quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Gaga: Five Foot Two

Acho a Lady Gaga uma das artistas pop mais interessantes que surgiram desde a virada do século, muito por ela trazer de volta um pouco da diversão e da magia que havia no mundo da música nas décadas de 80 e 90. Esse documentário, no entanto, acaba sendo um pouco frustrante para os antigos fãs. Primeiro por ele focar apenas nessa nova fase dela (a "era Joanne"), onde ela se apresenta como uma artista mais madura, que deixou pra trás a Gaga escapista de Poker Face e Bad Romance que 99% de nós preferíamos (ela está agora flertando com o Naturalismo pra tentar provar que é uma artista respeitável). Acaba não sendo muito inspirador, pois esse é um momento menos empolgante e bem sucedido de sua carreira (é muito diferente de quando a Madonna gravou Na Cama com Madonna durante a turnê Blonde Ambition, um dos maiores auges de sua carreira - e de qualquer carreira).

Outro problema (e que está ligado a esse primeiro) é o foco excessivo do documentário no sofrimento de Gaga. Em vez de nos deixar admirados com o talento e o estilo de vida de uma das maiores super-estrelas da atualidade, toda a ênfase do documentário está no fato de que Gaga sofre - e muito. Descobrimos que ela sofre de dores crônicas, sofre com o machismo da indústria, que se apresentar em shows às vezes é uma grande tortura, que escrever música é um processo desgastante emocionalmente (ela compara a uma cirurgia de coração)... Ela tem incontáveis crises de choro ao longo do filme - uma hora chora por causa de sua vida amorosa (Joanne foi produzido durante o fim de um namoro, o que tornou tudo ainda mais doloroso), outra hora chora por receber uma ligação de uma amiga com câncer, ela chora quando se despede do Mark Ronson no último dia de estúdio, depois num encontro com uma fã, mais crises de dor, etc, etc.

Suspeito que esse foco no sofrimento não seja uma distorção do documentário, mas um reflexo real da atual fase de Gaga. O álbum Joanne é uma homenagem a uma tia de Gaga que era uma espécie de artista na família, mas que morreu de forma horrível quando ainda era jovem (a avó tinha a opção de salvar a vida de Joanne, lhe amputando as 2 mãos, ou deixá-la morrer - e escolheu a segunda). Gaga parece fascinada com esse "ideal" do artista trágico, cujo talento vem das profundezas de seu sofrimento. Um "artista feliz" pra ela deve ser uma contradição em termos. Dentro dessa lógica então, o documentário faz sentido: quanto mais ela sofre, mais ela prova pra si mesma e para o mundo o quão artista ela realmente é. 

Pouco se vê da alegria de cantar, dançar, ser jovem, livre, rica, famosa, usar roupas excêntricas, poder se expressar pro mundo inteiro, etc. Há um momento particularmente estranho quando, no meio de uma conversa, Gaga decide tirar a blusa e ficar com os seios totalmente de fora, apenas pra ficar mais à vontade. É como se nesse momento ela se esquecesse de seu atual personagem, e voltasse a incorporar a Madonna de Truth or Dare - por um momento errasse o "texto" e passasse sem querer a impressão de que astros pop são sim figuras fascinantes, livres de problemas mundanos, com vidas exóticas, personalidades maiores que a vida, etc. Mas a ação soa inautêntica, pois contradiz a Gaga de todo o resto do filme. Quando Madonna fazia esse tipo de coisa, você realmente acreditava que aquilo era normal tanto pra ela quanto pras pessoas ao redor. Aqui, fica um clima de constrangimento, como se ela tivesse subitamente incorporado um personagem que ninguém mais no ambiente conhecesse.

Outro momento de pouca autenticidade é quando Gaga vai apresentar a canção Joanne pra sua avó (a mãe da Joanne real). Você espera uma reação emocionante por parte da avó, mas no fim a única que se emociona de fato é a própria Gaga. A avó fica quase constrangida por não estar tão sensibilizada quanto deveria com a homenagem. Ela parece ter superado a morte da filha já há muitas décadas, como se isso nem fosse mais um grande drama em sua vida. E ela não parece particularmente próxima de Gaga, orgulhosa de sua música e carreira, o que torna o momento ainda mais broxante. Fica a sensação de que essa mitologia toda ao redor de Joanne é apenas uma "pira" da Gaga, e não uma grande cicatriz de fato na história da família. O documentário acaba destruindo um pouco essa ideia de que Gaga é uma mulher de fortes laços familiares, que coloca suas raízes acima da fama (a ponto de ter escrito um álbum tão pessoal). Seus pais aparecem de relance no começo do filme, mas depois desaparecem misteriosamente - não dão depoimentos, nada dizem a respeito de Joanne, não estão juntos na cena da avó, etc. Parece uma família desestruturada como qualquer outra.

O que há de melhor no documentário (além desse belíssimo pôster) são alguns momentos de bastidores (no estúdio com Mark Ronson, gravando o clipe de Perfect Illusion, nos preparativos para o Super Bowl, etc) que nos lembram que Gaga é de fato uma pessoa admirável, talentosa, profissional, que impactou o mundo da música e merece o sucesso que conquistou. Infelizmente, o filme parece fazer de tudo pra gente esquecer de sua grandeza, dando mais ênfase pra ideia que já fica estabelecida no título "Five Foot Two": Lady Gaga não passa de uma baixinha.

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Gaga: Five Foot Two / EUA / 2017 / Chris Moukarbel

NOTA: 5.5

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