conteúdo moral de seus filmes, e que acreditava que todo seu sucesso dependia dos grandes talentos que ele mantinha ao seu redor.

segunda-feira, 3 de março de 2025

Oscar 2025

Como eu pressentia, o Oscar 2025 não trouxe nenhuma mudança para melhor e seguiu o mesmo padrão dos anos anteriores (em termos de vencedores — a cerimônia é outra discussão).

Sean Baker, com Anora, igualou o recorde de Walt Disney de 4 Oscars em um único ano, e já conquistou mais Oscars do que Steven Spielberg em toda a sua carreira. Isso só reforça minha convicção de que já passou da hora de mudarmos o apelido do Oscar para outra coisa, já que a Academia passou a celebrar um tipo de cinema que pouco tem a ver com o que o nome "Oscar" significa no imaginário popular. Quando multidões de brasileiros comemoram nas ruas a vitória de Ainda Estou Aqui, você acha que o orgulho que elas sentem vem da admiração por filmes como Birdman, Moonlight, A Forma da Água, Nomadland, Coda e Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo

Se eu tivesse controle sobre o evento, os indicados e o vencedor de Melhor Filme seriam algo na linha dessa seleção abaixo. Repare que todos esses filmes estavam indicados a algum prêmio. Ou seja, o problema do Oscar às vezes não é nem tanto a falta de filmes adequados, mas a inclusão e a predominância de filmes que subvertem sua identidade. Com a safra deste ano, teria sido possível criar um Oscar parecido com os do passado. Mas, no fim, tudo fica nas mãos de uma elite cultural que decide o que irá destacar e o que é digno de honra.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Fevereiro 2025 - outros filmes vistos

Um Completo Desconhecido (A Complete Unknown / 2024 / James Mangold) — Dirigido com a competência clássica e eficiente de James Mangold, o filme conta com uma performance igualmente habilidosa de Timothée Chalamet, mas o roteiro joga no seguro e segue a fórmula padrão dos biopics modernos. Apesar da profundidade de algumas frases soltas de Bob Dylan, o enredo fica na superfície de tudo que retrata. Dylan já começa a história pronto — nunca descobrimos como ele se desenvolveu como artista — e alcança o sucesso com relativa facilidade e rapidez na narrativa. A partir daí, os conflitos pessoais e profissionais que surgem não têm grande peso dramático, e o filme passa a depender mais do setlist e da curiosidade histórica pra manter o interesse.

Saturday Night: A Noite que Mudou a Comédia (Saturday Night / 2024 / Jason Reitman) — Retrato muito bem-feito e imersivo de um ambiente fascinante, explodindo em energia criativa. O elenco é um dos melhores ensembles do ano e, apesar da estrutura meio experimental (o filme é apenas o meio de uma história, sem começo nem fim), cada minuto é recheado de incidentes interessantes, falas divertidas e curiosidades históricas para aqueles familiarizados com o SNL (o filme não se esforça para contextualizar os eventos para os leigos). Talvez não tenha sido a melhor forma de contar essa história, mas, ainda assim, achei o filme magnético e cheio de talento.

Hard Truths (2024 / Mike Leigh)
— Estudo de personagem focado em uma mãe de família mentalmente doente e extremamente desagradável. Além da performance marcante de Marianne Jean-Baptiste, a única coisa que torna a experiência interessante é que, às vezes, a neurose dela passa tanto do normal que começa a flertar com a personagem da Mink Stole em Desperate Living, tornando o filme cômico. Infelizmente, Hard Truths é mesmo um drama e, como drama, acaba sendo um daqueles "testes de empatia" para ver o quanto você aguenta o peso de uma pessoa destrutiva em nome de sua dor.

Capitão América: Admirável Mundo Novo (Captain America: Brave New World / 2025 / Julius Onah) — O maior mérito do filme é não ter as coisas toscas que vêm caracterizando os filmes recentes da Marvel. Mas isso não é o mesmo que ter algo memorável a mostrar. O filme preenche as 2 horas com um enredo funcional e cenas de ação enérgicas, mas que não têm personalidade nem geram qualquer emoção. Tudo parece cuidadosamente pensado pra não ofender ninguém, evitar qualquer risco ou ideia que chame atenção — exatamente o que se espera desse tipo de entretenimento feito por comitê.

