segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Como a Cultura Encomenda Seus Ídolos

Você já se perguntou por que não temos um Mozart hoje em dia? Um Leonardo Da Vinci? Ou mesmo um Michael Jackson? Ou por que no Brasil não temos cineastas como vemos nos EUA? Com 7 bilhões de pessoas no mundo (200 milhões só no Brasil), certamente não pode ser um problema de falta de cérebros, de "matéria prima". E na era da internet, nem de falta de acesso à informação. Se hoje em dia temos mais gente, em condições melhores, com muito mais informações e ferramentas disponíveis do que em qualquer outra época, seria de se esperar que a cultura estivesse produzindo coisas muito mais admiráveis do que as que eram produzidas há várias décadas ou séculos atrás. No entanto, não é o que vemos por aí (pelo menos na área da cultura - em ciência e tecnologia ainda vemos bastante progresso). Isso ocorre, na minha opinião, porque cada cultura colhe aquilo que planta - e recebe os ídolos que encomenda.

Não estou querendo invalidar o poder que cada indivíduo tem de se desenvolver independentemente da cultura ao seu redor, estou apenas apontando o papel que a cultura exerce nesse processo: é como a relação entre uma criança e a casa em que ela cresce. Imagine uma criança com uma inclinação para as artes, mas que cresça em uma casa de médicos, que achem cultura algo superficial. Ou uma criança com uma inclinação para as ciências, mas que seja bombardeada de noções religiosas desde que comece a pensar. Se elas forem independentes o bastante, elas ainda podem crescer e desenvolver seus dons naturais, apesar das influências externas. Ainda assim, me pergunto o quão mais longe elas não poderiam ir caso crescessem num ambiente propício, que incentivasse esses dons desde os primeiros anos.

A cultura (de um país, de uma época) é como essa "casa", ou esses "pais", que podem incentivar ou inibir certas qualidades em seus filhos.

O Michael Jackson é um exemplo claro de um ídolo "produzido" por sua cultura. Não só a casa em que ele cresceu (literalmente) era o ambiente perfeito pra um cantor/dançarino descobrir e desenvolver seus talentos (sem querer defender os abusos do pai), como a cultura americana daquela época era também o solo mais fértil pra alguém com tais qualidades surgir. Era uma época em que talento e virtuosismo ainda eram recompensados (esperava-se que artistas fossem completos, multi-talentosos), onde entretenimento popular e inocente era levado a sério, movimentavam uma indústria multi-milionária, era também um período em que mudanças sociais começavam a abrir portas para artistas negros. E assim, através das forças do mercado e de um processo de seleção natural, a cultura "colheu" nos anos 70/80 o ídolo que ela plantou.

Teria ele virado o Michael Jackson que conhecemos caso tivesse crescido numa cultura que, em vez de admirar virtuosismo e ambição, ressentisse essas coisas? Teria o pai Joseph Jackson ensaiado os filhos exaustivamente todos os dias pra se tornarem os melhores performers, se o público daquela época não desse muito crédito pra esse tipo de perfeccionismo? Teria ele criado um grupo como os Jackson 5 numa cultura em que alegria e inocência fossem consideradas coisas "bregas", e o respeitável e sexy fosse ser cínico, pessimista?

Claro que uma pessoa pode decidir ir contra todas as tendências culturais e se tornar excelente no que ela faz mesmo assim. Mas quase sempre, os astros de sua época não são essas flores solitárias que brotam no meio de um deserto, e sim o resultado de um longo processo de seleção natural, dentro de uma área onde existe um grande mercado e muitas pessoas de talento competindo pra se destacar (especialmente quando estamos falando de artes como cinema, música popular, que exigem grandes investimentos e a colaboração de inúmeros profissionais - é mais fácil pra um escritor ou pintor ir contra as tendências do momento do que pra alguém que quer produzir um filme de 200 milhões de dólares).

Você não terá esse grande mercado e essa seleção natural acontecendo em áreas ignoradas ou desprezadas pela cultura. Em virtudes consideradas "fora de moda". Você só vai ter isso no que for considerado "quente" no momento, no que for "cool", popular, no que inspirar na população um real senso de possibilidade, de reconhecimento, de sucesso prático e comercial.

No Brasil, nós nunca tivemos, por exemplo, um solo fértil para o surgimento de um Stanley Kubrick, ou um Martin Scorsese no cinema. Agora pense no futebol: quantas crianças estão nesse momento praticando, competindo, com ídolos como Pelé e Neymar em mente, e que daqui a alguns anos poderão estar entre os melhores jogadores do mundo?

Pense também no "mercado" de drag queens, e no quanto ele deve ter crescido nos últimos anos simplesmente pelo fato da cultura ter tornado isso cool de uma hora pra outra. Uma artista como Pabllo Vittar dificilmente surgiria fora de contexto, se a cultura não estivesse já preparada pra algo do gênero. Há 15 anos atrás, ela certamente não teria a mesma abertura pra aparecer na TV, tocar nas rádios, etc. E o importante não é nem a questão da abertura da mídia - o importante é entender que há 15 anos atrás, Pabllo Vittar provavelmente nem teria existido! Não haveria RuPaul's Drag Race na TV pra inspirar o jovem Pabllo, fazê-lo sonhar, mostrar que ele poderia ter uma carreira de sucesso como drag, e também não haveria um programa como Amor e Sexo na Globo, perfeito pra alavancar sua carreira.

Quando a cultura ao seu redor celebra aquilo que você tem a oferecer, isso te dá um incentivo único pra desenvolver suas habilidades. A possibilidade de sucesso se torna algo palpável, real. Você vê outras pessoas como você se destacando por aí, e isso te estimula, faz você querer praticar, se tornar melhor, além de te dar um referencial. Sua energia criativa está alinhada com a energia da cultura, e com isso o universo conspira ao seu favor.

Se aquilo que você tem a oferecer é desprezado pela cultura ao seu redor, se você só enxerga cinismo, desprezo e fracasso comercial pela frente, você dificilmente investirá o esforço necessário pra se tornar um mestre naquilo (e dificilmente os outros investirão em você também). Você pode tentar se adaptar, tentar fazer o que a cultura está exigindo, mas assim dificilmente será tão bom quanto seria se estivesse alinhado com suas sensibilidades e dons naturais.

Um caso de adaptação quase bem sucedida é por exemplo a do Justin Bieber, que começou como uma espécie de menino prodígio, inocente, que cantava bem, tocava uma série de instrumentos, até que seu primeiro grande hit "Baby" foi também o vídeo com o maior número de dislikes da história do YouTube, virou alvo de ridicularização, teve inúmeras paródias, etc. Nos anos seguintes, ciente de que ele era uma figura polarizadora, ele foi se adaptando, reformando sua imagem, até que finalmente conseguiu conquistar certo respeito do grande público - não exibindo suas qualidades originais, mas adotando uma atitude rebelde, se vestindo como um marginal, deixando de ser "perfeitinho", mudando totalmente sua identidade visual, e ficando mais em harmonia com o que é considerado cool hoje em dia.

Aquilo que define o espírito de uma época nada mais é do que o espírito que a cultura decidiu ser "legal" em determinado momento. Pense na música dos anos 70, na Era Disco. A realidade não era mais benevolente naquela época do que ela é hoje em dia. Ela era igualmente complexa — existiam graves problemas políticos, econômicos, pessoas deprimidas, etc. A diferença é que durante aquela época, o "cool" no entretenimento se tornou ser alegre, hedonista. E então todo mundo saiu na corrida pra expressar esse tipo de coisa (honestamente, ou por puro pragmatismo, só porque era o que estava vendendo). Isso criou um mercado, um processo de seleção natural, e a partir daí surgiram vários artistas e bandas excelentes tocando esse tipo de música. Teriam os Bee Gees feito coisas tão boas se tivessem surgido no mercado nos anos 2000? Provavelmente não. O talento pra escrever "How Deep Is Your Love" ainda estaria com eles. Mas a cultura estaria recompensando outro tipo de talento, incentivando outro tipo de atitude, e algo como a trilha de Saturday Night Fever provavelmente nunca teria surgido.

