quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

O Sacrifício do Cervo Sagrado


(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

ANOTAÇÕES:

- O close inicial na cirurgia é grotesco, feito apenas pra chocar, incomodar. Mas pelo menos tem a ver com a história, não é algo totalmente aleatório.

- Todo o começo é um exercício em estranheza, em não-convencionalidade. O sexo esquisito entre o Colin Farrell e a Nicole Kidman, os encontros bizarros entre o Colin e o garoto (Martin), o comportamento estranho dos personagens em geral, as conversas aleatórias sobre pulseiras de relógios, a trilha sonora dissonante, as lentes grande angulares extremas que distorcem o ambiente... É o que falo na postagem Experimentalismo e Filmes de Arte: é estranheza pela estranheza, o filme tem prazer em quebrar as regras simplesmente pra ser diferente, coloca estilo acima de conteúdo, etc. Mas pelo menos faz isso de maneira razoavelmente divertida, sem a intenção de promover valores negativos.

- Quando Martin revela a maldição pro Colin Farrell (lá pelos 50 minutos), o filme começa a se distanciar do Subjetivismo inicial e a apresentar uma história mais sólida; vai tornando a situação um pouco menos nonsense (Nicole questiona a amizade entre o Colin e o garoto, e isso é mais ou menos justificado, etc).

- A Nicole Kidman acaba se tornando um ponto de identificação para o espectador, pois ela age de maneira mais humana e sensata que o Colin Farrell e mesmo os filhos (vai atrás do Martin pra tentar fazê-lo retirar a maldição, procura o anestesista pra saber o que houve na cirurgia e entender a motivação do menino, etc).

- O cineasta certamente rouba muito do estilo de Stanley Kubrick: o uso de música clássica, os zoom-in/zoom-out longos em incontáveis cenas, o uso de iluminação prática (abajures com lâmpadas fortíssimas que já servem pra iluminar o ambiente sem a necessidade de outros refletores), os passeios pelos corredores do hospital que lembram O Iluminado, o uso de grande angulares, o casting da Nicole Kidman (de De Olhos Bem Fechados), aqueles pizzicatos na trilha que lembram O Iluminado também, etc. A grande diferença (e que talvez seja o maior problema do filme) é que Kubrick tinha um ótimo senso de drama, apresentava conflitos morais difíceis, discutia questões sociais / psicológicas sérias, etc. Aqui é simplesmente uma situação trágica: Colin Farrell cometeu um erro médico, sem querer o pai do Martin morreu, e agora Martin resolveu se vingar, fazendo sua família pagar o preço. É apenas um garoto perturbado ameaçando uma família, e não uma história sobre questões mais profundas como tenta parecer (referências à mitologia grega não tornam um filme mais profundo automaticamente).

- SPOILER: O final é insatisfatório. Os finais do Kubrick eram quase sempre irônicos, intrigantes, faziam a gente refletir. Aqui não houve nada de surpreendente: o Colin Farrell apenas pagou pelo seu erro, que era exatamente o desejo do vilão. Não houve um desfecho inesperado, uma transformação de personagem, uma grande lição, etc. A cena do restaurante não diz muita coisa, apesar da trilha épica.

------------------

CONCLUSÃO: Exercício de estilo interessante com uma premissa curiosa, mas a discussão moral não é tão forte quanto poderia ser, e o final deixa um pouco a desejar.

The Killing of a Sacred Deer / Reino Unido, Irlanda, EUA / 2017 / Yorgos Lanthimos

FILMES PARECIDOS: O Estranho que Nós Amamos (2017) / Grave (2016) / O Lagosta (2015) / O Presente (2015)

NOTA: 5.0

3 comentários:

  1. De todos as observações que eu li, essa foi a melhor. Vi muita gente jovem e sem ter vistos mais filmes anteriores e achou obra prima e fazia referência de bons diretores a tarantino, sofia copola... uma galera muito recente. E o que eu tava tirando é exatamente essa ideia de estranheza por estranheza.

    ResponderExcluir
  2. Eu acredito que o desfecho seja sim inesperado, por esperar um final com um Plot positivo partindo de princípios morais, certo e errado etc… acho que a quebra dessa expectativa por uma grande lição, ou uma vitória do “bem”, de uma forma diferente é extremamente subversiva e gera uma nova experiência, ela com certeza quebrou a sua expectativa por um preciosismo, que de certa forma n deixa de ser clichê, mas a visceralidade do fato que o diretor propõe é extremamente impactante, te coloca em uma lugar de vulnerabilidade, o fato é implacável e doloroso, esse filme me deixou extremamente desconfortável, minha experiência foi bem imersiva e eu achei foda !! Um ótimo filme e como prática cinema essa tal de A24

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pelo pouco que lembro... foi anunciado o tempo todo que o menino iria morrer, ele só piorou de estado ao longo do filme, e no fim morreu mesmo. Talvez a ausência de surpresa tenha sido surpreendente pra você, mas não consegui ver a morte como algo inesperado. E o impacto das melhores reviravoltas raramente vem do fato em si (uma morte), mas da transformação interna que ocorre no personagem (alguém que você imaginava ser ingênuo se revela sábio, alguém que era inocente se torna mau, etc.). Mas eu teria que rever o filme pra tentar ver por essa outra perspectiva.

      Excluir