Hoje no trabalho uma funcionária chegou da rua com os olhos cheios de lágrimas e veio logo explicando: ela tinha acabado de assistir
Gravidade. Fiquei surpreso, pois nem havia me passado pela cabeça a ideia de chorar nesse filme. Numa associação aparentemente casual - mas que depois vi que fazia sentido - lembrei do filme
O Impossível (com a Naomi Watts, sobre o tsunami). Na estréia de
O Impossível, quando vi as pessoas saindo aos prantos do cinema, tive uma sensação parecida com a que tive hoje. Claro que a reação da funcionária não foi padrão, pois a maioria das pessoas não chora em
Gravidade (acho eu) mas chora em
O Impossível. Mas achava que uma coisa estava ligada a outra de alguma forma, e que o caso merecia mais análise. Resolvi então assistir o filme uma segunda vez - e dessa vez percebi algo interessante que parece explicar por que, embora eu tenha gostado de
Gravidade em vários aspectos, não tive esse tipo de conexão emocional com a história:
- Quando a gente vai ao cinema, existem alguns valores abstratos que a gente busca, conscientemente ou não. Pra mim, existem 4 ou 5 principais que, na medida em que eles estão presentes ou ausentes, eu gosto ou não de um filme (pelo menos num nível emocional).
Gravidade tem alguns deles, mas...
- Um dos mais fundamentais desses valores, pra mim, tem a ver com autoestima: a experiência de admiração (e ao mesmo tempo de orgulho, pois num filme você se sente na pele do personagem) que você sente ao ver uma pessoa com certas características especiais.
- A personagem da Sandra Bullock, embora seja uma astronauta atraente sobrevivendo a situações
difíceis (ou seja, aparentemente uma mulher pra ser admirada), no fundo é caracterizada como vítima, uma "pobre coitada", o que, pra alguém como eu que está atrás de força e confiança, acaba gerando certo distanciamento. Tudo é uma questão de ênfase. Nenhum personagem convincente é 100% vulnerabilidade nem 100% força. A cena do extintor em
Gravidade, por exemplo, é um momento de inteligência, feito pra aplaudirmos Bullock (se é que aquilo é possível). Mas é preciso ler as entrelinhas - ver a intenção principal por trás do filme. E em
Gravidade, o desejo do cineasta não me pareceu ser o de mostrar Sandra Bullock, a sobrevivente (como faria um James Cameron, que aliás é amigo de Alfonso Cuarón), e sim Sandra Bullock, a sofredora abandonada, vítima de um mundo cruel (a história da filha que ela perdeu, os monólogos cheios de auto-piedade, o momento de quase suicídio, as lágrimas flutuantes, etc). Este é o elemento que, embora pareça sutil, me impediu de embarcar totalmente na história e me conectar emocionalmente com a personagem.
Não estou dizendo que, se você se comoveu com o filme, foi necessariamente por se enxergar na posição de vítima de Bullock. Mas, do meu lado, foi isso que me impediu de curtir o filme ainda mais. Não foi o fato do roteiro ser pura ação e não ter um conteúdo mais profundo (
Encurralado é pura ação e eu adoro), não foi o fato do filme ter certas imprecisões científicas (muitos dos meus filmes favoritos têm imprecisões científicas). Foi especificamente a falta de ênfase nas forças da protagonista (num tipo de história onde parecia quase impossível evitar isso) e a caracterização dela como sofredora (o que me leva de volta a
O Impossível, outro filme bem feito, mas que não me emocionou, pois é feito pra gente sentir pena dos personagens, chorar por vítimas numa realidade "injusta").
Ainda assim, acho que
Gravidade é um filme com vários méritos e que tem valor real como entretenimento. Este é apenas um elemento que me distanciou um pouco da história, e achei interessante expor aqui.