sábado, 20 de dezembro de 2025

Avatar: Fogo e Cinzas

Em termos de trama e estrutura narrativa, esse filme tem muitos dos mesmos problemas de O Caminho da Água. Lembra um pouco uma novela, sem um protagonista definido, que fica saltando entre vários núcleos e conflitos diferentes, sem um rumo claro, enquanto nos impressiona com a ação e o visual.

Gostei um pouco mais deste filme do que da segunda parte por dois motivos principais. Achei interessante a maneira como o filme enfrentou o racismo de Neytiri, criando diálogos francos e um arco mais satisfatório para ela. A outra melhoria é que Spider aqui se tornou um personagem bem mais gostável, pois removeram aquela indefinição moral que o tornava uma figura irritante em O Caminho da Água.

Mas tanta coisa acontece no filme que é como se esses fossem apenas bons episódios no meio de uma temporada de série cheia de capítulos irregulares. Falta um “gancho mestre” em Fogo e Cinzas integrando todos os eventos e dando foco à história.

Ainda assim, o filme entrega espetáculo visual e consegue ser estimulante momento a momento. Só achei realmente cansativo o ato final, que é uma sequência de ação que parece não acabar nunca. De modo geral, eu estava achando a experiência divertida até essa parte, mas a duração exagerada dessa sequência acabou tornando a sessão exaustiva e me fez tirar alguns pontos da avaliação final.

Outro dia vi Natal Branco (1954) e notei uma tática narrativa muito interessante que a franquia Avatar ignora totalmente — ligada ao Princípio da Ascensão e aos Ganchos e Recompensas. Natal Branco prende seu interesse não só com base na trama — nos objetivos dos personagens — mas também com base na expectativa em relação à ambientação do filme, aos cenários que você quer ver. Ao colocar para assistir a um musical com esse título, você naturalmente quer ver neve, pinheiros, pessoas cantando músicas natalinas em ambientes aconchegantes etc. Nós não vemos um filme só pela trama, mas também pelo “clima” que queremos entrar.

A tática curiosa de Natal Branco é construir muito lentamente esse clima natalino. Começamos em um ambiente árido de guerra. Depois, o filme nos leva para o calor da Flórida. Depois, quando finalmente subimos para Vermont, descobrimos que há uma falta inesperada de neve no estado, espantando os turistas naquele ano. Embora a trama principal esteja avançando, essa ausência da neve e do cenário tipicamente natalino cria uma espécie de gancho que faz você querer aguardar até o final. É como se o filme ainda não tivesse se tornado ele mesmo. E só no finalzinho mesmo que a neve cai e o filme mostra o cenário esperado, dando um senso de satisfação extra à história.

Em Avatar: Fogo e Cinzas, tudo já é escancarado logo de cara: a primeiríssima imagem já nos mostra Pandora em toda a sua glória, personagens voando em cima de banshees, fazendo mergulhos radicais que fazem o espectador se sentir em uma montanha-russa. Se você gosta de Avatar mais pelo universo e pela experiência visual do que pela trama, em cinco minutos de filme você já sentiu todo o “clima” que pagou para sentir — mas ainda faltam três horas para o filme acabar.

Cameron não tem uma história realmente forte para contar em Fogo e Cinzas; ele parece apenas gostar de passar tempo nesse universo de Pandora, de nos transportar para esse lugar mágico. É uma intenção pela qual simpatizo, apesar das questões narrativas problemáticas do filme. É mais ou menos como estar na Disney e entrar em um brinquedo que não é particularmente inovador ou memorável — você pensa: isso não foi nenhum clássico, mas, oras bolas, eu ainda estou de férias na Disney!

Avatar: Fire and Ash / 2025 / James Cameron

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Cultura - Dezembro 2025

18/12 — Onde estão os diretores Millennials?