Da mesma forma, hoje está todo mundo na corrida pra celebrar a diversidade, pra ser "socialmente relevante", se posicionar politicamente - não só as pessoas que de fato têm algo a dizer sobre o assunto, mas também pessoas que jamais tocariam nessas questões, e só o estão fazendo pois isso está vendendo.

Pense no que seria de Steven Spielberg se ele tivesse começando sua carreira nos dias de hoje. O que ele faria com seu talento natural pra criar otimismo, celebrar o espírito da juventude - um dom que estava em demanda nos anos 80 mas não está mais atualmente? Ou pense no que seria de Christopher Nolan se ele tivesse começado sua carreira na época de Spielberg. O que ele faria com sua visão de mundo trágica e sua inclinação para o subjetivismo, narrativas não-lineares, numa época em que nada disso estava em alta?

Poucos são aqueles que têm uma visão pessoal inabalável e estão dispostos a lutar contra todas as forças externas para realizar essa visão. Olhe para os seus ídolos e se pergunte: quantos deles teriam ido em frente e desenvolvido os dons que desenvolveram, realizado as coisas que realizaram, tido as oportunidades que tiveram, mesmo que a cultura não estivesse "encomendando" algo do tipo naquele período?

Que o espírito de uma cultura tem esse poder de criar e nutrir seus talentos é algo bastante compreensível. A pergunta que fica no ar é: e o que faz o espírito de uma cultura mudar? O que faz certos valores serem celebrados numa época e rejeitados em outra?

Isso provavelmente é resultado de uma série de fatores, impossíveis de serem todos rastreados com precisão. Desde eventos globais - como uma guerra, o 11 de Setembro, que mudam a percepção das pessoas sobre o mundo ou sobre uma determinada cultura; revoluções na ciência, na tecnologia, que mudam os hábitos das pessoas, como o surgimento das redes sociais; acontecimentos políticos, econômicos... E até a influência de indivíduos especiais - desses que conseguem ir contra a cultura e apresentar um novo jeito de agir, de pensar.

Outro fator relevante é a dinâmica que existe entre uma geração e a geração seguinte. Quase sempre uma nova geração irá rejeitar os valores da geração anterior, e o motivo disso talvez seja o fato de que a maioria das pessoas se torna desiludida na vida adulta - e tende a culpar a cultura de sua infância por seus problemas e frustrações. Por exemplo: se você cresceu numa época onde a cultura celebrava ambição e individualismo, e se torna uma pessoa infeliz na vida adulta, provavelmente você irá educar seus filhos suprimindo esses valores. E seus filhos, quando se tornarem adultos e desiludidos, irão rejeitar os valores sob os quais você os criou, e buscar algo ainda diferente. Essa dinâmica impede que os valores dominantes de uma cultura permaneçam no topo por muito tempo - mesmo quando são valores positivos.

Então por que não temos um Mozart nos dias de hoje? Simplesmente porque a cultura não está pedindo por um. Um garoto com um potencial equivalente para a música clássica hoje em dia não terá um senso de que, se ele desenvolver seus dons ao máximo, ele poderá "bombar" por aí, ser apreciado, se sustentar com suas composições - não existem outros Mozarts famosos em atividade pra poder inspirá-lo, criarem um senso de competição, músicos fazendo o que ele quer fazer e se dando bem.

Por onde andam os gênios do cinema e da música hoje em dia? Estão todos por aí, tentando sem sucesso se adaptar à cultura atual, realizando coisas muito piores do que poderiam realizar, ou então cruzando com você nas ruas, indo pra trabalhos comuns, onde eles acham que serão melhores recompensados.

As sementes pra todo tipo de talento e habilidade existem em todos os momentos, em todas as épocas e regiões. Mas se a cultura não "regar" essas sementes, elas dificilmente terão estímulo pra crescer e atingir o máximo de seus potenciais.

Leia também: Esperando a Era de Ouro

domingo, 27 de agosto de 2017

A Torre Negra

NOTAS DA SESSÃO:

- O filme já começa com o pé esquerdo - não por causa de algum erro grotesco e fácil de identificar, mas por uma série de detalhes que somados vão dando a impressão de que há algo de errado com a produção.  O pôster, o título, nada dá a impressão de um filme tão fantasioso, mas logo na primeira sequência já somos expostos a um universo cheio de aliens, efeitos especiais escapistas, o que cria estranhamento e um certo anticlímax. O protagonista (Jake) é mal apresentado, não é carismático... Por um lado o ator parece um sósia do Justin Bieber mais novo (da época em que ele era certinho e exemplar e ninguém gostava dele), mas daí é pra gente acreditar que o personagem é do tipo desajustado, que sofre bullying na escola, que tem problemas em casa com os pais. A trama tem uma série de clichês de filmes de fantasia dos anos 80, mas em vez de assumir o clima retrô e ingênuo, o filme fica tentando parecer moderno, criar um clima sombrio, usa uma estética de série de TV atual, etc. Há um problema generalizado de tom.

- Muito rápida a maneira como Jake encontra a casa abandonada, abre o portal e vai parar no outro mundo. E as ideias são meio ruins. Como é que existe uma casa dessa no meio de Nova York, com acesso fácil pra qualquer um? E que história é essa da casa tentar engolir ele antes dele passar pelo portal? E  por que o cérebro de uma criança pode destruir a Torre Negra? São uns conceitos estranhos e mal explicados.

- O Idris Elba é sempre respeitável, mas a química entre ele e o garoto é péssima. Saudades de Edward Furlong e Schwarzenegger em Terminator 2.

- Mal explicado o vilão e a motivação dele. Se ele quer dominar o mundo, por que ele precisa destruir a Torre Negra e deixar esses monstros entrarem? Como são esses monstros, o que eles fazem? Com eles a solta, será mais fácil pro Matthew McConaughey dominar o mundo? Eles não irão destruir tudo? E com todo o universo em perigo, será mesmo que só haveria 1 único homem interessado em deter o vilão (e capaz disso)? E só por ser um bom pistoleiro? O universo todo do filme é mal elaborado. Uma hora parece que o filme é uma fantasia futurista meio Star Trek, outra hora já estamos num vilarejo de faroeste... Existem vários mundos paralelos? Um é futurista, o outro é de época, etc? É isso? E por que as pessoas falam inglês em todos?

- É uma cena ruim após a outra: quando o Jake acha que vê o pai, daí ele se transforma naquele monstro ridículo que é facilmente assustado pelo Idris Elba. Ou depois o vilão indo até a casa da mãe do Jake e fazendo joguinhos psicológicos com ela, como se fosse um criminoso comum, e não um ser de outra dimensão tentando destruir o mundo... O filme é uma bagunça: um personagem sem nenhum carisma que vai parar num mundo fantasioso mal elaborado e pouco atraente, e lá se envolve numa briga que não é dele.

- Roteiro mal estruturado. Não sabemos o que os mocinhos devem fazer pra encontrar e matar o vilão, em que estágio da jornada eles estão, que obstáculos precisam superar... Eles mal interagem com o vilão ao longo do filme, o que torna o conflito vago e impessoal.

- SPOILER: Um horror todo esse duelo final. A cena de ação mais elaborada nem é contra o vilão e não parece ter a menor necessidade de existir (o Idris Elba naquela igreja atirando em todo mundo igual Matrix). Não sabemos quais as regras desse mundo: Jake começa a revelar poderes que nem sabíamos que ele tinha (ele abre o portal com a mente, depois praticamente ressuscita o Idris Elba). Com poderes tão épicos em jogo, seria necessário um "pistoleiro" habilidoso pra matar o vilão? O clímax é muito mal construído: o Idris usa aquela tática absurda pra atirar no vilão, e em alguns segundos o Jake já é resgatado, todo o prédio explode, e o mundo está a salvo. Não dá nem tempo da gente entrar no clima de comemoração.

