quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Mulher-Maravilha 1984

 ANOTAÇÕES:

(Esta crítica está no formato de anotações - em vez de uma crítica convencional, os comentários a seguir foram baseados nas notas que fiz durante a sessão.)

- A cena da competição inicial é fraca, meio confusa. Não vejo mais aquela clareza na direção como na cena inicial do primeiro Mulher-Maravilha. A menininha tem poderes exagerados, é imbatível, mas daí cai do cavalo por um erro bobo que nem uma criança tola cometeria. Depois ela pega um "atalho" descendo a montanha, sendo que o objetivo é chegar no topo da montanha. É tudo meio mal contado.

- Essa caricatura dos anos 80 como uma época cafona, superficial, pra mim é sempre um mal presságio.

- Detalhe estranho: depois da sequência no shopping, a Mulher-Maravilha captura os bandidos e os joga do alto do prédio em cima do carro da polícia. Eles não poderiam ter morrido com a queda, ou no mínimo ficado bastante machucados? É uma atitude um tanto "out of character", seria algo que o Deadpool faria, não a Mulher-Maravilha.

- Continuo achando a Gal Gadot uma figura incrível pra representar a Mulher-Maravilha. Pena que o roteiro dessa vez não consegue criar uma personalidade tão gostável pra ela. É uma figura idealizada mas meio distante — está sempre bem vestida, tendo atitudes "superiores", mas não chega a ser cativante. No primeiro filme ela era mais leve, divertida, tinha uma certa inocência. Aqui ela já virou uma mulher mais cínica, uma executiva chata, trata as pessoas de maneira ríspida (especialmente os homens). É um modelo mais "progressista" de mulher forte.

- Meio subjetiva a maneira como a pedra dos desejos funciona. A Kristen Wiig pede algo extremamente vago, tipo "quero ser como a Diana", daí ela passa a se vestir melhor, ter mais força física... Mas como a pedra escolhe em que aspectos ela será como a Diana? Em termos de atitude ela passa a ser mais confiante em algumas cenas, mas às vezes ainda parece a mesma mulher insegura de antes. Esse é o tipo de coisa que deixa as regras da história meio arbitrárias. Por exemplo: por que o namorado da Diana tem que reaparecer através do corpo de um outro homem? Por que ele simplesmente não surge do nada? Daí depois o filme tem que substituir o ator pelo Chris Pine, e a gente fica se perguntando se apenas a Diana o enxerga como Chris Pine, mas os outros ainda o enxergam como o homem da festa... São conceitos meio bagunçados (como também a ideia do vilão desejar se transformar na própria pedra dos desejos).

- Inicialmente a Diana parece estar acreditando que o namorado realmente voltou (embora a reação dela seja bem insípida), e isso cria uma expectativa na plateia de querer ver quando ela irá descobrir a verdade. Mas daí ela vira numa cena e casualmente revela que já sabia de tudo, já tinha sacado que o namorado é um truque da pedra. É anticlimático ela tratar isso de maneira tão casual... Nesses filmes queremos ver os personagens espantados, reagindo de maneira intensa aos acontecimentos da trama. 

- Chris Pine está diminuído nesse filme. Cenas como a dele provando roupas só fazem o personagem parecer tolo, patético... Não dá pra acreditar que a Diana é apaixonada por esse homem. A relação entre os dois perdeu o brilho nesse filme, não convence mais.

- SPOILER: Ridícula a ideia de que eles não podem pegar um voo pois o namorado não tem passaporte. Até porque o Chris Pine para todas as outras pessoas talvez ainda seja o corpo do homem da festa, que certamente deve ter um passaporte. Mas mesmo assim, até parece que a Diana não conseguiria acesso a um simples voo comercial (ela entra até na Casa Branca quando bem entende), e que seria mais fácil invadir um hangar de aviões, roubar um, e decolar escapando no meio de um tiroteio... É tudo uma desculpa pra fan-service: alguém decidiu que seria legal ter o jato invisível da Mulher-Maravilha aparecendo no filme, daí enfiaram a ideia de qualquer jeito no roteiro, sem nenhum esforço pra costurá-la na trama de maneira inteligente. Pior é o momento dos fogos de artifício em seguida, onde o filme tenta criar um momento super emocionante, sendo que não há razão alguma no contexto da história pra ficarmos emocionados nessa hora. É só porque este é o "momento jato invisível" do filme, e os fãs devem estar emocionados com a referência, então o filme não hesita em colocar uma música emocionante e criar um clímax fora de contexto. Isso só comprova a falta de talento e de objetividade do roteiro que eu já estava captando desde a cena inicial.