Lembro que há uns 10 ou 15 anos, quando ainda tinha o desejo de seguir uma carreira no cinema, eu costumava checar a idade dos diretores em ascensão em Hollywood para ver se a minha geração já tinha “chegado lá”. Idade não é um fator totalmente determinante nessa área, mas ainda assim, eu tinha a noção de que diretores bem-sucedidos costumavam fazer seus primeiros longas lá pelos vinte e tantos ou trinta anos, e que seus períodos mais férteis ocorriam entre os 30 e os 40 e poucos anos. Eu me sentia levemente pressionado por essa questão da idade e imaginava que, se eu chegasse aos meus trinta e tantos anos e ainda nem tivesse encontrado uma porta de entrada na indústria, isso me faria sentir atrasado, vendo Hollywood sendo dominada por pessoas da minha geração, e eu de fora.

O tempo passou e meus planos profissionais mudaram. Hoje, trabalhar com cinema não é mais uma prioridade. Mas o curioso é que eu já passei dos 40 anos e ainda não chegou o momento em que a indústria foi dominada por pessoas da minha geração e eu poderia me sentir relativamente atrasado. Se você pegar esta lista dos 50 principais diretores em atividade hoje em Hollywood, encontrará uma pequena minoria nascida de 1981 para frente. A grande maioria será de cineastas da Geração X, Baby Boomers e alguns até da Silent Generation. Há apenas três Millennials: Damien Chazelle (1985), Ryan Coogler (1986) e Greta Gerwig (1983). E nenhum deles chega a ser uma figura de real peso e liderança. Aos 40 anos de idade, Tarantino, Scorsese, Cameron, Spielberg, Kubrick, Nolan e Fincher já tinham feito diversos de seus filmes definitivos e eram figuras culturalmente influentes.

Não sei se os Millennials terão um “desabrochar tardio” ou se Hollywood simplesmente irá “pular” essa geração, que de repente se encontrou melhor no YouTube, em podcasts, redes sociais etc. De qualquer forma, acho que isso ajuda a explicar o senso de estagnação na indústria.


16/12 — Disclosure Day

O primeiro teaser de Disclosure Day diminuiu um pouco minhas expectativas (exageradamente altas), embora ainda seja um dos lançamentos de 2026 que mais estou aguardando. Pareceu algo mais rotineiro, assumidamente fictício, quebrando um pouco o clima conspiratório (me lembrou até as produções do Shyamalan).

Uma ficha que só caiu pra mim há pouco tempo — e que esse teaser me lembrou — é o quanto eu nunca gostei da estética e da linguagem visual de Janusz Kaminski, o diretor de fotografia “fixo” de Spielberg desde A Lista de Schindler. Às vezes, vejo até uma correlação entre a chegada de Kaminski à equipe de Spielberg e o declínio da magia que marcou os filmes dele dos anos 70 até Jurassic Park.


15/12 — A Revolução dos Bichos

A direita está indignada com o trailer da nova adaptação de A Revolução dos Bichos, dizendo que pegaram uma história antissocialista e a transformaram em anticapitalista. Eu nunca li o livro de Orwell, mas não vi nenhuma inconsistência ideológica entre o trailer e a animação de 1954, que é uma adaptação elogiada, aparentemente fiel à obra — e exala socialismo do início ao fim. 1984 talvez seja mais ambíguo, mas acho incrível alguém ler uma história como A Revolução dos Bichos e concluir que Orwell era um conservador ou liberal. O fato dele fazer críticas ao stalinismo e ao totalitarismo não o coloca automaticamente na direita. O inimigo do seu inimigo — ou o crítico dele — não é necessariamente seu amigo.