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CONCLUSÃO: Simplesmente errado.

The Dark Tower / EUA / 2017 / Nikolaj Arcel

FILMES PARECIDOS: Valerian e a Cidade dos Mil Planetas (2017) / O Destino de Júpiter (2015) / Dezesseis Luas (2013)

NOTA: 3.5

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Bingo - O Rei das Manhãs

NOTAS DA SESSÃO:

- Independentemente do filme ser bem feito ou não, ele já começa ganhando só por causa da premissa, por ter pego uma história tão curiosa pra contar, por se passar nesse ambiente fascinante que era a TV infantil brasileira dos anos 80/90. Só que além de ser uma das melhores ideias do cinema nacional dos últimos anos, é também o filme nacional mais bem realizado dos últimos anos. Tudo é um acerto, desde a performance fenomenal do Vladimir Brichta, até a trilha sonora 80's, a direção de arte, os efeitos gráficos fazendo referências a VHS, a fotografia, edição, etc. É uma produção nível Oscar certamente.

- Ótimo o começo. O filme engana o espectador dando a impressão que o Vladimir já é o Bingo e está prestes a entrar no ar, quando de repente descobrimos que é uma pornochanchada (o toque do filho estar presente torna tudo ainda mais cômico). O personagem é ótimo (ele improvisando falas na cena da novela pra ter mais tempo no ar, etc). Todas as peças do roteiro estão bem posicionadas: o personagem é gostável, tem um talento especial não reconhecido, está numa situação difícil, sabemos qual o desejo dele (é legal o diálogo com a mãe, quando ela diz que eles são como mariposas e precisam de "luz" = holofotes).

- Muito boa a cena da audição pro Bingo. A gente acredita na reação da equipe, pois vimos o Vladimir de fato fazer algo brilhante e inesperado em frente às câmeras. O filme mostra pra plateia por que o personagem é especial, por que ele se destaca dos outros e merece nossa atenção (não é como em O Palhaço, por exemplo, onde as crianças dão risada do Selton Mello no circo, mas nós no cinema não vemos graça nenhuma).

- Fantástica essa autoconfiança do personagem (ele querendo mudar o roteiro, discutindo com os produtores do programa, etc) - é como se ele estivesse num outro plano de consciência. Um cara como esse num ambiente tão quadrado e cheio de regras é uma situação divertida que automaticamente gera uma série de conflitos e cria interesse pela história (mais tarde quando ele usa drogas na igreja é mais um bom uso de contraste - de colocar o personagem num ambiente conservador pra enfatizar o comportamento libertino).

- As cenas dos primeiros programas ao vivo (quando ele começa a fugir do script) são muito boas. Só é meio desnecessário mostrar ele ir treinar humor com um palhaço de circo. O problema das crianças não estarem rindo não é o de ele não ser engraçado, e sim o fato do roteiro do programa ser ruim e ele não poder improvisar. Ele ir treinar com um palhaço profissional dá a impressão que ele ainda não estava seguro pra estrelar o programa, o que não é verdade.

- SPOILER: Vários momentos hilários durante os programas: o Bingo tocando "eu fui dar, mamãe" ao vivo, a ligação do menino que xinga ele pelo telefone, etc. E é legal que apesar do show dar certo, ainda sentimos que o filme está crescendo, que eles ainda não chegaram no auge, pois o programa ainda não tem a audiência ideal, eles precisam inovar, etc.

- SPOILER: Demais ele levar a Gretchen no programa. Ou depois se "vingando" da Xuxa. O filme é um sonho em termos de referências pop (toca "Tudo Pode Mudar" do Metrô!). É uma ideia divertida após a outra. E como é bom lembrar dessa época em que os programas infantis entendiam que crianças não são politicamente corretas.

- A dinâmica entre o Vladimir e a Leandra Leal é legal (ela dividida entre seu autocontrole e o encanto por ele). Na cena do restaurante, quando ela fala que sente prazer em dizer o nome de Jesus, ela realmente convence como uma mulher religiosa - se defende como um religioso inteligente realmente se defenderia, não parece uma personagem caricata.

- Não sou muito fã dessa estrutura típica de filmes biográficos, pois o terceiro ato costuma ser sempre sobre a decadência, e a história perde energia. Já vimos tudo o que tínhamos pra ver de bom, agora é só acompanhar o personagem se perdendo nas drogas, começando a fazer besteiras no trabalho, perdendo tudo o que conquistou, etc. O filme não chega a se tornar pessimista, mas é aquela atitude tediosa de mostrar os males do sucesso (o roteirista Luiz Bolognese também escreveu Elis que tinha o mesmo formato).

- O Vladimir tem aquela ideia de estrelar uma nova novela, mas depois o assunto é esquecido pelo roteiro.

- Muito boa a imagem da mãe do Vladimir indo embora derrotada pelo corredor da casa, enquanto do lado esquerdo da tela vemos a pintura dela nos tempos áureos. É o tipo de direção eficaz, que transmite ideias pra plateia de maneira objetiva.

- Os acontecimentos paralelos à trama principal (a morte da mãe, o drama do filho) não soam supérfluos como em muitos filmes biográficos, afinal estão todos conectados ao tema do filme, à questão do sucesso, do preço da fama (a mãe também era artista, etc).

- SPOILER: Quando ele é substituído por outro palhaço e é mandado embora, a cena é muito bem dirigida, econômica. Entendemos tudo visualmente, sem a necessidade de 1 palavra.

- Mesmo nesse ato final (que não é tão bom quanto o resto do filme), o filme tem algumas cenas interessantes. O filho bebendo whisky pra tentar se aproximar do pai... O soco que o Vladimir dá na TV é muito bem feito...

- SPOILER: Pelo menos o final não é uma derrota completa - ele decide voltar pros "palcos", há um pseudo final feliz... A ideia do tecido no fundo da igreja se parecer com o cabelo do Bingo é interessante, mas não foi usada da melhor forma. Se o personagem tivesse se transformado num cara totalmente diferente, tivessem se passado muitos anos, e aquele pano azul no fundo fosse um comentário sobre o passado, daí seria melhor. Como ele continua se vestindo de palhaço, continua usando esse cabelo, essa sacada visual não tem tanta força. Mas isso é um detalhe insignificante que não tira em nada o mérito da direção, que foi excelente do começo ao fim.

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CONCLUSÃO: Um dos melhores filmes nacionais que já vi.

Bingo - O Rei das Manhãs / Brasil / 2017 / Daniel Rezende

FILMES PARECIDOS: Elis (2016) / Cidade de Deus (2002)

NOTA: 8.5

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Um Contratempo


(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão - um método que adotei para passar minhas impressões de forma mais objetiva.)

ANOTAÇÕES:

- Bem produzido, locações bonitas. Um pouco clichê essa ideia do cara inocente acusado de matar a esposa, e aos poucos o filme ir revelando os detalhes em flashbacks, etc. Mas pelo menos é algo que sempre prende a atenção.

- A cena do acidente é envolvente, cria suspense (lembra um pouco A Negociação com o Richard Gere). Ver personagens mentindo e se enfiando em complicações cada vez maiores é sempre uma narrativa envolvente. Mas há vários detalhes forçados. Por que o carro deles não está amassado? Não chegou a bater em nada? Mas se não bateu em nada, por que ele não dá mais partida? A atitude da amante (Laura) também é muito forçada. Eles começam a agir como criminosos, colocam o cadáver no porta-malas, roubam o celular e a carteira da vítima, etc. Eles não foram responsáveis pelo acidente, foi só um cervo que atravessou a pista. Eles fazem tudo isso só pra ninguém descobrir que o cara estava no carro com a amante? A Laura não podia ir embora de táxi e deixar o Doria chamar a polícia e explicar o acidente sozinho?

