segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Halloween Kills: O Terror Continua

Poucas vezes vi uma franquia mudar tanto de tom de um episódio pro outro, quando o diretor e os produtores permaneceram os mesmos. O Halloween de 2018 tinha sido um acerto, respeitado o original, e agradado à maioria das pessoas. Este agora já é daqueles que muitos vão adorar, e muitos vão odiar. E o que mudou basicamente é que, além do roteiro ser muito mais experimental e problemático, alguém parece ter decidido que o filme devia acompanhar as tendências do gênero e aumentar a dose de "humor", de autoparódia (ler: Idealismo Corrompido), incluir toques ridículos para os "fãs" darem risada, além de inserir comentários políticos na narrativa (há uma multidão revoltada na história que serve pra discutir a psicologia do eleitor de extrema-direita). Não é mais um filme de terror honesto, cujo principal propósito é entreter o público... Agora virou algo mais "conceitual", cujo foco é a "esperteza" do cineasta em brincar com o gênero e fazer comentários irônicos nas entrelinhas (às custas da história).

Procurei algumas entrevistas com o diretor David Gordon Green pra entender sua proposta, e estranhamente não achei nada dele comentando sobre essa mudança; como se ele tivesse tentado apenas fazer uma continuação normal pro primeiro filme. Mas há coisas tão bizarras na narrativa que não é possível que tenham acontecido acidentalmente (minha impressão é que o produtor Jason Blum, que tem uma atitude bem mais cínica que Green, seja a principal influência por trás disso). 

O filme já causa estranhamento logo no início, quando em vez de ir direto para a cena do incêndio que encerra a parte 1 (o que seria o natural), gasta diversos minutos em sequências esquisitas que parecem não ter nada a ver com a história: longos flashbacks dos anos 70 mostrando a relação do policial Hawkins com Michael Myers, algo que nem terá um papel tão importante na narrativa; depois vamos para um bar onde sobreviventes de Myers estão celebrando os 40 anos de sua prisão (há muitas referências a outros filmes e fan-services fora de contexto); só depois vamos ver que Myers sobreviveu ao incêndio e continuará a matança. O problema é que mesmo depois disso o filme não parece começar. Há um senso de bagunça e de falta de direção na narrativa que vem muito do fato do filme não ter um protagonista. Naturalmente, se Jamie Lee Curtis está no filme, isso faz com que o espectador fique o tempo inteiro aguardando ela tomar as rédeas da história e partir pra ação (isso faria o filme "começar"). E um dos grandes crimes do roteiro é que isso nunca acontece. Ela passa praticamente o filme todo num hospital, como uma personagem coadjuvante (uma ideia péssima que parece só existir pra criar um paralelo com Halloween 2 de 1981), e em 1 hora de filme, ela ainda não está fazendo nada, achando que Michael continua morto. O filme não assume que ela será coadjuvante, substituindo-a por uma outra protagonista e criando um outro foco de interesse... A história fica simplesmente sem uma âncora, alguém pra gente se importar, torcer, seguir o objetivo. Ficamos acompanhando diversos personagens menos interessantes espalhados pela cidade, enquanto Michael comete seus assassinatos, mas falta um centro dramático pra história, uma linha de ação coesa.

Esses problemas já seriam suficientes pra tornar o filme caótico e frustrante, mas além disso, há todo o lance do "humor" e da tentativa péssima de dar um ar mais alternativo/cult pro filme... Vemos isso em momentos óbvios como o da mulher atirando na própria cabeça, ou nas cenas envolvendo o casal gay caricato (a própria Jamie Lee Curtis, em vez de heroica, está com um ar ligeiramente ridículo aqui). Há também vários detalhes menores inseridos pra dar um tom excêntrico à produção, algo que não fazia parte do outro filme e nem do clássico: a ária “Fígaro” tocando na cena do carro; a cena do boneco de ventríloquo que nem sei pra que existiu; a sequência longa e surrealista da multidão no hospital, etc. É como se o cineasta estivesse mais interessado em mostrar que tem personalidade do que em fazer um filme de verdade. Só que é uma personalidade forçada, inautêntica, que em alguns momentos parece querer imitar o estilo de filmes dos anos 70/80 (que de fato eram mais livres e ousados em estilo), mas acaba refletindo apenas a pobreza artística e os maus valores do cinema de hoje (não diferente de Freaky, MalignoRua do Medo e outras produções recentes que seguiram essa linha).