- Ridícula a cena de ação na estrada onde tudo é interrompido pois há criancinhas jogando bola na rua e a Mulher-Maravilha corre para salvá-las. Os caminhões estão vindo numa reta há quilômetros! Vários tanques pesados, dando tiros, capotando... As crianças estarem ali distraídas, num lugar totalmente deserto, e não verem os caminhões nitidamente chegando parece coisa de Todo Mundo em Pânico. E mesmo antes, nada estava fazendo muito sentido fisicamente nessa sequência.

- Diana só está tentando desfazer um problema no filme, barrar os vilões, mas ela não busca nada de muito positivo, interessante... No primeiro filme havia toda a expectativa em cima do romance, também a curiosidade de vê-la interagindo com o mundo real pela primeira vez, descobrindo seus poderes, etc. Aqui não há esse tipo de expectativa positiva.

- Não convence uma mulher tão evoluída e forte como Diana não querer abrir mão do namorado, sendo que desde o início ela sabe que ele é uma ilusão da pedra. A relação entre os 2 é tão fraca e mal construída que esse dilema parece ainda mais artificial.

- O nível de inteligência desse roteiro é uma coisa assustadora. O jeito como Diane e o namorado conseguem entrar na Casa Branca, depois a ideia nonsense de que através do satélite o vilão vai conseguir "tocar" milhões de pessoas de uma vez (as regras envolvendo a pedra são tão vagas que qualquer besteira que o roteirista pense está valendo), depois a ideia de que a Kristen Wiig ficou má pois perdeu seu "calor" e "humanidade" como punição pelo desejo (desde quando "humanidade" era a grande virtude da personagem no começo?).

- SPOILER: Começa o festival de auto-sacrifício: a cena onde a Mulher-Maravilha aparece mais poderosa no filme todo, é logo após ela renunciar seu desejo e deixar o namorado pra trás. Aos poucos o filme está construindo essa ideia de que a renúncia dos desejos é o mais nobre e heroico dos atos.

- O filme cria uma caricatura do "egoísmo" associando virtudes como ambição e sucesso à ganância e crueldade. Tudo no fim está caminhando para um grande ataque ao capitalismo (novidade!). Os vilões são os gananciosos que querem seguir os próprios desejos, querem ser ricos, grandes, por isso estão destruindo o mundo! O vilão praticamente se transforma na figura do presidente dos EUA, que é tão "maléfico" que diz pra população coisas como "se vocês podem sonhar, vocês podem conquistar!". E pro filme, é justamente o fato da população sonhar, desejar, que está destruindo o mundo. O filme parece ter sido encomendado pela turma do "The Great Reset" — se encaixa perfeitamente na narrativa de economistas de esquerda como Thomas Piketty, que adoram essa ideia de que o liberalismo dos anos 80 arruinou os EUA... Agora faz total sentido o filme se passar em 1984, no auge da era Reagan, pra caracterizar esse período da cultura americana como um enorme desastre que não pode ser repetido. Mulher-Maravilha é a grande heroína que vem salvar os americanos do capitalismo, ensinando a eles a renúncia!

- E não se enganem que a crítica do filme é apenas à ganância exagerada (explico esse truque específico na postagem Alerta Vermelho). O filme tenta camuflar a mensagem fazendo Diana parecer uma defensora da razão, da realidade. Este é o ponto de maior hipocrisia do roteiro... Afinal está bem claro desde o começo que os autores do filme não têm um pingo de respeito pela razão (o que, aliás, é quase um pré-requisito para sustentar essas ideias políticas).