- SPOILER: Forçado passar um cara especialista em consertar exatamente esse tipo de carro (numa estrada que não passa quase ninguém) e se oferecer pra guinchar o veículo. Pior ainda é a coincidência de ser justamente o pai do garoto que morreu no acidente. E depois a Laura estar com o celular do garoto, e o celular tocar enquanto ela está na casa dos pais dele. A intenção do filme de criar um suspense meio hitchcockiano é boa, mas o roteiro depende de muitas ideias forçadas pra funcionar.

- Forçado o pai da vítima sacar que a Laura estava mentindo que ela estava guiando o carro só por ela ter ajustado o banco do motorista, ou então conseguir reconhecer o isqueiro do Doria, etc. É como se eles tivessem matado o filho do Sherlock Holmes!

- O filme é uma série de flashbacks expositivos. Não está querendo levar o espectador numa narrativa prazerosa, criando cenas interessantes de se ver, revelando as surpresas de maneira compreensível, deixando o espectador digerir um dado de cada vez - está apenas querendo provar a própria engenhosidade, provar que o cineasta é mais esperto que a plateia. É uma espécie de racionalismo - o prazer do autor é criar um quebra-cabeça altamente complexo, ficar brincando com ideias e com as conexões entre essas ideias. Mas não está nem aí se os eventos têm coerência, se seriam prováveis, se a narrativa é compreensível pro espectador, etc.

- Outro problema é que não sabemos se o que vimos ao longo do filme é real, ou se eram flashbacks falsos. O próprio protagonista parece estar mentindo. O filme exige que a gente faça um enorme esforço mental pra tentar entender a trama, conectar todos os pontos, ao mesmo tempo em que sugere que pode ser tudo em vão, pois é uma mentira. A cada meia hora, temos uma nova versão da história que invalida o que sabíamos antes. Qual a motivação do espectador então pra prestar atenção nos detalhes? Ligar os pontos? O filme desrespeita a plateia. O diretor sabe que nenhum espectador pode reter tantas informações, considerar tantas variáveis ao mesmo tempo, e conta com esse fato pra funcionar. Ele sabe que em algum momento o espectador irá desistir de verificar todas as informações, e vai apenas se render à "genialidade" do autor (como se esse fosse o propósito de se ver um filme).

- SPOILER: A situação no apartamento entre Doria e a advogada começa a ficar cada vez mais sem sentido (ela tentando convencer o cara a incriminar a amante). Todo o final é uma tolice (a advogada tirando a máscara, etc). Depois que o filme abandona a realidade, nada mais parece "engenhoso" ou "surpreendente".

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Contratiempo / Espanha / 2016 / Oriol Paulo

FILMES PARECIDOS: A Garota no Trem (2016) / Garota Exemplar (2014) / A Negociação (2012) / A Origem (2010) / O Segredo dos Seus Olhos (2009) / Nove Rainhas (2000)

NOTA: 3.0

Mais dicas na minha lista:




segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Annabelle 2: A Criação do Mal

NOTAS DA SESSÃO:

- O grande diferencial de toda essa franquia Invocação do Mal é a qualidade da produção. Filmes de terror geralmente são produções de baixo orçamento, pouco sofisticadas, então é surpreendente ver algo do gênero com uma boa direção de arte, fotografia, som, figurino, movimentos de câmera interessantes.

- É um toque legal de direção a maneira como descobrimos que a Janice é deficiente, na saída do ônibus.

- A casa dos Mullins é uma locação bem interessante. A cadeira na escada pra deficientes, o elevador pra comida, a maquete da casa... Há vários elementos que tornam o lugar divertido e potencialmente assustador.

- Ainda assim a franquia continua assombrada por clichês: a vitrola sinistra que toca uma música supostamente alegre, portas que abrem e fecham sozinhas, o quarto proibido que ninguém deve entrar, etc.

- Forçada a cena em que a Janice entra no quarto da Bee pela primeira vez, acha a chave na maquete, e abre o armário onde está a Annabelle. Como ela adivinhou que a chave abriria aquela porta? Ela não sente medo? Nenhuma criança age assim.

- Outro problema é a falta de uma identidade clara pro "monstro" do filme. Não sabemos se é a boneca, ou se a boneca não é nenhum perigo e sim aquele demônio preto, ou se é o espírito da Bee, ou se é a mãe da Bee mascarada. Ora os monstros são visíveis pra todos, ora só algumas pessoas os veem / escutam, como se fosse uma alucinação. Diversos conceitos de coisas assustadoras surgem ao longo da história. Isso impede o filme de ter um vilão icônico como um Freddy Krueger, por exemplo.

- O comportamento artificial dos personagens torna a história toda irreal: as pessoas estão sempre entrando em lugares escuros sem motivo nenhum sabendo que há algo de maligno ali. Até parece que a Janice ficaria no quarto da Bee depois de ver o espírito da menina, os bonecos se mexendo sozinhos no teatrinho... Depois que ela já passou por isso tudo, o filme tenta criar um grande momento de terror na escada, na sequência da cadeira, mas tantas coisas aterrorizantes já aconteceram antes (que não assustaram a menina) que não faz sentido ela entrar em pânico só agora. Várias das crianças já viram fantasmas, mas todo mundo continua na casa fingindo que não há nada de estranho acontecendo, só pro filme poder seguir em frente pra próxima cena de medo. A cena em que a garotinha fica atirando a bolinha no corredor escuro e "pescando" a bolinha de volta é o exemplo mais óbvio da falta de sentido do comportamento dos personagens. É tudo tão artificial que tira todo o medo. Em vez de pessoas normais fazendo coisas plausíveis, ficamos apenas vendo o roteirista por trás das cenas, imaginando situações assustadoras aleatórias.

- Devem ter umas 10 pessoas na casa, mas sempre parece que os personagens estão sozinhos num lugar isolado, escuro, servindo de iscas fáceis pros espíritos. O ambiente do orfanato se torna falso.

- SPOILER: Ideia ruim a Janice ser possuída e virar vilã. Ela era a personagem mais forte do filme, daqui pra frente a história fica sem protagonista.

- Mal explicado por que os Mullins deixaram a boneca na casa esse tempo todo, em vez de destruí-la ou levá-la pra um lugar distante.

- Toda a sequência de ação final (quando todos tentam fugir da casa) é ridícula. Uma ideia burra após a outra. Sempre que conveniente um personagem entra sozinho num lugar escuro e fica preso junto com um monstro (a freira que fica presa com o espantalho, a garotinha quando fica presa no elevador, etc).

- Nada de surpreendente na conexão final com o primeiro Annabelle, o filme apenas segue a fórmula do gênero e faz algo que a plateia já viu diversas vezes.

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CONCLUSÃO: Bem realizado num nível técnico, mas prejudicado pela Mentalidade Clichê dos autores e pela falta de realismo no comportamento dos personagens.

Annabelle: Creation / EUA / 2017 / David F. Sandberg

FILMES PARECIDOS: Quando as Luzes se Apagam (2016) / Invocação do Mal 2 (2016) / Annabelle (2014)

NOTA: 5.0

sábado, 19 de agosto de 2017

Corpo Elétrico

NOTAS DA SESSÃO:

- Todo o começo é tedioso e já estabelece o tom Naturalista extremo do filme: a conversa casual na cama após o sexo, as cenas de rotina no trabalho, o funcionário imigrante aprendendo a mexer nas máquinas da confecção, etc.

- Como sempre nesse tipo de filme, o filme tenta compensar a ausência de história e de drama mostrando algum ator bonito pelado e enfiando algumas cenas chocantes de sexo no meio pra plateia não levantar e ir embora.

- Não há história... O propósito é apenas aquilo que falei na postagem A intenção de um filme - conscientizar a plateia a respeito de alguma questão social, alguma sub-cultura específica. Nesse caso, os gays de classe média baixa que vivem em São Paulo. Como o filme tem essa "função social", é como se magicamente o cineasta não precisasse ter talento, se importar pelo espectador, mostrar coisas interessantes, etc.