Halloween Kills / 2021 / David Gordon Green

Nível de Satisfação: 2

Categoria C/F: Idealismo corrompido / toques de Anti-Idealismo

Filmes Parecidos: O Predador (2018) / Rua do Medo (2021) / Freaky - No Corpo de um Assassino (2020)

7 comentários:

Anônimo disse...

Resumindo o filme, foi uma verdadeira aula de como alongar por duas horas inúmeras variações da mesma frase “o assassino é perigoso”. Agora entendi que é pela falta de protagonista.

Desde o começo do filme fiquei incomodado com a atitude dos personagens e já percebi que eu não iria gostar. Por exemplo, todo mundo da cidade só sabe falar do Michael Myers por 40 anos, sendo que aqui no Brasil um mês depois todo mundo já tinha esquecido daquele serial Killer Lazaro Barbosa. Também o absurdo das vítimas indo comemorar todo halloween a memória de um trauma que sofreram. Seria a mesma coisa uma vítima de estupro fazer um bolo todo ano pra comemorar castração química do estuprador. Que raiva também da Laurie Strode que só fez três coisas: foi pra maca, saiu da maca e voltou pra maca. Uma coisa menor que me incomodou é a cara dos “atores”. Eles não tinham aparência de atores como a Jamie Lee Curtis. Eles tinham cara de parente que vc chama no churrasco em um domingo e eles aparecem de carrão e com uma moça 30 anos mais jovem. Ou daquelas pessoas que vivem nos botecos bebendo, cheio de joias de ouro, cabelo duro de tanta tinta pra esconder o branco e pensando que ainda estão com 25 anos. Foi muito desconfortável ficar olhando pra essa gente.

Eu fiquei aguardando os seus comentários, pois fiquei em dúvida se a crítica era à esquerda ou à direita. Quando apareceu o casal gay fumando maconha, pensei que era a favor dos libertários. Quando a turba começou a ficar descontrolada e se armar, parecia que era anti-Trump. Quando intercalava cenas de um casal negro, gay ou inter-racial com a “história”, pensei que era uma crítica ao politicamente correto.
Daí no final eu concluí é que a mensagem é que está todo mundo errado e que a sociedade é que é responsável por criar bandidos, assim como tiveram pessoas que defenderam o serial killer Lazaro Barbosa como uma vítima. Pois o Michael Myers se tornou assassino por olhar para o “reflexo de si mesmo” no vidro, entendeu a verdadeira natureza humana e se tornou apenas nada além do que as pessoas são de verdade, conforme a turba descontrolada provou durante o filme. O verdadeiro monstro do filme não é o assassino, mas as pessoas. Este Halloween Kills me lembrou muito mais aquele episódio do Twilight Zone o “The Monsters Are Due on Maple Street” do que os filmes de terror dos anos 70/80.

Anônimo disse...

Ah, outra coisa que me tirou do sério foi o Michael Myers “brincalhão”. Preparando um cenário para quando as pessoas encontrassem os corpos. Eu imagino o Michael Myers alguém que não tem noção do que é engraçado ou até mesmo não fica pensando em como criar um ambiente pra dar um susto em alguém. Daí o filme tem aquelas cenas das pessoas dependuradas no balanço usando máscaras de Halloween ou do casal gay deitado igual na foto tocando uma música (eu não consigo imaginar o Michael Myers tendo a delicadeza de preparar um disco de vinil pra tocar).

Caio Amaral disse...

Verdade.. Uma coisa que observei mas não comentei é esse outro clichê atual.. do monstro se tornar uma alegoria - não ser mais uma criatura real, com certa natureza, mas apenas o reflexo de algo psicológico, cultural, etc. Pelo menos essa ideia é sugerida apenas mais pro fim.

