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Histórias desse tipo nunca chegam aos cinemas intactas hoje sem antes passarem por uma "releitura", e a direção que Amigos Imaginários toma é um bom exemplo de por que nem todo caso de Idealismo Corrompido é um caso de Anti-Idealismo. O filme não tem uma intenção maliciosa de subverter a História #1 — o título reminiscente de "E.T.", a trilha à la John Williams e o fato do diretor ter chamado o Janusz Kaminski (parceiro do Spielberg) para a direção de fotografia deixam clara a simpatia do diretor John Krasinski por esse gênero de cinema.
O filme chega até a soar antiquado pela iconografia Idealista que ele traz — referências a musicais antigos da Esther Williams, a Meu Amigo Harvey (clássico com o James Stewart sobre um amigo imaginário), à Tina Turner dos anos 80... Homenagear os anos 40/50 e os anos 80/90 não é "cool" hoje, já que são períodos associados ao Idealismo. A cultura americana dessas épocas (podemos incluir aí também o século 19; o período dos westerns etc.) só deve ser lembrada em tom de crítica ou de deboche, não de saudade genuína, se você quiser parecer atual.
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Além dessa questão (que está mais ligada à filosofia da história) há vários problemas puramente narrativos no filme. A construção de mundo é mal-feita — o universo secreto dos IFs nunca é tão bem apresentado pro público quanto o de Monstros S.A. ou de outros filmes da Pixar, por exemplo. Os dois IFs que ganham mais destaque, Blue e Blossom, não são memoráveis em design ou em personalidade, o que reforça o senso de que o filme está aproveitando mal seu conceito. Os outros são estereótipos enlatados que só falam piadas prontas. A protagonista Bea é apresentada como uma espécie de Elsa, uma menina triste e vitimizada (o que já não inspira muita simpatia), e a transformação dela em uma menina alegre, entusiasmada com a vida, é rápida demais e não gera nenhuma empolgação. Mal entendemos por que ela começa a enxergar os IFs de uma hora pra outra, por que os IFs precisariam da ajuda de um humano... Os personagens do Ryan Reynolds e do John Krasinski (que além de diretor também atua no filme) são parecidos demais, o que faz com que um enfraqueça a função do outro na história. (SPOILERS) Aliás, se a intenção do roteiro foi criar uma surpresa estilo O Sexto Sentido no final ao "revelar" que Reynolds também era imaginário, a reviravolta foi tão mal escrita que só ouvindo uma crítica na saída da sessão que me ocorreu que talvez o final tivesse sido "surpresa" — eu desde o começo assumi que ele era imaginário e nem notei os esforços do filme pra disfarçar qualquer coisa.
Nesta crítica, aliás, o crítico parecia enxergar os problemas de roteiro de Amigos Imaginários como um problema à parte, desconectado da filosofia do filme. Mas pra mim, uma coisa é consequência da outra: é justamente o fato de Krasinski não acreditar no otimismo da história que ele está contando que faz com que ele não se esforce pra tornar a trama dos IFs crível.
Vendo o filme, lembrei da cena de E.T. em que a mãe lê Peter Pan para a Gertie na cama. Na cena, a mãe está encenando esse tipo de otimismo exagerado que as próprias crianças sentem em algum nível que é inautêntico da parte dos adultos. Mas Elliott, escondido no armário com E.T., é uma prova para o espectador que "fadas" realmente existem no universo do filme. Isso torna a mãe a figura mais ingênua da história; ela acha que fadas e criaturas mágicas são de mentirinha, mas mal sabe ela o que está escondido bem ali em seu armário! Ou seja: enquanto a história de E.T. é uma negação do pessimismo típico da vida adulta, a de Amigos Imaginários acaba sendo uma reafirmação dele.
IF / 2024 / John Krasinski
Satisfação: 3
Categoria: Idealismo Corrompido
Filmes Parecidos: Sete Minutos Depois da Meia-Noite (2016) / Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível (2018) / Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível (2015) / O Bom Gigante Amigo (2015)
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