- Tudo soa amador, não-artístico, improvisado. Não há sensibilidade na direção, não há personagens bem desenvolvidos, performances convincentes, não há nenhuma análise psicológica ou cultural interessante. É um retrato cru da realidade - qualquer pessoa com um celular e um grupo de amigos seria capaz de fazer algo no mesmo nível artístico - sem planejamento ou experiência com cinema. É o equivalente a tirar uma foto de um mendigo na rua sem nenhuma técnica especial, e dizer que sua obra faz um "estudo" importante da sociedade.

- As poucas cenas em que o filme foge do puro realismo cotidiano e tenta fazer algo mais dramático - quando surge um conflito mais intenso entre os personagens, por exemplo, são as cenas mais artificiais, onde os atores parecem mal ensaiados e o amadorismo da produção fica mais evidente.

- "Corpo Elétrico" dá a ideia de que o filme vai ser sobre um personagem bem mais radical e intenso do que esse. O Elias faz sexo algumas vezes no filme, mas está longe de ser um ninfomaníaco, alguém fora do padrão, que faz coisas chocantes. É um garoto totalmente normal nesse contexto.

- Pra que insistir em uma tensão erótica entre o Elias e o imigrante africano, sendo que depois isso será esquecido pelo filme?

- Quando Elias entra em crise e vai parar bêbado na casa do ex-namorado, podemos ver o quão superficial é o filme em termos de estudo de personagens. Não temos a menor ideia de onde veio esse colapso emocional. Não sabemos nada sobre o mundo interno de Elias. Mostrar o ator pelado não é o mesmo que fazer um "estudo" íntimo. Ele é retratado apenas um membro do grupo. O que importa pro filme é mostrar os hábitos de determinada "tribo", de forma distanciada, como um documentário da National Geographic.

- A sequência final na casa de praia é outro tédio. Parece um vídeo caseiro gravado em uma viagem de Réveillon. Mas não em uma viagem com amigos interessantes, dizendo coisas inteligentes. E sim registros de conversas banais, dessas que ouvimos todos os dias.

- A imagem final é o velho clichê de acabar o filme de maneira "chocante", no meio de uma cena onde nada está acontecendo, sem nenhum senso de conclusão, só pra mostrar como o cineasta despreza o conceito de narrativa e não se importa pela plateia.

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Corpo Elétrico / Brasil / 2017 / Marcelo Caetano

FILMES PARECIDOS: Mãe Só Há Uma (2016) / Que Horas Ela Volta? (2015) / Boi Neon (2015) / Sangue Azul (2014) / Praia do Futuro (2014)

NOTA: 1.5

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Grave

NOTAS DA SESSÃO:

- Por que diabos o título Raw virou "Grave" no Brasil?

- O começo com o acidente de carro é intrigante. Não entendemos nada mas pelo menos é algo que puxa a gente pra dentro da história.

- A direção tem muita personalidade; é eficaz e não tem medo de fugir do convencional, provocar o espectador, etc.

- O ambiente da universidade é tão odioso que ficamos com raiva da protagonista por ela não se revoltar, não tomar uma atitude... Às vezes ela até se diverte com o comportamento abusivo dos alunos mais velhos (ri quando dão um banho de sangue nela no trote, etc). É muito passiva, sem personalidade.

- Chocantes as cenas com animais na faculdade de veterinária (eles enfiando o tubo na garganta da égua, etc).

- Os valores da menina são meio suspeitos: ela fica perturbada por ser forçada a comer carne, como se isso fosse o pior abuso do mundo, mas destruírem o quarto dela tudo bem, humilharem ela em público tudo bem.

- Aflitivas as feridas que começam a surgir no corpo dela, ela se coçando, arrancando a pele das bolhas, etc. Mas qual a crítica que esse filme está fazendo? Que carne faz mal pro ser humano? Ou que não devemos ser vegetarianos, se não um dia podemos radicalizar pro outro lado? Até agora ele não está dizendo nada de útil. Apenas tocando em temas controversos de forma vaga, pra posar de intelectual, sem ter nada de fato a dizer.

- Nojento ela puxando cabelo da garganta, os efeitos sonoros pra tornar a cena ainda mais horrível. Ou a cena da menina enfiando o braço no ânus da vaca, ou depois eles cortando os cachorros mortos. A diretora parece achar uma virtude perturbar a plateia (algo que falei recentemente na postagem A intenção de um filme). E nem sempre é um tipo de choque brincalhão, exagerado, feito pra divertir como num filme de terror ou numa comédia - muitas vezes são imagens cruas, mostradas de maneira fria, casual, pra incomodar a plateia, "esfregar realidade" na cara do espectador, etc.

- SPOILER: O filme é basicamente uma série de imagens grotescas: o cachorro lambendo a vagina da menina, depois um close na virilha sendo depilada, depois o dedo da irmã sendo decepado e a protagonista comendo, etc, etc. É uma tolice toda essa "crítica" ao ato de comer carne, parece que a cineasta tem 15 anos de idade - está ansiosa pra discutir temas adultos, parecer sofisticada, mas sem saber como.

- SPOILER: Mal explicada a história dos acidentes de carro na estrada. Quer dizer que a irmã faz isso direto pra poder comer as vítimas? E a tática sempre funciona? Ninguém descobre? Meio forçado.

- Apesar da atitude tola, pelo menos não dá pra dizer que o filme é chato. Tem sempre algo de surpreendente e original acontecendo, há alguns toques de humor, o ritmo é muito bom, a história prende a atenção desde a primeira imagem (o pilar da Excitação certamente é respeitado).

- Mais pro meio começa toda essa obsessão da protagonista por sexo... Já não sabemos mais se o filme quer dizer algo sobre o ato de comer carne, sobre sexo, se sexo também é errado por ser "carnal". É só pra deixar a discussão ainda mais ambígua (crítico adora essas coisas vagas que podem ser interpretadas de qualquer forma). Pelo menos há certa consistência nas coisas que o filme mostra - sangue, animais, sexo, dor física, tudo acaba estando ligado ao tema da carne.

- Um dos problemas é que toda a situação é muito irreal e desconectada de ideias. O espectador não tira nada de útil da história. Não há nenhuma observação psicológica interessante, o filme não diz nada sobre o comportamento humano, sobre a relação entre irmãs, etc. É apenas uma situação fantasiosa criada pra chocar o público e talvez fazer refletir sobre o vegetarianismo.

- A cena da mesa com o pai é um final impactante, embora continue meio vago o propósito do filme.

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CONCLUSÃO: A cineasta é habilidosa, sabe criar um show, há bastante "shock value", mas a discussão é meio boba - o filme está mais preocupado em chocar do que em ser claro sobre o que está falando.

Raw / França, Bélgica, Itália / 2016 / Julia Ducournau

FILMES PARECIDOS: Corra! (2017) / Boa Noite, Mamãe (2014) / Anticristo (2009)

NOTA: 4.0

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

A intenção de um filme

(Capítulo 5 do livro Idealismo: Os Princípios Esquecidos do Cinema Americano)

Não sei vocês, mas geralmente eu consigo prever se irei gostar ou não de um filme logo nos primeiros minutos de projeção, ou até mesmo antes, através da sinopse, do cartaz do filme, do trailer, ou talvez por já conhecer o diretor. Claro que o filme pode nos surpreender no meio do caminho, e o que conta no fim são as qualidades que o filme de fato apresenta. Ainda assim, há alguma coisa que nós podemos captar antes mesmo de embarcarmos na história, e que define nossa atitude inicial em relação ao filme: se iremos assistir a ele de boa vontade, com uma atitude cética, ou de má vontade.

O que nós captamos nesse primeiro momento é a intenção básica do filme (ou, para ser mais preciso, a intenção básica do autor). Independentemente do tema e do gênero do filme, um artista pode abordar sua obra a partir de diversas atitudes. Não é porque uma história é trágica que a intenção do artista é necessariamente negativa, e não é porque o filme é uma comédia que a intenção do artista é necessariamente positiva. Tudo depende da maneira como a história é apresentada. No cinema, geralmente é o diretor quem irá definir isso: um mesmo roteiro filmado por dois diretores diferentes no fim das contas irá carregar a intenção de cada diretor, e não necessariamente a do roteiro.

