Passageiro Acidental (Stowaway / 2021): 8.0
Um dos melhores filmes sobre situações "lifeboat" que lembro ter visto. O roteiro parte de uma reviravolta interessante, mas diferente de outros do gênero, que não costumam ter muito pra mostrar depois dessa primeira sacada, esse aqui consegue a cada 20 minutos escalar a situação pra um novo patamar, tornando a situação cada vez mais envolvente, elevando o nível do suspense, sem nunca parecer forçado ou desrespeitoso com a inteligência do público (SPOILER: a única coisa que me pareceu mal explicada foi a necessidade da morte de um dos personagens, pois não ficou claro por que ele teve que se expor à tempestade solar, e não podia esperar umas horas — mas como é algo que acontece mais pro final, não chega a abalar estrutura geral da trama). O filme também não cai no erro comum de se tornar apenas um estudo sobre a dor, focar demais no sofrimento — ele prende a atenção com base nos dilemas morais, no suspense intrínseco à situação, e na nossa curiosidade sobre as possíveis soluções para o problema, sem ter que fazer os personagens começarem a agir de maneira irracional, entrarem numa briga interna desagradável. A nave giratória presa por cabos é um conceito incrível, e vira palco pra uma das sequências mais tensas que vi recentemente (embora a ação do filme seja pontual e minimalista, pra mim é 10x mais impressionante do que algo como King Kong e Godzilla se esmurrando e destruindo arranha-céus). Palmas para o brasileiro Joe Penna (que ficou famoso nos primórdios do YouTube como "Mystery Guitar Man") que com menos recursos, deu uma aula em muito diretor consagrado que se aventurou por este gênero nos últimos anos.
Amor e Monstros (Love and Monsters / 2020): 7.0
Num mundo infestado por monstros (animais de sangue frio que sofreram mutações e devastaram o planeta) um garoto parte sozinho numa jornada pra tentar se reunir com sua ex-namorada. Apesar de alguns toques de Idealismo Corrompido (no tom não-sério da aventura) o filme é surpreendentemente positivo e bem feito. Dylan O'Brien está perfeito no papel — ele carrega aquela mistura especial de vulnerabilidade e força que é característica dos bons astros, e consegue fazer o personagem ir de um semi-loser no início da história a um leading man respeitável mais pro fim. O roteiro é bem estruturado, tem acontecimentos interessantes ao longo de todos os atos, a narrativa é clara (coisas básicas, mas que temos que aplaudir hoje em dia), e o filme evita a maioria dos "pecados" do entretenimento atual — não chuta o balde do realismo só por ser uma fantasia, se esforça pra ser original, criar conceitos interessantes de monstros (não é a 20ª adaptação de algo existente), é sobre ações concretas (não cai no subjetivismo/simbolismo), nem fica apelando para o sombrio/melancólico/violento, apesar de se passar num contexto pós-apocalíptico. Pelo título e pela premissa, estava esperando algo bem mais "tongue-in-cheek" e carregado de cinismo (como Zumbilândia), então foi uma boa surpresa.
Them (série / 2021) - 1º episódio
Achei que tinha algo a ver com o Jordan Peele, não só por "Them" parecer uma resposta a "Us", mas também pela ideia (já batida a essa altura) de usar o terror de maneira simbólica pra discutir questões raciais. Mas depois vi que Peele não tem nada a ver com a série. Acho curioso que o cinema "político" hoje tenha se tornado tão mainstream que esteja adotando táticas de marketing que antes eram mais associadas a chicletes e produtos industrializados de segunda categoria. Só vi o 1º episódio pra saber do que se tratava e achei detestável, além de altamente racista em sua atitude. A produção é de boa qualidade, alguns momentos de terror são eficazes, mas com base no piloto (não sei que rumo a série toma depois), pra mim ficou claro que o foco aqui não é o suspense, a diversão, nem mesmo qualquer propósito educacional, e sim a motivação por ódio e vingança que está se tornando cada vez mais explícita no entretenimento atual (lendo este artigo, descobri não só que "race horror" e "black trauma" são considerados gêneros de filmes, como o termo "black trauma PORN" já é usado pra descrever seus representantes mais vulgares).