- SPOILER: Na crítica do primeiro filme, eu comentei: "Diferente da maioria dos filmes atuais do gênero que ficam se esforçando pra mostrar os defeitos do herói, acrescentar detalhes realistas pra tudo, aqui, mesmo nas batalhas mais intensas, não temos a sensação de que a heroína está sendo danificada, perdendo sua força, ela brilha do começo ao fim." — Agora na parte 2 é o contrário. Em boa parte do filme há um foco na perda dos poderes, em mostrar que a Mulher-Maravilha também sangra, e mesmo no final, quando ela aparece com a armadura mais poderosa de todas, a armadura é rapidamente danificada pela Mulher-Leopardo (por que a Kristen Wiig virou um leopardo, só a pedra sabe).

- Não sou nenhum expert em elétrica, mas a Mulher-Leopardo não tomar choque enquanto fica lá balançando nos cabos de alta tensão partidos, em curto-circuito, e só ser eletrocutada depois quando o cabo toca a água... é no mínimo confuso.

- SPOILER: O clichê favorito dos contos anticapitalistas: o grande clímax da história é quando o pai ausente (a figura masculina, o símbolo do "patriarcado") magicamente se transforma, põe de lado a carreira, o dinheiro, muda de "time", e entende que o que importa é o amor, é dar atenção aos filhos desamparados.

- SPOILER: No fim, toda a humanidade aprende a renunciar seus desejos, e com isso o mundo vira um lugar mágico: acabam as guerras, pessoas dão dinheiro a mendigos, as diversas raças convivem em harmonia... E no meio dessa grande utopia, vemos a Mulher-Maravilha contemplativa, olhando a bexiga da menininha subindo para o céu: uma estrela vermelha que pode ser uma alusão à tiara antiga da heroína (que nem é citada nesse filme), ou também a vocês sabem o que (a foice com o martelo acho que teria ficado didático demais).

- SPOILER: A cena pós-créditos com a Lynda Carter é outro fan-service totalmente fora de contexto.

Wonder Woman 1984 / EUA, Reino Unido, Espanha / 2020 / Patty Jenkins

NOTA: 3.5

14 comentários:

Korvoloco Aspicientis disse...

Quando vi os trailers desse filme já pude notar que não viria coisa boa, então infelizmente meus temores se concretizaram.
Pelo menos pensei que o filme seria uma carta de amor aos anos 80, pra agradar saudosistas, mas não imaginaria que fossem usar essa década como chacota. E sem falar das motivações e incoerências dos personagens que são outras tragédias. O pouco interesse que tinha em ver o filme foi por água a baixo de vez ao ler suas anotações.
E como todo mundo sabe, um bom filme de super herói não é nada sem um grande vilão, mas nem isso eles acertaram, pelo visto.
Aliás, falando no vilão, notei também que nos trailers o antagonista tem algumas semelhanças com o Donald Trump, eles usaram mesmo esse personagem como panfletagem política ou é impressão minha?

Dood disse...

Poxa, uma pena, até porque gostei do primeiro filme na minha opinião era o melhor filme de heróis da última década. Estranho que é da mesma diretora. Eu até cheguei a comprar o Lendas do Universo DC da Mulher Maravilha do George Perez, autor que rebootou a origem dela em quadrinhos nos anos 80 que serve como base para a personagem atualmente.

Curiosamente no arco da Mulher Leopardo ela nem chega a ser uma grande vilã nesses quadrinhos, ela tem um problema em Temíscera com os Deuses e um conflito entre Zeus e Hera devido a criação das amazonas que nos quadrinhos é criado pela esposa de Zeus sem sua permissão.

Engraçado fazerem todo esse joguete de empoderamento e esquecer que nesse arco tem isso.

Caio Amaral disse...

Korvoloco, muita gente ainda vai achar que é uma "carta de amor".. pois não enxergam o cinismo e não percebem o que ele reflete.

O vilão tem algo de Trump sim, já que o cara é uma celebridade da televisão, um homem de negócios meio caricato que sobe ao poder.. e no fim praticamente rouba o lugar do presidente.. Mas ao mesmo tempo o vilão remete a uma figura como Reagan, já que os discursos dele não têm um viés nacionalista.. remetem mais ao otimismo dos anos 80, ao sonho americano etc.. é um mix.. até pq a esquerda não sabe diferenciar capitalismo de nacionalismo, fascismo.. pra eles é tudo parecido.

Caio Amaral disse...