A intenção mais positiva que um artista pode ter no contexto do Idealismo é a de entreter/dar prazer/valor/promover felicidade/criar uma experiência positiva para o espectador, ao mesmo tempo que transmite sua visão e demonstra suas virtudes através da obra.

Isso estabelece uma relação de harmonia e de mútuo benefício entre artista e espectador, pois implica que o artista não realizou o trabalho por motivos inautênticos, apenas para agradar à plateia e ganhar dinheiro, e sim pela vontade de expressar sua visão, exercitar seus talentos, e pelo desejo de proporcionar algo que ele gostaria de vivenciar enquanto espectador. E a plateia, por sua vez, não precisa se sacrificar pelo bem do autor, passando horas de tédio numa poltrona em respeito à “arte”. Ela vai ver o filme pelo seu próprio prazer, pelo seu interesse genuíno na história, e, claro, parte do seu prazer vem também de um senso de admiração pelo autor e por sua realização, de forma que o prazer de cada lado reforça e alimenta o prazer do outro.

Abaixo vou listar algumas das intenções mais comuns dos filmes, separando as intenções positivas das negativas.

A melhor das intenções é a que já expliquei acima, então não preciso repeti-la. Mas outra intenção positiva é aquela dos Idealistas críticos, que mostram situações negativas, personagens corruptos, mas não para celebrá-los, e sim com a intenção de criticar, condenar aquilo, mostrando ao espectador como as coisas não deveriam ser, o que ele não deveria fazer na vida, mas ainda com a intenção de proporcionar uma experiência positiva, demonstrar talentos, beleza estética etc.

Agora vou relacionar as intenções negativas que mais costumo ver por aí (ou pelo menos as intenções insuficientes, incompletas, caso apareçam desconectadas das intenções acima):

— Apenas distrair/entreter o público (geralmente em busca de bilheteria e fama), seguindo fórmulas e tendências de filmes comerciais de sucesso (sem que isso seja uma expressão autêntica do autor, nem que haja a intenção de se criar uma obra de arte de qualidade, duradoura), apelando para técnicas superficiais e se aproveitando da ingenuidade e da baixa exigência do espectador comum.

— Apenas exibir as virtudes do autor — virtudes que não se relacionam com o prazer do espectador. É o tipo de obra que requer que o espectador abra mão de seus interesses, veja algo que não lhe agrada de fato, apenas em respeito ao artista, à “cultura”.

— Educar, informar ou conscientizar o espectador a respeito de eventos históricos, alguma questão social ou problema contemporâneo.

— Tentar provar um argumento político, expressar a opinião política pessoal do autor, converter o espectador a alguma ideologia.

— Demonizar algum indivíduo ou grupo social que o autor despreza; criar caricaturas ou uma narrativa persuasiva para convencer os espectadores do quão detestáveis são certas pessoas, reafirmar um ódio que eles já sentem.

— Amenizar a dor ou a baixa autoestima do espectador, expondo as falhas por trás dos heróis, fazendo de pessoas de sucesso vilões, vitimizando personagens infelizes ou problemáticos.

— Expressar os medos e sentimentos negativos do autor, que deseja convencer o espectador de que a vida é trágica, que o universo é hostil, que o ser humano é medíocre, corrupto, que virtudes são uma ilusão etc.

— Incomodar, perturbar, deprimir ou entediar o espectador, forçá-lo a viver experiências desagradáveis, a encarar o lado negativo da existência, para provar a “coragem” e “maturidade” do autor de lidar bravamente com tais temas.

— Desconstruir o conceito de arte. Mostrar que o autor não se importa com a satisfação da plateia, que não obedece a qualquer regra, não tem interesse em demonstrar qualidades objetivas, não pretende jogar o “jogo” dos artistas consagrados.

— Atacar o Idealismo e destruir seus valores.

Algumas dessas atitudes são absolutamente más e nunca são apropriadas (como a última), mas algumas são aceitáveis, desde que apareçam dentro do contexto das atitudes positivas que listei no começo. Tudo bem, por exemplo, um filme educar/informar o espectador sobre algum tema, ou mesmo expressar opiniões pessimistas, desde que o faça demonstrando talento, racionalidade, inspirando e proporcionando prazer ao público, e não como um fim em si mesmo.

INSPIRAÇÃO VS. CONFORTO

Assim como os dois tipos de espectadores que discuti no capítulo “O Que É Idealismo?”, existem os dois tipos correspondentes de filmes: filmes que buscam inspirar o espectador vs. filmes que buscam confortá-lo. Enquanto o primeiro tipo é motivado pelo desejo de tornar a vida mais rica, interessante e prazerosa, o segundo é produzido para torná-la menos dolorosa. Enquanto um tipo pressupõe que o espectador está num estado positivo de consciência, querendo desfrutar a vida, o outro pressupõe que o espectador está num estado de fragilidade, inadequação, negação, tristeza, buscando algum tipo de consolo, escape ou racionalização. Enquanto um é como um banquete oferecido aos fortes, o outro é como um remédio ou analgésico oferecido aos fracos.

Não há nada de errado em tentar atenuar um estado emocional negativo, quando junto disso existir a intenção de inspirar virtudes, felicidade, construir algo positivo. Mas se a principal intenção do filme é apenas aliviar um sentimento negativo, ele será incompleto — quando não nocivo. Incompleto, pois, se a felicidade é o nosso objetivo, apenas atenuar o sofrimento não é o suficiente. E para o espectador que não sofrer daquela frustração em particular, o filme não terá impacto emocional algum (um remédio não tem efeito em quem não está doente). Além disso, o filme pode ser nocivo quando o que se busca aliviar não é apenas uma fragilidade humana comum e aceitável, mas frustrações resultantes de comportamentos autodestrutivos — dores que o espectador deveria continuar sentindo se ele quisesse de fato sair desta situação.

Claro, não basta um filme ter uma intenção positiva para ele ser bom. O artista pode ser bem-intencionado, mas simplesmente não ter habilidade o bastante, ou cometer erros no caminho. Mas os melhores filmes sempre serão resultado de uma intenção positiva bem executada. No outro extremo, um filme com uma atitude totalmente negativa, mesmo que seja muito bem-feito, não poderá proporcionar uma boa experiência. Pelo contrário: quanto mais bem-feito for um filme com uma intenção negativa (quanto mais impactante, persuasivo, eficaz, comunicativo, ambicioso), pior será a experiência para o espectador (pelo menos para o espectador Idealista) e mais danos ele causará, pois toda essa habilidade estará sendo usada contra ele. É por isso que, abaixo de certo ponto, não é possível dar crédito a um filme mal-intencionado mesmo que ele tenha certas qualidades estéticas. Dizer que um filme tem uma intenção absolutamente maligna, mas dar-lhe alguns pontos por ele ser bem fotografado, ter uma direção competente, seria tão absurdo quanto dar alguns pontos aos nazistas pelo belo design dos uniformes, pela eficácia das câmaras de gás etc.

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Malasartes e o Duelo com a Morte

NOTAS DA SESSÃO:

- São sempre um pouco frustrantes esses filmes brasileiros que tentam imitar superproduções hollywoodianas. Sempre deixam a desejar em termos técnicos: os efeitos especiais nunca são tão bons quanto os americanos, as locações nunca são tão espetaculares, a direção de arte nunca é tão rica, etc. Ainda assim é uma tentativa nobre de se fazer cinema de entretenimento no Brasil (que não sejam comédias trash da Globo, etc). Pros padrões nacionais o filme se destaca.

- O elenco é ótimo. Jesuíta Barbosa está excelente, Ísis Valverde e Milhem Cortaz funcionam muito bem. Não sou muito fã do Malasartes por ser um personagem caricato, difícil de se identificar, e também pela atitude cínica do filme de celebrar a malandragem brasileira, achar divertido o personagem trapacear, enganar a namorada, etc. Mas a performance de Jesuíta consegue tornar o personagem razoavelmente gostável.