11/12 — Spielberg/Disclosure

Ontem aparentemente surgiram alguns painéis misteriosos em Nova York e Los Angeles do novo filme do Spielberg sobre aliens (marcando a 30ª parceria dele com John Williams). O título nem foi revelado ainda, mas já estão surgindo teorias da conspiração divertidas na internet sobre o teor da história, já que a frase “TUDO SERÁ DIVULGADO” no telão se aproveita do hype desses últimos anos a respeito de OVNIs e do suposto complô do governo americano. Se for isso mesmo, não poderia haver um projeto melhor para o Spielberg fazer um comeback no gênero. Isso me faz lembrar do quão importante é o entretenimento estar antenado ao zeitgeist, ao que está acontecendo no mundo, e também reforça minha crença de que o escapismo é muito mais empolgante quando mantém um pé na realidade, se esforça para tornar a ficção crível etc.


sábado, 13 de dezembro de 2025

Melhorando Argumentos Objetivistas: Altruísmo

A moralidade do altruísmo é talvez a maior vilã da civilização ocidental segundo a filosofia do Objetivismo. Ayn Rand certa vez disse: “Se alguma civilização quiser sobreviver, é a moralidade do altruísmo que os homens terão de rejeitar.”

Embora eu concorde que, em termos de ideias filosóficas, o altruísmo talvez seja a mais perigosa para a sociedade, não acho que ele seja a origem dos grandes males do mundo, como alguns objetivistas sugerem.

Pra mim, o altruísmo é, primeiramente, uma ferramenta de controle e manipulação — uma ideia que permite que pessoas obtenham o imerecido, tenham acesso aos recursos dos outros, sem precisar recorrer ao roubo ou a métodos mais explícitos de extorsão.

A origem do mal, portanto, é o parasitismo/predatismo humano, o “egoísmo irracional” — o altruísmo é apenas uma estratégia intelectual. Se convencêssemos todo mundo a abandonar o altruísmo enquanto conceito, os problemas da sociedade não desapareceriam. Os parasitas e predadores apenas não teriam mais essa estratégia para usar e passariam a recorrer a táticas mais diretas, como provavelmente faziam antes da civilização moderna.

Sim, lutar contra a moralidade do altruísmo é importante. Mas quando objetivistas falam como se os seres humanos fossem de fato altruístas em suas intimidades, vítimas indefesas dessa falsa moralidade, eles soam pouco convincentes, pois, intuitivamente, todo mundo sabe que o egoísmo irracional explica muito melhor o comportamento humano.

Todos já ouvimos histórias de supostos humanitários ou altruístas que, no fim, foram expostos e se revelaram abusadores, pessoas horríveis. Agora, quão comum é o contrário: você encontrar uma pessoa que age com base no auto-interesse no dia a dia, mas é flagrada fazendo atos altruístas entre quatro paredes que ninguém deveria ter visto? (Não valem esses ricos que fazem atos públicos de caridade e ganham status com isso.)

Vale apontar também que a pessoa que se sacrifica — a suposta “vítima” da moralidade do altruísmo — muitas vezes aceita esse papel porque pretende, futuramente, lucrar com essa moralidade. Por exemplo: imagine que alguém que você não valoriza te peça um enorme favor, como ficar um mês hospedado na sua casa ou servir de acompanhante por vários dias em um hospital. Você precisa ter um grande senso de autoconfiança e independência pra recusar esse tipo de pedido — sentir que, se um dia estivesse numa situação parecida, você não dependeria do sacrifício de ninguém para ter suporte (teria dinheiro o bastante, pessoas que verdadeiramente te amam e gostariam de te ajudar etc.). Agora, quando você não tem essa confiança, você se sente obrigado a ajudar, porque sabe que sua vida também depende dos sacrifícios alheios. Nesse caso, você não está sendo apenas vítima da moralidade do altruísmo: você a adota porque também é adepto do parasitismo/predatismo humano.

A porcentagem da população que é puramente vítima da moralidade do altruísmo, na minha percepção, é muito pequena — quase irrelevante para discussões culturais amplas. Portanto, não acho que a mensagem mais fundamental do objetivismo no campo da moralidade deva ser a mensagem anti-altruísmo. A grande mensagem — aquela que realmente soa verdadeira, faz as pessoas questionarem suas atitudes — é a mensagem anti-parasitismo, anti-egoísmo irracional: de que devemos ser justos, controlar nossos impulsos de tirar vantagem, de trapacear, mentir, e agir corretamente mesmo quando ninguém está vendo. É a cena de Howard Roark deixando de ganhar uma fortuna como arquiteto porque se recusou a abrir mão de seus princípios.