Dood, eu gostei muito do primeiro.. mas é aquela coisa.. o diretor num filme desse tem muito pouco poder.. são contratados pelo estúdio e têm pouca liberdade criativa a princípio.. pode ser que no primeiro filme a Patty Jenkins estivesse de mãos mais atadas.. já que era seu primeiro longa de grande orçamento.. e agora nesse, já que o primeiro foi um sucesso, ela tenha tido um comando maior da produção..

A Mulher Leopardo nesse filme é uma 2ª vilã.. o vilão principal é o tal empresário.. o conflito no filme começa também por causa de uma criação dos deuses.. mas não as amazonas.. e sim a tal pedra dos desejos. abs!

Dood disse...

Mas no caso da HQ o que acontece mais são Deuses mesmo que antagonizam a personagem isso norteia as aventuras da Amazona, além de outros antagonistas da DC já que ela é ligada a Liga da Justiça.

Eu achei legal o primeiro porque soube pegar a essência da personagem com as primeiras histórias do George Perez que a reorganizou após a crise das infinitas terras, até porque sua mitologia era bem bagunçada.

Anônimo disse...

O que é The Great Reset?

Caio Amaral disse...

É uma proposta do World Economic Forum de aproveitar a pandemia do Coronavírus pra "reformar" o capitalismo num nível global.

Caio Amaral disse...

Dood realmente não entendo nada dos quadrinhos... por um lado acho bom poder ver o filme com esse olhar neutro, mas é legal também quando você entende as origens e pode analisar o que foi modificado pra melhor, pra pior etc.

Dood disse...

Quase toda adaptação cinematográfica atual altera muito a origem do personagem, até então os melhores eram os filmes do Superman (especialmente o primeiro), Batman de 1991 e o Mulher Maravilha até então. Mesmo nos quadrinhos encontramos roteiristas que gostam de dar outro tom a esses heróis afim de tornar "mais humanos" daquela forma como você conhece bem.

Como dito é diferente um personagem idealista de classe super herói de um personagem mais voltado pro humor e escracho de tramas que deveria ser séries e ele só se safa da situação em sua maioria (Deadpool). Tanto que mesmo entre os fãs da Marvel tem gente que tem muita resistência em aceitar um tipo de personagem assim. Como no caso do Deadpool ele é até inserido em sagas, mas suas histórias ficam no campo do paralelo. Acho que os roteiristas ainda tem a noção que um personagem que não se leva a sério é anticlimax.

Korvoloco Aspicientis disse...

Pegando carona nos comentários do Dood. Eu sou totalmente a favor de mudarem uma coisa ou outra das HQ's para os filmes, como por exemplo, os super poderes. Nas HQ's, o Superman é tão ''apelão'' em certas versões, que se fosse adaptado ao pé da letra numa produção cinematográfica, causaria estranheza no público. Em contrapartida, mudar a personalidade, a etnia, sexo e etc apenas pra agradar uma agenda ideológica, acho ridículo.

Caio Amaral disse...

Dood.. o Deadpool talvez não precise de muita alteração, pois ele já é anti-herói, então já se enquadra bem na atmosfera atual.. já os outros que originalmente eram mais heroicos.. esses sim precisam de uma reforma maior.

Korvoloco.. quanto aos poderes.. de fato.. não vejo muito problema nessas alterações pequenas que não modificam a essência do personagem.. assim como mudanças nos uniformes etc.. abs!

Dood disse...

Quanto ao super é que existem diversas versões em diversas realidades, então cada roteirista toma o rumo que quer. Antes ele também teve sua mitologia bagunçada. Após a Crise das Infinitas Terras é que eles consolidaram algo definitivo para ele.

Anônimo disse...

Sem falar que muitos personagens são mais conhecidos pelo público através do cinema e da TV. A última versão da Família Addams, além de ser considerada fraca em geral, recebeu muitas críticas pela feiura dos personagens, que no entanto tiveram seu visual copiado das charges originais de Charles Addams.
Pedro.

Caio Amaral disse...

As adaptações costumam ir acompanhando a estética de cada época, sendo ela compatível ou não com o conceito original.. personagens animados feios são o padrão hoje.. então me surpreende as críticas negativas hehe.