- A história é bem contada, embora o determinismo estrague um pouco do envolvimento ao longo do filme: Malasartes e todos os personagens são apenas marionetes do destino - estão sendo controlados por deuses numa outra dimensão, dependendo de milagres, coincidências, e não das próprias escolhas e ações.

- O lado fantasia do filme é um pouco arbitrário e desconectado da realidade... Toda essa ideia das velas amarradas em fios que sobem e descem e ajudam no transporte das pessoas, a ideia de amarrar as 2 velas e isso provocar alteração nas personalidades dos humanos, etc. É o tipo de "excesso de fantasia" que costuma me incomodar por não dizer nada a respeito de valores humanos, questões que vivemos no dia a dia, etc. É apenas um joguinho de ideias. E além disso as regras são mal estabelecidas... Não sabemos o que pode ou não pode acontecer no mundo de lá... A Morte pode matar algum personagem, mas depois a Vera Holtz pode ir lá e trazer a pessoa de volta sem muita explicação... Tudo pode acontecer, então ficamos apenas assistindo o destino dos personagens serem decididos por forças do além.

- Embora não dê pra torcer muito pelo romance (Malasartes não parece de fato apaixonado pela garota e nunca será um bom marido) no final o filme fica mais envolvente, pois queremos saber se ele e Áurea ficarão juntos (e vivos), como será resolvido o conflito com o irmão, como enganarão a Morte depois que os poderes acabarem, etc.

- SPOILER: Como as regras tinham sido mal estabelecidas, acaba não sendo tão satisfatória a maneira como Malasartes derrota a Morte. Como tudo pode acontecer, não chega a ser uma grande surpresa o que ele faz com as velas.

- SPOILER: No fim Malasartes se redime um pouco ao assumir a relação com a Áurea - e como ele consegue mudar o próprio destino, a ideia de determinismo que o filme estava transmitindo fica mais leve. Ainda assim, não dá pra dizer que é um filme com valores muito positivos. A mensagem aqui é a de que a vida é uma grande fuga da morte, e que pra termos sucesso temos que ser malandros.

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CONCLUSÃO: Honesto, bem realizado, mas ainda não é o filme que achou a linguagem do "blockbuster nacional".

Malasartes e o Duelo com a Morte / Brasil / 2017 / Paulo Morelli

FILMES PARECIDOS: O Homem do Futuro (2011) / Romance (2008) / O Auto da Compadecida (2000)

NOTA: 6.0

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

O Estranho que Nós Amamos


(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- Visualmente o filme é lindo (fotografia, locações, figurinos, etc). Parece uma pintura de época. A luz natural lembra a estética de Barry Lyndon.

- O elenco é muito bom (apesar do roteiro não ter grandes momentos para os atores). Kirsten Dunst continua acertando desde que assumiu essa identidade mais madura como atriz.

- Boa a maneira como o filme vai revelando as mudanças de comportamento nas mulheres com a chegada do Colin Farrell: o banho que a Nicole Kidman dá nele na cama, a Kirsten Dunst passando a usar roupas mais atraentes, etc. É tudo mostrado através de ações.

- Apesar de ser um filme de emoções contidas e não muita coisa acontecer no começo (falta um pouco de intensidade), é uma história interessante, que envolve a plateia por falar de vaidade, comportamento humano, coisas com que todos podem se relacionar. Emocionalmente é um dos filmes mais honestos da Sofia Coppola - que raramente sai da pose de "cineasta cult" pra se comunicar de maneira mais direta com a plateia.

- Há certo suspense pois não sabemos direito o que pode acontecer. Colin Farrell parece interessado na Kirsten Dunst, mas a Elle Fanning é mais atraente e está mais determinada a conquistá-lo, e ao mesmo tempo a dureza artificial da Nicole Kidman dá a impressão de que a qualquer momento algo pode acontecer entre os dois.

- Gosto do humor sutil por trás da história (a maneira como o filme expõe o comportamento ridículo das mulheres). É quase como uma versão séria do Castelo Anthrax de Monty Python em Busca do Cálice Sagrado.

- Seria mais interessante se a situação fosse mais contrastada. Se o Colin Farrell fosse um cara totalmente decente, e as mulheres fossem se mostrando extremamente desequilibradas (uma coisa meio Louca Obsessão). Mas no fim elas não têm atitudes tão insanas... Parecem mulheres normais... E ele por outro lado é manipulador, fica seduzindo todas, etc. Então não fica muito clara a mensagem da história, que crítica ele está fazendo a que, o que a situação simboliza, etc.

- SPOILER: Chocante o acidente na escada e as consequências pro Colin Farrell. Finalmente algo mais dramático acontece no filme. Mas depois disso a situação começa a ficar um pouco falsa. As mulheres não brigam entre si como deveriam. O Colin Farrell começa a ficar com um comportamento descontrolado que não combina com o personagem de antes. E não temos a impressão que a Nicole Kidman amputaria a perna dele por vingança, então a revolta dele parece forçada, uma reação sem fundamento.

- SPOILER: Algumas cenas mais pro final parecem falsas, como a que a menina vai até o portão amarrar o pano azul e o Colin Farrell consegue correr atrás dela de muleta, etc. Ou ele fazer sexo com a Kirsten Dunst num momento onde não há o menor clima pra isso.

- SPOILER: Divertida a ideia de matá-lo com os cogumelos (o filme começa com cogumelos, então terminar com cogumelos dá um senso de ordem interessante pra narrativa). Mas ainda acho que foi um pouco mal construída essa transformação dos personagens. Eles não pareciam tão desequilibrados a ponto de levarem a situação a esse extremo (especialmente a Nicole Kidman).

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CONCLUSÃO: Alguns problemas no desenvolvimento dos personagens, mas em geral um drama interessante, com bons atores e bonito esteticamente.

The Beguiled / EUA / 2017 / Sofia Coppola

FILMES PARECIDOS: Dúvida (2008) / Desejo e Reparação (2007)

NOTA: 7.0

domingo, 13 de agosto de 2017

Valerian e a Cidade dos Mil Planetas

Me lembrou o que falei de Percy Jackson e o Mar de Monstros pois o filme também parece uma longa exposição de ideias fracas. Sem dúvida muita imaginação foi gasta na concepção do universo desse filme (as criaturas, tecnologias, figurinos, naves, armas, planetas, etc) mas por alguém sem tanto talento e que não tinha nenhum tipo de filtro criativo: qualquer ideia estava valendo, desde que não tivesse nenhuma relação com a nossa realidade e com a ciência. Daí em vez de uma fantasia com conceitos inovadores, inteligentes, designs atraentes (como uma arma que é um sabre de luz, ou um alien que tem ácido como sangue, ou uma floresta que se torna fluorescente à noite) você tem um filme cheio de ideias tolas e confusas, designs feios, como uma água viva gigante que quando enfiada na cabeça te permite ter visões paranormais... ou uma caixa que você coloca o braço e aparentemente seu braço vai parar numa outra dimensão, porém o resto do corpo não, ou talvez sim... ou um porquinho que engole uma pérola e defeca centenas em seguida... É como se o autor pensasse: "Star Wars é tão legal, tem um universo tão bem elaborado, tantas criaturas diferentes - e é por isso que o filme é bom; portanto se eu conseguir inventar um número equivalente de coisas malucas pra compor o universo de Valerian, ele será tão bom quanto Star Wars" (ignorando as técnicas milenares de narrativa respeitadas por George Lucas, que no fim é o que faz o filme funcionar).

Mais uma vez, a história aqui é a principal falha do filme. Personagens mal desenvolvidos, sem química, sem motivações pessoais ("filme de serviço") apenas cumprindo seus deveres numa missão chata que só depois de 2 horas vamos entender do que se trata. E pra piorar, no fim o filme vem com o clichê da mensagem ecológica, "salvem os índios", dizendo que a natureza está em perigo, que o homem civilizado é mau e ganancioso e destruirá as culturas mais fracas em nome do progresso, da economia (mas no fundo ele é apenas sádico), que devemos ter "mais amor", etc.