Entre Montanhas (The Gorge / 2025 / Scott Derrickson) — A prova de que não adianta ter um diretor competente, um bom elenco e um conceito interessante — um roteiro bem desenvolvido é sempre necessário pra gerar um bom filme. O deste filme seria suficiente como backstory para um videogame, mas é desmiolado demais pra um longa que chama a Sigourney Weaver para fazer uma ponta e quer traçar paralelos com grandes clássicos da ficção científica.

Memórias de um Caracol (Memoir of a Snail / 2024 / Adam Elliot) — Uma coisa positiva da animação stop-motion é que cada minuto de filme exige tanto esforço para ser feito que toda cena acaba sendo muito bem planejada, coisas descartáveis do roteiro tendem a ficar de fora — há um tipo de rigor que o cinema foi perdendo nas últimas décadas, quando as câmeras digitais tornaram o ato de gravar "gratuito". Ainda assim, tive que me esforçar para terminar o filme porque ele é uma ode à fragilidade, à feiura, à desilusão e a todos os valores negativos do meu Mapa. O curioso é que há uma consistência incrível nos elementos e símbolos que ele usa pra representar esses valores, como se o cineasta tivesse consciência da conexão entre coisas como lesmas, Fidel Castro e queimar livros de autoajuda. Os ataques à igreja na história também são bem interessantes — me fizeram pensar se os Anti-Idealistas no fim são apenas ex-religiosos desiludidos que acharam que tinham que jogar fora todos os ideais positivos junto com a fé. Só não achei o filme totalmente inassistível por causa da ironia que ridiculariza tudo e todos — um efeito meio Parasita, em que o filme só mostra coisas decadentes, mas pelo menos não insiste que você tenha afeto por elas.

Sing Sing (2024 / Greg Kwedar) — Oscar-bait com uma boa performance de Colman Domingo, mas é daqueles roteiros que começam já no meio e se recusam a desenvolver completamente os arcos narrativos que introduzem, preferindo manter uma narrativa mais solta, semi-Naturalista. Outro problema é que o filme se esforça pouco pra estabelecer a inocência dos presidiários, fazendo você questionar se tudo pode realmente ser tão lúdico e positivo em uma prisão de segurança máxima (os personagens parecem tão honrados que você não entende por que eles estão presos, e a rotina em Sing Sing é tão agradável que você não entende por que eles ficam felizes quando são soltos).

Acompanhante Perfeita (Companion / 2025 / Drew Hancock) — Do popular gênero "fim de semana com os super-ricos termina em assassinato e revelações sinistras", o filme é mais bem dirigido do que eu esperava e apresenta uma premissa até instigante no começo, mas vai perdendo força com reviravoltas forçadas e com a mistura de thriller e comédia que nem sempre acerta o tom e tomba pro Idealismo Corrompido.

O Conde de Monte Cristo (Le Comte de Monte-Cristo / 2024 / Alexandre de La Patellière, Matthieu Delaporte) — Ainda tenho uma memória mais positiva da adaptação de 2002, que não vejo há décadas, mas, apesar de alguns toques "Missão: Impossível" questionáveis, esta nova versão é uma produção impressionante para os padrões franceses, e a base literária continua proporcionando uma narrativa envolvente.

Setembro 5 (September 5 / 2024 / Tim Fehlbaum) — Tem um certo clima de docudrama, já que o foco está todo nos acontecimentos históricos e nos desafios profissionais da equipe de jornalistas que cobriu o evento, sem muito espaço para inventividade cinematográfica ou desenvolvimento de personagens. Mas o que aconteceu nas Olimpíadas de Munique é tão dramático e urgente que o filme se sustenta como um bom thriller de jornalismo.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Cultura - Fevereiro 2025

25/2 - No meu texto recente Como Salvar o Cinema, apontei dois problemas centrais na indústria: os valores Anti-Idealistas na cultura (DEI, woke, etc.) e a mercantilização do cinema. À medida que a cultura woke entra em declínio, algumas franquias vêm se "descorrompendo" e tentando adotar um tom mais positivo e nostálgico pra agradar os fãs (e evitar prejuízos). Eu deveria estar aliviado com isso, mas ainda não estou — e o motivo é que o segundo problema ainda não deu qualquer sinal de declínio.