Isso do assassino perder tempo posicionando corpos pra assustar as pessoas depois é uma coisa engraçada que vivo questionando em filmes de terror.. mesmo nos dos anos 80, rs.

Alguns dos personagens têm essa cara de "tio de churrasco" justamente porque o filme quer fazer um retrato depreciativo do americano médio/conservador, como pessoas meio toscas, ignorantes. E realmente, as críticas do filme não têm muita coerência partidária. Se o filme fosse tipicamente de esquerda, ele dificilmente retrataria o casal gay de forma tão estereotipada.. Ele parece se divertir debochando de tudo e de todos. Sinto que está se tornando cada vez mais comum isso, das mensagens políticas serem ambíguas, contraditórias.. assim o público fica confuso e não "cancela" o filme.. pois não entende exatamente o que ele apoia/condena (falei um pouco disso na crítica de O Esquadrão Suicida, e estamos vendo algo parecido agora no debate em torno de Squid Game). O que costuma ser mais consistente nesse tipo de filme não é o ataque a um partido ou outro.. mas o ataque ao Idealismo, aos herois etc. Então pra mim a mensagem não fica nada confusa, rs.

Anônimo disse...

Depois do The Last Jedi e do Wonder Woman 1984, não fico mais surpreso com sequencias ruins. Pelo contrário, o que me surpreende é a qualidade do resultado do que os diretores fazem com a liberdade criativa que recebem do estúdio depois de um primeiro filme muito bom. Já vi criticarem produtores quando filmes de uns 20 anos atrás, que deveriam ser bons saem ruins. Diziam que eram “interesses financeiros acima da arte”. Estou começando a achar que hoje em dia os diretores deveriam ter menor liberdade ainda, pois pelo menos os “interesses financeiros” garantem um produto consumível.

Caio Amaral disse...

Mas vamos supor que "Eternos" seja bonzinho.. e na parte 2, a Chloe Zhao ganhe mais controle criativo, e o filme fique péssimo.. Isso teria sido culpa do cineasta ter liberdade demais? Não.. pois nada nesse projeto partiu de uma iniciativa do cineasta, de uma visão autêntica, etc. Foi tudo um projeto de estúdio do começo ao fim.. desde a ideia de fazer uma adaptação/remake/reboot só pra ganhar dinheiro.. até a escolha do diretor, que costuma ser muito equivocada hoje em dia.. a essa altura do campeonato, talvez seja má ideia mesmo dar liberdade demais pro diretor. Não quer dizer que o problema seja a liberdade criativa em si.. Filmes muito controlados pelo estúdio na minha visão costumam ser mais "safe", ficar na média, não tomar riscos.. Isso evita grandes desastres, mas frequentemente impede coisas brilhantes de acontecerem. Como essa "média" pra mim costuma ser medíocre - um filme nota 6.0 é um que eu preferia nem ter visto - eu particularmente prefiro os altos e baixos da liberdade criativa.

y. disse...

Assisti o primeiro filme do halloween ontem e não gostei muito não, fiquei até me sentindo um pouco culpado porque parece que todo mundo ama esse filme e eu achei ele bem parado e com muitos clichês (pesquisei um pouco e descobri que alguns clichês foram inventados pelo próprio filme) e sai um pouco decepcionado do filme achando que seria melhor. Eu amo enigma de outro mundo também dirigido pelo Carpenter e senti que o diretor parecia mais maduro mesmo tendo apenas 4 anos de diferença entre os 2 filmes.

Caio Amaral disse...

Na postagem 100 Grandes Filmes estávamos falando do Halloween original esses dias... Eu também não ponho o filme tão alto no meu ranking de filmes de terror favoritos... Mas o Rotten Tomatoes acabou de fazer uma votação com o público, e Halloween ficou em 1º lugar, acima de O Iluminado, Alien, etc. Então o público realmente é fissurado, rs.