Dizer que as pessoas devem ser egoístas em vez de se sacrificarem o tempo todo soa como uma mensagem excêntrica e meio inútil, pois o principal desafio da maioria das pessoas, na verdade, é aprender a perseguir seus interesses de maneira não destrutiva, não predatória. Essa capacidade é o grande diferencial de um objetivista, aquilo que uma pessoa de fora olha e pode admirar, por entender que é algo nobre e difícil de fazer.

Portanto, ao condenar a moralidade do altruísmo, acho importante identificá-la como uma ferramenta de controle e apontar o verdadeiro mal por trás de sua prática e de sua popularidade.

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quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Dezembro 2025 - outros filmes vistos

Blue Moon (2025 / Richard Linklater) — Se você for um apreciador de diálogos sofisticados e frases inteligentes, vale a pena assistir a esse filme sobre o compositor Lorenz Hart, que foi parceiro de Richard Rodgers antes de ele se juntar a Oscar Hammerstein. Vi o filme interessado porque gosto desse universo (é quase surreal pensar que o entretenimento popular já foi comandado por pessoas com esse nível de cultura) e porque ele retrata basicamente um conflito entre um Idealista Corrompido (Hart) e um Idealista (Rodgers). O problema é que Hart é mostrado como alguém patético, decadente, inconveniente, e 90% do tempo estamos ouvindo ele falar, o que torna a sessão um tanto irritante. A performance de Ethan Hawke é empenhada, mas ele não consegue tornar o protagonista minimamente gostável, o que pra mim é uma falha (ele não é um invejoso carismático como Salieri em Amadeus). Ou seja, não chega a ser uma recomendação, porque tudo acaba não passando de um estudo de personagem e um pretexto para os diálogos inteligentes (baseados em cartas pessoais de Lorenz Hart). Mas, como roteiros com substância são uma raridade no cinema atual, é válida a menção.

Fundamentos da Escrita de Roteiros - Michael Hauge

Masterclass de Michael Hauge, que criou mais um ótimo modelo de escrita de roteiro e estruturação de trama para juntarmos aos de Robert McKee e Syd Field. Aqui no blog, dou dicas que desafiam muitos desses modelos tradicionais, tentando chegar aos princípios fundamentais por trás deles (para que não se tornem apenas regras ou fórmulas engessadas), mas de vez em quando, gosto de revisitar as fórmulas pelo senso de clareza que elas trazem.


terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Novembro 2025 - outros filmes vistos

Zootopia 2 (2025 / Jared Bush, Byron Howard) — A principal ideia que o entretenimento quer que você absorva em 2025 é a seguinte: sabe aquele grupo ou figura que você acha que é má, que parece uma assassina, que tem todos os traços de um monstro, todos os trejeitos de um malfeitor? Ela, na verdade, é boa — vítima de uma grande manipulação arquitetada por quem? Pelos ricos e poderosos, que são os verdadeiros vilões! Em Zootopia 2, as cobras venenosas são as injustiçadas da vez. A única coisa boa que tenho para falar desse filme é que ele não é horrivelmente mal-feito... É apenas mediano, esquecível, clichê, mas pelo menos não inaugura um novo patamar de ruindade, como tantas produções têm feito ultimamente.


Bugonia (2025 / Yorgos Lanthimos) — Achei divertido o começo, o retrato irônico que é feito da sociedade atual (os conspiracionistas da direita, os discursos woke hipócritas da esquerda, etc.). O problema é que depois que você saca a ideia central, o resto do filme se torna chato, repetitivo; não há uma história forte o bastante pra sustentar o interesse na porção central (tudo é absurdo demais para ser levado a sério como suspense de sequestro). Assim como o começo, o final também funciona... O diretor parece ter feito o filme pela mensagem que queria passar, e ele a comunica de forma inteligente, mas falhou em desenvolver um enredo completo que envolvesse independentemente da mensagem. Tudo poderia ter sido resumido em um curta ou sketch cômico de 5 minutos.