segunda-feira, 20 de maio de 2024

Amigos Imaginários

A premissa é um exemplo típico da História Idealista #1 — uma garota passando por dificuldades emocionais após a morte de sua mãe tem sua vida transformada com a chegada do personagem do Ryan Reynolds e sua trupe de "IFs" (Imaginary Friends).

Histórias desse tipo nunca chegam aos cinemas intactas hoje sem antes passarem por uma "releitura", e a direção que Amigos Imaginários toma é um bom exemplo de por que nem todo caso de Idealismo Corrompido é um caso de Anti-Idealismo. O filme não tem uma intenção maliciosa de subverter a História #1 — o título reminiscente de "E.T.", a trilha à la John Williams e o fato do diretor ter chamado o Janusz Kaminski (parceiro do Spielberg) para a direção de fotografia deixam clara a simpatia do diretor John Krasinski por esse gênero de cinema.

O filme chega até a soar antiquado pela iconografia Idealista que ele traz — referências a musicais antigos da Esther Williams, a Meu Amigo Harvey (clássico com o James Stewart sobre um amigo imaginário), à Tina Turner dos anos 80... Homenagear os anos 40/50 e os anos 80/90 não é "cool" hoje, já que são períodos associados ao Idealismo. A cultura americana dessas épocas (podemos incluir aí também o século 19; o período dos westerns etc.) só deve ser lembrada em tom de crítica ou de deboche, não de saudade genuína, se você quiser parecer atual.

Isso quer dizer que Amigos Imaginários faz jus às suas referências? Não — ele expressa um certo saudosismo, mas destrói todo o suposto otimismo da história ao deixar explícito que os IFs (que simbolizam felicidade, amor, inocência) não passam de uma fantasia infantil; são apenas uma maneira "poética" do filme representar o escape da menina Bea de sua realidade triste para um mundo mais cor-de-rosa (o mundo real do filme é definido por hospitais, doenças terminais, morte etc.). A "alegria" do filme é tão convincente quanto a projetada por esses palhaços deprimentes de hospital, cujo otimismo forçado, água-com-açúcar e desconectado da realidade só aumenta a certeza do paciente de que algo horrível deve estar acontecendo (Krasinski disse que concebeu a história durante a pandemia pra tentar conter o amadurecimento repentino de suas filhas, o que faz bastante sentido — ele parece enxergar "felicidade" e "ilusões da infância" quase como sinônimos, por isso pra ele deve parecer trágico alguém crescer e perder a capacidade de viver em um mundo de fantasia).

Além dessa questão (que está mais ligada à filosofia da história) há vários problemas puramente narrativos no filme. A construção de mundo é mal-feita — o universo secreto dos IFs nunca é tão bem apresentado pro público quanto o de Monstros S.A. ou de outros filmes da Pixar, por exemplo. Os dois IFs que ganham mais destaque, Blue e Blossom, não são memoráveis em design ou em personalidade, o que reforça o senso de que o filme está aproveitando mal seu conceito. Os outros são estereótipos enlatados que só falam piadas prontas. A protagonista Bea é apresentada como uma espécie de Elsa, uma menina triste e vitimizada (o que já não inspira muita simpatia), e a transformação dela em uma menina alegre, entusiasmada com a vida, é rápida demais e não gera nenhuma empolgação. Mal entendemos por que ela começa a enxergar os IFs de uma hora pra outra, por que os IFs precisariam da ajuda de um humano... Os personagens do Ryan Reynolds e do John Krasinski (que além de diretor também atua no filme) são parecidos demais, o que faz com que um enfraqueça a função do outro na história. (SPOILERS) Aliás, se a intenção do roteiro foi criar uma surpresa estilo O Sexto Sentido no final ao "revelar" que Reynolds também era imaginário, a reviravolta foi tão mal escrita que só ouvindo uma crítica na saída da sessão que me ocorreu que talvez o final tivesse sido "surpresa" — eu desde o começo assumi que ele era imaginário e nem notei os esforços do filme pra disfarçar qualquer coisa.

Nesta crítica, aliás, o crítico parecia enxergar os problemas de roteiro de Amigos Imaginários como um problema à parte, desconectado da filosofia do filme. Mas pra mim, uma coisa é consequência da outra: é justamente o fato de Krasinski não acreditar no otimismo da história que ele está contando que faz com que ele não se esforce pra tornar a trama dos IFs crível.

Vendo o filme, lembrei da cena de E.T. em que a mãe lê Peter Pan para a Gertie na cama. Na cena, a mãe está encenando esse tipo de otimismo exagerado que as próprias crianças sentem em algum nível que é inautêntico da parte dos adultos. Mas Elliott, escondido no armário com E.T., é uma prova para o espectador que "fadas" realmente existem no universo do filme. Isso torna a mãe a figura mais ingênua da história; ela acha que fadas e criaturas mágicas são de mentirinha, mas mal sabe ela o que está escondido bem ali em seu armário! Ou seja: enquanto a história de E.T. é uma negação do pessimismo típico da vida adulta, a de Amigos Imaginários acaba sendo uma reafirmação dele.

IF / 2024 / John Krasinski

Satisfação: 3

Categoria: Idealismo Corrompido

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