O problema é que essa mudança é mostrada como algo positivo, justo, e a empresa original como a grande vilã da história, reflexo de uma América racista (chegam até a insinuar que o CEO Mike Jeffries e o fotógrafo Bruce Weber eram abusadores, predadores sexuais, sem terem grandes evidências, pra dar um ar maléfico à marca e justificar essa intervenção — uma prática padrão no meio da "justiça social").
Isso tudo porque a Abercrombie & Fitch foi criada em cima de uma identidade visual bem particular, que tinha sempre homens atraentes, brancos e jovens estampados em suas campanhas, e também trabalhando em suas lojas. Esse apelo sexual específico era parte da essência da marca, e foi um dos principais motivos de seu sucesso, mas claro que isso foi se tornando cada vez mais problemático no novo milênio, especialmente após o surgimento das redes sociais (e dos ativistas de redes sociais). Ex-funcionários e pessoas que se sentiram em desvantagem no processo seletivo (por não terem a aparência exigida pra trabalhar na loja), começaram a se organizar na internet e a usar recursos do governo pra atacar a empresa e forçá-la a adotar seus critérios.
É importante lembrar que a Abercrombie não estava sendo acusada de maus tratos, agressão, nem mesmo de agressão verbal por essas pessoas... Se a empresa fosse conhecida por ferir ou depreciar certos grupos, seria totalmente aceitável ela se tornar alvo de críticas (os protestos contra uma linha de camisetas que estereotipava asiáticos, pelo que entendi, até que tinham certa razão). Mas o foco da marca não era atacar, depreciar, e sim exaltar beleza — mas beleza de verdade, e de um tipo específico, que não era "diverso", e foi isso que começou a gerar revolta.
Na cabeça dos ativistas, o critério pra ser contratado deveria ser apenas o mérito, a pessoa ser uma boa profissional, sem levar em conta a aparência. Mas pergunte-se: e no caso de um modelo, ou um ator? "Mérito" não inclui ter a aparência certa pro papel? Será que uma empresa privada não tem o direito de vender mais do que roupas, e querer proporcionar uma experiência maior para o consumidor; imergi-lo num certo universo, num cenário vivo, onde cada elemento é controlado; tratar seus funcionários como "membros do elenco", assim como a Disney faz? Será que o dono de uma empresa não tem o direito de usar seu investimento como achar melhor; de ser movido pelo desejo de criar um produto ou serviço que reflita sua visão, seus gostos pessoais? Muita gente hoje trata a obra e a propriedade dos outros como se fossem bens públicos, que deveriam estar sempre sujeitos a votações, palpites e alterações de qualquer um que não tenha gostado (especialmente se esta pessoa for muito rica).
A Abercrombie exaltar um tipo específico de beleza não significa automaticamente que ela está ofendendo pessoas que não se enquadram naquele perfil. E o fato dela gerar trabalho para pessoas com determinada aparência, não quer dizer que ela está "tirando" emprego de outras pessoas. Mas acho que isso é muito difícil pra algumas pessoas entenderem.
Me pergunto até que ponto o argumento do "mérito" desses justiceiros se sustenta, pois sabemos muito bem que, quando profissionais são selecionados com base em mérito, mas por algum motivo o resultado não é uma equipe tão diversa, eles também ficam indignados.
A verdade é que pessoas assim irão usar qualquer argumento pra tentar impor sua visão, mesmo que sejam palavras vazias e manipulativas. No filme, um dos ativistas chega a dizer que a mudança de identidade é para o bem financeiro da marca (como se eles fossem defensores de lucros agora), afinal a maior parte da população está acima do peso, portanto, não é vantajoso vender roupas apenas para pessoas que estão em forma (a empresa ter feito fortunas nos anos 90 é um fato inconveniente que ele deve preferir ignorar).
Lembrando que eles não se contentaram apenas em forçar a marca a ser mais "inclusiva" em suas campanhas de marketing, em suas peças de roupa, em seus funcionários, mas também nos bastidores da empresa: em seus diretores, executivos; tudo com base no discurso da diversidade — levando o próprio CEO Mike Jeffries a decidir se afastar da empresa em 2014, após anos de ataques pessoais e quedas em vendas (claro que o declínio da marca é atribuído a Jeffries, não ao fato da empresa ter sido desfigurada por agentes externos).
Pra quem já me acompanha aqui, é interessante observar como a ascensão e queda da Abercrombie coincide com outras curvas de ascensão e queda que discuto no blog (como a do Oscar e a do cinema em geral), e como ela também está ligada ao sentimento Anti-Idealista que foi crescendo nos anos 2000/2010, que afetou tudo na cultura que de alguma forma simbolizasse status, sucesso, alegria, etc.
White Hot: The Rise & Fall of Abercrombie & Fitch / 2022 / Alison Klayman
Satisfação: 4
Categoria C/F: Narrativa interessante, mas com má ideologia
Filmes Parecidos: O Dilema das Redes (2020) / Super Size Me (2004)
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