Mas não é só a história que é ruim. A execução também não é das melhores. Desde o tom errado, o humor fraco, até o mau gosto na direção de arte, as cenas de ação, o casting infeliz, a trilha sonora genérica, os diálogos, o título do filme - o que só aumenta a minha impressão de que europeu não serve pra fazer esse tipo de entretenimento (além de dirigido por Luc Besson, o filme foi baseado numa série de quadrinhos francesa).

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Valerian and the City of a Thousand Planets / França / 2017 / Luc Besson

FILMES PARECIDOS: Guardiões da Galáxia Vol. 2 (2017) / O Destino de Júpiter (2015) / Percy Jackson e o Mar de Monstros (2013) / Ender's Game: O Jogo do Exterminador (2013) / O Quinto Elemento (1997)


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NOTA: 3.0

sábado, 5 de agosto de 2017

O Filme da Minha Vida

Novo filme dirigido por Selton Mello, baseado num livro do autor chileno Antonio Skármeta (o mesmo de O Carteiro e o Poeta) sobre a vida de um garoto numa cidade do interior (nos anos 60?!), que sente falta de seu pai francês (que abandonou a família sem muita explicação) e vive uma série de situações típicas da juventude em sua cidade natal (a primeira vez num bordel, a primeira namorada, etc).

Assistir ao filme é mais ou menos como a experiência tediosa de ficar ao lado de um estranho enquanto ele te mostra álbuns de família, narra histórias de sua juventude num tom envaidecido, na expectativa de que você ache a vida dele tão fascinante quanto ele mesmo acha. Apesar da bela fotografia de Walter Carvalho, da direção de arte caprichada, das referências a clássicos do cinema (que dão a impressão de que o filme pretendia se distanciar da estética padrão do cinema nacional em direção a algo mais hollywoodiano) o filme no fim das contas é nacional até a raiz, pois em sua essência não ousa abandonar as premissas básicas do Naturalismo.

Não é nem uma boa história que se sustente sozinha (o protagonista é genérico demais, sem características interessantes, sem grandes objetivos, conflitos, o texto é raso), e a execução do filme também não é das mais bem sucedidas. Apesar do visual bonito, os diálogos muitas vezes soam forçados, os alívios cômicos não funcionam, o estilo da direção muitas vezes atropela o conteúdo só pra deixar o filme com um tom mais "cool", etc.

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O Filme da Minha Vida / Brasil / 2017 / Selton Mello

FILMES PARECIDOS: O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias (2006) / Cinema, Aspirinas e Urubus (2005)

NOTA: 4.0

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Planeta dos Macacos: A Guerra

NOTAS DA SESSÃO:

- Assim como na parte 2, os efeitos especiais estão entre os melhores já vistos no cinema. Visualmente o filme todo é muito bem cuidado - as locações, a direção de arte, a fotografia, etc. A trilha sonora também é ótima - tem temas musicais identificáveis, bem desenvolvidos, etc.

- Continuo não achando o Caesar um protagonista muito gostável, porém aqui ele parece mais "do bem", menos ambíguo moralmente do que nos outros filmes. Ele quer paz com os humanos, só quer ser deixado livre na floresta, e são os humanos (em particular o Woody Harrelson) que forçam ele a entrar em guerra. O filme parece mais sobre uma vingança pessoal, e não um conflito político do tipo "nós vs. eles". Além disso, vemos um lado mais sensível de Caesar nesse filme (por ele perder alguns membros da família) que ajuda a criar mais empatia pelo personagem.

- É ótima a presença da garotinha loira entre os macacos, reforçando a ideia de que eles não são "racistas". Há uns momentos bonitos entre ela e os macacos que dão um clima mais benevolente pra essa história, que parece menos focada em ódio e conflito que os outros filmes.

- Não dá pra entender direito por que o Woody Harrelson não mata o Caesar quando ele é capturado (sendo que antes ele tinha se deslocado até o acampamento dos macacos apenas pra matar o Caesar). Tinha que ter uma motivação melhor pra ele correr o risco de mantê-lo vivo.

- Engraçada a crítica que o filme faz ao Trump, ao muro, ao medo de estrangeiros, ao patriotismo distorcido da extrema direita, etc (se não foi intencional, é uma coincidência bem curiosa). Embora não fique claro pra que o Woody Harrelson precisa construir esse muro (o muro do Trump também não faz muito sentido, mas não é por isso que o roteirista precisa deixar a história mal explicada).

- Há uma conversa interessantíssima entre o Caesar e o Woody Harrelson mais pro final. Em vez de um vilão caricato, com motivações totalmente insanas, o filme consegue mostrar de maneira bem convincente os 2 lados do conflito. Os macacos estão simplesmente lutando em auto-defesa... Mas os humanos também têm uma motivação válida pra atacar os macacos, pois eles têm um vírus que pode (ou não) acabar com toda a raça humana. E esse é o "x" da questão. Se fosse certeza que a medicina não poderia resolver o problema do vírus, daí o Woody Harrelson teria toda a razão em querer exterminar os macacos. Ele deixaria de ser um vilão na história, e os 2 lados seriam moralmente equivalentes. Como essa questão do vírus não é muito bem esclarecida, a gente dá um crédito pros macacos e continua achando que o Woody Harrelson é o vilão (até por seu comportamento detestável). Mas já não é um conflito tão simples de bem vs. mal.

- Legal que a garotinha loira leva água e comida pro Caesar quando ele está preso. Ela não é um elemento irrelevante pra trama. Isso mostra uma preocupação do roteiro em integrar bem os elementos da história, não ter peças sobressalentes, etc.

- SPOILER: A fuga dos macacos não é das mais memoráveis ou inteligentes. O fato de já ter um túnel cavado embaixo da prisão torna tudo muito fácil (ou tanques com líquidos inflamáveis estrategicamente posicionados, etc). Além disso, é meio forçado o guarda entrar sozinho dentro da "jaula"... Óbvio que os macacos iriam atacá-lo e pegar as chaves. Onde estão os outros guardas?

- Outro detalhe que torna o Caesar mais gostável nesse filme é no final, quando ele admite que é como o Koba - que é motivado por ódio, vingança (e não se orgulha disso). Nos outros filmes eu não gostava muito dele justamente por esse motivo. Parecia extremamente rancoroso o tempo todo. Aqui, como ele admite que isso é um defeito, ele acaba parecendo mais decente.

- SPOILER: Meio perturbadora a morte do Woody Harrelson. Não só pelo suicídio, mas também porque fica a ideia de que ele estava certo o tempo todo. Que o vírus dos macacos de fato é uma ameaça à raça humana e eles precisam ser exterminados.

- SPOILER: O final não é dos mais satisfatórios. Primeiro tem aquela avalanche que é um "deus ex machina" um pouco preguiçoso. Depois tem a maneira improvável de como o Caesar morre. Ele foi ferido pela flecha há horas... Depois disso ainda sobreviveu a explosões, avalanches, caminhou durante dias... Por que ele vai morrer só depois de um tempão quando estão todos a salvo? É só pra dar aquela ideia do mártir que se sacrificou em nome do bem comum e precisa morrer no fim. Sem falar que o conflito entre humanos vs. macacos fica meio "no ar", sem conclusão.

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CONCLUSÃO: Nada de muito memorável ou inspirado, mas é um filme feito com muito mais habilidade, capricho e respeito pela plateia do que a maioria dos blockbusters hoje em dia.

War for the Planet of the Apes / EUA, Canadá, Nova Zelândia / 2017 / Matt Reeves

FILMES PARECIDOS: Star Trek: Sem Fronteiras (2016) / Planeta dos Macacos: O Confronto (2014) / Guerra Mundial Z (2013) / Oblivion (2013)

NOTA: 7.3