Em adaptações, uma das melhores formas de captar a intenção do cineasta é observando as alterações mais marcantes feitas em relação à obra original ou às adaptações mais famosas. Aqui, a primeira que notamos logo de cara é a decisão de colocar uma atriz que não é bonita pra interpretar uma personagem que necessariamente precisa ser bonita na história (a própria Anya Taylor-Joy reconheceu isso e se sentiu desconfortável pra fazer o papel). Outro detalhe curioso foi a decisão de incluir uma hemorragia nasal durante a cena da proposta de casamento, quebrando o clima da cena mais romântica do filme (2 toques claros de Anti-Idealismo). Costumo ficar entediado com romances de época e provavelmente não seria fã nem de uma adaptação excelente de Emma, que é uma história em grande parte Naturalista, focada em superficialidades, em descrever os costumes de uma determinada época, onde os eventos mais "dramáticos" são coisas como alguém recusar uma dança num baile, ou dizer algo ligeiramente rude num piquenique. A protagonista não tem grandes paixões, propósitos, conflitos pessoais... Parece uma garota desocupada que fica interferindo na vida dos outros por falta do que fazer. A história é vista como uma comédia, mas sinceramente não consigo ver humor algum aqui — os atores estão o tempo todo arregalando os olhos, fazendo expressões excêntricas ao som de uma trilha "engraçadinha", mas nada do que está acontecendo é de fato cômico. Enfim — pra continuar no tema das últimas críticas — me parece mais um caso de cineastas inexperientes (tanto a diretora quanto a roteirista são estreantes em longa) nos trazendo uma versão piorada de uma história antiga.
Fúria Incontrolável (Unhinged / 2020): 5.5
Por acaso revi Encurralado (1971) um dia antes deste filme, então foi curioso (e frustrante) ver como uma premissa similar foi desenvolvida 50 anos depois (ambos os filmes são sobre uma pessoa comum que passa a ser perseguida por um motorista psicopata após um desentendimento bobo no trânsito). O filme funciona como uma distração passageira, prende a atenção minimamente, mas a falta de inteligência na trama, a protagonista fraca, e os toques grotescos de violência pra mim tornaram a experiência um tanto irritante e incômoda. Kubrick disse uma vez: "Tudo já foi feito. Todas a histórias já foram contadas. Todas as cenas já foram filmadas. Nosso trabalho é fazê-las um pouco melhor." Mas vendo Fúria Incontrolável ou um filme como Fuja (que comentei abaixo), a impressão que fica é quase a oposta... Que o "trabalho" agora dos cineastas tem sido descobrir como contar as velhas histórias da maneira mais preguiçosa e econômica possível, fazendo apenas o mínimo necessário pra atrair o interesse do espectador casual, de inteligência mediana, que nunca viu os clássicos, que no fim é quem garante a bilheteria (pra que se esforçar cada vez mais se é possível obter o mesmo retorno financeiro com menos?). É como se todo o conhecimento cinematográfico acumulado ao longo do último século tivesse sido perdido, e as pessoas estivessem tentando reaprender a contar histórias partindo do zero, do nível amador mais uma vez, ignorando tudo o que já foi feito no passado.
Suspense sobre uma garota paraplégica que começa a suspeitar das intenções de sua mãe (Sarah Paulson), sua única cuidadora. O filme é obviamente inspirado em Louca Obsessão (tem até uma personagem chamada Kathy Bates), mas apesar das boas referências e das boas intenções, o roteiro é cheio de clichês (às vezes parece mais um plágio do que algo simplesmente inspirado pelo filme de 1990) e diálogos ruins que vão empobrecendo a produção aos poucos ("Você não fez isso por mim, você fez isso por você!"). A atriz principal é esforçada, mas não tem star quality pra carregar o filme (depois fui ler que ela foi escalada pro papel por ser de fato paraplégica — o que ilustra o problema que discuti no texto sobre diversidade). Diverte até certo ponto, mas não chega a ser um acerto como foi O Homem Invisível (2020).