A venda dos direitos criativos da franquia 007 para a Amazon foi o lembrete mais recente de que o cinema popular de Hollywood é raramente resultado de impulsos criativos autênticos. E sem autenticidade, inteligência e qualidade, o "Idealismo" de um filme não tem grande efeito. Em comparação com The Acolyte, Skeleton Crew foi um grande avanço em termos de tom, mas continua sendo uma série enlatada, que não tive interesse em continuar vendo após o segundo episódio. Filmes como Twisters e Alien: Romulus também tentaram se reaproximar do tom dos originais, mas, criativamente e dramaticamente, não trouxeram nada realmente especial. Pelo trailer, prevejo que Jurassic World: Rebirth seguirá a mesma tendência do fan service sem personalidade.

No texto Mentalidade Clichê, escrevi:

"Em certas situações, acho preferível ver um filme com valores diferentes dos meus [outro 'Senso de Vida'], mas que seja autêntico, do que um filme totalmente clichê que supostamente reflete os meus valores ('supostamente', pois fica sempre uma desconfiança). Autenticidade parece ser uma qualidade básica, sem a qual todas as outras perdem força."

Ou seja, a cultura woke certamente está em declínio, mas enquanto produtores com intenções melhores não assumirem a liderança de Hollywood, não acho que veremos uma revitalização do cinema.

15/2 - Anora vem ganhando bastante tração na temporada de prêmios, e um dos motivos que o tornam um dos filmes mais Anti-Idealistas (e aclamados) da temporada é que ele subverte de propósito narrativas estilo Cinderela / Uma Linda Mulher — o conto da jovem pobre que conhece um homem rico e os dois vivem felizes para sempre. Se o sucesso do filme soa estranho pra você (ele não tem exatamente cara de Oscar), é porque Anora só faz sentido sob o prisma de uma negação — assim como Projeto Flórida (do mesmo diretor) só faz sentido como uma negação do Walt Disney World, que fica nas redondezas de onde a história se passa. O mérito do filme está em sua "habilidade" de ir contra todos os elementos esperados em um conto de fadas e mostrar como as coisas realmente seriam para as pessoas comuns.


7/2 - Escrita e Inteligência Artificial

Dei algumas diretrizes para o ChatGPT corrigir meus textos, focando em ortografia, gramática e pontuação, mas se atendo ao texto original, sem acrescentar ou remover ideias, implicações ou alterar o estilo. Ainda assim, algumas coisas acabam sofrendo alterações, até porque existem erros que se tornaram parte do meu estilo e que o corretor acaba removendo — compreensivelmente. Queria saber se isso incomoda vocês como leitores.

Minha postura no momento é ser contra a IA generativa para fins artísticos e criativos, mas não vejo um grande problema em usá-la para funções mais práticas e técnicas — coisas que pessoas criativas já tendem a delegar a revisores, assistentes, softwares, etc. O problema é que, como a ferramenta é capaz de tudo, até de escrever um texto inteiro por você, quem lê pode sempre ficar com a dúvida: até que ponto estou lendo algo autêntico, me conectando com o autor do texto, e até que ponto estou me conectando primeiramente com uma IA? Pra mim, a IA é o Auto-Tune do cérebro — e, assim como hoje não sabemos mais o quanto um cantor é realmente afinado no mercado musical, em breve não saberemos o quanto uma pessoa é inteligente, capaz de pensar sozinha, etc. Talvez a norma no futuro seja as pessoas fazerem declarações como esta, estabelecendo o papel que a IA tem no trabalho delas. Mas muito vai depender da confiança e do que a pessoa construiu antes da chegada da IA, no caso da geração que teve uma vida anterior.