9 comentários:
Lembro de uma versão de Emma com a Gwyneth Paltrow, pré-Oscar, no papel principal. Em resumo, a história é isso mesmo. Emma era alguém que não tinha o que fazer e por isso me metia a conduzir a vida alheia. A história era basicamente um estudo das convenções sociais vitorianas e de seu vazio. Cheguei a ler parte do livro, mas desanimei. O livro pareceu escrito para mostrar como era impossível alguém escapar do destino forjado pela posição social. Numa história mais romântica, aquela amiga da Emma, salvo engano se chamava Harriet, seria a grande heroína. No filme, e mais ainda no livro de Jane Austen, fica claro que ela pode ser linda, encantadora e misteriosa como uma protagonista de conto de fadas, mas não tem como sair de sua condição de "mal-nascida" destinada a receber uma educação de nível inferior (que não era a mesma coisa que ser menos inteligente ou menos culto) e casar num nível não muito elevado. Por isso o primeiro pretendente que Emma arranjou pra ela, um pastor anglicano se me lembro direito, a dispensou para casar com uma mulher chata de família rica - no livro ela era tão chata como no filme. Afinal, isso era o "certo" de acordo com as convenções sociais.
O melhor livro de Jane Austen, na minha opinião, é Orgulho e Preconceito.
Pedro.
Eu cheguei a ver o Emma com a Gwyneth Paltrow na época, mas não lembro de quase nada. Mas a história passa essa ideia mesmo de conformismo... Não é sobre as personagens quebrando as convenções da época (histórias assim costumo gostar mais) mas se enquadrando perfeitamente nelas. Nesse filme pelo menos, a Harriet é mostrada como alguém menos atraente/interessante que Emma.. não apenas pela questão de ser "mal-nascida"... então talvez seja uma alteração em relação ao livro. Não li Orgulho e Preconceito, mas o filme de 2005 eu acho muito bom. abs!!
"táticas de marketing que antes eram mais associadas a chicletes e produtos industrializados de segunda categoria".
Como assim? como acontece?
produtos de segunda que usam rótulos/nomes parecidos com o de líderes do mercado.. forçam uma associação que não existe pra fisgar o consumidor menos esperto
Caio o que você acha do letterboxd? Eu tenho uma conta lá desde novembro de 2020 e acho uma plataforma até que legalzinha.
Sobre Emma, eu não vi o filme, porém acho a Anya Taylor-Joy muito linda (principalmente em Os Novos Mutantes e Fragmentado). Não sabia que ela ficou desconfortável fazendo o papel
Eu tenho conta no Letterboxd mas ainda não vi muita utilidade pra mim.. ou não explorei direito os recursos.. Só entro lá em 1 página que deixei salva aqui na barra do navegador.. que é a de "Popular Films" filtrados pra aparecer só filmes da década de 2020.. assim fico de olho em lançamentos, filmes novos que posso ter perdido.. pois acho difícil me manter atualizado com o que é lançado hoje.
https://www.thesun.co.uk/tvandshowbiz/13262331/the-queens-gambit-anya-taylor-joy-weird-looking/
Nessa matéria a Anya fala sobre essa questão.. Claro, podemos ter certas preferências particulares, achar pessoas bonitas que estão fora dos padrões.. mas no caso de Emma, a personagem teria que ser dessas que quando entram numa sala, imediatamente todos olham encantados.. e não uma beleza ambígua, exótica, etc. Abs!
Vi o Love and Monsters e me surpreendi positivamente. Nossa salvou meu dia depressivo de sábado por conta do momento que passo. Eu fico com medo de arriscar em alguns filmes e sigo as suas críticas. E dessa vez me ajudou, valeu mesmo.
Que bom.. os filmes mais decentes hoje não fazem muito barulho.. eles estreiam, não chegam a ir mal, mas também não viram grandes hits, não são os que ganham os prêmios.. estão ali no meio de um monte de outras coisas e vc nem rapara.. então me sinto nessa missão às vezes de ficar caçando essas exceções, rs.
Eu tinha ouvido falar bem em outros lugares também, mas ainda tava com receio de arriscar quando saiu na Netflix. Digamos que sua avaliação foi o empurrão que faltava.
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